Assim que soube da cirurgia, Lizzie não teve outra opção se não ligar para a família do outro lado do Atlântico. Ela resistiu por alguns minutos, não queria preocupá-los, mas por outro lado, achava injusto deixá-los sem saber de nada. Ela ficaria muito brava se alguém tivesse mantido ela no escuro sobre algo tão grave assim.

Do hospital mesmo ela ligou. Estava ciente de que deixaria seu salário inteiro naquela conta, mas o que ela podia fazer? Quando seu pai atendeu o telefonema, o que era o milagre dos milagres, já que era sempre sua mãe quem corria para atender, ela começou a explicar tudo o que tinha acontecido. O sr. Bennet ficou mudo durante toda a explicação e quando Elizabeth finalmente terminou, pode ouvir a voz séria dele perguntar se a cirurgia já tinha acabado e se Jane estava bem.

— Falei com o médico antes da operação, ele disse que era algo bem simples. – Ela respondeu tentando soar animada. – Já deve estar terminando, assim que eu tiver qualquer notícia ligo para vocês de novo, mas agora eu preciso desligar porque...

— CIRURGIA!? COMO ASSIM CIRURGIA?? MINHAS MENINAS, ELAS ESTÃO BEM?? – Lizzie pôde ouvir a voz estridente de sua mãe, era exatamente por isso que ela preferiu que o pai tivesse atendido ao telefone. – Está vendo o que acontece quando você deixa suas filhas irem para tão longe!? Se acontecer qualquer coisa, sr. Bennet, qualquer coisa, eu juro que... Dá aqui esse telefone!

— Mãe, não precisa se preocupar! A Jane passou mal, só que não foi nada demais...

— Nada demais? Não sei aí onde você está, Elizabeth, mas por aqui cirurgia é algo muito sério.

— Sim, mãe. Só estou dizendo que nós trouxemos ela para o hospital correndo e vai dar tudo certo. Preciso muito ir, mas assim que ela sair eu prometo que aviso!

— Elizabeth Bennet, não se atreva a desligar sem conversar direito comigo!

— Mãe, o médico está me chamando. ­– Ela disse, no momento em que Bingley apareceu, estava ansiosa demais. – A gente se fala depois.

— ELIZABE...

Elizabeth desligou o celular e foi correndo até o dr. Bingley. Charlotte tinha ido até a lanchonete buscar algo para elas comerem, mas Lizzie não quis sair dali.

— E então!?

— Pode ficar tranquila. – Ele sorriu e naquela hora tirou um enorme peso dos ombros de Elizabeth. – Correu tudo bem. Ela já está sendo levada para o quarto e deve acordar da anestesia logo, logo.

— Graças a Deus! – Ela respirou aliviada. – E a você, claro! Muito obrigada, dr. Bingley, muito obrigada mesmo por cuidar da minha irmã.

Ele sorriu e disse que já estava no final de seu turno, mas que amanhã estaria de volta e acompanharia a recuperação de Jane de perto. Elizabeth ficou muito animada e não via a hora de ver a irmã e contar a novidade para ela. Claro que Jane ficaria vermelha como um pimentão e Lizzie mal podia esperar para ver isso. Esperou, então, Charlotte voltar com lanches que não tinham a melhor das aparências e logo uma enfermeira as acompanhou até o quarto em que Jane repousava. Ela estava com os olhos fechados e uma expressão tão calma que lembrou Liz do quanto ela amava a irmã e do quanto aquele dia tinha se assemelhado com um pesadelo. Ela abraçou Charlotte e agradeceu a amiga pelo apoio.

No dia seguinte, um domingo, Charlotte, que havia ido para casa na noite anterior, voltou para o hospital para que Elizabeth pudesse ir tomar um banho e trocar de roupa. Assim que Liz voltou, a amiga se despediu e disse para Elizabeth que ela podia ligar a qualquer hora caso precisasse de algo. Charlotte era o tipo de amiga que não se encontrava em qualquer lugar e para Lizzie foi um alívio tê-la ao seu lado durante a noite passada. O ruim de se estar tão longe da família é que durante momentos difíceis, eram poucos aqueles com quem se podia contar, por isso Elizabeth se sentiu tão sortuda.

