A Ilusão da Realidade

Silêncio, Silêncio, Silêncio


Meu coração disparou. Eu consegui sentir todo o calor do meu corpo indo embora em segundos. A voz ainda parecia estar tão longe que eu nem sabia como Larissa conseguiu me ver ali, mas isso era um detalhe que não importava. Ela provavelmente apareceria a qualquer momento e, quanto mais eu tentava pensar em alguma coisa, mais eu percebia que qualquer pensamento racional que pudesse se passar pela minha cabeça já tinha pulado pela janela assim que eu decidi aparecer naquela festa. Como eu poderia explicar qualquer coisa para a minha irmã se nem estava conseguindo justificar a minha decisão idiota para mim mesma?

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— Ah, não! — A reclamação escapou pelos meus lábios. — Eu tenho que ir!

— Está tudo bem?

Era estranho ouvir Alex fazer aquela pergunta. Por que ele tinha que me mostrar o seu lado gentil mais uma vez logo quando eu precisava sair correndo?

— Está, eu acho. Não sei. — Balancei a cabeça com força e percebi que Alex arqueou a sobrancelha. — Eu só… na verdade, eu não devia estar aqui.

— Não foi convidada?

— Não exatamente. Pra ser mais exata, acho até que fui banida.

— Por que você veio, então?

Por mais que eu quisesse encontrar qualquer pista de preocupação naquelas palavras, a minha experiência me dizia que aquelas perguntas não passavam de curiosidade. Minhas mãos tremiam tanto que eu não sabia mais se era o frio da noite ou o meu nervosismo.

— É complicado… — tentei. — Essa é a festa da minha irmã.

— Ah… — Eu quase consegui vê-lo tentando processar aquela informação, a testa enrugada e o olhar confuso. — É, parece complicado. Você quer deixá-la com raiva?

A pergunta de Alex foi tão simples que eu demorei para entender.

— Por não ter sido convidada? Não exatamente, eu não costumo fazer isso… eu preciso ir embora.

Encarei Alex mais uma vez e torci para que ele conseguisse ler o pedido de desculpas estampado na minha cara. Olhar diretamente assim para ele ainda era intimidante, mas eu sabia que encarar a minha irmã também não seria nem um pouco mais fácil. No fundo, talvez eu só quisesse acabar com aquela sensação estranha de sempre escolher as piores palavras no pior momento possível o tempo todo, então tentei aproveitar a chance.

— Me desculpe. Depois eu explico.

Meu sussurro foi tão rouco que eu não sabia se ele tinha ouvido ou não, mas não esperei por uma reação. Virei e andei rápido na direção da porta sem olhar para trás, antes que os comentários de Roy me fizessem perder aquela onda de coragem momentânea de vez. Não havia para onde fugir, então talvez fosse melhor resolver a situação de frente.

Prendi a respiração e tentei encontrar o caminho entre a multidão se formando na entrada.

***

O salão parecia estar mais cheio ainda e as botas de Emily estavam começando a esmagar os meus pés. Ainda não havia música, todas as luzes tinham sido acesas e, mesmo assim, ninguém me ouvia quando eu tentava pedir licença para passar. Esbarrei em quase todo mundo que encontrei no caminho enquanto corria os olhos pelo salão, procurando desesperadamente por alguém conhecido. Quanto mais eu olhava, mais sentia o meu coração disparar. Não consegui ver a minha irmã no meio do tumulto, também não reconheci a cabeleira dourada da minha mãe; foi a voz de Larissa que me encontrou antes que eu me afogasse totalmente no mar de convidados ao meu redor, e meu corpo parou de responder por si só no mesmo instante. O que eu estava pensando?

— Como você teve coragem de aparecer aqui?! Eu já não te falei para ficar longe do Dan?

Eu esperava qualquer tipo de xingamento, ataque ou reclamação — e, dessa vez, ouviria calada porque minha irmã estaria coberta de razão, eu não devia estar aqui — porém aquela última pergunta me fez perder o equilíbrio porque, com toda certeza, ela não foi feita para mim. Eu sempre fiquei longe daquele namorado insuportável dela sem nem terem que me pedir.

Uma voz muito familiar respondeu e eu precisei respirar fundo para ter certeza que não estava confundindo as coisas.

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O que estava acontecendo?

— Ele que veio me procurar! Você devia tirar satisfações com o seu namorado metido a conquistador! Ele não me deixa em paz nem namorando com você!

Emily!

— Se todas as vadiazinhas como você sumissem do mundo, a minha vida seria bem mais fácil!

