A Indomável

Capítulo XI - Êxtase


- Prestou bem atenção? Nada de agulhas muito longas perto dos pacientes. Quando se aproximar deles, use está seringa - Margarie me mostrava uma seringa menor que a que ela mostrara antes. Uma seringa semelhante a que "Big Bertha" usava em mim, mas ela não se preocupava em esconder a maior pra minha proteção.
- Mas para aplicar a injeção use a maior, certo?
- Está certo - balancei a cabeça positivamente.
- Nós tratamos de pacientes em maior parte idosos, por isso tome cuidado com seus frágeis coraçõezinhos. Se eles verem que vão ser cutucados por uma seringa dessas eles podem morrer por antecipação.
Margarie tagarelava com sua voz aguda, enquanto colocava uma peruca escura de cabelos semelhantes aos meus e um par de brincos.
- Nem sei como lhe agradecer, Amélie. Não é mesmo uma coincidência que Tess conheça todo o mundo nessa cidade?
- Sim, muita. Mais coincidência ainda foi que você já trabalhou com ela - murmurei, agora vestindo uma peruca loira, semelhante ao cabelo de Margarie.
Ela entristece-se por um momento, enquanto passava um batom rosa claro.
- Foi uma fase - ela sorri sem humor - Tess me ajudou muito. Devo muito a ela.
- Digamos que eu posso dizer o mesmo - sussurrei.
- Está combinado então? Mais ou menos onze e vinte estarei de volta, ok?
Ela ajeita a saia, radiante e saltitante, os olhos radiavam tanto vigor e felicidade.
- Como estou?
- Está ótima. Não é a toa que sempre nos vestíamos com a roupa da outra.
Ela revirou os olhos e gargalhou ao lembrar do passado.
- Novamente não sei como agradecer por me cobrir nessa sexta, eu e meu namorado não saímos há tempos por causa desse novo médico metido a besta que nunca me dá folga! - ela suspira teatralmente.
- Está tudo bem, vai lá! Se divirta! Vai brincar um pouco - sorri.
Ela me olhou de lado de um modo pervertido, sorrindo maliciosamente.
- De novo, muito obrigada, Amélie.
E saiu do vestiário uma outra mulher.
- Acredite, eu que agradeço.Margarie e eu éramos colegas em um curso de enfermagem, ela sumira de repente por ter sido obrigada a se mudar pro subúrbio, confesso que não fiquei surpresa ao saber que ela já fora contratada de Tess. Não cobrei por ela nem sequer ter perguntado sobre César, Margarie sempre foi muito avoada, sonhadora e infantil. Ela nunca se apega a certos detalhes e eu agradecia por ela ser assim, me poupava de dar mais explicações sobre histórias horríveis que eu não gostaria de lembrar.
Terminei de calçar o sapatinho de salto médio e coloquei os óculos de Margarie, eram os mesmos desde o colegial; grandes e redondos.
O grau era muito alto, por isso tratei de me focalizar moderadamente, sem forçar tanto minha vista.
Era estranho como tudo começara a correr perfeitamente, eu estava onde deveria estar, com o tempo correndo ao meu favor e ainda por cima tinha tudo nas minhas mãos. Nada podia dar errado.
A não ser pela exposição involuntária que estaria fazendo de Margarie, mas essa já seria uma outra história.
A única coisa que me incomodava no momento era a tal sombra que me perseguira na tarde passada. Eu tinha certeza absoluta de que era um homem, não era mais a minha imaginação me pregando uma peça, mas logo que me aproximei a sombra sumira sem deixar um rastro sequer. Nem mesmo um sinal.
Balancei minha cabeça tentando limpar minha mente. Naquele momento eu precisava somente me focar.
Saí do vestiário e andei pelo corredor com muitas pranchetas no braço, eu as segurava em frente ao meu peito pra tentar acalmá-lo.
- Margarie! Menina, onde você se meteu? - ouvi uma voz gritando logo atrás de mim, o que me fez gelar por completo.
- Ande logo, traga esses relatórios pra cá!
Me virei com cuidado. Droga! Aquilo era realmente tudo de que eu não precisava naquele momento.- Anda logo, garota – a tal da chefe das enfermeiras ralhou impaciente em meu encalço, me obrigando a virar de frente pra ela. Eu apenas abaixei a cabeça, olhando fixamente para a prancheta em meu braço.
- Agora ande logo. O doutor Piettro precisa que você vá auxiliá-lo – ela me olhou de cima à baixo, torcendo levemente o nariz, era como se ela suspeitasse o que ele realmente queria.
Ela pegou meu braço e apontou uma porta, eu apenas entrei sem pestanejar onde ela ordenara.
Ele estava lá, usava um jaleco branquíssimo e estava colocando luvas de borracha, fazendo um estalo irritante ao ajustá-las nas mãos.
- Ahh, você está aí! - ele murmurou, mal olhando para mim.
Suspirei fundo, torcendo pra que não fosse necessário que eu falasse uma palavra sequer. Naquele momento era imprescindível que eu tomasse todo o cuidado possível. Um deslize, e tudo poderia ser perdido.
- Rápido, me traga os instrumentos e prepare a maca para o paciente – ele ordenou numa voz de seda. O maldito era realmente muito galante.
Apenas empurrei a mesinha de instrumentos para o lado dele. Ficar em silêncio era mais difícil do que parecia.
- O que houve? Você parece tão calada.
Apenas dei de ombros e virei de costas rapidamente, fingindo mexer em algo numa prateleira com bisturís. Antes que eu pudesse piscar, senti o maldito deslizar as mãos emborrachadas pelas minhas coxas.

