Na tarde seguinte ao baile, Shara entrou no Homem Enforcado, uma movimentada taverna da Cidade Baixa que reunia todo tipo de gente num ambiente animado e festivo. O piso de madeira e as paredes de pedra amarelada reverberavam com conversas e risadas. O humor de Shara em nada combinava com o lugar. Mas ela não estava alí para se divertir. O Homem Enforcado era o ponto de reunião de todo tipo de desocupado importante da Cidade Baixa.

Ela vestia sua armadura com detalhes castanhos e a insígnia da Guarda da Cidade, placas de metal, cota de malha e algumas tiras de couro, seu cabelo negro preso numa trança. Estava investigando o roubo da mansão de Lorde Henry.

A única coisa roubada havia sido um amuleto mágico chamado Bebedor de Vida, que, segundo Henry, tinha algumas propriedades perigosas, nas mãos de um mago.

Afinal, se aquela droga só servia para um mago, por que ele guardava o medalhão?

Shara tinha um nome. Tyrill.

Soltara esse nome por aí, e descobrira que aquela vadia agia sempre em conjunto com outros dois vagabundos. Estavam sempre vendendo seus serviços à qualquer um que pagasse, como ladrões e contrabandistas, principalmente, mas também como espadas de aluguel, às vezes. E não pareciam ter um esconderijo fixo.

Agora ela tinha outro nome. Nadal Narigudo. Um bandidinho safado, mercador de informações. Um tipinho que a Guarda de Kirkwall acabava tendo de tolerar, por sua ocasional utilidade e sua habilidade de não ser pego fazendo nada de errado.

A guarda estava ansiosa por encontrar Tyrill.

Para dar uma boa sova naquela vadia, ela dizia para si mesma, antes de vê-la enforcada. Talvez desse um beijo de despedida nela: sua vingança particular. Não, melhor não, nada de beijo. E, tudo bem, talvez ela não fosse enforcada, não apenas por roubo. Mas da sova e da masmorra ela não ia escapar!

Shara entrou na taverna sem chamar muita atenção. Não era incomum que guardas entrassem ali, vestidos com armaduras, mesmo durante seu horário de trabalho, querendo uma bebida ou uma informação.

Passando as mesas em revista, não foi difícil encontrar uma figura que batia com a descrição de Nadal. Baixo, cabelo longo e seboso, nariz comprido. Ele estava conversando com outro homem, de aparência suspeita.

Enquanto esperava uma oportunidade, Shara sentou no balcão, ao lado de um colega da guarda. Trocou apenas algumas palavras e ficou de olho na mesa do detestável marginal narigudo.

Quando Nadal ficou sozinho com sua bebida, Shara se aproximou, se apoiando com as duas mãos na mesa.

– Você seria o tal que chamam Nadal, não é?

– Quem quer saber? – respondeu ele com petulância.

– A Guarda da Cidade – ela disse sem se abalar.

– E o que a Guarda da Cidade quer com esse tal de Nadal? – ele cruzou os braços.

– Dizem que ele sabe de muitas coisas, esse Nadal. Acho que ele pode me contar algo que eu preciso saber – ela olhou nos olhos dele.

– Pois se é assim, eu seria esse Nadal que a senhorita procura – ele deu um sorriso – sei, deveras, de muitas coisas, mas tenho uma memória fraca.

– Eu quero saber sobre o roubo na mansão de Lorde Henry, será que você sabe de algo?

– Ah, acho que sei, mas como eu disse – ele bateu um dedo na testa – minha memória é fraca, vou precisar de algum – Nadal puxou uma moeda e brincou com ela nos dedos – estímulo, entende?

Shara, que não tinha nem paciência nem vontade de negociar um preço com ele, pensou rápido. Não estava se sentindo muito tolerante com aquele tipinho de vagabundo.

– E será que você – ela baixou a voz e abriu um sorriso ambíguo – não aceitaria outro tipo de estímulo para sua memória? – dizendo “estímulo” no tom mais provocante que conseguiu.

A guarda percebeu o bandido olhando descaradamente, avaliando o tamanho do quadril e o volume do peito dela por trás da armadura. Pareceu decidir que ela poderia lhe dar alguma diversão.

– Me encontre atrás da taverna – ela deu uma piscada e saiu.

Não achava que tinha sido muito convincente, mas, ficou otimista, quando se sentou em cima de um barril, na viela suja e deserta atrás do Homem Enforcado, espremida entre um muro alto e a taverna. Dali a pouco, Nadal apareceu.

Quando ele se aproximou, antes que pudesse sequer falar, Shara pegou ele pelos cabelos sebosos e bateu a cabeça do marginal contra o muro, antes que ele pudesse se recuperar, aplicou-lhe uma joelhada no estômago e o derrubou com um chute por trás do joelho. O bandido tentou sacar um punhal, atabalhoadamente, mas Shara chutou o punhal da mão dele, sacou a espada e encostou a ponta da lâmina na garganta de Nadal.

– Muito bem, seu maldito bastardo, agora vamos ver se a sua memória funciona – ela disse, extravasando um pouco da raiva que sentia desde a noite anterior. Pisou na mão do meliante, apenas o suficiente para ele soltar uma exclamação de dor – Começa a falar, antes que eu quebre seus dedos.

– Ah! Espera! Eu falo! – choramingou ele.

– Quem roubou a mansão?

– Foram três conhecidos meus. Aah! – Shara pisou com mais força – Tyrill, Donic e Tan, esse são os nomes. Uma moça loirinha, rosto bonito, muito gostosinh.. AH! – Shara deu uma apertada, ao ouvir o vagabundo elogiando aquela ladrazinha – Um cara moreno, forte e um elfo, cabelo castanho...

As descrições batiam, Shara viu que a informação era boa.

– E onde eu encontro eles?

– Eu não sei... Aiaiahi! Calma! Eu sei, pelo menos, pra quem eles fizeram o roubo!

Um serviço encomendado? Conferia com o que Shara havia descoberto.

– Aqui mesmo na Cidade Baixa, existe um pequeno depósito abandonado...

Shara anotou mentalmente o endereço que, segundo Nadal, era ocupado pela intermediária que fizera o contato entre os três ladrões e o mandante do crime.

– Você sabe que se essa informação for fria, seu puto, – Shara ameaçou, mesmo tendo certeza de que era verdade, movendo a ponta da espada para dar uma leve cutucada na virilha do marginal – eu vou achar você e, pode acreditar, nunca mais vai sentir nenhum “estímulo”. Estamos entendidos?

– Sim, sim! – choramingou ele.

Shara guardou a espada e deixou o bandidinho desprezível sair correndo. Agora ela tinha uma nova pista.