A Gêmea do Professor

Atrás dos Sorrisos da Boa Menina - Parte Final.


Meus pés pesados batiam contra o piso liso do extenso e vazio corredor, causando os ecos abafados pelo calçado, feitos pela minha impaciência e ansiedade em concluir aquilo que me prestei a fazer desde que cheguei, e ali estava o “ campo de guerra ”, feito e pronto para ser usado por mim. Quando atravesso a curva do corredor, logo adiante, do lado esquerdo do corredor, estava a porta da famosa “ sala dos beijos ”, onde todos tiveram, ou ainda vão ter, seu primeiro beijo lá dentro.

Eles são tão fofinhos quando se trata de apelidar alguma coisa… ou alguém.

É uma peninha mesmo.

Essa sala foi abandonada por anos, depois que os boatos e das “ testemunhas ”, afirmarem que existe um fantasminha camarada que vaga por entre as cadeiras, sendo tal fato curioso que, seria a mesma sala que contém um alarme de segurança para incêndios.

Fiquei com o ânimo nas alturas após descobrir.

“ Mais cedo, enquanto matava aula de economia, visitei, discretamente, as possíveis salas que poderiam ter seus alarmes de segurança, e assim, com minha esperteza, por vezes, desacreditada por muitos, após invadir os fundos da escola, os fantásticos domínios das cozinheiras por ser um espaço livre de nós alunos. Subo uma escadaria de correr que me levou até uma sala que guardava vários imóveis velhos da escola: armários, mesas, enfim, tudo que estava deteriorado e que não tinha mais nenhum uso… pelo menos não para eles ”.

Meu nariz agradeceu por ter usado uma máscara e por ser alérgica a pó.

“ Logo mais adiante, entrei numa porta escondida atrás de uma cortina marrom, inteiramente amarrotada e cheia de poeira. Subo pelas escadas que estavam por trás dela, que no seu final, tinha uma outra porta, na qual entrei sem demoras, acabando por encontrar a sala das máquinas, a qual continha vários tanques que guardavam a água da escola, aquilo iluminou minhas ideias e aumentou minhas habilidades do que deveria… brincar com eles, sem tirar os critérios da ventilação; suas entradas estavam á minha altura, literalmente, em cantos das paredes ”.

As bombas de gás, eu pensei, iriam ficar concentradas e totalmente protegidas, mas que tinham seu tempo contado, por isso deveria me apressar em ir mais rápido.

Meus olhos estreitos olhavam com seriedade a hora no relógio de pulso, por, praticamente, estar à minutos do gás ser liberado e se espalhar pelos túneis e infestar a escola inteira, por sincronizar o tempo de liberação um minuto antes do sinal de saída bater: os ventiladores dos túneis irão me ajudar a espalhar o cheiro pela escola, um odor que não escapa tão fácil do ar e nem dos tecidos, muito menos da ventilação: uma espécie de líquido viscoso e consistente que não vai sair com um simples produto de limpeza, além de conter um dos piores odores do mundo: um forte e desagradável odor de uma ave, Cigana, que vive na Amazônia; odor esse que se iguala à mofo, mas talvez eu tenha colocado algo a mais para piorar a experiência de todos.

Saber usar utensílios de laboratório ao seu favor, era uma arma engenhosa e muito letal às vezes; agradeço por ter um irmão que faz anotações.

Meus olhares inquietos e expressivos eram postos pelas saídas dos dois lados dos corredores, sendo que ninguém passava por ali antes do sinal da saída; os momentos de liberdade, como muitos dizem.

Parando em frente à porta da sala, seguro a maçaneta ao virar meus olhos atentos, mais uma vez, para os lados antes de a empurrar para dentro junto com meu corpo, e, ao pôr meus olhares para dentro da sala, fui surpreendida por um casal que estavam aos beijos apaixonados: a garota estava, praticamente, sendo encoxada contra a mesa do professor pelo carinha.

Contrariada com aquela cena tão desagradável, cruzo os meus braços e mantenho meu olhar firme e franzido sobre os dois, que não estranharam a minha presença ou os meus olhares nada amorosos, por isso, e muito mais, forço uma tosse alta que ecoou pela sala, quase soltando uma gargalhada por ver os dois quase pulando ao se separarem e me olharem com temor, e continuaram com esse olhar para mim, mesmo não sendo uma inspetora, que, aliás, faziam um ótimo trabalho nos tempos livres.

— Devo convidar vocês a saírem da sala ou tá difícil? - Demonstro minha irritação e o incômodo de ter visto essa cena.

— D-d-desculpa. - O garoto gagueja ao responder, continuando a manter seu olhar temido para mim.

Com um olhar mais atento, poderia afirmar que seus membros tremiam.

Ergui minha sobrancelha direita, contrariada, levando meu olhar para a garota, que estava mais, MUITO mais, calma que ele. - Bela opção para beijar a boca… Agora caiam fora!

Sem demoras, os ecos dos seus passos apressados foram escutados por mim ao atravessarem a sala e saírem pela porta, ainda comigo estando no mesmo lugar, de costas para eles.

— Eu deveria-

— Ainda pergunta?! - Com a voz agressiva, respondo a garota, logo depois ouvindo a porta sendo fechada atrás de mim e seus passos apressados do outro lado. - Deveria queimar meus olhos.

Com irritação, pela perda de tempo que sofri, levanto meus olhares para o teto, os levando diretamente na direção do aparelho do alarme que estava num canto do lado esquerdo da sala.

Entre meus sorrisos alvoroçados no rosto, na minha imensa e gloriosa diversão de graça, imagino o pandemônio que aconteceria em poucos minutos e que, com certeza, a possibilidade de uma expulsão viria chutando o ego inflado da razão da minha mãe.

Isso me desfrutará por meses.

Começo meus passos impulsivos e ansiosos para o fundo da sala, entrando no corredor feito entre as mesas, e entre elas, seguro uma cadeira e a arrasto junto comigo, arrastando seus pés pelo chão que ocasionou de um som raspado e insuportável começar e a arranhar meus tímpanos, mas que logo parou, me dando o alívio, ao deixá-lo posicionado ao lado da mesa abaixo do aparelho, para subi-la e assim conseguir ficar o mais próximo possível do aparelho.

— Está bem. - Firmo o pulso em frente dos olhos, levantando minha perna direita para colocá-la por cima da mesa. - Três e vinte e oito… quarenta segundos para a liberação o gás… - Subo por fim na mesa, entre meus olhos fechados para calcular o tempo preciso para ativar o alarme ao mesmo tempo que falte um minuto para o sinal de saída, juntamente reduzindo aos segundos que as bombas precisam para liberarem o gás, também contando com os segundos os quais todos vãos sair desesperados das salas.

Sortudos aqueles que irão estar do lado de fora, como eu.

“ O alarme vai soar três segundos depois que captar o sinal de fumaça, me dando mais cinco segundos até liberar a água, ou seja, preciso ativar faltando pouco mais de oito segundos até liberar o gás, preciosos e precisos oito segundos, para ativar o alarme enquanto o cheiro mofado se espalha pela escola ”.