- Você não está em silêncio por causa do que aconteceu em nosso último plantão juntos, está? - ele dizia fungando e jorrando o hálito quente na minha nuca. Espremi meus olhos com força, mordendo os lábios e apenas movendo a cabeça negativamente.
- Então o que é? Anda, fala pro papai – ele tossiu uma risada esfregando os lábios na minha nuca.
Eu me via encurralada. Era fato que ele não iria tirar aquela excitação nojenta de perto do meu traseiro tão cedo. Meu coração disparou de uma forma que eu não conseguia controlar. Minhas mãos tremiam e suavam, a única coisa que eu pude fazer era chorar. Me derramei em prantos, e finalmente eu o senti se afastar.
- Hey, não vai me dizer que você está chorando por causa... Ahh fala sério!
Ele levanta as mãos para o alto como quem se rende, e aproveitando a deixa eu digo com a voz anasalada:
- Minha mãe... Está muito doente.
- Ohh, sinto muito – ele diz sem absolutamente sentimento algum. Sentia coisa nenhuma.
Assoei meu nariz em alguns lencinhos umedecidos que encontrei tateando a prateleira ao meu lado. O cheiro de àlcool para esterilizar o ambiente realmente me deixava tonta.
- Se eu puder fazer algo para ajudá-la.
Era a minha chance.
- Não precisa fazer nada. Eu não quero mais nada, nesse momento – esguelei com a voz ainda mais anasalada que antes e o abracei, escondendo meu rosto em seu peito.
Ele riu, deliciando-se com o que acontecia. Nada é mais excitante pra um homem do que ser posto num pedestal e sentir-se desejado e apreciado. Essa são coisas que se aprende convivendo no local de trabalho de Tess.
- Você quer relaxar um pouco? - ele pergunta quase que me arrancando as roupas ali mesmo, naquele exato momento.
- Se você não se importa – assoo o nariz novamente – Eu gostaria que trancasse a porta. Nós dois podemos correr grandes riscos se formos pegos.
- Como quiser, gracinha – Ele estica um dos braços, trancando a porta.
No mesmo momento em que eu estava encurralada, eu deveria usar isso para meu benefício.

Antes que ele retornasse a antiga posição, eu o abracei, enrolando minhas mãos em seu pescoço. Era óbvio que ele iria descartar qualquer tipo de romantismo, e um abraço era obviamente o que ele iria evitar.
Antes de qualquer reação, estiquei meu braço, puxei uma seringa debaixo de minha manga e injeto todo o conteúdo em seu pescoço. Ele afrouxa o aperto sobre a minha cintura, finalmente cedendo aos poucos.
- Vagabunda... - ele sussurra suavemente, caindo aos poucos num sono brando e entorpecente.

