A Ilusão da Realidade

Eu Odeio o Silêncio


Assunto: RE: Pesquisa para o trabalho

Também estou enviando o meu material. Como você acha que nós devemos a organizar tudo isso? Por onde começamos a apresentação?

PS: ainda vamos conversar sobre o que aconteceu, vamos ver como as coisas vão ficar.

Mal passava das seis da manhã quando ouvi a minha mãe bater rápido na minha porta. Em seguida, logo ouvi sua voz:

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— Melissa, seu pai e eu queremos ter uma conversa séria com vocês duas. Desça e venha para a cozinha.

Seus passos firmes se afastaram pelo corredor sem me dar tempo de dizer nada. Olhei uma última vez para o e-mail que eu finalmente consegui terminar de montar depois do que pareceu um século e apertei “enviar” antes de ter tempo o suficiente para me arrepender e mudar alguma coisa de novo. Eu não costumava escrever mensagens de um jeito tão sério, mas era impossível evitar quando eu sabia quem a leria, ainda mais quando eu olhava para a forma como Alex tinha organizado o próprio e-mail. A conversa que me esperava não seria nada fácil ou agradável, porém me dava um bom motivo para não olhar as respostas tão cedo. Deixei o celular sobre a minha escrivaninha, espiei as notificações uma última vez, respirei fundo e saí. Deixar a proteção do meu próprio espaço nunca foi tão aterrorizante antes, mas eu sabia que não podia evitar o que estava por vir.

Eu ainda estava com o meu pijama sem cor e não tinha energias para trocar de roupa mais uma vez; tirar o vestido de Emily assim que entrei no meu quarto já tinha sido um esforço enorme para o meu nível de exaustão física e mental, mas era algo que eu precisava fazer. Eu não aguentava mais olhar para ele, nem sentir aquele tecido desconhecido contra a minha pele depois de tudo que aconteceu. Minhas pernas estavam tão fracas que eu não sei como consegui descer as escadas para o andar de baixo sem cair no chão feito a desastrada que eu sou.

***

Fui a última a chegar na cozinha. Meus pais estavam sentados lado a lado à mesa e Larissa estava de frente a eles.

Eu nunca tinha visto a minha família tão abatida e era evidente que ninguém tinha dormido muito na noite anterior. Melissa estava de costas para mim escondida atrás dos cabelos com a cabeça baixa, enquanto as olheiras e os ombros caídos dos meus pais eram visíveis mesmo do alto da escadaria. Minha mãe me encarou de braços cruzados e, em seguida, apontou para a cadeira ao lado da minha irmã.

— Sente, Melissa — ela disse com uma voz firme, mais dura do que o habitual. — Eu espero que você saiba que eu estou muito decepcionada. O que você estava pensando? Por que você, além de ir escondida, também levou alguém que queria prejudicar a sua irmã?

Minha mãe não perdia tempo mesmo. Eu já esperava por aquela pergunta e, mesmo tendo pensado sobre isso a madrugada inteira, a resposta ainda era confusa até para mim mesma. Era melhor dizer a verdade.

— Eu não sei — admiti. — A Larissa me dizia que eu não estava convidada o tempo todo e eu não me importava, mas…

— Apareceu aquela sua amiga — minha mãe me interrompei e eu assenti. — Eu sabia que ela não é uma boa influência. Eu sempre soube, eu sempre disse isso, mas pensei que você tinha maturidade o suficiente para fazer as escolhas certas. Estou vendo que me enganei. Espero que você tenha percebido que essa amizade não é boa para você, porque já passou da hora de cortarmos isso.

— Eu sei — assenti mais uma vez. — Eu não sabia sobre ela e o Daniel, não imaginei que isso fosse acontecer, não pensei que…

— Ah, me dá um tempo, até parece que você não sabia!

Dessa vez, quem interrompeu a minha resposta foi Larissa. Antes, quando observei pela porta, ela ainda estava de costas para mim e só pude ver seus longos cabelos loiros e ondulados. Agora, sentada ao seu lado, pude perceber que seus olhos estavam vermelhos e inchados, e seus punhos estavam fechados com força sobre as pernas. Ainda havia um pouco de maquiagem borrada espalhada pelo seu rosto e ela não tinha tirado o vestido curto e vermelho escolhido para a festa. Nós compartilhávamos uma vida inteira de conflitos, mas eu nunca tinha a visto tão arrasada e isso fez com que eu sentisse um aperto forte no peito.