— Quarenta e três… quarenta e cinco… - Paro com a contagem ao tirar o isqueiro do bolso e o erguer para cima, logo depois de levantar um pedaço de papel e o deixar em posição ao lado dele; viro o relógio de frente para meu rosto, entre meu dedo que estava alvoroçado em ligar o isqueiro. - Quatro… três… - Acendo o isqueiro, e sua chama invadiu e engoliu instantaneamente o pedaço amassado de papel, não demorando muito para que sua chama libertasse as nuvens cinzentas e onduladas, que subiram, fazendo seu caminho chamado, até o alarme.

* TRIIIIIM!! TRIIIIIM!! *

Num pulo, desço de cima da mesa, deixando o pequeno pedaço flamejante de papel em cima dela para ir correndo até a porta, saindo logo depois e batendo ela atrás de mim.

Deveria ter uma preocupação para sair, mas, pela minha sorte infinita, havia uma porta de saída logo em frente da sala, e a razão pela qual não estava desesperada, mas um odor podre invadiu minhas narinas e quase me fez vomitar, embrulhando meu estômago.

Uma coisa que também odiava em mim, era ser sensível a alguns odores.

Atravessando o corredor, apressadamente, abro a porta de saída, ainda ouvindo o alarme batendo contra meus ouvidos e meus sentidos que estavam na pura agitação pela adrenalina, e o que me entristeceu, foi ver algumas pessoas pelo gramado do pátio, da saída detrás da escola, mas relevei, a maioria iria estar do lado de dentro mesmo.

Ao fechar a porta atrás de mim, comecei a ouvir os gritos de desespero vindos de dentro da escola, os quais, primeiro, me tiraram um sorriso sacana de lado.

Olhando para o lado, encaro um degrau, onde prendia a terra que continham as plantas plantadas, entre alguns arbustos baixos que rodeavam as paredes. Resolvo ir até o degrau e subir por cima dele, apoiando minhas costas contra a parede, num espaço afastado da porta, cruzando meus braços ao esperar a bela arte, o pandemônio, que estava prestes a vir.

Estavam adorando o banho com a água batizada, não de uma forma… perigosa… talvez...

Os gritos de nojo que vinham de dentro me davam uma profunda satisfação, as nuvens somente eram alucinações com o formato curvado, num canto da boca; meu sorriso sanaca não iria embora tão rápido.

O espaço do pátio foi perturbado por uma multidão de desesperados enojados, e totalmente molhados do meu mais novo excêntrico experimento de odores não muito agradável às narinas, pelas portas serem abertas bruscamente: a aglomeração, entre suas reclamações de desespero e seus semblantes enojados, corriam pelo gramado em busca de se livrarem da escola.

— NÃO PISAR NO GRAMADOOO!!!

A voz do Dang foi ouvida por todos, mas ninguém fez questão de obedecer, continuaram a correr pelo belo e bem cuidado gramado, somente para poder irem embora o mais depressa possível. Em segundos, o pátio foi dominado por gritos e adolescentes desesperados para voltarem para casa e tomarem banho… Como se um sabonete e água vão resolver a questão de livrá-los do odor.

Encarava a todos como minha soberania tirana, apreciando com prazer a todos, numa multidão de repulsa, indo embora, dando corda, especialmente, para minha irmã que apareceu entre seus gritos pela multidão, que já estava diminuindo ao redor.

Por agora, meu riso sacana e debochada, sem mostrar meus dentes, continuava viva no rosto, abaixo dos meus olhos que refletia a soberania aos baixos, satisfeita como nunca ao fazer meu trabalho como deveria.

Devo me considerar uma narcisista por causa disso… ou estou muito enganada?

— Eu saber!! - Dang, novamente, surge entre piscadas no centro do pátio, inteiramente molhado e com sua expressão apreensiva na minha direção; levantou seu braço para apontar seu indicador para mim. - Você, a responsável!

— E temos um Sherlock Holmes! - Zombo da sua esperteza, diante do seu desespero.

— Por quê?

— Porque, eu lhe pergunto, por que? - O retruco com graça, logo depois alargando meu sorriso divertido e desencostando da parede, realmente ainda sentindo o cheiro podre circular por todos os lados. Desço do degrau para caminhar ainda no chão asfaltado, mas após subo para o gramado e paro, ainda encarando jovial zelador, que tinha sua feição dura na minha direção. - Iria te dar um conselho para poder tirar esses… odores horríveis, mas, como já é um expert em materiais de limpeza… já deve saber como, não? - Uso o tom sarcástico na língua.

— Nãããããão. - Alongou sua resposta, balançando seu rosto com veemência. - Me dar mais trabalho por um loooongo tempo!

— Ótimo! - Dou de ombros. - Desfrute de um bônus, e quando perguntarem, fale, com o maiooor prazer, que a responsável… - Alargo um sorriso tirano. - fui eu.

Arrumo a alça da mochila por cima do meu ombro antes de começar a caminhar com gosto, e sem preocupações, pelo gramado pisoteado do pátio, tirando de dentro de uma pequena bolsa da mochila, meu celular com meus fones para ouvir minhas músicas, como sabia que o caminho até em casa era longo, pelo menos a pé, iria caminhar por quase uma hora pela estrada, longa e silenciosa hora de tranquilidade, sem incomodações.

Meus passos lentos por aquela beira de estrada, eram os menos impulsivos que havia dado a manhã inteira. Minha forma brusca de me comportar com todos ao meu redor, refletia no meu corpo, de alguma forma, pois meus músculos carregam toda a adrenalina e meu esforço brusco, e aquilo resultava em ficar exausta nas horas seguintes, e nisso também resultava ficar trancada o resto do dia no meu quarto.

Uma das reclamações da minha mãe é justamente de ficar presa o dia inteiro, dentro do meu quarto, sem falar com ninguém, ou ter uma vida social como as dos meus irmãos…

Por mim, ficaria presa naquele quarto pra sempre, não tinha nenhum prazer em sair e olhar para todos à minha volta.

Não me orgulhava em não sentir empatia pelos outros, bom, tinham poucas exceções, mas pela maioria, sentia nada do tipo, e por isso, numa época da minha vida, me desesperei por pensar que poderia ser uma pessoa com psicopatia. Escondi meu pânico de todos de casa, da escola, por, simplesmente, não querer atenção de ninguém por essa minha complexidade.

Nenhum deles percebeu, e aquilo aumentou meu ego em sempre ter uma parede indestrutível em volta de mim, que escondia todas as minhas inseguranças e medos, e até agora, funcionou bem.

Afastar a todos parece ser um tipo de poder que sempre possuí ter.

Para mim, já bastava não ter a atenção e a compreensão da minha mãe, agora ter que enfrentar outras pessoas que fingem se preocuparem com as outras, não… não tinha estruturas para isso e ainda não tenho.