-x-

Aos poucos ele ia abrindo os olhos e me encarando.
- Olá – murmurei enquanto ajeitava a faixa de enfermeira na minha cabeça. Agora sem peruca loira.
Ele resmungava coisas ininteligíveis com a boca amordaçada com um trapo velho.
- Calma, calma. Prometo que serei breve – Aponto para um frasco ao meu lado virado de ponta cabeça, pingando gota por gota num cano que fora injetado em seu braço – Isso aqui é uma substância parecida com a Morfina em seus efeitos, amortecendo todos os seus músculos. Porém, é diferente em um aspecto...
Ele me assiste em desespero enquanto me aproximo dele, pegando meu canivete butterfly, abrindo um dos lados e enfiando em seu braço sem pestanejar.
Seus olhos reviraram nas órbitas e lacrimejaram instantaneamente assim que ele forçou um gemido entre a mordaça.
- Como pode ver, ela amortece todos os seus músculos. Porém você pode sentir tudo, tudo o que eu fizer. Vai sentir eu arrancar lentamente, muito lentamente, sua língua, seus olhos, suas orelhas e claro, se resolver fazer a bobagem de tentar gritar, arrancarei suas bolas e farei um guizo pra coleira de cada um dos meus rotweillers. Espero ter sido clara.

Antes que ele retornasse a antiga posição, eu o abracei, enrolando minhas mãos em seu pescoço. Era óbvio que ele iria descartar qualquer tipo de romantismo, e um abraço era obviamente o que ele iria evitar.
Antes de qualquer reação, estiquei meu braço, puxei uma seringa debaixo de minha manga e injeto todo o conteúdo em seu pescoço. Ele afrouxa o aperto sobre a minha cintura, finalmente cedendo aos poucos.
- Vagabunda... - ele sussurra suavemente, caindo aos poucos num sono brando e entorpecente.

-x-

Aos poucos ele ia abrindo os olhos e me encarando.
- Olá – murmurei enquanto ajeitava a faixa de enfermeira na minha cabeça. Agora sem peruca loira.
Ele resmungava coisas ininteligíveis com a boca amordaçada com um trapo velho.
- Calma, calma. Prometo que serei breve – Aponto para um frasco ao meu lado virado de ponta cabeça, pingando gota por gota num cano que fora injetado em seu braço – Isso aqui é uma substância parecida com a Morfina em seus efeitos, amortecendo todos os seus músculos. Porém, é diferente em um aspecto...
Ele me assiste em desespero enquanto me aproximo dele, pegando meu canivete butterfly, abrindo um dos lados e enfiando em seu braço sem pestanejar.
Seus olhos reviraram nas órbitas e lacrimejaram instantaneamente assim que ele forçou um gemido entre a mordaça.
- Como pode ver, ela amortece todos os seus músculos. Porém você pode sentir tudo, tudo o que eu fizer. Vai sentir eu arrancar lentamente, muito lentamente, sua língua, seus olhos, suas orelhas e claro, se resolver fazer a bobagem de tentar gritar, arrancarei suas bolas e farei um guizo pra coleira de cada um dos meus rotweillers. Espero ter sido clara.

- Vamos! Faça outra vítima agora, garanhão! - Me aproximei de seu ouvido enquanto ele fechava os olhos molhados de lágrimas de dor – Você agora é um capado! - soltei outra gargalhada que ecoava em todo o lugar.

Ele não se movia somente pelo efeito da droga em seu sangue, porém seus olhos exprimiam perfeitamente o que ele sentia.
- O que? O que foi? Não doeu o suficiente? - perguntei me aproximando dele, ouvindo o arfar e os gemidos abafados que ele sufocava por trás da mordaça. Era atordoante.
Chacoalhei o bisturi pingando de sangue em cima da mesinha e depois o limpei com uma flanela.
Assisti calmamente enquanto ele tinha espasmos, sofrendo em silêncio obrigatoriamente.

