Além do barulho dos grilhos e de alguns pássaros, o barulho de metais se chocando e o som surdo dos golpes era algo sempre presente naquele verão. Pisando com os pés descalços a madeira fria da varanda Risa coçava os olhos ainda nublados de sono, o corpo parecendo andar por vontade própria. Parou no limite da varanda, voltada para o pátio grande de casa. Lá estava o motivo de estar ali, lutando energicamente com o brilho do suor por todo o corpo.

— Mamãe... – Chamou, ainda um tanto sonolenta.

Mitsue dera um último chute alto no alto do saco de areia, virando seu rosto na direção da voz.

— Oh, Risa-chan – Sorriu – Acordou cedo hoje.

Risa observou a maneira elegante de sua mãe ao voltar para a posição normal, dobrando a perna suavemente antes de pisar no chão. Risa começou a unir as sobrancelhas, olhando para o céu, ainda mal colorido pelo sol da manhã, e logo em seguida pousou os olhos chateados em sua mãe.

— Sim, mãe, muito cedo. Adivinha por que?

A cabeça de sua mãe pendeu levemente para um dos lados, a inocência transbordando em sua expressão.

— Ah, fala do treino? Não achei que estivesse perturbando vocês, meu amor – Um muxoxo começou a ser formado no rosto de Risa, então Mitsue andou até sua filha, dobrando os joelhos até ficar na sua altura.

Risa virou o rosto para o lado, chateada.

— Tem sido assim todos os dias mãe. Como se não bastasse meus próprios treinos todos os dias, ainda sou impedida de dormir mais nas férias...

Are, are! Deixe de drama – Falou, bem-humorada. As mãos de Mitsue tocaram as bochechas de sua filha de doze anos, virando o rosto emburrado para si – Sabe que prefiro treinar antes de trabalhar, certo? Energiza o corpo, deixa a mente alerta, e dormir demais nunca é bom.

— São 5:30 mãe...

— Exatamente! Se prepare enquanto os rivais dormem! – Riu-se.

Risa relaxou a expressão, olhando a expressão risonha de sua mãe. Tinha vezes que ela era tão boba quanto o papai.

— Faz assim... Já que anda acordando tão cedo, que tal treinarmos juntas durante o verão, hun?

Risa fez uma careta.

— Mais treino? Mãe... – Mitsue colocou o indicador sobre os lábios dela.

— Se fizer isso, estará oficialmente liberada de suas obrigações antes do entardecer. Digamos que será uma hora-extra.

Risa pareceu considerar melhor. Pensou nas coisas que poderia fazer para se divertir e os picolés extras que comeria.

— Okay. Parece bom para mim! – O sorriso de Mitsue se alargou.

— Yooshi! Vamos começar a partir de... AGORA!

— Aaaah! Mãe! – Exclamou a garota assim que sua mãe a puxara pelo pulso. Antes que caísse, ela a pegou com as duas mãos e a girou várias vezes, arrancando risadas, até coloca-la no chão.

***

Risa acordara em seu futon um tanto perdida. Após se mexer um pouco, sentiu uma agulhada em sua nuca, agora enfaixada devidamente para estancar o corte. Se levantou e andou com cuidado até seu espelho de corpo inteiro, tendo uma completa visão dos curativos espalhados em seu maxilar, bochechas e testa. Kazuto caprichara nos golpes em seu rosto. De resto, seu corpo parecia bem inteiro.

Caminhou ainda lentamente até uma das portas de correr e a empurrou o suficiente para visualizar a neve que caia calmamente no pátio de casa, logo após o piso de madeira da varanda.

Era fim de tarde, provavelmente.

— Olhe só, se a Risa não está disposta hoje – Brincou, para variar, a conhecida voz de Yuuto.

Olhou para trás, e seu tio estava sorridente na porta de seu quarto, segurando uma bandeja de madeira que continha um bule fumegante de chá. Fechou a porta de correr e voltou-se para ele.

— Há quanto tempo estive dormindo?

— Quase 4 horas, acho – Disse, repousando o jogo de chá sobre uma mesinha no centro do quarto – Mas não se preocupe com isso, não foi algo causado por ferimentos. Você apenas sofreu o efeito de um velho truque para deixar adversários mais... mansos.