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— Larissa, me perdoe, por favor. Eu não queria causar tantos problemas, eu realmente não sabia…

— Chega disso! — ela chorou alto. — Eu não quero ouvir essas desculpas inúteis! Você não queria causar tantos problemas? Você só me traz problemas desde que nasceu! Eu não vou acreditar nessa sua desculpa ridícula!

— Larissa, chega! — meu pai interveio. — Estamos aqui para conversar, não para brigar. Ainda não entendemos o que está acontecendo.

Meu pai me olhou assim que terminou de falar, as mãos sobre a mesa com os dedos longos cruzados. Eu sabia que ele estava esperando pela minha resposta, porém as palavras não estavam vindo à minha mente. Eu não sabia que a minha irmã se sentia assim e pensava tudo isso ao meu respeito.

— Eu realmente… eu não sabia — continuei mesmo com a voz falha. — Ela deu a ideia e eu achei até que era brincadeira no começo, mas a gente continuou conversando… eu não sei.

Ficamos todos em silêncio por um instante. Eu sabia que devia dizer mais alguma coisa, mas só consegui olhar para baixo e analisar cada detalhe da estampa colorida da toalha sobre a mesa.

Após alguns segundos de silêncio — que pareceram durar horas — minha mãe continuou:

— Se você se sentia assim, devia ter falado conosco. Na minha opinião, essa rivalidade ente vocês já passou dos limites há muito tempo… — Ela olhou para Larissa e então para mim. Eu nem percebi que tinha levantado a cabeça de novo, mas seu olhar de decepção me atingiu em cheio. — Só que, às vezes, tem um motivo para tomarmos as decisões que tomamos. Você ainda tem quinze anos, Melissa. Quase dezesseis, eu sei, mas você é nova demais para estar em uma festa com bebida e onde todos os convidados são bem mais velhos que você.

Engoli a seco e encarei o rosto sério e inflexível da minha mãe. Eu nem tinha pensado nisso, aliás, eu nem tinha intenção alguma de beber ou interagir com os convidados. Ainda assim, pude entender a preocupação e, mais uma vez, eu estava sem palavras.

Por sorte, Larissa respondeu logo em seguida:

— Você fala como se todo mundo fosse ficar louco e fazer besteira! Dá um tempo, mãe! Você ficou julgando todo mundo que eu quis convidar desde o primeiro dia!

Sua voz ficava mais alta a cada palavra — ou melhor, a cada sílaba. Ela não estava nem tentando controlar o que sentia e, pela primeira vez, eu realmente não a culpava por isso.

Minha mãe, por outro lado, manteve a seriedade de sempre quando respondeu:

— Você mal conhecia a maior parte das pessoas que estavam naquele salão, Larissa. Como pode ter tanta certeza?

Eu não entendi o que ela queria dizer, mas Larissa gemeu alto e rebateu aquele comentário logo em seguida:

— São amigos dos meus amigos, mãe! — As lágrimas estavam começando a escorrer pelo seu rosto. — Eu só queria fazer mais amigos, queria que vissem que eu não sou uma caipira idiota qualquer! E eu achei que uma festa dessa, o aniversário que eu sempre sonhei, eu achei… eu achei que seria a chance perfeita…

Larissa mal tinha concluído o pensamento, mas escondeu o rosto com as mãos e começou a soluçar. Cada choro alto me fazia sentir a sua dor, junto com o meu próprio arrependimento.

— Infelizmente, Sissa, eu tenho que concordar com a sua mãe, você não pode ter certeza se não os conhecia tão bem assim. Às vezes, a gente mal conhece quem está por perto…

Eu não estava esperando, mas meu pai me encarou com seus olhos castanhos. Prestando mais atenção de perto, notei que suas olheiras estavam gigantes. Eu não sabia se era reflexo do cansaço da organização daquela festa ou efeito de toda essa confusão. Talvez fosse um pouco de tudo. Por que ele estava me olhando? Será que estava se referindo ao erro que cometi com Emily? Ou havia algo sobre mim que ele queria discutir?