Ficar sozinha, para mim, era a oitava sensação mais prazerosa do mundo, mas, por vezes, ficar sozinha era totalmente diferente de estar sozinha, e aquilo era deprimente, para mim mesma. Lágrimas, por vezes, escapavam dos meus olhos sem motivo algum…

Elas estavam descendo pelo meu rosto, que era atingido pelos ventos gelados e que tanto me relaxava pela sensação friorenta que acolhia meu corpo, fazendo o que meus pensamentos fluírem e me questionar se o que fiz era o certo a se fazer para conseguir o que queria que minha mãe fizesse?

Realmente, não queria usar aquelas pessoas, mas não tinha como fazer algo contra a escola sem fazer com que elas não interviram.

Foi mal…

— Is this the real life? ( Isso é a vida real? )

— Is this just fantasy? ( Isso é apenas uma fantasia? )

— Caught in a landslide. ( Preso em um desmoronamento )

— No escape from reality. ( Sem escapatória da realidade )

— Open your eyes. ( Abra seus olhos )

— Look up to the skies and seeeee ( Olhe para os céus e veja )

Sou incapaz de ficar apenas um dia sem ouvir essa memorável e clássica música dos anos setenta, a mesma que poderia me acolher sem pretextos ou culpas, a mesma que me acompanhou nas minhas noites de choro, escondida debaixo do meu edredom.

— Mamaaa… Just killed a man, ( Mamãe… acabei de matar um homem, )

— Put a gun against his head, ( Coloquei a arma na cabeça dele, )

— Pulled my trigger, now he 's dead ( Puxei o gatilho, agora ele está morto. )

Minha respiração tremia a cada subida e descida do peito, também trêmulo, apenas deixando algumas das muitas lágrimas escorrerem pelo meu rosto gelado e caírem pelo chão ou pela minha jaqueta fechada… Me sentia apavorada e com medo… desprotegida como sempre me senti.

Os minutos não eram nada além de números, os quais passaram num sopro sem eu mesma ter notado, pelo mais notável da minha visão apenas vislumbrar as belezas da natureza, me distraindo pelo caminho enquanto ouvia as vozes dos meus amigos entrando pelos meus ouvidos e por ali ficando, me acolhendo num momento sensível… coisa que mais odiava em mim: me sentir vulnerável.

Portanto, as casas da vizinhança que me cercavam há catorze anos foram notadas por mim, como se fossem um choque que me fez acordar de um transe que entrei, desde o momento que saí dos ares daquela escola sufocante.

Caminhando pela calçada, bati minha mão contra uma grade que circulava uma área de construção, sorte a minha por estarem construindo perto do quarto da Ivy, pelo meu ficar um pouco mais afastado.

Um sorriso sacana no rosto por imaginar as noites mal dormidas e seus surtos por verem olheiras abaixo dos seus olhos.

Assim, viro a travessa de uma calçada para entrar num extenso, com pouco espaço de largura, beco que se seguia até a rua do outro lado, mas meus olhos distantes encararam a parte posterior da casa sútil, com a porta logo em frente, apenas quinze passos de mim, o que me fez agradecer aos céus por ter chegado e feito meu coração acelerar em quentura, apenas por me imaginar, em instantes, dentro do meu cantinho e em paz… até parecia que ouvia cantos de pássaros ao imaginar o momento prazeroso, entre os fones de ouvido, mas esse pensamento se foi quando ouvi uma buzina aguda apitar atrás de mim, sendo totalmente ignorado por mim; estava a centímetros de casa.

Volto com meus passos na direção da porta, mas por sentir algo atrás de mim, um impulso que me alarmava e me guiava, gritando na minha cabeça que estava sendo seguida, e foi então que ouvi:

— Amy, porque fez isso? -

Paro bruscamente meus passos por ouvir a voz do meu gêmeo na minha cabeça, me fazendo revirar os olhos e soltar um suspiro pesado, me fazendo chegar à conclusão de que era ele que estava naquele carro. Com esse pensamento, volto a caminhar para chegar até a porta que nos dava acesso direto para a cozinha, prontamente aumentando meus passos.

Segurando na maçaneta da porta, meu fone do lado direito foi, praticamente, arrancado da minha orelha com violência, fazendo com que a região doesse e a minha irritação voltasse a bater na tecla, mesmo cansada do dia que tive.

A voz revoltada, histérica e nervosa da minha mãe, rasgou os meus ouvidos por ela estar perto demais: - O QUE VOCÊ FEZ?!!

Fecho os meus olhos para esvaziar meu peito de toda a irritação, para esvaziar minha mente que gritou desesperadamente em ódio, mais ainda para relaxar o meu corpo rígido que ficou preso no lugar.

— Tem consciência do que você acabou de fazer?! - Praticamente rangia entre os dentes ao praguejar.

— SAI DA FRENTE!! SAAAAI!! É UM CASO DE VIDA OU MORTE!! - Ivy esbravejava com desespero, passando do meu lado, mas o que estranhei foi não ter sentido nenhum odor incômodo com a aproximação da minha mãe.

Uma interrogação aparece no topo da cabeça, mas Adam foi a resposta mais conclusiva a qual cheguei.

A porta foi aberta com tudo pela Ivy, somente para ela passar correndo e continuar com seu desespero ao ir até as escadas no fundo da cozinha, que levava para o andar de cima.

— Eu estou falando com você, Amy!

— E eu não quero falar com você. - Respondo no mesmo tom agressivo, lentamente virando meus olhares irritados para ela, pela primeira vez notando-a inteiramente molhada e com as maquiagens borradas, entre sua feição enfurecida. - Ainda melhor, tenha isso como uma resposta. - Sem deixar ela dizer uma palavra, dou um passo para frente, deixando minha perna erguida para chutar a porta com a ponta da minha bota, a abrindo sem dificuldade, logo depois empurrando meu corpo exausto pela caminhada, e pelo dia, para dentro, deixando ela para trás, e, como sempre, sem ligar para nada do que começou a dizer.

Atravesso o espaço largo da cozinha, passando ao lado da mesa do meu lado direito e do balcão do meu lado esquerdo, assim para virar à sua esquerda para ir em direção à escadaria.

— Não me deixe falando sozinha!! Eu estou falando com você!

Cesso meus passos impulsivos diante da escada, novamente deixando a quentura da raiva subir pelo meu corpo, que, naquela altura, começou a tremer novamente pela adrenalina e o nervosismo, entre meu coração vacilante e minha respiração descompensada que não ajudavam. Todo o misto de sentimentos borbulhavam dentro de mim, e os mesmos que me impulsionaram a virar para ela, prendendo as lágrimas que queria saltar para fora com todas as minhas forças, somente para respondê-la e a avisar de que nada era como ela queria… não comigo.

— Não… você apenas quer jogar a boa sensatez e a velha educação que espera que eu tenha pra cima de mim, querendo que eu reveja os meus erros e que me desculpe com todos eles.