As vozes ao meu redor se tornaram confusas e eu não consegui mais ficar parada. Tentei passar entre as pessoas e continuei esbarrando em todo mundo porque ninguém parecia se importar com os meus pedidos de “desculpas” ou “licença”.

Emily e Larissa se conheciam…? O que aquilo queria dizer?

— Eu vou te ensinar a deixar os outros em paz, vem aqui! — Larissa gritou outra vez. — Como você teve coragem de vir aqui estragar a minha festa para me provocar?

Emily tentou responder alguma coisa que eu não consegui captar. Eu mal conseguia puxar o ar para respirar no meio de todo mundo.

Precisei esbarrar em mais um convidado para chegar bem no meio da confusão. Larissa e Emily se enfrentavam cara a cara, seguradas por outros convidados que eu não conhecia. O cabelo da minha irmã estava todo desarrumado, jogado para todos os lados e uma das alças do vestido de Emily tinha sido rasgada. Um dos seus pés também estava descalço.

E, em questão de um segundo, os olhos de Larissa encontraram os meus como se fosse natural, como se ela pudesse adivinhar que eu tinha chegado ali.

— Você! É claro que tinha que ser você!

Dessa vez, não havia dúvidas. Larissa estava falando comigo e eu não conseguia mexer nem um músculo do meu corpo.

— Como você teve coragem de fazer isso comigo?

As crises de raiva e os gritos de Larissa já eram rotina pra mim e, mesmo assim, eu nunca tinha visto a minha irmã com o rosto tão vermelho. E isso nem era o que mais me deixava aflita. Havia algo naquela voz, no jeito como ela dizia as palavras arrastadas, como se precisasse forçá-las para sair. Aquilo não era apenas raiva… também havia muita dor por trás de todos aqueles gritos.

Eu ainda estava procurando por uma resposta que nem existia na minha cabeça ainda quando Larissa riu alto e jogou a cabeça para trás.

— Olha, quer saber? Eu não me importo! Pode tentar estragar a minha vida o quanto você quiser, mas essa noite não vai ser sua! Essa festa vai continuar! Cadê a música?

O último grito ecoou pelo salão e fez os meus ouvidos doerem. Larissa olhou para o DJ que estava tocando durante a pausa da banda, mas ele também parecia estar sem reação até ela pedir por música mais uma vez. Larissa se afastou de Emily por vontade própria, apontou o dedo e deu a última palavra:

— Fique longe de mim e do Dan. E quer saber? Não vou deixar vocês acabarem com a festa. Quero é que vocês duas vejam que não conseguem estragar a minha vida!

As pessoas ao meu redor se entreolhavam sem saber como reagir. Um silêncio ensurdecedor se espalhou pelo salão e os ânimos pareciam estar longe de se acalmarem, mas uma música eletrônica qualquer puxou a continuação da comemoração. Senti as mãos de Emily segurarem meu braço com força, procurando por abrigo quando as luzes se apagaram outra vez.

Larissa foi a primeira a voltar para a pista e começar a dançar, embora os outros convidados ainda não soubesse se deviam segui-la. Seus cabelos, seus braços e pernas, seus movimentos exagerados chamavam a atenção de todos; ela logo se tornou o centro de tudo enquanto eu só queria poder fugir dali mais do que nunca. Por mais que eu tentasse me concentrar e entender todas as informações que tinha acabado de receber, eu só conseguia repetir tudo e ouvir essas palavras na minha cabeça mais uma vez sem ter ideia de como começar. Eu não conseguia nem encontrar Roy e Lizzie no meio de tanta confusão e, de repente, eu estava mais consciente de que as mãos quentes e firmes de Emily ainda me seguravam. Imaginar que eu estava correndo pela porta da saída enquanto a minha irmã ainda tinha a atenção de todos era reconfortante, mas a verdade era que eu não conseguiria dar um passo mesmo que tivesse coragem para fazer aquilo. Minhas pernas tremiam tanto que, se eu mexesse um centímetro, com certeza ia cair de cara no chão bem ali como uma se eu fosse construção antiga e muito danificada.

A música alta me pressionava com cada passagem, cada nota, cada ritmo, mas a sensação era completamente diferente essa vez. Meu coração ainda estava disparado e cada batida vinda da caixa de som parecia fazer a pressão aumentar. As pessoas ao redor me sufocavam e Emily tentava falar comigo aos berros, só que eu não conseguia captar nada por mais que tentasse. A música alta estava começando a me enlouquecer.

E, de repente, tudo parou. O barulho virou silêncio e as luzes voltaram a se acender. Outra voz familiar me encontrou, amplificada pelo microfone.