— Eu não sabia, de verdade… — arrisquei e logo abaixei os olhos para a toalha outra vez. Encará-los era o mais difícil de tudo. — Acho que… no fundo, eu acho que eu só queria me aproximar de você, Larissa… e conhecer a sua vida, o seu mundinho…

— O que você diz é verdade, Melissa? — meu pai perguntou com a voz mais serena do mundo.

Eu pensei bem naquelas palavras, naquela pergunta. Não parecia que ele estava duvidando do que eu disse ou questionando a minha resposta. Na verdade, quase soava como quando tentávamos forçar alguma conversa apressada durante o café da manhã, mas a minha culpa fazia tudo parecer com um interrogatório.

Tentei levantar a cabeça mais uma vez e foquei o olhar diretamente nos olhos dele.

— Sim, eu estou. Eu nunca teria levado a Emily naquela festa se soubesse de alguma coisa.

— Bom, o que você conseguiu foi acabar com o dia especial que eu sempre sonhei ter! Eu nunca acreditei que eu poderia ter uma festa como aquela quando a gente vivia naquele buraco no fim do mundo e o meu desejo finalmente estava virando verdade! Aí apareceu você… e também levou o meu namoro com essa bagunça toda! E eu realmente achei que as coisas estavam começando a dar certo! Como eu fui idiota!

Larissa socou a perna com o punho ainda fechado e eu tentei segurar o seu braço. Foi um reflexo que eu mal notei, mas ela puxou o braço para longe assim que sentiu o meu toque.

— Não chegue perto de mim! Não venha bancar a boazinha agora! Eu não acredito na sua conversinha mole! Você estragou tudo, Melissa, tudo!

— Já chega, vocês duas!

O comando da minha mãe fez com que voltássemos ao silêncio constrangedor outra vez. Eu estava começando a odiar o silêncio.

— Mãe! — Larissa respirou fundo para se recompor. — Isso não é justo! Ela sempre é a certinha, a perfeitinha e eu nunca faço nada que preste! Será possível que vocês vão continuar protegendo essa pirralha e arrumando desculpas para tudo até agora?

— Larissa, não fale assim comigo — minha mãe ordenou e Larissa soluçou alto. Ela não continuou a falar, mas ainda havia lágrimas escorrendo pelo seu rosto. — Seu pai falou muito bem, estamos aqui para conversar. É essa sua atitude que faz com que a gente nunca chegue a lugar algum. Foi essa sua atitude que estragou a sua festa ontem. O que você estava pensando, atacando uma menina de quinze anos e puxando os cabelos dela daquele jeito? E depois querendo se vangloriar do escândalo que você armou? Você achou mesmo que estava resolvendo alguma coisa daquele jeito? O que acha que vão pensar de você, ou melhor, de todos nós?

— É só com isso que você se preocupa, não é, mãe? Ela estava com o meu namorado, eu tive o pior dia da minha vida e você só se preocupa com a opinião dos outros! O que você queria que eu fizesse? Não tenho sangue de barata e não me importo com o que vão pensar!

— Não é assim que se resolve as coisas, Larissa, e você ainda não aprendeu isso. Se você realmente acha que esse foi o pior dia da sua vida, você ainda é jovem e imatura demais para saber o que é um problema de verdade, que dirá como resolvê-lo… Você ainda está com a cabeça em briguinhas infantis da adolescência que não vão significar nada daqui algum tempo. Você não sabe como é trabalhar o dia todo para manter uma casa, como é ter que administrar uma família, como é se preocupar de verdade…

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— Não sei e nem quero! Me poupe do seu discurso, eu não quero ouvir tudo isso de novo, eu cansei! — Larissa interrompeu outra vez e se levantou. — Como é que se resolve as coisas, então? Sentando aqui e vendo vocês dando desculpas para tudo o que a minha irmãzinha de ouro faz? Ouvindo tudo o que ela diz e não me dando nem uma chance? E defendendo as pessoas que me magoaram? Eu não vou participar dessa palhaçada!

— Larissa! Não fale assim com a gente! Larissa!

