A Guerra Greco-Romana

Capitulo 28 - A vingança do Rei dos Mares


A milhares de quilómetros de profundidade, no mar Mediterrânio que banha a bela Itália, situa-se o imponente e sagrado Santuário Marítimo do rei dos Mares. Nas suas grandiosas paredes estavam encrostados inúmeros corais de diversas cores e formas. No seu fantástico interior a decoração era feita através de puros e imaculados mármores brancos. As altas vidraças exibindo várias figuras alusivas à fauna e flora marinha, plantas aquáticas, conchas, peixes, corais e estrelas-do-mar, era muito belo o templo do Deus Neptuno.

Numa sala circular igualmente branca, um homem muito calmo, sereno e tranquilo, porém a sua personalidade também era marcada pelo mistério, calculismo e perigo, personificando o próprio oceano, caminhava em pequenos e seguros paços. Das paredes pendiam sete reluzentes espelhos que mostravam com detalhe o panorama vivido nos sete mares que banham o globo. Num brilhante pedestal decorado com rubis escarlates jazia inocentemente o poderoso tridente do deus dos mares.

Alguns paços apressados vindos do exterior da sala espelhada quebraram a magnífica calmaria do templo, anunciando a chegada de alguém. Neptuno despertou zangado do seu estado de concentração e análise profunda.

– Quem se atreve a perturbar o meu sossego? – Perguntou ele em voz grave, fitando a entrada mal iluminada da sala dos sete mares.

Uma rapariga de cabelos verdes mal penteados entrou desajeitadamente na divisão. A sua pele era pálida e os seus olhos eram de um amarelo doentio. Vestia um amarrotado vestido cinzento que não favorecia a sua aparência bizarra.

– Senhor Neptuno! Senhor Neptuno! – Uma voz guinchada e estridente saiu da sua boca. – Trago notícias do mar Egeu, acho que lhe podem interessar, são acerca da missão da princesa Lúccia. – Finalizou ela ansiosa.

– Mas o que se passa com a minha filha? – Perguntou o Deus preocupado.

– Bem, eu não sei como lhe comunicar isto é bastante grave. – A rapariga baixou a sua voz guinchada parecendo encenar uma autêntica peça teatral. – Um polvo meu amigo que nadava ali perto viu o sucedido e transmitiu-me, eu como boa serva que sou decidi vir contar a sua majestade Senhor Neptuno.

– Importaste de ir direito ao assunto, o que se passa afinal com a Princesa Lúccia? – Neptuno estava visivelmente zangado. – Fala de uma vez rapariga! – A sua voz ecoou pelo templo calmo e sereno.

– Certo, eu falo com todo o prazer. – Assentiu a rapariga exaltada, ao compreender que o Deus estava furioso. – Bem, a Princesa Lúccia traiu o Deus supremo Júpiter e pior traiu o senhor. – Ela riu com malícia.

– Não é possível! A minha filha jamais trairia o nosso reino, ela jamais me trairia. – A perplexidade aliada à fúria desfiguravam o rosto do Rei dos Mares. – Não te atrevas a prenunciar essa blasfémia outra vez na minha presença, eu não respondo por mim! – Ameaçou, olhando furtivamente para a amarrotada rapariga.

– Desculpe a minha insolência, no entanto tenho que insistir, a traição da princesa é real. O senhor pode conferir se assim o desejar. – Disse a rapariga amedrontada. – Se não fosse verdade eu não colocaria a minha vida em risco, isso posso eu garantir.

– Sim talvez tenhas razão. – Refletiu o deus vislumbrando pensativo os seus espelhos marinhos. – Conta-me melhor essa história. – Ordenou ele, apontando um perigoso dedo para a rapariga.

– Certo…

– Espera um pouco, como te chamas? – Interrompeu Neptuno.

– O meu nome é Raphaela sou a ninfa das algas Marinhas. – Respondeu ela com vaidade a dançar-lhe na voz estridente. – Bem, Lúccia de facto combateu contra um dos cavaleiros, todavia…

No final da narração de Raphaela, Neptuno estava possesso, furioso, perigoso, confuso, abismado e principalmente desiludido com a atitude da sua herdeira.