— A festa acabou. Por favor, se direcionem para as saídas. Eu repito, estamos encerrando a festa por aqui. Por favor, retirem-se assim que for possível.

As instruções da minha mãe soavam tão ríspidas quanto uma ordem. Nenhum dos convidados pareceu ficar feliz com a notícia, porém ninguém tentou contestá-la mesmo que várias reclamações pairassem pelo ambiente.

Emily ainda estava me chamando. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e a maquiagem que ela tinha feito com tanta animação mais cedo estava tão borrada que ela parecia estar derretendo. Eu não tinha percebido até aquele momento, porém com o passar dos dias, acabei me acostumando a ver Emily sempre rindo e falando sobre qualquer coisa como se não tivesse preocupação nenhuma no mundo. Vê-la tão enfraquecida e vulnerável era assustador.

— Mel, por favor! — Emily chorou antes que eu dissesse qualquer coisa. — Você precisa me ouvir! Eu não sabia!

Aqueles fragmentos quase se tornavam frases, mas eu não conseguia entender nada. Aquela conversa teria que esperar por outro momento porque a minha mãe estava se aproximando, me encarando como se eu tivesse acabado de cometer o pior crime do mundo.

— Emily, eu preciso ir. — Balancei a cabeça para tentar me concentrar. Eu não sabia nem por onde começar a entender o que tinha acontecido. — Também devo estar bem encrencada.

— Desculpa por te colocar nessa furada, Mel.

Emily sorriu em meio às lágrimas e, como sempre, eu não soube o que dizer. E eu também não tinha certeza se tinha sido muita sorte ou um azar imenso a minha mãe me mandar ir para o carro logo depois.

***

— Entrem logo.

Nem eu e nem Larissa ousamos dizer uma palavra sequer. Ela se sentou no banco do passageiro de braços cruzados e olhou pela janela, típico da sua atitude habitual — quando bater de frente era inútil, Larissa sempre dava um jeito de deixar claro que não gostava do que estava ouvindo. Sentei de cabeça baixa no banco de trás e imaginei Roy e Liesel ao meu lado, segurando as minhas mãos para me dar coragem. Mais uma vez, senti uma vontade horrível de poder me tornar invisível.

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Minha mãe deu a partida e começou a manobrar o carro. Eu mal conseguia olhar para cima e encarar os olhares que ela me mandava pelo retrovisor.

— Você tem ideia da vergonha que nos fez passar hoje, Larissa? Não revire os olhos. — Era sempre assim. Nossa mãe nunca se alterava ou levantava a voz, mas nós sabíamos muito bem que a palavra dela era final. — Seu pai ainda está lá pedindo desculpas para a banda que nós tivemos o prazer de contratar para você e tentando resolver um pouco do tumulto, mas eu acho melhor vocês duas irem para casa antes que esse vexame fique maior… se vocês vissem a cara do guitarrista com essa confusão toda… que vergonha! O que os convidados não devem estar pensando? Eu achei que essa festa fosse te ajudar a crescer um pouco, só que você sempre vai ser uma mal agradecida.

— Ela não devia estar lá! — Larissa reclamou alto. — Foi a única coisa que eu pedi, que essa pirralha mimada não aparecesse por lá no meu dia! Só um dia, era só isso que eu queria!

— Ela é sua irmã e nós somos a sua família, então acho bom você se acostumar. Não devíamos ter concordado com isso desde o começo, mas o seu pai achou que seria uma boa ideia… eu sabia que era bobagem. Você conseguiu acabar com a pequena parcela de confiança que decidimos colocar em você e eu não sei mais o que nos fez acreditar que isso seria uma boa ideia.

Larissa cruzou os braços e continuou olhando pela a janela. Engoli em seco quando percebi isso porque eu sabia que, se ela não ia continuar com aquele argumento, com certeza tinha chegado a minha vez.

Sem falhar, minha mãe me lançou mais um olhar ríspido. Foi só por um instante, alguns décimos de segundo antes que ela voltasse a fixar a visão na estrada, mas também foi o suficiente para me fazer sentir o peso do mundo caindo na minha cabeça.

— E você, Melissa, nunca pensei que fosse me decepcionar desse jeito. Desde quando você virou uma mentirosa?

A pergunta me acertou em cheio como uma faca. Eu ainda não tinha me dado conta até ouvir aquilo em voz alta, vindo da voz severa da minha mãe, porém ela estava coberta de razão. Eu tinha mentido, aparecido aqui escondida por algum motivo que nem eu conseguia entender, traído a promessa que fiz à minha irmã, trazido alguém com quem ela não tinha um bom histórico e estragado a noite de todos. Por que eu aceitei fazer isso, mesmo?