Minha mãe tentou chamar mais vezes, mas Larissa saiu sem olhar para trás. Ouvimos seus passos apressados subindo as escadas para o quarto e a porta se bateu logo em seguida. Eu suspirei e olhei para baixo mais uma vez. Por mais que eu soubesse que Larissa não queria se aproximar de mim, eu nunca imaginei que ela estivesse sofrendo tanto.

E eu tinha conseguido piorar tudo de um jeito que talvez nunca pudesse voltar atrás. A culpa fez o meu estômago revirar.

— Eu não sei mais o que fazer com essa garota, Will. Não sei. E ela acabou de completar vinte anos… quando é que vai agir como uma adulta?

Meu pai pousou a mão levemente sobre o ombro da minha mãe e, depois de um suspiro, respondeu:

— Deixa ela esfriar a cabeça. Foi uma noite bem complicada… por enquanto, por que não terminamos essa conversa que estávamos tentando ter, Vivian?

— Você tem razão — minha mãe admitiu, ergueu os ombros no mesmo instante e olhou para mim. — Na verdade, nós também queríamos falar com você em particular.

Aquelas últimas palavras me atingiram em cheio como um balde de água fria. Engoli a seco mais uma vez e esperei em silêncio, sem saber o exatamente pelo quê.

— Melissa, nós sabemos que você também está passando por um momento difícil. Você não aceitou bem o fim das suas outras amizades, não aprendeu com eles que a vida muda e as pessoas vêm e vão, tem dificuldades para se relacionar com os seus colegas de turma desde que nos mudamos e acabou perdendo uma das poucas amigas que fez de um jeito que ninguém esperaria… — Aquelas últimas palavras me acertaram como um soco no estômago. Não, não, não, não. Eu não queria falar sobre aquilo. — Eu sei que é difícil entender uma fatalidade dessas na sua idade, mas você continuou se mostrando responsável e mantendo as suas notas, então nós acreditamos que você estava se recuperando…

— Mãe, por favor — eu a interrompi automaticamente, sem me dar conta até ouvir a minha própria voz. Como sempre, as minhas notas pareciam ser a única prioridade, a maior preocupação da família. — Não tem nada a ver com isso… eu não quero falar disso.

— Não fale assim comigo — ela respondeu com firmeza. — Se não quer falar, é porque aí tem. Se você não fosse tão fechada, não teria tantos problemas. Ou não, eu não sei mais. Você foi escolher logo a pior amizade possível…

— Porque foi ela quem me deu uma chance — respondi de supetão sem pensar outra vez. — Todos os outros naquela turma me julgaram, riram de mim e me chamaram de todo tipo de coisa, menos a Emily!

— E foi por um bom motivo que ela se aproximou de você, não foi? Você consegue entender isso agora?

Eu estava começando a ficar ansiosa e nervosa ao responder, porém minha mãe mantinha o tom calmo de quem simplesmente faz afirmações e questionamentos. Como ela conseguia sempre ser tão fria enquanto nós perdíamos a cabeça, eu nunca ia entender. Ela sempre ia exatamente onde mais doía e meu pai apenas assistia em silêncio, a testa enrugada como demonstração da sua própria desaprovação.

— Não se preocupe com isso. Vou pedir para ela devolver as coisas que eu deixei lá na casa dela e não vamos mais nos falar depois disso.

— Finalmente — ela concordou. — Tente dar uma chance para os seus outros colegas, Melissa. Eles devem estar tão confusos quanto você e só querem uma chance de te conhecer, mas você não abre espaço. Talvez conversar com eles te ajude a entender que acidentes acontecem, infelizmente. Vocês poderiam aprender juntos.

Não aconteceu nenhum acidente!

Eu senti uma vontade imensa de gritar e sair bufando feito a minha irmã porque aquela conversa visivelmente não estava indo a lugar algum e, como sempre, nada do que eu falava importava. Ela realmente achava que estavam me ouvindo? Porque eu sentia exatamente o contrário! Parecia que eles só eram capazes de ouvir o que queriam ouvir, ou talvez o que eles já tinham decidido que era a verdade.

