No dia seguinte ao ocorrido, Elizabeth passou pelas portas do hospital e foi se esgueirando pelos corredores tentando evitar qualquer contato com certas pessoas. Na noite anterior, Jane conseguira convencê-la a dormir no apartamento, já que ela teria que trabalhar na segunda-feira e precisava estar descansada. Ela conseguiu fazer seu caminho até a sala onde deixava seus pertences sem nenhum incidente, a única pessoa com quem esbarrou foi o sr. Collins, que exprimiu, por quase quinze minutos, o quão consternado ele ficara pelo que havia acontecido com a irmã de Lizzie e desejou melhoras e disse que não via problema nenhum se ela precisasse se ausentar um pouco para visitar a irmã durante seu turno de trabalho.

Então Liz foi direto para o quarto de Jane antes de seguir para a clínica e deparou-se com a porta entreaberta e ouviu vozes muito animadas vindas de lá de dentro. Logo percebeu que a conversa era entre Bingley e Jane, por isso recuou. Ela tinha dois motivos para não querer interrompê-los, o primeiro era obviamente não atrapalhar os quase pombinhos; e o segundo, era o fato de ela estar um tanto envergonhada por conta do seu comportamento durante o almoço do dia anterior. Elizabeth tinha uma personalidade tempestuosa e muitas vezes conseguia dar as melhores respostas automaticamente, só que algumas vezes, quando ela parava para refletir, apesar de nunca admitir para si mesma que estava errada, ela chegava a conclusão de que teria sido melhor ter deixado para lá. Esse foi o caso, bem no fundo, ela sabia que tinha distorcido um pouco o comentário de Darcy e feito dele o bandido sem que ele ao menos tivesse chances de se defender. E o pior, na frente do melhor amigo dele e sua irmã, e possível flerte de Darcy, Caroline.

Por fim Elizabeth decidiu adiar a visita para não precisar enfrentar o olhar de Bingley, ainda mais perto da irmã para quem ela já havia contado toda história, desde a parte em que Darcy havia tentado ser legal levando para ela chocolate quente, e Jane praticamente havia dito que ela exagerou um pouquinho. Esse era o jeito meigo dela de dizer que Liz havia feito papel de tonta.

Como de costume, ela chegou alguns minutos antes do médico da clínica chegar e ficou sentada em uma cadeira, pensando nos últimos acontecimentos. Alguns minutos mais tarde seu coração quase parou quando ela viu Darcy passando pela porta. Sua reação involuntária foi revirar os olhos, mas o gesto fora mais para ela mesma, que não havia cogitado a hipótese de ele ser o médico da vez e se preparado mentalmente para enfrenta-lo, do que para ele, que comprimiu os lábios na hora.

Enquanto ele arrumava suas coisas, ignorando-a totalmente, Lizzie sentia-se a mais idiota das mulheres, com seu estômago se revirando. Por quê estava tendo aquela reação? Por mais besteira que achasse que tinha feito no almoço, ela não deveria estar tão preocupada assim, afinal, ela não estava nem aí para a opinião dele, certo?

— Já te disseram que você é ótima em distorcer as coisas? ­– Ele perguntou, parecia mais uma observação do que uma acusação.

— Na verdade, minha irmã sempre me diz isso. – Lizzie admitiu sem graça e viu um quase sorriso se formando nos lábios de Darcy.

— Acho que teremos mais duas horas de trabalho juntos hoje. – Sua voz soou tranquila. – Será que você pode tentar não me matar durante esse tempo? Porque as vezes tenho a impressão de que você não vai descansar enquanto não conseguir isso.

Elizabeth deixou uma risada escapar e prometeu que tentaria. Aquilo quebrou um pouco o gelo e as horas seguintes acabaram sendo mais tranquilas do que Lizzie imaginara. Não que eles tenham conversado nem nada, as poucas palavras que trocaram nos intervalos entre pacientes, foram em relação a saúde de Jane, sobre a qual Elizabeth fora questionada e respondeu com alegria de que a previsão de alta era para aquele dia mesmo. Assim que Darcy cumpriu seu horário, despediu-se cordialmente e seguiu para seu próximo compromisso. Liz aproveitou a deixa para correr até o quarto da irmã, que dessa vez encontrava-se sozinha, mas com um sorriso de orelha a orelha.

Jane estava bem mais disposta, disse que o dr. Bingley havia passado para vê-la e confirmou que ela poderia ir para casa já no final daquela tarde. Aquilo deixou Elizabeth muito satisfeita, mas ela não pôde conversar muito com a irmã, já que não queria abusar da permissão que o sr. Collins havia dado para ela. Por isso, a jovem despediu-se de Jane e prometeu voltar mais tarde. Também disse que ligaria para Charlotte para pedir uma carona para elas mais tarde, na hora em que Jane fosse liberada. Aquela vida sem carro estava matando as duas. O velho automóvel de Jane, que as irmãs costumavam dividir, estava no conserto desde que ela voltara de sua última viagem a trabalho. O pobre carro de segunda mão fazia o maior esforço para não as deixar na pior, mas infelizmente, para um carro, ele já estava fazendo hora extra e suas idas ao mecânico estavam ficando cada vez mais frequentes.

Quando voltou para a clínica, Elizabeth deu de cara com um médico que ela ainda não conhecia. Ele tinha um porte bonito, era mais alto que ela e tinha cabelos loiros da cor da areia.

— Oi, desculpe pelo atraso, eu sou a intérprete, minha...