— E vai fazer isso. - Falou, dando seus passos para dentro da cozinha e parando logo atrás do balcão no centro da cozinha, enquanto me olhava com a pura decepção, a mesma que já estava acostumada em ver, e a mesma que meu orgulho reprime. - Vai entrar naquele carro e-

— Nem que pisem na minha cara, vou fazer isso. - Respondo com indiferença, franzindo meus olhos para ela, onde ficou imóvel e sem feição por segundos, enquanto a severidade permitia que meu corpo aguentasse mais a tensão que caía sobre mim.

Eu via seus olhos começarem a brilhar, num agora que suas expressões se tornaram de pura tristeza. - O que que eu fiz para merecer isso? Em?

Continuei a franzir, com um meu sarcasmo impregnando o espaço das minhas expressões que se estreitaram, desacreditando no que estava ouvindo ela dizer, alvoroçando minha raiva presa dentro de mim, a qual guardava em mágoa. - Vai mesmo dizer isso pra mim? Logo pra mim?! Coisa que você sabe muuuito bem do porquê recebe tanto tapa nessa sua autoridade suprema, vindo de mim.

— DEIXA QUE SER ASSIM, AMY!! - Seu grito rouco saiu com rancor de dentro da sua garganta, entre seus olhares de perturbação, entre suas lágrimas que começaram a cair. - Eu faço de tudo para seu bem!

— Porra… se esse for o meu bem, eu nem quero saber como poderia ser o meu mal. - Irônica eu digo, abrindo um sorriso nervoso no rosto, mas o que guardava o desgosto e o ressentimento.

— Vai pro carro, e depois… e-eu nem sei o que vou fazer com você!

— Colégio interno, eu respondo… - Digo com amargura na voz, a que queria falhar, por isso paro de falar por sentir a bola espinhosa se formando dentro da garganta, a que eu forçava a ficar presa no fundo, mas o que não consegui segurar, foi às lágrimas que começaram a invadir os meus olhos, tornando as vistas pouco embaçadas. - Essa sempre foi sua escolha final para tentar me fazer mudar… e acha que me trancando num lugar nojento, e longe daqui, vai me fazer mudar…? Sério, mamãe? Eu pensei que a esperteza era de família, mas acho que estava errada… veio do nosso pai. Sabe, eu acharia bem melhor você ter me mandando ir morar com ele, já que nunca o conheci e certamente iria me tratar muito melhor do que você me tratou nesses quinze anos da minha vida!!

— NÃO! - Levanta a voz, mantendo sua expressão torta, possessa em ódio, me encarando entre seus olhos esbugalhados que refletiam sua amargura a apreensão a mim, uma dor angustiante que poderia sentir fincar nos meus ossos.

Não engoli minhas palavras, pois aquilo não era nada comparado ao que tinha guardado dentro de mim.

— Nunca mais ouse falar assim. - Com a voz trêmula, ela fala, amargurando sua dor dentro do peito, causado por mim.

Eu me culpava por fazê-la chorar, mas como eu não poderia não fazer ela chorar, sendo que também, quase todos os dias, me fez chorar com seu abandono: seu carinho, sua atenção, sua compreensão! Faz mais de onde anos que eu não recebia tanto a sua atenção como antes… antes do Adam demonstrar esse gênio que é hoje.

Mesmo querendo recuar, não deixar que não me veja despejar nenhuma lágrima, meu corpo rígido continuou preso no lugar, relutando contra o sentimento de jogar tudo para fora, contudo, retrucando com amargo os olhares ressentidos dela, entre seu rosto, suas lágrimas tomavam conta.

— Então não minta na minha cara, falando que não sabe o que fez para eu ser assim… Você sabe o que eu quero, e eu não vou parar até você me devolver isso!

— Eu já disse que NÃO! É tão difícil assim de você entender que não vai sair daqui para ir até o outro lado do mundo, estudar para ser algo onde nunca vai ter um futuro!! - Levantou sua voz com autoridade bruta.

Em anos, eu voltei a ver aquela expressão de possessividade, com seu domínio sobre mim, o mesmo que me fazia estremecer por dentro pelo medo de nunca poder realizar minha ambição.

Lágrimas, simplesmente, foram saindo sem controle, rastejando pelo meu rosto e caindo, levando todos os pedaços que se quebraram de uma só vez, dentro de mim, as quais ainda estavam restando de uma boa esperança, durante anos, em todas das minhas tramas para conseguir que me devolvesse a oportunidade que tinha conseguido anos atrás.

— Deveria ser como seu irmão!

A turbulência do ódio começou a subir pelo meu corpo, que trincava por angústia, degradação, revolta de uma vida, da minha vida, sendo afundada cada vez mais pelas palavras covardes e hipócritas da minha própria mãe.

Uma coisa havia morrido no dia em que ela conseguiu tirar minha bolsa que consegui, com tanto esforço, do instituto de artes, e hoje, algo também morreu.

Por agora, permaneci parada e imóvel no pé da escada, encarando aquela que deveria ser minha mãe, me dizendo palavras duras, uma em seguida da outra… me afundava cada vez mais no abismo escuro no qual eu convivia há anos, e que, de alguma forma, tentava sair, mas agora… estava presa nele.

— Sim, deveria ser como ele, com boas condutas, bons pensamentos, bons trabalhos, bons amigos… porque nada do que faz tem significado algum! Apenas fez isso, durante anos, para me irritar! E consegue, como hoje.

— Tá… - Minha voz já não me obedecia, se arrastou trêmula para fora da garganta, chamando a sua atenção num olhar atento para mim; minha mente se entorpece mais e mais, perdendo a pouca lucidez que tinha, para não surtar de vez. - Então… meus pensamentos… minhas ideias… eu mesma… não tenho valor algum pra senhora? É isso mesmo que está dizendo pra mim? - Minha visão se tornou ainda mais embaçada, com o números de lágrimas escorrendo infinitamente pelo meu rosto, já quente.

— Não… - Negou com veemência, precisamente saindo detrás do balcão para se colocar ao lado dele e de, alguma forma, se aproximar de mim, demonstrando sua preocupação em seus movimentos, voz e seus olhares, ainda rigorosos. - Não coloque palavras na minha boca.

— Você é uma hipócrita… como pode dizer isso pra mim, sendo que o Adam… entrou para uma universidade com nove anos, e a senhora nunca levantou a voz para negar qualquer coisa pra ele… - O engasgo do soluço começou a aumentar na garganta, obrigando-me a me segurar e a reter pouco do choro.

— As coisas nunca foram assim, você ainda era pequena.

— Mas eu estava lá quando você sorriu, toda orgulhosa, porque ele construiu um reprodutor de partículas. Eu estava lá, quando você aplaudia com uma felicidade que não cabia no peito, com um sorriso que eu nunca consegui fazer você sorrir igual, enquanto via ele ganhar o prêmio de ciências da escola… Eu estava aqui, todo esse tempo… e a senhora nunca… olhou pra mim… - O soluço trêmulo começou a me dominar, de acordo com que as palavras começaram a sair, de dentro do meu peito para fora. - E quando eu pedi uma coisa, apenas uma… você me negou com a boca cheia… Você tirou a minha bolsa que tanto lutei pra conseguir…

— Porque isso não é pra você.