Não foi um acidente. A verdade foi escondida e não cabia a mim trazer isso à tona, mas ninguém parecia nem se lembrar que a Maya existiu e mal tinha se passado alguns meses. Não… logo já seria um ano. O tempo voou e as coisas não mudaram, tanto no colégio quanto aqui em casa.

Como eu poderia dar espaço para quem me atacou e riu de mim sem nem me conhecer? Aliás, por que eu deveria querer isso?

Eu estava tão cansada de me defender sozinha, de sobreviver sozinha e de lidar com isso tudo sozinha. Até a ajuda dos meus “melhores amigos” tinha seus limites e eu estava prestes a estourar.

— Eu tentei… até eles começarem a me chamar… de tudo que é tipo de apelido. — Por mais que eu tentasse me manter firme, minha voz estava começando a falhar. Droga. Eu me conhecia o suficiente para saber que ia começar a chorar a qualquer instante. — Mãe, por favor… não foi um acidente. Você tem que acreditar em mim.

Minha mãe deixou escapar um suspiro de cansaço e me encarou mais uma vez.

— Eu acredito, Melissa — ela respondeu. — Eu acredito que você também ainda é nova demais para entender que, infelizmente, isso pode acontecer com qualquer um. Acho que é por isso que você quer acreditar em outra coisa. Eu conversei com a mãe da sua amiga, participei da reunião do conselho da sua escola e li o obituário que foi publicado. Cedo ou tarde, você vai ter que parar de viver num mundo de ilusão e encarar a realidade.

Aquelas palavras de novo. Aquelas malditas palavras que viviam na minha cabeça e nunca saíam da boca de Roy, nem dos meus sonhos bizarros onde Maya jogava na minha cara tudo o que eu tentava evitar. Mais uma vez, era como se a minha mãe soubesse exatamente onde acertar. Eu só consegui balançar a cabeça e desviar o olhar antes que eles percebessem que os meus olhos estavam se enchendo de água.

O silêncio constrangedor nos envolveu outra vez até meu pai o quebrou.

— Você vai entender um dia, Melissa. Eu sinto muito que você tenha que passar por isso ainda tão nova, mas eu prometo que você vai entender.

Naquele momento, eu só entendia que nenhuma das minhas palavras chegava até eles deles de verdade. Por mais que escutassem os sons, eles não ouviam e nem tentavam absorver nada do que eu dizia.

Como eu me mantive quieta, ele continuou:

— Quem sabe agora você aproveita essa chance para aprender um pouco com seus outros colegas? Vocês podem se ajudar, e muito. É só você querer e se esforçar um pouquinho.

O que eu mais queria era que realmente fosse tão fácil assim. Eu estava tão feliz com essa mudança, com um novo começo. Era tudo o que eu achava que precisava. Por que as coisas tinham que ser assim? Por que eles não queriam entender isso?

Acho que eles não estavam mais esperando resposta — ainda bem, já que eu estava bem ocupada tentando engolir o choro — porque a minha mãe deu continuidade à conversa:

— Você está de castigo por um mês. Sem passeios por aí, é da escola direto para casa. E, se as suas notas caírem, nós vamos conversar outra vez. Estamos entendidas?

Concordei balançando a cabeça em silêncio. É claro que as minhas notas iam aparecer de novo no assunto. Eu só queria poder sumir dali.

— Então vá para o seu quarto e pense bem em tudo o que falamos.

Eu tentei pensar em alguma coisa, qualquer coisa, porém não encontrei resposta alguma. Dizer qualquer coisa e prolongar aquela conversa não nos levaria a lugar algum e, para ser bem sincera, eu estava me sentindo aliviada e mais leve só por saber que estava dispensada.

Levantei da cadeira e me virei em direção às escadas em um segundo, mas logo ouvi a minha mãe chamando pelo meu nome outra vez.

— E, Melissa? — ela disse com a maior calma do mundo, como se tivéssemos encerrado uma discussão sobre o clima lá fora. — Aproveite essa chance para aprender a se abrir um pouco, ok? Você vai ver, logo você estará certada de amigos bem melhores.

Eu estava sem forças para continuar e dizer que eu realmente duvidava daquilo. Então, apenas assenti em silêncio uma última vez e segui meu caminho.