A mão de Risa pousou automaticamente sobre o ferimento da nuca.

— Estou um pouco familiarizada – Comentou, suspirando. É um pouco humilhante pensar que caíra num golpe tão clássico como este – Mas não achei que ele estivesse pretendendo me deixar desacordada. Geralmente a luta acaba até o ponto em que não se aguenta mais.

Yuuto se manteve em silêncio, refletindo sobre a situação enquanto observava sua sobrinha se sentar à sua frente. Serviu um pouco de chá para ela, observando que, diferente de sua irmã mais nova, sua sobrinha não mostrava irritação pela realidade de ter sido derrotada. Era mais parecida com o pai: parecia refazer cuidadosamente cada passo que tomara atrás da ação que poderia ter impedido aquilo. Ainda assim, era inegável a presença da mãe em sua teimosa persistência em direção a um objetivo. Mesmo que ela não admitisse, Yuuto conhecia a velha rivalidade latente e cada vez mais forte entre ela e o filho dos Uchiha-Haruno.

Tomou um gole de seu próprio chá.

— Kazuto pode estar com outros objetivos, além de meramente treinar suas habilidades com os outros chunins.

Risa colocou uma mecha de seus longos cabelos para trás da orelha.

— O que quer dizer?

Yuuto ergueu uma das sobrancelhas.

— Oras, querida sobrinha. Reflita um pouco – Pediu – Conhece a natureza ambiciosa daquele Clã. Kazuto pode estar facilmente olhando para seus oponentes como verdadeiros rivais, planejando usá-los como degrau para ser um Jonin reconhecido. E teria melhor forma de reconhecimento que derrotar a filha de minha irmãzinha?

Ela tilintou sua xícara na pires, parecendo um pouco confusa.

— Entendo a parte de querer ser um Jonin, não existe shinobi que não queira ser a não ser talvez pelo Mannen Genin. Mas ser filha de Terasu Mitsue não me faz ter a habilidade para estar à altura de um bom rival – Ela bebeu seu chá, completando – Se assim ele quisesse, era mais fácil lutar contra meu pai ou você.

— Você ainda não sabe... - Ou talvez não saiba que sabe – Mas existe muito mais critérios na escolha de um rival à altura. Não há exata definição.

— Ainda assim – Insistiu – Não creio que exista suficiente raiva para isso ocorrer.

Yuuto não conseguiu evitar rir daquilo.

— Raiva? É isso a fonte da rivalidade?

— Claro. Talvez unido à vontade de ser um melhor shinobi, também.

Yuuto riu mais ainda, lembrando-se de certo par de rivais de seu passado.

— Tudo bem então – Yuuto levantou-se – Acho melhor ir embora. Vim para uma breve visita, sob as ordens de seu querido irmão. Ele vai estar feliz em saber que está bem.

— Ah, okay.

Abriu a porta para o pátio, prestes a sair, mas parou um momento.

— Risa-chan, sabe...

— Hm?

— Seus pais... Muito antes de casarem, eram rivais desde a infância, sabia?

Risa paralisou sua xícara a caminho de mais um gole. Nunca tinha ouvido falar daquilo.

— Rivais?

— Sim. Brigavam o tempo todo, e cada dia tentavam provar que eram melhores e mais independentes que o outro. Qualquer um podia falar que eles se odiavam... – O rosto de Yuuto virou de leve na direção da sobrinha – Mas eles acabaram tendo dois filhos e um longo casamento.

Risa permaneceu calada.

—.... Por isso eu te digo, querida sobrinha, que há todo o tipo de rivalidades. E nem todas se baseiam na raiva. Pelo menos não somente dela.

***

Na manhã seguinte Kakashi andava com ar sossegado pelo prédio com o escrito “fogo”. Entrou na sala do Hokage após bater a porta, escutando um rouco “entre”.

Em sua cadeira, acompanhado de várias pilhas de trabalho, estava um Naruto cansado, contudo, sorridente.

Ohaio, Hokage-sama – Foi a primeira coisa que disse, apesar de ainda ter a impressão estranha de estar falando assim com um antigo aluno seu. Ainda mais aquele.

— Oh, Kakashi-sensei. Não seja tão formal quando estivermos a sós – Riu-se, de leve.

— Creio ser tarde para tentar matar esse hábito – Disse Kakashi, coçando a nuca rapidamente.