— Essa é sua desculpa? - Meus ombros curvados, revelavam o desgaste que meu corpo sofria com os brutais sentimentos, me pesando sobre as costas trincadas. - Já viu algum desenho meu para poder criticar? Já leu algum dos meus poemas, das minhas histórias, pra poder opinar em alguma coisa…? Em? Não… você nunca se importou em ver alguma coisa que faço para poder saber se eu mereço ter essa bolsa de estudos… - Minha voz cada vez mais diminuía, a exaustão cada vez mais me obrigava a me curvar para frente, desejando que eu deite para descansar. - Você me tirou ela, e eu nunca vou te perdoar por ter me feito isso, mãe…

Não a deixei dizer nada, por me virar, bruscamente, para as escadas e começar a subir os degraus com agilidade, meus pés pesados não poupavam sons abafados.

Corri pelo corredor, deixando escapar as minhas lágrimas sofridas que escorriam sem dó pelo meu rosto, com um nascer de um buraco bruto e vazio no peito machucado.

Ser tratada como diferente, mesmo tendo um irmão que cursou a faculdade cedo demais por ser um gênio prodígio, para mim, era uma das piores coisas vindas de dentro de casa. Eu não o odiava, mas não conseguia ter uma relação próxima por esse meu bloqueio, e agora, muito menos, com ele, e afundando ainda mais no abismo, com minha irmã, Ivy.

Nunca cansei em dizer como ela era uma pessoa desagradável de conviver, mas, acima de tudo, era a minha irmã, e mesmo não demonstrando, eu sofria calada por essa situação…

Eu não tinha ninguém pra conversar…

Mesmo sendo uma gêmea e poder compartilhar atributos com Adam, ainda tinha o vazio… mesmo com suas tentativas de aproximação.

Bato a porta do quarto atrás de mim, batendo minhas costas trincadas sobre ela, entre meus suspiros descontrolados e as tremedeiras descontroladas, como espasmos, se espalhando por todo meu corpo, principalmente no meu peito e nas minhas pernas, que não me aguentaram mais, e, apenas, começaram a falhar: deslizei minhas costas sobre a superfície da porta, encarando minha escrivaninha que tinha meu notebook e com vários cadernos espalhados, acima, as várias estantes cheias de livros de vários tamanhos, categorias e contos.

Meu sonho era ter vários desses exemplares como minhas próprias histórias, uma galeria inteira e cheia das minhas artes em exposição para todos admirarem…

Eu realmente vou conseguir chegar até onde quero?

Fraca demais para levantar, apenas me encolhi no chão, como uma pobre coitadinha, abraçando minhas pernas com meus braços, também trêmulos, os apertando contra meu corpo vulnerável, na frente dos meus olhos estáticos, novamente, via aquele quarto sendo engolido pelas sombras da solidão que sempre iriam me acompanhar…

Sozinha e castigada pela mãe, assim a coitadinha era vista pela minha consciência autocrítica.

Os inúmeros soluços, as infinitas lágrimas que caíram sobre meu rosto, traziam o êxtase da dormência em todo meu corpo, o acalmando aos poucos, fazendo as tremedeiras cessarem, meus pensamentos congelarem, e minhas lágrimas secarem… o sono profundo era uma porta de liberdade para minha consciência perturbada, para descansar.

. . . . . . . . . . . .

Num impulso do meu corpo sobressaltando, eu acordo com dores no meu pescoço e na minha bunda, olhando para todo o quarto, entre minhas vistas embaçadas, entre as piscadas lentas, percebia a escuridão sobre tudo, ignorando as poucas luzes que vinham dos postes da rua, iluminando a parte de cima das portas duplas do armário.

Ainda cansada, sentindo meu corpo inteiro ainda quebrado, piorando minha situação com a dor sobre meu pescoço, queria me jogar na cama e dormir até nunca mais acordar, mas meu estômago roncou alto e minha boca salivou por me lembrar que tinha um pedaço de pizza dentro da geladeira. Seguida pela fome, forcei meu corpo a se levantar contra a porta.

Meus passos pelo corredor, dentro de uma casa silenciosa, entregavam um culpado por um mínimo barulho se quer, mas eu, naquele momento, dar o foda-se para tudo era um objetivo de vida alcançado, então batia meus pés descalços contra o chão gelado, sem me importar se estavam dormindo ou não, também, mal sabia o horário, mas pelo silêncio, posso chutar que sim.

Desço para a cozinha, com minhas mãos prendendo meu pescoço, começo a movimentar meus dedos e também balançar minha cabeça para ver se a dor muscular dava uma aliviada, fazia enquanto caminhava até a direção da geladeira, a qual abri e logo dei de cara com o pedaço de pizza de três queijos em cima do prato. Quase grito em aleluia.

Rapidamente levo minha mão até aquele pedaço e a pego, sem demorar muito para enfiar a sua ponta dentro da minha boca e o morder, sentindo seu gosto que me delirou, quase me fazendo revirar os olhos, e ainda sentindo minha boca salivando.

Fecho a porta da geladeira, mastigando o pedaço gelado, me aprontando para me virar de volta para a escada, mas um grito de menininha me tirou o foco: - AAAH!!

Volto a me virar, vendo o Adam com um semblante assustado, entre seus suspiros descompensados, tendo sua mão sobre seu peito: no chão, ao redor dos seus pés, estava seu cobertor que espanta monstros… Senhor Chameguinho.

— Meu Deus… não sei como ainda não morri.

— É uma pena. - Apenas digo, demonstrando meu desinteresse, rapidamente voltando a me virar na direção da escadaria.

— Amy, espera! Eu… Eu acho que-

— Você não acha nada. - Retruco com mal humor, continuando a caminhar até a escadaria.

— Mas hoje…

Piso no primeiro degrau, no segundo, no terceiro. - Sou apenas uma miragem criada pela sua mente intrigante.

— Amy! - Me chamou entre seu desespero preocupado.

— Só finge que eu não existo! Isso não é difícil! Já isso consigo mesmo! - Chego no andar de cima e dobro a curva à minha direita para entrar no corredor e caminhar por ele, mordendo outro pedaço da pizza.

— Mas não estou afim de fingir que eu não existo! E nem fingir que você não existe! - Retrucou com sua birra e insistência, passando entre uma corrida do meu lado para se colocar na minha frente, estando de frente para o caminho até a porta do meu quarto, me fazendo parar com irritação e retrucar com fúria seus olhos determinados. - E não que isso seja difícil, mas eu sou seu irmão, e me preocupo com você.

Permaneço calada, apenas apreciando seu fingimento com uma feição de paisagem enquanto mastigava o pedaço da pizza. - Acabou com a palhaçada? Se acabou, eu quero entrar no meu quarto.