Minha mãe provavelmente percebeu que eu estava sem palavras. Já ela, no entanto, ainda tinha várias outras para me falar.

— Nós sempre tivemos confiança em você, até achamos que você poderia passar a noite em casa se fosse preciso. Até mesmo confiamos e deixamos você ficar com aquela sua amiga ao invés disso… é assim que você nos agradece? Isso nem parece coisa sua! A ideia foi daquela menina, não foi?

O peso que eu já estava sentindo sobre mim triplicou quando pensei em Emily e o meu silêncio provavelmente foi a resposta que a minha mãe precisava. Por mais que seus olhos agora estivessem fixos no caminho à frente e seu rosto permanecesse impassível, tanto eu quanto Larissa conhecíamos bem o peso das palavras que ela escolhia.

— Acertei, não foi? Eu já sabia que essa menina não ia ser uma influência boa para você e nunca imaginei que ela fosse causar tantos problemas para as duas… Seu pai e eu vamos ter que conversar sobre isso. Sobre as três, aliás. E nós todos precisamos ter uma conversa muito séria amanhã.

E, depois disso, ninguém disse mais nada.

O silêncio ensurdecedor do salão em meio àquela briga que eu queria esquecer talvez fosse mais confortável do que o silêncio constrangedor entre nós. Eu estava começando a sentir falta dele.

***

O relógio do meu celular marcava três da manhã. A lamparina acesa sobre a escrivaninha me protegia da escuridão total, mas o silêncio me envolvia com um conforto que eu sabia que teria fim assim que a manhã chegasse. E, ao mesmo tempo, o que menos havia na minha cabeça era silêncio; várias dúvidas, questionamentos e arrependimentos me assombravam e eu sabia que eles não me deixariam em paz tão cedo.

Eu sempre soube que ir àquela festa era uma péssima ideia. Na verdade, eu tinha certeza de que era muito errado e me deixei levar mesmo assim. Ainda assim, mesmo depois de tudo o que houve, eu ainda não sabia dizer muito bem o porquê de ter tomado aquela decisão.

Talvez fazer algo “errado” me pareceu atraente por um segundo.

Talvez eu quisesse dar algum tipo de resposta a tudo o que a minha irmã já disse e fez contra mim.

Talvez tomar uma atitude drástica pareceu uma boa ideia.

Talvez eu tivesse me cansado de fazer tudo certo e continuar sendo tratada do jeito que ela agia comigo.

Talvez eu simplesmente não soubesse como dizer não para toda a insistência de Emily.

Talvez essa mesma insistência tivesse me contagiado e eu me deixei levar sem pensar muito.

Não, culpar Emily pelas minhas atitudes não mudaria nada e eu não queria pensar nisso, não me levaria a lugar algum. Mas, é claro, tentar não pensar em algo fazia esses pensamentos se multiplicarem como uma praga.

As últimas palavras que Emily me disse ainda ecoavam entre os meus pensamentos como se ela estivesse ali ao meu lado, repetindo-as sem parar: “eu não sabia, eu não sabia, eu não sabia”. O que eu realmente não sabia era que a minha maios vontade era de acreditar naquilo sem pensar duas vezes. Sem que eu percebesse, a amizade leve e alegre de Emily se tornou parte da minha rotina e algo que me ajudava a aguentar os momentos mais difíceis. Mas, por mais que eu quisesse fingir que não via isso, todas as atitudes incomuns das últimas semanas começaram a fazer sentido. Os telefonemas, convites, ideias e toda aquela insistência quanto a essa porcaria de festa. Pensando bem… será que foi por isso que ela decidiu começar a me procurar ultimamente? Porque descobriu que eu era a irmã da namorada daquele tal de Daniel que, na verdade, eu mal conhecia? Suas palavras foram apenas mentiras? Seu apoio, sua amizade, até mesmo os seus desabafos serviram apenas para ganhar a minha confiança? E tudo isso por causa de um cara estranho e infiel? Eu não queria aceitar isso como verdade.

O pensamento fez meu estômago revirar. Eu acreditei feito uma palhaça. Eu já devia ter aprendido a minha lição, mas caí feito uma boba. Eu sempre ia ser a caipira idiota, a baixinha lerda, a bochechuda que não entendia nada e nunca ia conseguir ser como as outras pessoas. Eu sempre seria a última sobrando e eu nunca ia me encaixar em lugar nenhum se não precisassem de mim para alguma coisa. Sempre foi assim antes, por que eu me deixei acreditar que seria diferente agora? Como eu consegui acreditar tanto e até começar a confiar em outra pessoa desse jeito? E, acima de tudo, como eu fui cega o suficiente para achar que eu realmente poderia ter esse espaço na vida de alguém?

