O sol havia se recolhido, estrelas já começavam a brilhar no céu. A brilhante e misteriosa lua já aparecera, mostrando toda sua beleza e grandiosidade. A noite não era fria, mas também não era quente, estava uma noite agradável.

Caminhando pelo calçadão, observando as pessoas que por mim passavam, e perdida em meus pensamentos, avisto uma figura muito familiar, um rapaz alto, branco e de cabelos escuros, era Eduardo, ele estava conversando, ou melhor dizendo, ele estava discutindo com um homem muito mais alto que ele, moreno e muito forte. Paro de caminhar, me sento em um banco e fico ali, observando aquela cena e torcendo para que aquele cara desse uma surra em Eduardo. A discussão é longa, passados trinta minutos o cara vai embora e deixa Eduardo falando sozinho.

‘Que droga, ele não apanhou’ penso.

Eduardo se senta no banco e lá fica por alguns minutos, de cabeça baixa, passando as mãos no cabelo, de vez em quando levantava a cabeça para ver se ninguém o observava. Estava sentada a mais ou menos cinco metros de distância dele. Eduardo ergue a cabeça mais uma vez e é então que percebo que, Eduardo estava chorando, observo com mais atenção e meus olhos tiveram certeza, Eduardo estava realmente chorando. Se ele não tivesse quase me matado a duas noites atrás teria pena da situação e iria com ele para saber o que houve.

Certamente qualquer dia desse essa minha maldita curiosidade ainda vai me matar.

Levanto do banco onde estou e caminho em direção a Eduardo, a vontade que tinha era de espancá-lo até a morte, mas, por algum motivo essa vontade foi se esvaindo a medida que me aproximava de Eduardo. Sento-me ao seu lado, ele continua de cabeça baixa.

“Voltou para terminar o serviço?” Diz Eduardo. Seu tom de voz era de medo.

“Não Eduardo, eu não sou aquele cara” Digo

É então que Eduardo percebe que se tratava de mim. Ele levanta a cabeça e me olha atordoado, seus olhos expressam medo, triste e surpresa. Certamente a última pessoa que Eduardo esperaria encontrar ali seria eu. Seus olhos avermelhados e inchados de tanto chorar, podia-se ver ainda algumas lágrimas saírem de seus olhos. Não sou uma pessoa que se comove tão facilmente, mas, ver Eduardo naquele estado fez meu coração chorar e minha alma se alegrar. Antíteses. Outra pessoa em meu lugar teria feito totalmente o contrário, não é qualquer uma que teria a destreza de ir em encontro com alguém que a dois dias atrás tentou tirar-lhe a vida.

“Vo-você? O que faz aqui? O que quer aqui? Estás me seguindo?” Diz Eduardo

“Ora Eduardo eu tenho mais o que fazer do que está seguindo você, não acha? E não, eu não estava lhe seguindo, acabei de sair do hospital e resolvi sair para dar uma caminhada. E caso você não saiba passei dois dias internada e o culpado é você.” Digo.

“Sim eu sei, eu sei que foi por minha culpa que você ficou internada. E o que mais me intriga é: o que você faz aqui? Digo, não aqui no parque mas aqui sentada ao meu lado, sabendo que tentei lhe matar, mas mesmo assim você está aqui. É Diana, você é mesmo uma louca.”

“Estava fazendo essa mesma pergunta a mim mesma nesse exato momento, e cheguei a mesma conclusão que você, eu sou louca.”

Na verdade eu não sabia e nem fazia a mínima ideia de o porquê ter ido ao encontro de Eduardo, mas algo aqui dentro me dizia que não foi em vão, que o nosso encontro não foi em vão.

“Vi você conversando com um cara, fiquei lhe observando e depois percebi que estava chorando, e numa mistura de curiosidade, pena e compaixão vim aqui, não me pergunte para quê, mas achei necessário vir.”

“Curioso, muito curioso...” Diz Eduardo

“E o que seria curioso?”

“O fato de você achar necessário vir aqui. Porque tenho algo para te contar e não sabia como, no dia em que quase te matei eu teria lhe contado, na verdade estava indo falar com você mas você chegou e ficou querendo ser a ‘tal’. Nossa Diana, como eu odeio isso em você, e estava com a cabeça cheia de problemas e precisava descontar em alguém, e você foi a sorteada. Bem, o que tenho para lhe contar é que ...”

Silêncio.