Além de Charlotte, Elizabeth também estava muito contente, pois Bingley realmente estava sendo bastante atencioso com Jane. Ela não o conhecia tão bem para dizer que ele estava dedicando atenção especial à irmã ou se era assim com todos os pacientes, mas ela torcia muito para que ele estivesse interessado na irmã, os dois combinavam tanto! Antes de sair para almoçar, ele havia dado mais uma passada para checar como Jane estava e ao encontrá-la dormindo, convidou Elizabeth para se juntar a ele no almoço.

— Não quero deixar a Jane sozinha. – Ela respondeu, embora seu estômago estivesse roncando.

— Deixa disso, ela vai ficar brava se você se descuidar da sua saúde, e deixá-la nervosa não vai ajudar em nada na recuperação dela.

O argumento dele até que era convincente. Ele parecia conhecer sua irmã, pois Jane realmente ficaria brava se soubesse que ela ainda não tinha saído para almoçar e já eram quase duas da tarde. Por isso, Lizzie aceitou o convite, mas disse que voltaria o mais rápido o possível.

Dessa vez, Elizabeth, que estava quase morrendo de fome, fez um prato digno de olhares alheios. Mas ela não estava nem aí para a opinião dos outros, eles não tinham ideia da noite que ela tinha passado e precisava descontar em alguma coisa, e na falta de opções, seria na comida mesmo. Ela encontrou com Bingley procurando um lugar livre e quase ao mesmo tempo que ele, identificou uma mesa com conhecidos.

O estômago dela se revirou, e dessa vez não foi por fome, e sim pela visão de alguém. Por uma fração de segundos ela pensou em uma desculpa, qualquer desculpa que pudesse dar para não seguir Bingley em direção àquela mesa. Só que era tarde demais, o médico virou-se para trás e gesticulou com a cabeça para que ela o seguisse. Ela deu um sorriso sem graça e juntou-se a ele na mesa que o dr. Darcy e a irmã de Bingley dividiam até então.

— Charles. – Caroline disse com um pouco de desprezo. Estava na cara que ela não estava a fim de ser interrompida. – E acho que você é a garota da festa.

— Ah, sim. – Respondeu Elizabeth enquanto se ajeitava em uma cadeira, ela corou um pouco depois que Caroline lançou um olhar maldoso para o prato dela. – Sou Elizabeth.

A moça, vestida com o uniforme de enfermeira, não respondeu, apenas continuou a comer sua salada. Talvez fosse por isso a cara de poucos amigos, imaginou Lizzie, quem podia ser feliz só com coisas verdes no prato?

— E como está sua irmã? – A voz marcante de Darcy cortou o gelo.

— Está bem melhor, obrigada. Acho que amanhã ela já vai poder voltar para casa, certo, dr. Bingley?

— Sim, ela está reagindo muito bem. Com certeza receberá alta já amanhã.

Elizabeth viu, pela visão periférica, Caroline revirando seus pequenos e falsos olhinhos azuis. Aquilo tirou-a do sério. O que Liz tinha feito para ela ser tão insuportável assim em sua presença? Atrapalhado o almoço dela com o seu querido Darcy? Elizabeth sabia que não era certo, mas sentiu vontade de colocá-la em seu devido lugar.

— Ah, esqueci de te agradecer por ter ficado ao meu lado ontem até a Charlotte chegar, sr. Darcy, foi muito legal da sua parte. – Ela disse com uma voz sedosa. Não estava tentando agradá-lo, e sim, irritar um pouco Caroline.