— Não! Eu me recuso a deixar você entrar e a gente continuar assim.

Franzindo, respondo: - Não sei se percebeu, mas sempre fomos assim.

— Por isso mesmo que eu não posso mais deixar que isso continue… - Enquanto dizia, singelamente, franzia seu cenho e me olhava com preocupação. - Somos irmãos…

— Me fala uma novidade. - Desinteressada, eu digo e desvio meu olhar para a parede, mordendo mais um pedaço da pizza, já na metade.

— Eu ouvi tudo o que você e a nossa mãe falaram.

— Foda-se. - Reviro meus olhos para dar um passo adiante, mas ele se desespera e me segura nos braços, me fazendo parar e nos fazendo trocar olhares impulsivos: suas sobrancelhas estreitas atiçaram seus olhares quase que esbugalhados na minha direção, demonstrando sua angústia, apertando meus braços. Meu olhar de desconfiança o cobria com minha confusão e irritação, até um pouco assustada pelo seu comportamento. - Me solta!

— Eu só quero entender o porquê que você nunca me procurou! Ou falou comigo!

Levanto meus braços para bater minhas mãos contra seus braços, os empurrando de uma forma nada delicada, podendo me afastar com passos ligeiros, continuando a encará-lo com estranheza e irritação. - E porquê eu faria isso?

— Preciso repetir quantas vezes que eu sou seu irmão?

Dou de ombros. - Até minha próxima vida.

— Amy… estou preocupado com você.

— Não deveria.

— Sim, deveria e muito! - Tornou seu tom sério e seu olhar preciso, estreito, para mim. - Ficamos a maior parte desses cincos anos quase sem nos falar, quase nunca nos víamos, só voltamos a conviver juntos meses atrás, então eu que pergunto, como você pode não querer conversar comigo...? P-por acaso é sobre aquilo que disse…

Ouço atentamente suas palavras, quieta, num semblante duro diante do pesar das suas palavras que caíam sobre minhas costas; não queria me importar com nenhuma delas, mas era impossível… ele tinha meu carinho escondido, mas era mais fácil não demonstrar que não se importava, pelo menos, para mim era.

Mas, de algum jeito, aquilo doía mais.

— Isso não interessa!

— Para você, talvez não, mas pra mim… agora é! - Determinado, com o peito cheio de coragem, me olhava com garra, dando um passo adiante. - Por acaso, tem raiva de mim ou… não sei, ciúmes… talvez inveja?

Ergui minha sobrancelha direita ao ouvi-lo, não contendo meu sorriso debochado para ele. - Inveja…? De você…? Eu? Nããão… - Nego ao balançar negativamente minha cabeça, notando a confusão no seu olhar. - Nunca senti inveja sobre o geniozinho da mamãe, isso iria me fazer vomitar!

— Então, por quê?

— E, novamente, isso não te interessa!

— Como já disse, sim, interessa! Ainda mais depois de hoje, depois da escola, e-e-e como você conseguiu fazer aquilo? Não foi fácil fazer um tônico para tirar aquele odor de mim, da minha mãe, ainda mais que a Ivy arrancou da minha mão e jogou tudo, praticamente, em cima dela.

— Quer um prêmio de gênio do ano?

— Não, eu só quero que você me explique!

— Hmm. - Balanço minimamente minha cabeça, em confirmação. - Enchi as caixas de água com o licor do odor insuportável de uma ave, não sei se conhece, Jacu-cigano, um dos piores odores do mundo… - Expliquei com meu cinismo, puxando pela raiva. - Talvez eu tenha melhorado ele, e, aliás… - Me inclino para frente e cheiro o ar, ainda sentindo pouco do odor, e com a possibilidade que poderia vir a embrulhar o estômago, me afastei com um passo para trás. - Acho que vai precisar tomar banho por um ano inteiro pra tirar esse cheiro.

— Nos dutos de ventilação? - Indaga com sua sobrancelha erguida.

— Usei uma escada que encontrei no armazém dos produtos de limpeza, que, a propósito, o mesmo lugar onde acertei o Dang, o motivo de você ter ficado tão putinho… - O provoco com meu deboche na voz e o olhar, não contendo um sorriso de canto.

— Aquilo, Amy, foi por causa que você o machucou.

— E eu estou com tanta pena… - Não demonstro empatia alguma ao dizer.

— Onde conseguiu aquelas coisas?

— Hã… cinco minutos dentro da sala de marcenaria, mais vinte minutos dentro da sala de ciências e… voilá! - Termino de dizer, abrindo um sorriso cínico e um olhar provocador, querendo gargalhar da sua feição. - E obrigada por deixar tudo tão explicado com bilhetes, gêmeo do bem.

— Como… i-isso… - Demonstrou estar em sua imensa confusão, me olhando estaticamente em dúvida. - Você poderia ter causado um efeito radioativo com aqueles produtos químicos! Eles não são recomendáveis para pessoas sem conhecimento usarem… - Ficou em silêncio por um instante, com seu olhar intrigado na minha direção, num ar pensativo que já estava chegando à uma conclusão, e quando chegou, abriu um sorriso astuto e apontou para mim, que apenas tinha um olhar desinteressado. - A não ser que…

— O que… - Estreito pouco meus olhos, cinicamente, aos poucos, alargando um sorriso sarcástico na boca. - Achou que era o único gênio da família? - Ironizo com deboche. - Aaah, coitadinho do bebê.

— Se deu conta do que acabou de falar? - Seu espanto era nítido na sua feição esbugalhada.

— Pode ser que sim, ou que não, depende muito do momento e do meu humor. - Levo a pizza até minha boca, e a mordo.

— Poderia ter ido comigo… - Abre seu sorriso empolgado e extrapolado para mim. - O-ou melhor, pode ir direto para uma faculdade agora! - Entre suas falas, o brilho incomparável dos seus olhos não passou despercebido por mim, e o qual fez meu coração dar um salto, pela sua possível, admiração? - Aqueles químicos eram usados por profissionais, e você os usou para fazer uma bomba de gás… Ao mesmo tempo que é perigoso, é uma experiência incrível!

Minha compreensão ao vê-lo dizer suas palavras de admiração, era quase dispersa, por não acreditar… eu não queria acreditar. - Já terminou seu surto? - Forço minha arrogância para com ele, me negando a fraquejar; nunca mais queria repetir o que aconteceu de tarde.

— Não é surto, é uma possibilidade…

Naquele momento, seus olhares refletiram uma ideia que também escorregou pela minha cabeça, uma ideia que, na qual, desde o segundo presente, eu o neguei.

Balanço minha cabeça em negação, num segundo fazendo toda a possibilidade de fraquejar, subir pro céu, somente deixando recair o rancor. - Sai da minha frente! - Com a boca cheia, passo do lado dele ao empurrá-lo pelo caminho, indo diretamente até minha porta.