Eduardo baixa sua cabeça e fica observando o chão por alguns instantes. Passava suas mãos nos cabelos e lá fica por alguns minutos, de cabeça baixa, olhando para o chão. Eu apenas o observo tentando entender toda aquela situação, primeiro o porquê de eu estar lá, sentada ao lado do meu ‘quase-assassino’ e querendo desesperadamente mata-lo por ter machucado, magoado Kate, e ao mesmo tempo lhe dar um abraço. Essa maldita antítese. Segundo, o que diacho ele tinha para me contar?! Afinal a minha curiosidade excede qualquer limite.

“Certo Eduardo, estou aqui, diga! Vou ouvi-lo” Digo já não aguentando mais, a curiosidade estava me sufocando.

“Não Diana, você não entende. O que tenho para lhe dizer, não pode ser dito, mas eu preciso que você saiba, você tem que saber a verdade. A verdade que ronda o acidente do ano passado. E provavelmente depois de lhe contar, serei morto.”

O chão sumiu de repente, estava caindo em um abismo sem fim. O ar me faltou, minhas mãos suadas tremiam, meu coração estava preste a parar. Flechas pontiagudas atravessaram meu peito. Minhas pernas fraquejaram, uma angustia me envolveu. Meu Deus, o que ele sabia sobre o acidente? E como ele sabia do acidente? Poucas pessoas sabiam do que acontecera naquela maldita noite. Um desespero percorreu minha alma.

“O QUE VOCÊ SABE SOBRE O ACIDENTE, ANDE EDUARDO ME DIGA. MESMO QUE LHE CUSTE A VIDA, CUIDE! PARA DE ME ENROLAR E DIZ LOGO” Digo, melhor, grito, cuspo as palavras em Eduardo. Já não conseguia conter minhas lágrimas, aquele assunto mexia comigo de uma forma tão intensa que tentar contê-lo era algo impossível.

“Diana, por favor, tenha calma a PORRA DA SITUAÇÃO É COMPLICADA, SE EU TE CONTAR NÓS DOIS É QUEM MORREREMOS.” Eduardo responde no mesmo tom que o meu.

Ele me segura pelos braços, e me senta no banco. Estava nervosa demais para ficar sentada. Eduardo olha tão profundamente dentro de meus olhos, que se demorasse mais um pouco ele comeria minha alma. Seu olhar é uma mistura de medo, tensão e carinho. Suas mãos deslizam pelos meus braços e vão de encontro com minhas mãos frias e tremulas. Ele as segura delicadamente, como se fosse uma rosa. Eduardo roça seu polegar na parte de cima de minha mão. A proximidade de nossos corpos é pequena, minúscula. Eduardo continua a me olhar, a tensão é tão grande que pode ser sentida do outro lado do mundo, e num movimento rápido e delicado Eduardo me puxa para um estranho, odioso, tenso, amoroso e estúpido beijo. Sua mão enroscada com meus cabelos, fazendo pressão, dando mais intensidade ao beijo. Sua língua percorre toda minha boca. Tento me desvencilhar mas alguma maldita força do ‘além’ me impede, uma parte de mim estava adorando aquele beijo e ansiava por mais outra estava enojada e queria desesperadamente que aquilo acabasse. E um pensamento me vem “Assassino, mentiroso e ganancioso.” E em um rápido movimento me separo de Eduardo e dou um fim aquela situação profana.

“Que porra é essa Eduardo? Você enlouqueceu de vez?” Digo após a violenta separação de nossos corpos.

“Eu ... eu ...”

“EU O QUE EDUARDO?! ME DIZ LOGO O QUE VOCÊ SABE A RESPEITO DA PORRA DO ACIDENTE, ANTES QUE EU TE QUEBRE A CARA, SEU IDIOTA” Meus olhos ardem de ódio. Porque diabos Eduardo me beijou? Puta que pariu, a minha vida já não estava bem, agora piorou de vez.

“Diana, por favor você não entende ...”

“É Eduardo, eu não estou entendendo mesmo. Me diga, porque diabos você me beijou? Isso é algum truque? É alguma armadilha, um ‘próximo passo’? É isso?” Digo um pouco mais calma, mas a vontade de esbofetear a cara de Eduardo até ela virar do avesso ainda era presente.

“Diana, ele nunca te mereceu, ele nunca te amou como eu, era tudo mentira, você vivia uma mentira, uma ilusão criada por ele. Meu Deus, porque deixei ele fazer isso com você, você não merecia ter passado por aquilo. Você poderia ter tido uma vida diferente, uma vida feliz, do jeito que você imaginava. Eu sempre fui egoísta, sempre pensava em mim em primeiro lugar, tudo era eu e tudo era para mim. Me desculpe Diana, desculpe por ter feito de sua vida um caos, uma guerra sem fim. Um inferno. Me desculpe.” Diz Eduardo em meio a suas lagrimas, seu olhar expressava tristeza e arrependimento.

