Ela estava dormindo.

Sonhava com sua noite, seu texto. Estava feliz em seu próprio mundo de sonhos e devaneios felizes. Adormecera relaxada, deixando a escuridão esconder seu corpo. O frio não a afetou e, sem um cobertor, lá estava ela.

Deitada em sua cama, desprovida da proteção quente de um edredom.

“Judy!”, sua mãe a chamou.

Apertou os olhos e franziu a testa, juntando as sobrancelhas. Como sempre, não acordara com dor de cabeça. Estava acostumada á beber escondida. Já não sentia o efeito que o álcool possuía nas outras pessoas.

Virou-se no colchão e estendeu os braços, espreguiçando-se. Coçou os olhos e finalmente os abriu, deixando suas órbitas negras á deriva do negrume de seu quarto.

Piscou algumas vezes e deu um suspiro.

Levantou-se vagarosamente, envolvendo os pés no lençol. Sustentou seu corpo com as mãos enquanto fitava todos os lados do cômodo. Ficou sentada por um bom tempo, até ouvir sua mãe a chamar mais uma vez.

Colocou os pés para fora e sentiu o chão gelado arrepiar-lhe a nuca. Abraçou a si mesma e cruzou os braços em frente ao peito.

Caminhou até seu armário e pegou roupas simples. Sua camiseta preta com o nome de uma banda qualquer de que ela adorava. Estava arregaçada de tanto usá-la, assim como todas as suas outras roupas. Vestiu-a e logo após apanhou sua calça jeans larga.

Colocou-a no corpo e ausentou-se de seu aposento.

Andou suavemente até a cozinha e lá encontrou seus pais sentados á mesa tomando café e conversando sobre o trabalho.

A mãe elevou seu olhar até ela e ofereceu-lhe a cadeira ao lado para que se sentasse.

“Sente-se, Judy. Venha tomar café conosco.”, ofereceu sua mãe.

Judy balançou a cabeça para os lados. Nunca tomava seu café junto dos dois.

“Já estou indo.”, dirigiu-se até a sala de estar e pegou sua mochila.

A mulher apenas a olhou de uma maneira triste a ansiou para que algum dia Judy aceitasse se sentar á mesa com os dois.

O homem ao seu lado apenas segurou sua mão e a apertou forte.

“Paciência.”, murmurou.

Ela assentiu e os dois voltaram a conversar.

Judy estava escondida ao lado do batente da porta e os ouviu.

Fitou seus próprios pés, envergonhada.

Caminhou até a porta, porém, antes de sair, olhou para trás. Esperava que os dois estivessem a observando sair.

Mas as figuras adultas de seus pais estavam ocultadas pela parede que os apartava dela.

Fez um sinal negativo com a cabeça enquanto, num ruído, encostava a porta de madeira. Trancou-a e começou a descer as escadas de seu prédio.

Calculando os degraus, como sempre, Judy chegou ao saguão.

Desceu mais uma escada de cinco degraus e segurou o portão preto que a separava da rua. Levou o olhar até a cabine do porteiro.

Ouviu o delicado clique que este fazia ao se abrir e puxou-o. Balançou a mão para o homem atrás do vidro esfumaçado, numa despedida que sempre executava e começou a andar em direção á sua escola.

Arrastava os pés pela neve frígida e parava algumas vezes parava para fazer desenhos naquele monte de água congelada.

Estava cansada de seus dias tediosos, no entanto sabia que era preciso. Precisava estudar para poder ter uma formação e conseguir um bom trabalho. Seu potencial precisava ser descoberto e melhorado. Sonhava em ser um grande e renomada escritora, com várias obras publicadas pelo mundo afora, em inúmeras línguas divergentes.

Deixou um sorriso discreto escapar de seus lábios e segurou a alça da mochila com a mão direta. Arrumou-a nos ombros e continuou a caminhar pensando em tudo o que escrevera até agora.

Sua vida era assim: se resumia á sua escrita.

As pessoas, os amigos, todo o resto não importava. Claro que Judy, eventualmente, sentia falta de uma boa conversa com um ser humano como ela, mas ninguém se interessava de qualquer modo.

A ignoravam, como se ela fosse algum tipo de aberração. Sua timidez não a ajudava em nada neste aspecto.

Ela tentava não demonstrar sua frustração, mas seu rosto se tornava triste e solitário todas as vezes em que ela via as pessoas se divertindo e dialogando sobre seus interesses em comum.

Chegou ao grande prédio azul na hora certa. Passo após o outro, foi até sua sala correspondente.

Entrou e sentou-se na carteira da frente, como de costume. Ninguém a percebeu ali, sozinha.

Continuaram a conversar abertamente sobre suas vidas e como foram as férias. Reclamavam sobre ter que voltar a estudar.

Judy pegou seu caderno e o abriu em cima da mesa, numa folha em branco. Agarrou sua caneta preta e começou a deslizá-la pelo papel. Palavra por palavra, quando se deu por conta, já havia páginas e mais páginas com palavras.

Um sorriso triste se formou.

Era só isso o que ela sabia fazer.

Não sabia conversar direito, não sabia desenhar bem. Atrapalhava-se ao ler em frente á muitas pessoas e suas notas não eram tão boas assim.

Largou o objeto em cima da mesa e deixou os braços caídos ao lado de seu corpo. Fechou os olhos e deixou a cabeça pender para trás.

Sentiu o sangue subir um pouco para a o cérebro, como quando ficamos de cabeça ara baixo. Respirou devagar, apreciando cada molécula do ar entrar em seus pulmões.

O alto som de uma sirene ecoou em seus ouvidos e ela rapidamente se ajeitou no lugar. A aula começaria, assim como longas horas de números a mais palavras e explicações para se fixarem em sua mente.

Tentou prestar atenção, mas só conseguia pensar em ideias mirabolantes e universos paralelos sobre os quais escrever.