“ - Hey, mocinha. Cuidado com essa faca! - minha mãe gritava de longe, vindo em minha direção pelo nosso extenso jardim enquanto eu tentava fazer uma cirurgia em um dos meus ursinhos de pelúcia.
- Ahh mamãe, eu tomo cuidado! - choraminguei.
- Nada disso, não quero que você ainda se corte ou perca um braço, sua maluca!
Fecho os olhos por segundos, e invés de ver minha mãe caminhando com a faca na mão e indo em direção à cozinha, apenas vejo-a se contorcendo febril no nosso gramado. Suando. Fraquejando. Delirando.
- MÃE!!? MAMÃE!? - minha voz alternava entre minha voz infantil e a minha voz de hoje. Seu ventre úmido de líquido vermelho, manchando as calças e o avental de vaquinhas que eu e papai a dera.
- Eu disse que a faca machucava, não disse? - ela sussurrou lacrimejando, enrolando meus cachos do meu cabelo longo que oscilava e se tornavam os cabelos escuros e lisos que eu tenho hoje.
- Mamãe, não vá... - sussurrei, vendo a imagem de minha mãe aos poucos se transformar em cinzas nas minhas mãos...

Gritei tão alto que senti que as paredes iriam desabar sobre mim. Ignorei completamente a imagem de Pietro ainda delirando e tremendo na minha frente, com um pinto sangrando e despedaçado. Perdi tempo demais em meu devaneio estúpido e pressionando minhas têmporas tentando acalmar minha mente perturbada.
- Seu estúpido! Cretino! - gritei repetidas vezes, acertando o bisturi em seu ombro, peito, orelhas...
- Antes que eu me esqueça... - engasguei a cólera na minha garganta – Junto com o líquido injetado no seu corpo tem meio litro de sangue B+. Boa sorte com a incompatibilidade, meu bem.
Seus olhos tremiam, enquanto recitava algo com a voz fraquejando aos poucos:
- Oh, mio caro signore … Aspetto con calma e abilità, anche se io non lo meritano, accendere le luci del mio rifugio. Che la miaanima vivrà in pace … Lasciate che il mio corpo si trovano su foglimorbidi e finalmente la pace...Amen...
- Abri a tampa de um cantil, bebendo de uma só vez e sentindo o líquido descer queimando a minha garganta, enquanto assistia os olhos dele arregalarem, antes de ter espasmos abruptos, cuspindo sangue e revirando os olhos nas órbitas.
- Addio ragazzo... - sussurrei, fechando a porta e o deixando ali.
Caminhei tranquilamente pelo corredor. Com um terninho cinza escuro, óculos de grau e cabelos cor de violeta que refletiam por onde eu andava, pelas luzes das lâmpadas fluorescentes. Aquelas que iluminavam-me, enquanto eu caminhava com um peso a menos nas minhas costas. Só faltavam quatro pra eu eliminar.

Cheguei em casa atordoada. Era noite e estava tão escuro que eu mal conseguia encontrar o buraco da fechadura e encaixar minha chave.
Andei deixando um rastro de luzes acesas no meu minúsculo apartamento. Eu estava desnorteada demais, era como se um balde d'água fria me atingisse tão forte que me deixasse ferida. O meu eu consciente acordava aos poucos, tendo noção de que acabara de matar um homem. Eu me sentia suja, fétida, pesada.
Me joguei de joelhos no chão do banheiro em frente à privada, vomitando tudo o que eu tinha e não tinha no estômago. Me levantei, passei a mão sobre a minha boca e me encarei diante do espelho. O rosto pálido e sem vida que tanto tinha mudado. Se me lembro bem, a última vez que parei pra me admirar em frente ao espelho por tanto tempo, eu estava me arrumando pra me encontrar com César...
Retirei minha prótese, analisando e virando o braço cotoco, liguei a torneira no ultimo, jorrando um jato forte de água. Esfreguei minha mão direita com o cotoco da esquerda, me sentindo ainda mais imunda.
A pressão sobre minha mão aumentava e quanto mais a água jorrava gelada sobre minha pele, mais eu a esfregava, até que a água foi escurecendo e ficando vermelha feito sangue. O sangue de Pietro Ottavio, de Brian Phillips...
- Não... Não - sussurrei aturdida, esfregando ainda mais a minha pele e vendo que a coloração da água não mudava, apenas ficava ainda mais escura e mais carmim. Busquei cegamente a torneira tentando fechá-la e assistindo desesperada a água avermelhada escorrer no ralo, diante dos meus olhos.
Levanto aos poucos meu rosto e tento me encarar novamente no espelho. Apenas assistindo em meu reflexo meus olhos pretearem por completo e escorrerem pelo meu rosto enquanto eu sorrio sutilmente.
- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH! - Me jogo de costas contra a parede, deixando escapar o grito mais agudo que minha garganta poderia sustentar.