Se aquele abismo de meu pesadelo estivesse na minha frente agora, não hesitaria e pularia neste instante, acabando com tudo isso, pondo um fim a tudo. Já não aguentava mais. A vida nunca foi fácil, sempre teve pedras em meu caminho, mas agora já não eram mais pedras. Rochas, enormes e pesadas rochas.

“Ele? Ele quem Eduardo? Por favor, me diga de uma vez, já não estou mais aguentando esta situação ...” Digo. Minha voz soa tremula e melancólica.

‘Deus, que não seja isso ... por favor! Que não seja’ Penso

“Diana ... Você não se lembra, mas nós nos conhecíamos ... Sim Diana, nós éramos amigos, e dessa amizade uma grande paixão surgiu, me apaixonei por você. Mas ... despois do acidente do ano passado, você me implorou para esquecer, você me pediu para esquecer. E foi o que eu fiz, fiz você esquecer, fiz você esquecer de mim da nossa amizade, de tudo!” Diz Eduardo, a sinceridade em seu olhar me fez crer que o que acabara de me dizer era verdade.

Kate e Eduardo, apaixonados por mim. Minha vida se tornou uma piada.

Eu apenas o olho, não tenho palavras, mesmo se tivesse não saberia como usa-las. Eduardo acabara de deixar mais uma incógnita em minha vida, o que diabos aconteceu comigo?

Balbucio algumas letras, mas Eduardo não me deixa falar.

“O que realmente aconteceu no acidente do ano passado foi que ...”

Um barulho, como se algo tivesse explodido. Eduardo para de falar, ele faz uma cara de medo e dor, seus olhos esbugalhados estão vidrados em mim. E como em um empurrão Eduardo cai em meus braços, o levanto imediatamente e sinto algo quente escorrer por minhas mãos chegando aos meus braços, estou com Eduardo caído em meus braços, percebo então que o líquido quente que escorria era sangue. O sangue de Eduardo.

“MEU DEUS, EDUARDO, O QUE FOI ISSO ... SOCOOOORRO” Grito desesperadamente atrás de ajuda, mas não havia ninguém, só estava Eduardo e eu no parque.

Uma sombra atrás das árvores me chamou a atenção.

“Oi, tem alguém ai? Socorro, me ajude” Digo em meio as lágrimas

A sombra me movimenta, anda um pouco mais a frente e o dono da sombra diz.

“Você não pode saber a verdade, era pra você ter morrido naquele acidente, não tente descobrir o que houve, ou mais pessoas morrerão.” Um tom grave, alto, essa voz vez minha pele arrepiar. Era uma voz masculina

“O que você quer dizer com isso?”

“Fica o aviso Diana.” Ele diz e some em meio a escuridão daquela noite.

Como ele sabia meu nome? Ele acabara de matar Eduardo. Meu Deus, Eduardo estava morto e por minha culpa. Eu sabia que essa minha maldita curiosidade ainda me mataria, só que nesse caso matou Eduardo.

Eduardo caído em meus braços, seu sangue estava em minhas mãos, minhas roupas estavam machadas de sangue.

“Eduardo ...” Essas malditas palavras fogem quando mais precisamos delas.

“Di ... a ... na ...” Eduardo diz.

Ele ainda estava vivo.

“Shiu ... não se esforce muito vai ficar tudo bem, eu vou ligar para a emergência ... o hospital fica só a alguns quarteirões daqui, aguenta mais um pouco.”

“Não Diana, me deixe aqui. É o melhor que você faz ...”

“Não, não vou.” As palavras saem como um último suspiro.

“Diana desculpe por ... tudo.”

Sem um adeus, sem um abraço, sem um beijo de despedida, sem a troca de olhares, ou mesmo sem um aperto de mão, Eduardo se foi e dessa vez é para não voltar.

São quatro e meia da manhã, estou sentada em um banco de praça, a madrugada estava fria, chovia fino e o vento uivava em meus ouvidos, havia um corpo em meus braços, sangue por toda parte. E a única coisa que me vinha na cabeça era ‘Você não pode saber a verdade, era pra você ter morrido naquele acidente ...

Some legends are told. Some turn to dust or to gold. (FOB – Centuries)