Eu dormi ali mesmo no chão, encostada no encosto da cama e acordei com o rosto inchado de tanto chorar. Eu precisava de um banho e torcer para que o rosto desinchasse pelo menos até eu descer e fingir para minha mãe que nada aconteceu.
Eu coloquei uma calça jeans, um moletom e tênis, prendi meu cabelo em um coque alto e peguei minha mochila. Assim que me encarei no espelho estranhei a pessoa que me encarava de volta. E pensar que no dia anterior eu tinha me arrumado tanto, hoje eu estava um caco e isso refletiu do jeito que eu me vestia.
– Filha, você não vai descer? - perguntou minha mãe na porta.
– Eu me atrasei. Pode ir sem mim, daqui a pouco eu desço. - se ela estranhou não disse nada. Esperei ouvir o barulho da chave e depois o barulho do carro indo embora para descer. O meu rosto não estava exatamente incrível e eu comia o meu cereal com uma depressão visível.
Pela primeira vez eu não me importei se ia perder a primeira aula, apenas saí de casa e fui andando devagar para a escola. Depois de um quarteirão o carro de Nathan passou por mim devagar, eu vi o seu rosto me encarando pelo vidro, mas desviei o olhar e ele acelerou.
Eu senti que ia chorar novamente e resolvi sentar na calçada para esperar aquele sentimento horrível passar. Mas antes que eu terminasse de me recuperar um carro parou na minha frente e eu já sabia de quem era.
– Jessie? - chamou ela e eu levantei o rosto.
– Oi, Charlie. - ela estava com uma cara preocupada e me ajudou a levantar.
– O que você está fazendo aqui, honey? - eu suspirei e tentei não chorar.
– Acho que eu sou uma idiota. - Charlie me abraçou e começou a fazer carinho no meu cabelo.
– Não fala assim, Jessica. Me conte o que aconteceu. - e eu contei. Toda a conversa que eu tive com o Nathan e até a minha tentativa patética de colocar juízo na cabeça dele.
Charlie ouviu tudo e antes de fazer comentários, me colocou no seu carro e dirigiu em direção a escola.
– Eu sei que você não está em condições de ir para escola, mas não queremos dar esse gostinho para o Nathan, certo? - eu assenti sem falar nada. - Agora, eu quero saber por que você está chorando?
– Porque eu gosto dele, Charlie. Eu me sinto uma idiota falando isso em voz alta, mas sim eu gosto dele.
– Amiga, você não pode... Você tem que esquecê-lo e talvez essa briga de vocês ajude nisso. Essa amizade de vocês nunca ia dar certo, o Nathan não merece alguém tão incrível quanto você. - eu suspirei.
– Charlotte, ele está namorando com a Megan. A Megan! Aquela megera lunática e sem coração. - ela sorriu.
– Xingar a outra garota não ajuda, quem sabe se você xingar o Nathan?
– Aquele idiota, patético, sem coração, manipulado, sem opinião própria, babaca e... - eu coloquei as mãos no rosto. - o garoto que bagunçou o meu coração.
– Ah Jessie...
Ela estacionou o carro na vaga de sempre, já estava no final da primeira aula. Eu peguei as minhas coisas no armário e esperei o sinal da segunda aula para entrarmos na sala. Charlie secou as minhas lágrimas e usou a magia da maquiagem para esconder que eu estava chorando.
– Agora você parece quase normal. - falou e eu sorri.
– Obrigada, o que eu faria sem você?
– Sinceramente eu não sei e o melhor de tudo, é a prova d'água. - eu ri e a abracei.
– Se algum dia eu me separar de você, pode ter a certeza que aonde eu estiver, estarei sentindo sua falta. - ela sorriu.
– Por favor, você está sentimental hoje. Não está dando. Para com isso agora. - eu assenti sorrindo.
Assim que o sinal tocou entramos na sala, Nathan estava sentado lá trás abraçado com a namorada rindo com os outros "amigos". Mas quando me viu fechou o rosto e olhou pra baixo sem o habitual sorriso.
– Jessie, não faz isso com você. - falou Charlie no meu ouvido, eu concordei com a cabeça e sentei no meu lugar olhando fixamente pra frente.