Corri o mais depressa pra fora de casa, sem sequer olhar pra trás, temendo que aquela imagem horrenda do meu próprio rosto deformado, sem olhos e com um sorriso macabro pudesse estar atrás de mim.
Fechei os olhos tentando espantar o espectro da minha mente, enquanto encaixava através da cegueira a minha mão metálica.
Acabei por esbarrar em algo, ou alguém; Era ninguém mais ninguém menos que Tess.
Ela estava arrasada, o batom vermelho vivo que contornava a boca perfeita estava borrado pelo rosto inteiro, o cabelo avermelhado estava desgrenhado e o salto de um dos seus sapatos estava quebrado e ela o levava na mão.
- Tess? O que houve?
Ela sorri de lado, e com um bufar já posso sentir seu hálito de vodka.
- O poker tem destruído vidas, minha menina - ela tá um tapa de leve no meu queixo.
- Vamos, eu te levo pra casa.
- Não! - ela levanta os braços, falando mole e tropeçando - Eu sei me virar sooozinha.
Reviro os olhos, era impossível discutir com ela naquela situação.
No mesmo momento que ela avança um passo, algo chama minha atenção. Era como um alerta do meu radar biológico, dizendo pra tomar cuidado.
- Menina doida, tsc - ela balança a cabeça, enquanto caminha com o pé torto.
Olho pra longe e só vejo uma rua lúgubre e vazia.
- Já que você insiste, vá sozinha! - sussurro sem dar muita atenção à ela.
Ela me surpreende com um beijo melecado no rosto.
- Vou indo, delícia - ela sussurra atrás de uma gargalhada.
Balanço a cabeça fazendo uma careta, Mas ainda assim algo ainda me intriga.
- Olá - ouço uma voz atrás de mim.
Me viro bruscamente, encarando um rapaz alto, corpulento com o rosto quadrado e bem desenhado de olhos profundos castanhos.
- Quem é você? - cuspi.
Ele sorri sutilmente, balançando a cabeça como se tivesse entendido alguma coisa.
- Meu nome é Edward Christopher - ele puxa debaixo da jaqueta um distintivo - E você, Amélie Sandersen, está presa.

Nada. Nada do que me era dito fazia sentido. Todas as palavras ditas eram difíceis demais pra serem digeridas, pra serem entendidas.

Até mesmo um "Você tem o direito de permanecer calada" foi pesado demais para os meus ouvidos que ensurdeciam aos poucos.

Meu subconsciente só se acordou ao sentir as algemas geladas envolverem meus pulsos, e mesmo assim ainda demorei tanto pra acordar totalmente que só me dei conta quando estava pisando dentro de uma delegacia.

- Vamos te transferir pra uma penitenciária mais à sua altura - o tal delegado murmurou. Como sempre sério e irredutível.

Ele aparentava ter pouco mais de 25 anos, mas as feições sérias e misteriosas o envelheciam no mínimo dez anos.

Ele se aproximou de mim, me emburrando pra uma sala pelo cotovelo e quase rosnou pra um guarda que iria fazer isso por ele.