A tela do meu celular se iluminou e quebrou a minha linha de pensamento. Isso era até mesmo um alívio, embora eu soubesse que não ia poder evitar aquelas conclusões por muito tempo, mas trazia uma nova preocupação: era Emily que já estava me procurando com desculpas? O que eu poderia dizer depois de tudo o que aconteceu? Não, pensando bem, lá no fundo… será que eu queria dizer alguma coisa agora?

Respirei fundo para criar coragem e olhei a notificação. Não era nenhuma ligação, nem mensagem e nem qualquer sinal de vida de Emily…

Era um e-mail de Alex.

Um e-mail de Alex?!

Abri e li o conteúdo quase no mesmo instante. A curiosidade já estava me corroendo.

Assunto: Pesquisa para o trabalho

Com a data da nossa apresentação já está chegando, estou enviando a minha parte da pesquisa e o material que eu já escrevi. Leia com calma e me envie as suas ideias e pesquisas quando você estiver tranquila.

Espero que esteja tudo bem com você e a sua família.

Ao mesmo tempo em que a forma como Alex falava era seca e ia direto ao ponto… eu estava lendo demais, ou aquela última pergunta era a forma como ele demonstrava preocupação? Consideração, talvez? Ou empatia, quem sabe?

Balancei a cabeça e bati nas minhas bochechas de leve para me acordar daquela ilusão. Cuidado, Melissa. Essa noite horrível não acabou ainda e eu já estava quase cometendo o mesmo erro outra vez.

— Não fica assim, Mel, por favor.

A voz doce de Liesel me fez parar antes que eu entrasse em mais uma espiral de pensamentos ruins. Por mais que eu amasse o jeito bem-humorado e um tanto ácido como Roy me fazia encarar os problemas, naquele momento, o que eu mais precisava era de alguém que pudesse me abraçar e dizer que tudo ficaria bem no final.

Infelizmente, a minha própria criação era a única pessoa que poderia fazer isso.

Pensando bem, será que ela poderia mesmo dizer isso sendo que eu mesma não acreditava naquelas palavras?

— Não começa com os pensamentos ruins! — ela me interrompeu de novo. — Pensa assim: finalmente encontramos uma perseguidora, podemos ficar bem longe dela agora. As coisas provavelmente vão melhorar assim, né?

— Só você mesmo, Lizzie… — murmurei com os olhos baixos. Eu conseguia imaginá-la sentada ao meu lado na cama, colocando o braço ao redor dos meus ombros, porém não queria olhar e ver que não havia nada ali.

— E estou errada, por acaso? — ela perguntou com uma risada leve. — Você vai ficar bem. Você sempre fica bem porque sabe cuidar de si mesma. Talvez essa tempestade faça as coisas mudarem um pouco nessa casa, mas quem disse que isso é algo ruim?

— Bem que eu queria realmente acreditar nisso — respondi com um suspiro leve. — Eu não devia ter feito o que eu fiz e eu sabia disso o tempo todo.

— Agora é tarde demais para se arrepender! — Lizzie rebateu sem hesitar. — Peça desculpas amanhã, dê o tempo que a sua irmã precisar e depois continue agindo como você julgar ser o melhor a fazer. Não é como se você tivesse outra opção, é?

— Você faz tudo parecer tão simples…

Outro suspiro escapou pelos meus lábios e eu me joguei para trás, batendo as costas com força no colchão. Meus olhos se fixaram no teto coberto por estrelas adesivas que cobria o meu quarto. Aquila conversa mental era mais do que eu podia aguentar.

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— Droga, Liesel. Você é parecida demais com ela, sabia?

Não tentei dormir naquela noite. Eu não conseguiria lidar com mais sonhos assombrados por cabelos cor de chiclete tão cor-de-rosa quanto eu sabia que os de Liesel estariam se eu a visualizasse naquele momento. Eu não tinha forças para encará-la nem na minha própria mente.

Continuei olhando para as estrelas artificiais e o tempo continuou a correr. Agora, havia apenas o silêncio angustiante que pairava ao meu redor. Por mais que a quietude me enlouquecesse, essa era a única companhia que eu conseguia suportar naquele momento.

Maya… como eu queria que você estivesse aqui. Você saberia me ajudar a tomar a decisão certa desde o primeiro instante.