Ia ser um dia longo e complicado, mas eu não ia deixar o Nathan estragar tudo de novo. A professora de química entrou e começou a repassar trabalhos ocupando a minha mente.
– Hoje eu quero definir os pares de laboratório para o resto do semestre. - a maioria das pessoas foram chegando mais perto de outras, como eu fiz com a Charlie. - Sinto muito gente, mas eu vou ter que definir os pares.
Reclamação geral, isso nunca dava certo. Sempre que isso acontecia, você ficava com um par que você não queria ou simplesmente com alguém que não fazia nada.
– Pessoal, eu sinto muito mesmo. Mas por ordem da direção eu vou ter que separar as pessoas pelas notas. A melhor nota com a pior, a segunda melhor com o segundo pior e assim por diante. O diretor acredita que assim haverá equilíbrio e ninguém será reprovado. - eu olhei para a Charlie com o olho arregalado.
– Charlie, será que eu... - antes que eu terminasse, a professora me chamou.
– Jessica Lowe sinto muito mesmo, mas você terá que ficar com o Nathan Gilbert. Você tem A em todas as minhas provas e ele tem F em todas, então... - eu nem levantei apenas fiquei encarando o quadro sem ação. Mas Nathan já estava lá na frente pegando o trabalho e as fichas.
– Eu... eu... - tentei articular alguma frase, mas não saía nada concreto. Eu não conseguia acreditar no tamanho do meu azar.
– Sinto muito, Jessica. Mas eu não posso fazer nada, pode ir com o seu parceiro para o laboratório fazer o trabalho de hoje. - eu levantei ainda surpresa, peguei o trabalho da mão do Nathan e saí andando em direção ao laboratório.
– Jessie, Jessie... - chamou ele enquanto corria para me alcançar.
– Eu não acredito no tamanho do meu azar. - falei e ele suspirou.
– Olha, eu também não queria ser parceiro de uma garota que me acha patético, mas como você pode perceber não temos escolha. - eu bufei alto e saí andando novamente em direção ao laboratório. Mas Nathan pegou o meu braço e me forçou a encará-lo.
– O que foi? - perguntei irritada.
– Eu sinto muito por não ter te dado carona hoje. Eu vi que você estava andando, mas...
– Não tem que se desculpar. Eu não queria que me desse carona.
– Jessie, eu quero consertar as coisas. Me deixa consertar. - eu ri debochada.
– O único jeito de você consertar isso é sendo você mesmo o tempo todo. Consegue isso, Nathan Gilbert? - ele olhou para o chão e não respondeu. - Foi o que eu pensei. Agora nós temos um trabalho pra fazer e por favor, não quero que me atrapalhe. Eu ainda vou tirar A.
– Jessica, por favor, eu sei que está magoada. Mas acredite em mim, eu também fiquei mal. Nem consegui dormir direito essa noite pensando no que aconteceu.
– Ah é? Eu vi você com seus amiguinhos e sua namorada, não me pareceu que estava mal. - ele olhou dentro dos meus olhos com um pouco de... seria raiva?
– Você mesmo disse que eu sou um ótimo ator. - eu soltei o meu braço e sustentei seu olhar.
– Vamos ser parceiros de laboratório, não precisamos ser amigos. - ele assentiu e desviou o olhar.
– Você que sabe.
Quando finalmente chegamos na sala de laboratório alguns pares já estavam lá, inclusive Charlie com um garoto que anda com o Nathan, Austin eu acho (nenhum dos dois parecia feliz) e a Megan que fazia par com uma menina nova. Ela nos encarou quando entramos, mas não perguntou nada.
– Acho que sua namorada está preocupada. - falei colocando o avental.
– Ela confia em mim.
– Pelo menos alguém confia. - ele não respondeu. Terminamos de colocar o avental, as luvas e o óculos e sentamos na primeira bancada.
O trabalho era bem simples, não conversamos mais, eu pedia para ele fazer as coisas e ele fazia. Ele não era burro, na verdade ele sabia bastante coisa sobre a matéria, não entendi porque ele tinha zerado as provas.
Terminamos em 30 minutos e tiramos a nota máxima, a professora nos parabenizou e nos deixou sair mais cedo.