– Eu não posso perdoar tal traição! – Berrou o deus, tremendo compulsivamente. – Ela irá pagar com a sua vida nojenta e desonrada. Como ela teve o descaramento de se apaixonar por um humano, tanta ousadia, logo por um Cavaleiro de Atena. Tu desonras o meu nome Lúccia.

– O que pretende fazer, grandioso Rei dos Mares? – Questionou a ninfa deliciada com o destino da Princesa dos Mares.

– Isso é tão claro como a água. – Respondeu Neptuno. – Ela pagará com a vida. – Decidiu de forma irrepreensível.

– Concordo plenamente, é mais que justo. – Concordou Raphaela, não cabendo em si de tanta satisfação.

– Tu estarias desposta a aceitar a coroa real a troco de um pequeno favor? – Perguntou o Deus.

– Sim, claro, sem uma única objeção. – Garantiu a ninfa satisfeita e ansiosa por tomar o lugar da nobre e bela Princesa Lúccia.

– Vai ao mar Egeu e mata a minha filha, mata aquela traidora sem misericórdia! – Ordenou Neptuno furibundo.

– Farei o que me pede sem falhar, prometo. – Disse a maldosa jovem saindo apressada da sala circular.

Nas praias da nobre e antiga Grécia gigantescas vagas devastavam a areia onde Albafica e Lúccia se encontravam. Os dois entreolharam-se assustados ao ouvir o tenebroso som das ondas.

– O meu pai já deve ter sido informado da minha traição. – Afirmou Lúccia num sussurro assustado.

– Eu protejo-te, não te preocupes. – Garantiu o cavaleiro, abraçando-a com carinho.

– É melhor irmos embora daqui, tu não conheces o poder e as armas que o meu pai dispõe. – Assegurou a princesa puxando o dourado pela mão.

Deixando a fúria do mar nas suas costas juntos principiaram o caminho até à destruída entrada do santuário de Atena. Porém, um riso fininho impedi-os de prosseguir.

– Onde pensam que vão? – Raphaela imergia insolentemente do mar azul e agressivo. – Parece que não vão a lado nenhum! – Concluiu, aproximando-se dos dois jovens.

O cavaleiro e a ninfa olhavam confusos aquela figura mal arranjada que caminhava desajeitadamente pela areia suave e quente.

– Eu conheço-te. – Afirmou Lúccia. – Tu és a malvada Raphaela a Ninfa das maliciosas Algas Marinhas. – Lúccia saltou rapidamente para a frente do seu amado, protegendo-o daquele olhar ambicioso. – Albafica vai-te embora. Esta luta agora é minha. – Ordenou a bela jovem decidida demostrando toda a sua força de vontade e coragem.

– Não posso. – Disse o dourado sem hesitar. – Os teus ferimentos não permitirão que a luta seja justa. Ela matar-te-á facilmente.

– Não volto a dizer, vai agora! – Voltou a ordenar a princesa desesperada.

– Lamento, cavaleiro mas não irás a lugar nenhum. – Afirmou Raphaela, compreendendo o poderoso laço que unia aqueles dois. – Algas demoníacas! – Guinchou ela. Inúmeros fios verdes, fazendo lembrar serpentes, caminharam até Albafica enrolando-o perigosamente e apertando-o num abraço doloroso e sufocante, este desequilibrou-se caindo desamparado na areia da praia, ficando à mercê do poder marinho.

– Albafica! – Gritou a ninfa Lúccia correndo até ele, contudo já diversas algas vinham ao seu encontro oferecendo-lhe amistosamente aquele abraço de dor e sufoco.

– Eu estou aqui sob as ordens do Rei Neptuno o poderoso e grandioso Rei do universo Marinho. Honradamente aceitei destruir a tua vida miserável em seu nome. – Confidenciou a horrorosa rapariga, dando um valente pontapé na cara de Lúccia, que novamente começou a sangrar como uma pequena cascata.

– Eu já suspeitava disso. – Confirmou a princesa caindo também ao chão.

A ninfa das algas caminhou decidida em direção ao cavaleiro aprisionado pelo caprichoso aperto das algas. Este fazia um enorme esforço por se libertar das garras de Raphaela, porém, as suas forças pareciam indefesas comparando com o poder das algas.

– Albafica não te movas. Os teus movimentos impulsionam com maior velocidade o avanço do aperto mortal das algas de Raphaela, esse aperto só termina quando deixares de respirar. – Avisou Lúccia horrorizada.