— Amy, eu quero…

— Você não tem nada, Adam! - Levanto minha voz para ele ao me virar para sua direção, olhando para ele, ressentida. - Não me faça ter uma ideia na qual não é, e nunca vai ser, uma das minhas opções! - Solto um riso nasal, pelos nervos, desacreditava pelo que tinha pensado. - Só você mesmo para dizer que tenho que entrar numa universidade, somente porque tenho… quase… metade dos seus conhecimentos… Não…

— Eu estou preocupado com você. - Repetiu sua cantiga.

Reviro meus olhos e bufo, fazendo meus lábios tremerem de tédio. - Se preocupe com você mesmo, já que agora pode não me ter por perto para te defender do " pé grande ".

— Você não foi expulsa… pelo menos não até agora, mas pode aproveitar da sua vitória enquanto pode, porque vai ser por pouco tempo. - Retomou com sua seriedade, cruzando seus braços. - Vamos ter uma reunião amanhã e, é claro, não vai ter aulas.

Curvo um sorriso orgulhoso no rosto, diante do seu olhar contrariado.

— Conseguiu o que queria, em pleno nosso primeiro dia na escola.

— Que sorte a minha.

— O resto da semana não vai ter aula.

Solto um riso nasal, pressionando meus lábios um contra o outro para prender minha risada e não deixar meu irmãozinho novo, mais deslocado do que já está.

— Então, professor, te vejo semana que vem. - Digo com a voz folgada, deixando ela escapar com irritação, me apressando em me virar para abrir a porta, que tinha um aviso enorme, escrito: NÃO ENTRE, ESPAÇO INTERDITADO. - E leia o aviso na porta antes de pensar em vir me incomodar. - Passo para dentro, mordendo, novamente, outro pedaço. - Ainda tenho o taco de baseball, e sim… - Me viro novamente para ele, dando um sorriso cínico e segurando a porta. - isso é uma ameaça.

Empurro a porta com tudo, fazendo sua imagem degradante ao olhar sair da minha vista. Solto um suspiro alto pela irritação, logo depois me virando para meu quarto, inteiramente, revirado, da cabeça aos pés: camisetas amassadas e calças jogadas no chão, sapatos, folhas amassadas de desenhos perturbadores, tirando a guerra dos cobertores em cima da cama.

— Eu devo arrumar esse quarto, não? Não tenho nada pra fazer… ou tenho…? - Abro um sorriso, por me lembrar que tinha um trabalho pendente para terminar, onde o tempo iria inspirar no final de semana.

Iria ter o restante da semana de folga, então aproveitar o máximo de tempo possível para trabalhar, distrair a minha mente para não pensar na turbulência que aconteceu na cozinha… Eu precisava relaxar, e uma das coisas que podem me fazer relaxar, é escrever e desenhar… talvez assistir “ Gatos sendo atropelados ”, esse mesmo vídeo estava na tela inicial do notebook por ter esquecido de tirar, e, aproveitando que já estava por ali, dou play e o assisto novamente.

As imagens feitas de desenhos animados começa com a câmera se aproximando e dando foco num grupo de gatinhos fofinhos e gordinhos atravessando uma avenida, onde carros passavam em alta velocidade, então, dando um corte de cena, para se aproximar e mostrar um carro passando por cima do primeiro gato do grupo, sendo assim, dando continuidade aos outros também sendo atropelados por demais carros desgovernados, que perdiam o controle após passarem por cima dos felinos, que, somente permaneciam segundos esmagados no chão por se levantarem num pulo e se inflarem no ar, voltando com suas penugens fofinhas, de um em um do grupo.

A câmera corta para os rostos espantados, amedrontados, apavorados e confusos das pessoas que assistiam os mesmos se levantando como se nada tivesse acontecido e andando normalmente pela avenida.

A cena continua acompanhando os mesmos caminhando tranquilamente, passando pelo espaço aberto até chegarem num gramado alto do outro lado e adentrarem nas altas folhagens, sumindo das vistas de todos aqueles que estavam com seus olhares escancarados e suas bocas arreganhadas para a cena, estáticos.

Talvez o maior surto quando assisti pela primeira vez, foi quando a câmera passa lentamente pelo chão de terra do gramado alto e revelar roupas fofas espalhadas pelo chão e mais adiante, com a cena sem cortes continuando, revelou pequenos indigentes com um corpo esguio na cor esverdeada, suas pernas e braços finos, parecidos com gravetos, mas que seguravam cabeças redondas e carecas: brincavam de bater suas mãos, mas com uma buzina alta, ambos pararam e viraram seus enormes olhos negros na direção da avenida: entre as finuras linhas retas dos seus rostos, que eram suas bocas, abriram um sorriso perturbador que não mostrava seus dentes. Em seguidas, várias cenas, de dia e de noite, mostravam eles em várias situações em que eram atropelados por carros.

Ver aquilo me tirava do tédio e me colocava um sorriso no rosto, por mais que, em anos assistindo aquilo, perdia um pouco da graça, mas a animação bem feita me chamava a atenção e também o plot que acontecia na metade do vídeo.

Quando digo que assisto “ Gatos sendo atropelados ”, todos ficam revoltados, e eu mais ainda, porque sempre era referente a esse vídeo, com um nome somente para chamar a atenção, colocado por um artista de filmes de curta-metragens feitos de desenhos, entre os vários dos vídeos que tinha na sua conta no Youtube.

A história consiste em aliens que se fantasiam de gatos e que, estranhamente, tem um gosto estranho de gostarem de ser atropelados.

Por isso, desde aquele momento, que foi três anos atrás, eu tenho aperfeiçoado meus talentos em desenho para tentar os vários estilos e formas que poderia aprender… Claro, poderia estar estudando no instituto de artes mais famoso da Europa, mas como a complicação não me permitia, o jeito era aprender por mim mesma, e até que estava funcionando.

Clandestinamente, pela minha mãe não saber, trabalhava com vendas de desenhos pela internet, onde tinha minha própria página, como um blog, somente para postar minhas artes e textos, também para trabalhos que poderia fazer para as pessoas do mundo afora. Demorou um pouco para ter algum reconhecimento no mercado, mas acabou melhorando com a minha evolução nas artes e nos meus textos.

Relembrando, tudo sem o consentimento da minha mãe ou a sabedoria dos meus queridos irmãos, e por mim, jamais haveriam de descobrirem.

Um plano perfeito… ou era isso que eu imaginava, por ele ter dado certo por um ano e meio.

— Amy! - A voz folgada da minha irmã entrou do meu quarto, abrindo a porta sem ser convidada.

Rapidamente fecho a tela do notebook e me viro para ela, com a quentura do ódio subindo pela garganta e no meu olhar fuzilante, que se virou para sua direção. - Porra! - Empurrando meus pés descalços contra o chão, giro para frente pela cadeira giratória, encarando minha irmã mais velha que segurava a porta em frente, em sua expressão desinteressada.