– Vai esperar sua namorada? - perguntei e ele deu de ombros.
– Acho que vou ao banheiro primeiro. E você vai esperar a Charlie?
– Vou ao meu armário primeiro. - ele assentiu e se virou para ir embora, mas eu tinha quer perguntar. - Nathan?
– O que?
– Por que tirou F nas provas, se eu sei que você sabe a matéria? - ele suspirou e chegou perto de mim.
– Eu simplesmente não ia fazer as provas. - eu o encarei surpresa.
– Por quê? - ele estava sem graça, isso era óbvio.
– Porque eu era o único que sabia a matéria dos meus amigos e eu não achava justo tirar A quando todos iam tirar nota baixa. - eu só conseguia pensar em uma coisa.
– Você é um idiota.
– Você já disse isso. - eu me afastei dele e suspirei.
– Então acredita. - saí andando em direção ao meu armário e para minha felicidade, ele não me seguiu.
Eu comecei a organizar as coisas do meu armário e fiquei pensando em como eu podia gostar de um garoto assim. Acho que no fundo, eu gostava do garoto que eu conheci, do Nathan de verdade. Mas eu não ia conseguir conviver com a outra parte dele, a que todos conheciam, a que me dava nojo.
– Jessie, você está com uma cara estranha. - comentou Charlie parada ao meu lado.
– Eu estou com raiva do Nathan. Como alguém consegue ser tão idiota por causa de algumas pessoas que não são nem seus amigos de verdade?
– As pessoas são esquisitas, Jessica. Algumas mais do que outras. - eu suspirei irritada.
– E agora eu ainda tenho que fazer laboratório com ele toda semana pelo resto do semestre.
– Sinto muito amiga. Vai ser um desafio!
– É, eu sei.

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No final da aula eu fui direto para uma livraria tomar um café e ler um livro com a tranquilidade e a calmaria de uma bebida quente. Passei a maior parte da tarde lá e ficaria mais tempo se Will não tivesse me ligado:
– Olá. - falei
– Olá, está em casa?
– Não, estou em uma livraria perto da escola.
– Posso ir te encontrar?
– Claro, eu te mando o endereço por mensagem.
– Tudo bem, chego em alguns minutos.
Eu não queria encontrar com ninguém, mas talvez Will pudesse me fazer relaxar, ficar menos deprimida. Embora eu tivesse meus próprios problemas com ele, eram ridículos perto dos do Nathan.
Quase quarenta minutos depois ele abriu a porta da livraria, e antes que ele pudesse me ver uma vendedora o parou com um sorriso no rosto e uma simpatia exagerada.
– Boa tarde, gostaria de alguma coisa?
– Na verdade eu estou procurando uma pessoa.
– Um amigo, espero. - eu não conseguia não rir.
– Com licença. - falou apenas.
– Tem certeza que não quer ajuda? Eu posso ser útil em várias coisas. - essa última parte foi tão patética que eu não pude aguentar mais, fui caminhando na direção dele e ele sorriu aliviado quando me viu.
– Amor, demorou. - falei sorrindo e o beijei de leve nos lábios. A vendedora ficou muito sem graça.
– Ah desculpe, eu me atrasei na ponte.
– Sem problemas. - eu me virei para encará-la. - Boa tarde.
Eu saí puxando Will pelo braço e quando já estávamos bem afastados começamos a rir, depois eu até fiquei com pena da moça. É bem natural ficar impulsiva na presença de William Corrigan.
– Depois dessa pequena diversão, quer um frappuccino? - perguntei e ele assentiu.
– Por favor, de caramelo com café.
– Você que manda.
Pedi dois frappuccinos iguais e duas tortas alemães, enquanto Will pegava alguns livros. Eu fiquei o olhando, não tinha como não olhar. Ele parecia concentrado, sério e isso o deixava bem bonito, mas afinal o que não o deixava bonito? As garotas a volta dele também o encaravam, tinha até um grupinho do meu lado que apontava e ria se escondendo no meio dos seus cabelos. "Meninas se vocês acham ele assim bonito, imaginem se o vissem com os olhos escuros, cabelo desalinhado e voz rouca." - apenas pensei. Cheguei a ouvir alguns comentários delas que me fizeram rir:
"Meu Deus, parece tirado dentro de um livro"
"Será que ele tem namorada?"