– Que comovente, tanta preocupação, até parece que darias a tua imunda vida por ele. – Zumbou Raphaela contentíssima com o cenário caótico. – Matar-te apenas talvez não seja o castigo mais apropriado para te punir pela tua cobarde traição. Talvez te faça sofrer um pouco mais até tu te afogares completamente no desespero. –

– Espera não lhe faças nada, a luta é entre nós duas, não o metas nisto. – Suplicou Lúccia, vendo o dourado vulnerável à mercê da maldade da ninfa.

– Ele é importante para ti, logo servirá como arma para te provocar sofrimento. – Garantiu Raphaela sadicamente. – Até que não és feio de todo, pelo contrário, porém continuas a ser nojento e impuro, sem dúvida estão bem um para o outro. – Um novo risinho desfigurou o rosto bizarro e feio da ninfa das algas.

– Não lhe toques! – Gritou Lúccia sentindo o forte aperto cortar-lhe a respiração. – Qual é o motivo para me vires assassinar? O que é que o meu pai te ofereceu em troco da minha vida? – Perguntou a corajosa ninfa tentando ganhar tempo para pensar numa estratégia para os livrar daquela armadilha.

– Eu assumirei o papel de Princesa dos mares em teu lugar. Finalmente o que eu sempre desejei será meu! – Festejou orgulhosa debruçando-se sobre o vulnerável dourado de peixes. – Agora fica quieta, não queremos que a tua vida se esgote mais rápido do que o pretendido. – Avisou a ninfa fingindo falsa preocupação.

Raphaela acariciou ternamente o bonito e atraente rosto de Albafica, passando o seu disforme dedo pelos seus finos e vermelhos lábios. Os seus olhos doentios debatiam-se com o reflexo do amor que o cavaleiro sentia por Lúccia dançando apaixonadamente nos seus sonhadores olhos azuis.

– Apagarei dos vossos corações esse inútil e estúpido amor. – Disse ela baixinho, aproximando a sua impura boca dos lábios de Albafica.

Lúccia não queria assistir aquela cena deprimente. Albafica contorcia-se por escapar aquele momento horrível e pestilento, contudo Raphaela não queria desistir do seu devaneio ambicioso e cruel.

Com um desesperado elevar de cosmo a Princesa dos Mares invocou na sua mão quase sem força um prateado e cortante coral, com o qual desfez as suas perigosas e horrendas amarras. Lúccia movida pela raiva e pela paixão colocou-se de pé, precipitando-se agressivamente sobre a outra ninfa atirando-a para bem longe do Cavaleiro de Peixes.

– Aguenta Albafica. – Pediu ela, dilacerando as algas que a separava do dourado, até que por fim o libertou. – Descansa um pouco eu trato disto agora, confia em mim.

– Eu confio. – Disse o defensor da décima segunda casa exausto.

Lúccia caminhou até junto das rochas onde Raphaela se acabara de levantar. O ódio brilhava intensamente no seu escuro coração.

– Não penses que isto terminará assim! – Gritou Raphaela louca de raiva.

– Sim isto vai acabar assim, podes ter a certeza. – Assegurou a princesa dos Mares furiosa. – Tu sem as tuas algas nada vales, o teu poder em relação ao meu é insignificante. Devias ter refletido um pouco antes de me tentares matar. Tu devias ter consciência, se tu não me assassinasses eu o faria, mas como sempre a tua ambição e o teu rancor por mim falaram mais alto, agora sofre as consequências da tua inútil inveja! – A bela ninfa elevou o seu magnífico e fatal cosmo, misturando-o com as infinitas correntes marinhas. – Dança do Arco-íris. – A fortíssima potência do ataque lançou Raphaela pelos ares, as sete mortais cores do Arco-íris, aliadas ao poderoso e real vento destruíram o imperfeito e impuro corpo da ninfa das Algas, atirando-o num abismo escuro e húmido do imenso Oceano.

A linda princesa, junto com o nobre cavaleiro enlaçaram as suas mãos, cruzando a destruída entrada do santuário de Atena, dirigindo-se à florida e solitária casa de Peixes.

O fim da guerra já se avizinha. Qual o verdadeiro poder do último e derradeiro inimigo?