Darcy tossiu sem jeito e a irmã de Bingley lançou o olhar mais mortífero que ela já recebera na vida. Tudo por causa de homem, Elizabeth riu internamente.

— O Darcy estava lá ontem? – Bingley perguntou, alheio a toda a situação.

— Por um instante. Vi quando a srta. Bennet chegou à emergência e pensei em oferecer um ombro amigo. – Darcy respondeu sério, dando mais atenção a sua comida do que o necessário, estava obviamente sem graça, o que deixou a conversa ainda mais interessante para Elizabeth.

— Darcy? Confortando alguém? – O jovem Bingley riu sozinho. – Por que não me chamou? Essa eu queria ter visto!

— E ele até que não se saiu tão mal, levou chocolate quente para mim. Você sabe, açúcar é indispensável em situações desesperadoras, ele agiu certo. – Elizabeth entrou na brincadeira.

Charles e Elizabeth riam da conversa, enquanto que Darcy permaneceu calado e Caroline estava com cara de quem queria usar a faca com que cortava a pobre folha em seu prato, que não tinha culpa de nada, para esfaquear Lizzie.

— Claro, pessoas emocionalmente instáveis tendem a descontar no açúcar. – Caroline disse com um sorriso amarelo. – Não que você seja, quero dizer, sua irmã estava mal, você tinha motivos para estar desesperada. – Aquela fala mansinha dela não convenceu Elizabeth de sua inocência, ela falara aquilo para provocá-la, Lizzie tinha certeza.

— O que dizer? Nem todas as garotas conseguem descontar as frustrações na salada. – Liz usou o mesmo tom de brincadeira que Caroline, mas era claro que elas estavam se alfinetando, todos na mesa já tinham percebido, menos Bingley, que ria de cada frase dita, como se tudo fosse uma grande piada.

— É verdade. E algumas descontam na quantidade de comida. – Caroline olhou para o prato de Lizzie com maldade. – Você acha saudável isso, Darcy?

— O que? – Ele perguntou desinteressado.

— Descontar as frustrações na quantidade de comida.

— Não, eu não acho saudável. – Ele respondeu com um suspiro. – E sabe o que eu também não acho saudável? Duas pessoas que acabaram de se conhecer se alfinetando durante o almoço. Acho bem indigesto. – Sua voz era firme. – Aliás, indigesto e deselegante.

Os olhos de Caroline ficaram esbugalhados de surpresa, por alguns instantes um silêncio constrangedor tomou conta da mesa, até Elizabeth decidir quebrá-lo.

— Duas pessoas discutindo sobre pontos de vista diferentes é deselegante agora? É deselegante garotas terem opinião e defende-la com fervor?

Ele olhou-a nos olhos. Azul no castanho, só faltavam as fagulhas voando entre eles.

— Da maneira como estão fazendo? Eu acho.

— E que maneira seria essa, dr. Darcy? Estou errada em dizer que mais uma vez, você está se colocando no centro de tudo? – Elizabeth era boa em argumentar.

Darcy ficou um pouco incomodado e por uma fração de segundos pode ver insegurança em seus olhos. Era a deixa que ela precisava.

— Sabe o que eu acho? Que você é tão cheio de si que até mesmo uma discussão banal tem que girar ao seu redor. – Ela disse com aspereza. – Mas, não pense nem por um segundo que isso foi sobre você.

— Não foi o que eu disse.

— Que bom. – Ela sorriu ironicamente e ficou feliz por tê-lo deixado sem fala. – Agora se vocês me dão licença, vou ver como está a minha irmã.

Elizabeth se levantou e caminhou toda orgulhosa para longe da mesa, quem era aquele Darcy para tentar humilhá-la na frente de todos? Se ele estava acostumado a pessoas como Caroline, que ouviam o que ele tinha a dizer e não davam uma bela de uma resposta, era bom não chegar perto dela novamente. Se ele vinha com uma pedra, ela já estava preparada com três para atirar-lhe de volta.