Are, are... Então vamos aos assuntos de hoje – Se encostou em sua cadeira, o cabelo levemente mais bagunçado que de costume apesar de bem curto – Como anda Yukiyo-kun em seu novo posto? Ouvi que ele está bem controlado.

— Está dando o melhor de si, mas tudo está sendo mais simples com Yuuto ao seu lado. Creio que em alguns meses estará quase trabalhando independentemente dele.

— Bom, muito bom. Deve ser estranho ter o seu filho mais velho como seu superior, imagino.

— Sim... Mas não é muito diferente de ter meu aluno como Sexto Hokage. Creio que tenho que me acostumar aos novos tempos agora.

— Ah, mas você já foi Hokage também Kakashi, então não conta tanto assim.

— Por pouco tempo.

Naruto abriu um sorriso para seu sensei. Sempre deixando de levar o crédito, esse Kakashi.

— Pois bem, e sua filha mais nova, Risa-chan? – Naruto coçou o queixo, pensativo – Antes de dispensar o grupo dela para a missão fora da vila, vi que ela tinha alguns curativos pelo rosto... Isso me lembra dos meus velhos tempos de agitação e... dores no corpo.

— Ah... Ela está bem também. Se meteu numa disputa ontem, num dos campos de treino mais perto da floresta com um Uchiha. Acabou desmaiando durante a luta, mas teve nada grave.

Naruto parecia surpreso

— Risa-chan não parecia do tipo que se mete em brigas.

— Ela é competitiva, então não foi uma grande surpresa, ainda mais se metendo com o Kazuto desse jeito...

Naruto parou um segundo, os olhos aumentando um pouco mais.

— Kazuto? Uchiha Kazuto?

— Sim.. Algum problema?

— Ah... Eu acho que essa missão vai ser agitada – Kakashi pareceu não entender. Recomeçou – É que Kazuto está em uma das duas equipes dessa missão, como líder. Sua filha é a líder da outra. Eu os dispensei a pouco, mas não percebi que algum dos dois tinha problemas com o outro.

— Ah! – Kakashi pensou alguns momentos, não tão preocupado – Não acho que isso seja algo grave, Naruto-sama. Sem falar que Risa é bastante disciplinada para deixar uma rivalidade atrapalhar a missão.

— Assim espero – Naruto riu nervosamente – Ah, tenho que melhorar as informações sobre os membros das equipes, isso pode ser grave no futuro...

— Talvez sim – Riu Kakashi, de leve, observando o tanto de trabalho acumulado que ele possuía – Mas acho que demorara um pouco para encaixar isso em suas obrigações...

— Verdade... – Disse tristemente Naruto – Quem diria que meu sonho acabaria em me atolar em tanta burocracia.

Kakashi assentiu, aliviado ao pensar que fora liberado daquilo há muito tempo.

E que assim permanecesse.

— Então.... Deseja se atualizar sobre mais alguma coisa?

— Sim. Na verdade este seria o verdadeiro motivo de eu te chamar aqui.

Kakashi suspirou diante do tom sério de Naruto. Pelo jeito não seria algo simples.

— Mas antes eu preciso saber se está suficientemente... refeito. O que te pedirei exigirá bastante do seu tempo e habilidade. Talvez fique um pouco longe de casa.

Kakashi não respondeu de imediato, olhando diretamente para a mesa de madeira a frente de Naruto. Seus dedos se apertaram de leve.

Naruto juntou suas mãos, um tanto desconfortável.

— Não te pediria nada se não fosse muito importante, sabe disso. Eu mesmo... Ainda não me adaptei a essa realidade ainda. Tem sido difícil para mim, então imagino para...

— Eu quero ouvir o que quer me propor, Naruto-sama – Respondeu, ainda calmo, mas com uma visível mudança na atmosfera. Sua máscara de normalidade ainda estava um pouco frouxa -...Para que eu possa dar uma resposta apropriada o quanto antes. Sei que é ocupado.

Naruto assentiu, iniciando rapidamente o motivo para chama-lo.

Bastava tocar levemente neste assunto para que o relance do brilho escuro de seus cabelos passasse ilusoriamente pela sua visão periférica. Um fantasma de sua presença se insinuando cada dia que passava.