— Então eu não estou sozinho! – O jovem muito charmoso, pelo que Lizzie pode observar, pareceu aliviado ao vê-la. – Dr. Wickham e eu não falo uma palavra de português. Acho que deu para perceber meu desespero, fiquei enrolando para chamar o primeiro paciente porque não faço ideia do que falar.

Elizabeth riu, gostou bastante da sinceridade do homem, então soube que as próximas horas seriam agradáveis. Apresentou-se e disse que ele não precisava ficar tão aflito, que a maior parte dos pacientes até arranhavam o inglês, mas a cada consulta que se acabava, ele despejava elogios sobre ela. Lizzie, que adorava ter seu trabalho reconhecido, sentiu-se nas nuvens. Além de atencioso, o tal George Wickham, cuja especialidade também era traumatologia, era muito galante. Era o oposto de Darcy e trabalhar com ele foi tão mais simples. Eles conversaram bastante entre as consultas e brincaram como se fossem velhos conhecidos. Wickham tirava sarro do sotaque de Liz e ela de suas tentativas frustradas de aprender algumas palavras em português.

Estava sendo uma manhã bem legal, mas então, para a tristeza de Lizzie, chegou a hora de Wickham trocar de turno com outro médico, aliás, médica. As horas seguintes foram bem normais, sem muita conversa e mais foco no trabalho. Aí o tempo demorou mais para passar.

Liz conseguiu ir almoçar em um horário diferente de todos que conhecia, o que naquele momento foi um alívio. Ela não estava a fim de conversar, queria terminar de comer rápido para poder passar o resto do tempo com Jane, e foi o que fez. Os últimos minutos do seu horário livre, ela passou no quarto da irmã, contando a ela sobre o novo médico que conhecera. Pouco antes de voltar para a clínica, conseguiu falar com Charlotte que aceitou dar uma carona para elas mais tarde.

O restante do dia se passou bem rápido. Antes que Elizabeth desse conta, já estava de volta ao quarto de Jane. Bingley assinou a alta dela e desejou melhoras e em seguida, conversou com Elizabeth sobre o pós-operatório de Jane. Disse que ela teria que ficar de repouso, sem fazer esforço por pelo menos mais uma semana e passou mais algumas instruções. Dito isso, ele despediu-se das duas com um sorriso, e retirou-se apressado pois estava sendo requisitado em outro lugar.

Estava quase na hora combinada com Charlotte, quando ela ligou. Liz foi atender o telefone no corredor, e acabou quase esbarrando no dr. Wickham para quem ela sorriu enquanto sua amiga tagarelava algo no telefone. A presença dele até a desconcentrou e ela acabou pegando só o final da fala de Charlotte.

— E aí não vou conseguir ir buscar vocês. – Ela ouviu Char dizer com uma voz sofrida e se xingou mentalmente por não ter prestado atenção em tudo o que ela falara. – Pelo menos não no horário combinado.

– Putz, Char. Acho que vou pedir um táxi, então, a Jane está louca para sair desse hospital.

Wickham, que parara de frente para Liz, estava atento ao que ela dizia ao telefone.

— Eu sinto muito, Liz. Sei que estou deixando vocês na mão, mas você sabe como eles são chatos com esse negócio de hora extra aqui.

Então tinham pedido para Charlotte estender seu turno, acontecia direto no St. Mercy, mas justo no dia que Jane ia receber alta, era muito azar.

— Fica tranquila, Char. Eu peço um táxi, você já fez muito por nós nesses últimos dias. Não se preocupe, sério mesmo.

— Jura?

— Claro, eu te aviso quando chegarmos em casa, prometo. Agora volte ao trabalho, ou eles vão ficar bravos com você, hein?

Liz despediu-se de Charlotte um tanto pensativa. Odiava o fato de ter que pegar um táxi com Jane debilitada, mas não tinha outra saída. Ela provavelmente estava com uma cara preocupada, pois Wickham que ainda a observava arriscou-se a perguntar se estava tudo bem.

— Ah, está sim. – Ela respondeu com um sorriso. – Minha irmã está internada aqui, ela fez uma cirurgia. – Wickham arregalou os olhos e deu um passo para mais perto de Lizzie, que ficou um pouco sem graça, mas continuou a falar. – Está tudo bem, ela já até recebeu alta. Só que uma amiga minha ia nos dar carona e ela acabou de ligar dizendo que não vai poder e...

— Meu turno acaba em dez minutos. – Ele disse ainda com um olhar preocupado. – Posso levar vocês, sem problemas.

— Não, dr. Wickham, que isso. – Ela deu de ombros, odiava pedir favores a estranhos e apesar do bate papo que tiveram mais cedo, ela o conhecera naquele mesmo dia. – Já falei para a Char que vamos pegar um táxi.

— Imagina, eu faço questão. Por favor, Elizabeth. – Liz corou, ser chamada pelo primeiro nome por ele, ainda mais com aqueles olhos tão fixos no dela, deixava-a estranhamente desconfortável, mas aquele tipo de desconforto bom, causado por um embaraço. – Deixa só eu ajeitar minhas coisas que eu já levo vocês.

Liz então gaguejou sua resposta positiva e um rápido agradecimento. Deu um passo para trás para afastar-se de Wickham e disse que iria espera-lo no quarto de Jane. Ela nem percebeu que ao final do corredor, um par de olhos castanhos observava a cena com uma frieza assustadora. De todas as mulheres de quem seu quase inimigo poderia ir atrás, por que ela? Seus punhos cerraram involuntariamente e ele saiu pisando duro antes que um dos dois o visse parado ali.