— Eu preciso de um-

— Você não sabe ler?! - Pergunto com irritação, mas com seu silêncio sobre seus olhares de cima, que queria demonstrar sua superioridade para mim, coisa que meu orgulho jamais permitiu por sempre olhá-la com a minha cara do foda-se, responderam por si só. - Deixa pra lá. - Passo meus olhos pelo seu corpo, com meu desprezo, para depois voltar a encarar seu rosto com desgosto. - Se não respondeu, a sua situação deve estar pior do que eu pensava.

— E você mal sabe o sentido de organização! - Responde com uma expressão de desagrado no rosto, encarando, desgostosa, para meu quarto inteiramente revirado. - Olha só essa bagunça!

— Ficou com inveja? - Retruco com minha imprudência, chamando sua atenção, que ficou tediosa para mim.

— Nem pense em entrar no meu quarto!

— Claro, então repita o mesmo pensamento e cai fora do meu!

— Não! Você pegou meu vestido!

Fico em silêncio por alguns segundos, somente para pensar em qual, mas na minha cabecinha, eu não me lembrava de nenhuma pegadinha minha que um vestido participava. - Obrigada pela dica… - Agradeço com um falso ânimo e um sorriso forçado, puxado para a irritação. - e respondendo sua pergunta - Desfiz o sorriso para deixar um tom rude na face -, vai procurar fora do meu quarto! E aproveita para levar esse fedor junto com você!

— Eu sei que você tem ele aqui dentro, mas… - Deu um passo para frente, mas com seu hesito pelo nojo que sentia da minha bagunça, parou. - Como vou.

Me levanto bruscamente da cadeira para ir até ela. - Você não vai! - Seguro seu braço com a força tirada da minha raiva e a arrasto para fora do quarto, a soltando com pressa por deixá-la em frente do mesmo, com ela ficando em frente à mim, com um olhar contrariado. - Faça o caminho contrário e vá para a puta que pariu! Iria fazer um enorme favor pra mim!

— Você me machucou!

— Então deveria pensar duas vezes, Ivy, antes de fazer coisas idiotas, mas acho que faz elas na maioria do tempo! - Dou um passo brusco para trás e fecho a porta na sua cara, mas ainda sim, a escutando do outro lado.

Viro a chave no trinco da porta para trancá-la e me viro de costas para ela, entre suas vozes de revolta rasgando as paredes dos meus ouvidos.

Reviro meus olhos pela futura dor de cabeça que iria ter. - Vai ser uma longa semana.

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Meu caminhar impulsivo sobre o gramado era uma causa predadora, meus olhares rudes notavam a todos os olhares alheios que foram puxados para minha pessoa, juntamente da minha expressão arrogante que estampava meu rosto, escondendo minha fome por vingança.

Ser vingativa era meu segundo nome, e aquela escola iria ter um brinde dele, somente para ela, como um segundo, terceiro, quarto, presente, da mais nova novata.

Seus olhares temidos me percorriam inteira ao me verem passar pelos corredores, minha presença nada serena os faziam se afastarem de mim, o que somente me dava um domínio sobre aqueles corredores, arrancando-me um sorriso tirando do rosto e ansiar para meu próximo “ presente ”.

Virando a travessa para outro corredor, procurava meu armário onde, antes, não tive a oportunidade de encontrá-lo, e ao caminhar por ele extendo e bem movimentado corredor, tive a visão dos armários colados nas paredes do outro do corredor da frente, e minhas buscas chegaram ao fim, pois os mesmo fizeram o trabalho por mim, sendo o mesmo encarado por muitos ao passarem em frente dele.

Num dos armários do lado esquerdo do corredor, a que tinha, diretamente, a visão de dentro da sala de ciências, curiosamente, estava escrito, bem enorme e chamativo na minha cor preta: VADIA!!

Ao contrário da reação que esperavam, eu, simplesmente, sorri com o elogio, apreciando a obra feita na porta do meu armário. Realmente, uma bela obra de boas vindas, mas, com um grave erro de continuidade, bem no canto direito do armário. Por ali, escorria uma tintura da mesma cor.

Assenti, reagindo com curiosidade ao trabalho de amadores, mas não os culpava, deixar tinta num canto só, principalmente dentro de armários minúsculos, dava trabalho.

Dou meus passos despreocupados até a direção do armário, passando alguns dos meus colegas que circulavam, tendo a consciência de que estava sendo olhada pelos feitores, ao mesmo tempo pegando um canetão de dentro de uma das pequenas bolsas da minha mochila. Tiro a tampa do mesmo ao parar em frente ao armário, instantaneamente sentindo o cheiro forte da tinta entrando pelas minhas narinas, e ali, tive certeza que era tinta de qualidade.

Muitos dizem que sou uma louca, retardada, por tudo o que fazia aos olhares certinhos dos outros, e numa coisa todos eles estão certos, eu sou e não escondia. E em mais uma demonstração, revelando meu lado do foda-se, escrevo um A em cima da VADIA e abaixo: ESTÁ AQUI.

“ A VADIA ESTÁ AQUI ”

E após colocar a tampa de volta no canetão, ando para a direita, encarando as trincas dos armários, os quais estavam velhos e gastos, percebia pelas suas cores marrons, o que indicava estar enferrujadas, tão fáceis de serem quebrados com um simples chute, um golpe tão forte que poderia abri-los.

Abro um sorriso, chegando no final da fila de armários, apoiando meu ombro sobre sua parte lateral para pensar em coisas banais, apenas para ganhar… ou perder tempo, tanto faz.

Arrumando meu segundo boné preferido, inteiramente preto, somente com uma escritura na frente da aba: Reset. Eu me afasto do armário para me colocar de frente para mesmo, apenas ficando a centímetros dele, começando a balançar meu pé direito que formigava com a ansiedade, a mesma que se foi ao meu impulso: dou um passo para frente e dobro meu joelho para jogar meu pé para trás, com impulso violento, e o mesmo que se intensificou ao ser levando até a superfície roxa desgastada e a golpear com a ponta da minha bota.

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O som de ferro velho, agudo e fino, ecoou pelo ar, chamando a atenção, e o que ajudou, foi algumas portas dos armários sendo escancarados, entre os próprios armários se balançando, mas o que fez alguns suspirarem alto em surpresa, arregalando seus olhos, espremendo suas feições, abrindo suas bocas, foi ver a tinta voando para fora daquele que deveria ser meu armário e se espalhando pelo chão tão brilhoso que deveria ter dado tanto trabalho para o Dang...

Nisso, entre os olhares pasmos e o silêncio perturbador no lugar, meu sorriso vanglorioso era erguido, entre meus olhares pretensiosos para todos eles, e que foram guiados para o outro lado extenso, da esquerda, do corredor, caindo diretamente sobre os olhares espantados e contrariados do grupo fofoqueiro da escola.

O que era deles, ainda estava guardado.

Minha satisfação orgulhava ainda mais meu ego inflado, demonstrando minha diversão saturada num sorriso provocativo, principalmente no mauricinho que me olhava com ódio. - Eu adorei a recepção de boas vindas...