- Por favor não me interrompam - ele murmurou. E pela reação estampada no rosto dos guardas não seria necessário ele repetir.

Entrei numa sala clara, com uma mesa no centro e duas cadeiras. O bolor das paredes e o cheiro lembrava muito algumas salas do sanatório.

- Amélie Sandersen, você tem aqui dois homicídios. Primeiro foi Bertha Fraulen, uma enfermeira do sanatório onde você residia - ele iniciou sem nenhuma delonga, assim que se sentou em minha frente - Depois de cometer o ato você foi punida, porém fugiu da clínica assim que houve um incêndio de motivo ainda desconhecido e desde então ficou foragida. Agora, soubemos de mais um homicídio, cometido por você. Correto? Tem algum detalhe que gostaria de acrescentar?

Abaixei minha cabeça olhando para os meus dedos sobre o meu colo, logo em seguida movendo meus ombros, enquanto eu gargalhava sem controle.

- Mais algum detalhe? Que imbecil!

Levantei meu rosto para encará-lo por baixo da franja longa e sorri, vendo sua expressão triunfante estremecer um pouco.

- Tem ainda mais um homicídio que você nem teve conhecimento - sussurrei - Brian Phillips, era o nome dele.

Ele estreitou os olhos me encarando.

- Assim é que eu gosto. Vamos! Continue contando.

- Eu invadi seu escritório, o seduzi, cortei suas perninhas e dei o resto do corpo dele para os cachorros.

Gargalhei tão alto que mal reconheci minha própria voz.

- Os homens são os animais mais fáceis de se manipular. Só você ter um corpinho bonito e boas intenções que eles te dão tudo. Pobres idiotas! Meros dissimuladores, bando de escórias imundas! Somente dois deles se salvavam.

Ele engoliu em seco, massageando o osso do nariz entre os olhos.

- Você não sabe o que diz, menininha. Eu sei o que estou dizendo; prendo milhares de "escórias" dessas como você mesmo diz, mas também salvo homens dignos, pais de família...

- País de família que não necessitavam ser salvos se não estivessem tarde da noite fora de casa, provavelmente traindo suas mulheres, ou interagindo com escórias pra comprar algo deles, ou até mesmo vender algo pra eles...

Vi seus olhos arregalarem, parecia que ele tinha sido deixado nu na frente de uma multidão por milésimos de segundos. Ele sabia que o que eu falara fazia sentido.

- Isso não vem ao caso - ele resmungou, ainda sério. Com a voz grave de sempre, que nunca sequer se alterava, nem por um segundo.

- Até mesmo você - eu o interrompi, ainda sorrindo e o encarando - Aqui na minha frente, tentando ser o mais responsável homem da face da Terra, calmo, centrado, e ainda tentando me dar lições de moral. Porém preste atenção no seu dedo anelar esquerdo. Sem nenhuma aliança, porém há uma pele mais clara ali. Sua esposa está bem em casa fazendo sua comidinha enquanto você a trai com sua secretária gostosa?

Ele então arregala os olhos, enfurecido, se levantando num torpor violento.

- Você não sabe de nada! Sua idiota!

Sorri suavemente. Pela primeira vez vendo o quão irritado ele podia ficar e adorando ter conseguido tirá-lo do sério.

- Você ficou tão nervosinho! Pelo que me parece você não a abandonou em casa ao que tudo indica. Ela te abandonou.

Ele virou o rosto, torcendo as sobrancelhas, fechando os olhos enquanto os lábios tremiam.

- Cale a sua boca! Você não sabe de nada.

Juntei meus pulsos já unidos por uma algema e bati palmas somente movendo as mãos.

- Você foi abandonado então - murmurei admirada.

Ele bufou, voando pra cima de mim e me puxando pelos braços pra fora da sala, o apertando com toda a força que tinha em seus dedos.

- Trancafiem a senhorita aqui na ultima "jaula" - ele cuspiu entredentes enquanto me soltava nas mãos de uma carcereira gigantesca. Que por sinal só não lembrava Big Bertha pelo fato dela ser negra.