"Um garoto bonito assim ou tem namorada ou tem muitas garotas, mas sozinho ele não está..."
"Ou está?"
"E se a gente tirar na sorte quem vai pedir o telefone dele?"
Eu estava me divertindo muito hoje com as garotas às custas de William, então por que não mais uma vez? Assim que as bebidas ficaram prontas, pedi para levarem os pedaços de torta na nossa mesa.
– Will. - chamei, ele olhou pra mim e eu sorri. As garotas do meu lado ficaram perplexas.
– Ah, eu ainda não escolhi o livro.
– Deixa, depois a gente pega. - ele veio na minha direção e esticou a mão para pegar o copo, mas eu tirei da direção dele e fiquei o olhando.
– O que foi? - perguntou ele com um sorriso.
– Sem pagamento? Acha que eu faço as coisas de graça? - ele sorriu e se inclinou para me beijar, eu deixei que ele fizesse e depois entreguei o copo pra ele. - Está vendo? Muito melhor!
– Você tem toda razão! - ele sorriu e foi na frente.
Eu me virei para olhar para as meninas que me olharam de volta decepcionadas, uma até murmurou "Sortuda!", outra falou "Tem gente que nasce virada pra lua". Sentei na mesa rindo de frente para Will.
– O que foi aquilo? - perguntou.
– Eu queria zoar uma meninas que iam tirar na sorte quem ia pedir seu telefone.
– Sério? - perguntou ele surpreso.
– Sim, muito sério. Esse negócio de andar com você é muito trabalhoso. Sempre tem garotas querendo teu telefone, teu endereço, teu corpo... - Will gargalhou e eu o segui.
– Meu corpo? Agora você forçou.
– Você não sabe o que essas garotas pensam de você, na verdade o que elas querem de você.
– Sabe, Jessie, eu estou começando a achar que você está com ciúme. - eu revirei os olhos.
– Eu não estou com ciúme de você, isso seria patético. Eu sei que essas garotas podem pensar o que quiser, porque no final eu posso te agarrar, te beijar e te levar pra minha casa. - ele não aguentou e (re)começou a rir.
– Você, hoje, está especialmente engraçadinha.
– É verdade, não sei o que deu em mim.
– Por favor, continue assim. Adoro garotas divertidas e engraçadas.
– Então, está com a pessoa certa.
– Bom saber.
As nossas tortas chegaram e nós comemos em silêncio, eu pensei se deveria contar para Will sobre a última noite. A minha situação com o Nathan estava cada vez mais delicada, ainda mais agora que somos parceiros sem nem mesmo olhar dentro da cara do outro.
– Por que você está com essa cara? Está pensando em quê? - Will me conhecia a pouco tempo, mas já me conhecia.
– Depois que você foi embora ontem a noite, eu estava indo dormir, Nathan apareceu no meu quarto...
– E o que ele fez? Vocês brigaram? - eu suspirei e contei tudo pra ele. Tudo mesmo, até que somos parceiros de laboratório. Ele ficou um tempo sem falar nada, apenas me encarou.
– E você chorou? - essa parte eu não queria contar, fazia eu me sentir patética.
– Talvez um pouco. - falei sem jeito. Para minha surpresa, ele sentou do meu lado e acariciou a minha bochecha. Seu toque era suave e sua mão macia, eu curtia seu toque e fechei os olhos.
– Eu não quero que você sofra por ele, está ouvindo? - eu apenas assenti e ele beijou os meus lábios suavemente.
– Você é mesmo um garoto apaixonante. - sussurrei, mesmo de olhos fechados eu sabia que ele sorria.
– Você que me inspirou a isso. - eu não tinha outra coisas a fazer a não ser beijá-lo novamente.
Mesmo que tudo que estávamos passando agora acabasse depois de um tempo, eu sabia que Will ia fazer bem pra mim de um jeito que ninguém mais conseguia. E mesmo que tivéssemos que terminar, sabia que podia contar com ele mesmo que como irmão. Confesso que no fundo eu preferia que não fosse como um irmão.

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