— Kara —

Eu sempre salvei vida, sempre derrotei monstros, mas no fundo sempre precisei de abrigo e compreensão. Na maior parte do tempo, eu sentia medo. Na maior parte do tempo tudo que eu queria era ir para casa, tudo que eu queria era meu lar. Mas ele não estava mais lá. Eis a ironia, uma das criaturas mais fortes do planeta terra era apenas uma garota sem lar, apenas uma garota assustada. Eu podia ver o mesmo nos olhos de Lena, ela sabia como era não ter um lar. Ela sabia como era sentir saudades de um paraíso que lhe foi tirado, ou apenas negado.

— Alex, você já se apaixonou de verdade? — Alex estava deitada ao chão frente a mim.

— Acho que essa é a primeira vez que me apaixono. — Ela não precisava dizer a quem se referia. Maggie era dona daquele sorriso que sempre surgia em seu rosto, quando o assunto era amor. — E você? — Alex me olhava com atenção.

— Talvez seja a minha primeira vez também. — Sorrimos ao mesmo tempo. Sabíamos a que eu me referia também.

Ela com Alex me fazia lembrar de tudo que ganhei e me fazia saber, eu tinha abrigo e compreensão. Ela simbolizava tudo isso para mim. Lena tinha essa pessoa? Ou tudo que ela encontrava ao voltar para casa era silêncio?

— Lena —

Quantas vidas se deve ceifar até que tudo acabe? Essa foi à pergunta que me fiz durante muito tempo. Minha mãe sempre dizia: “A solidão é apenas um sonho ruim pequena, Nix.” Eu queria que meu sonho ruim chegasse ao fim. Olhar-me no espelho era ver a própria morte desejando que sua existência chegasse ao fim. Eu estava lutando, mas simplesmente me sentia muito cansada para manter-me de pé.

— Lena? — Senti duas mãos geladas tocarem meus ombros. — Acorde! — A voz ecoou em minha cabeça me trazendo de volta. — Abri meus olhos e fiquei apenas a encarando. Esperei a figura forma-se por completo no meu campo de visão. Eu sabia a quem pertencia aquele toque e aquela voz, nós já havíamos passado por aquilo.

— O que aconteceu? — Sente-me na cama zonza. Eu achava estar melhor, eu havia recobrado minha sanidade. Ao menos eu achava. Pessoas dizem que quem vai a guerra nunca realmente volta, esse era o meu caso.

— Você teve um pesadelo. — Kate segurou meu rosto com suas duas mãos, eu estava ao poucos recobrando meu folego. — Quando os pesadelos voltaram? — Seus olhos verdes me encaravam com preocupação.

— Eles nunca foram embora, só se tornaram silenciosos. — Removi suas mãos de meu rosto. Ela as recolheu, mas por instinto procurou as minhas. Seus olhos verdes me olhavam preocupados e gentis.

— Eu sinto muito por não ter ficado com você. Eu tinha minhas próprias batalhas para lutar. — Eu quis ouvir aquele pedido de desculpas por anos, mas naquele momento ele só me deixou com mais raiva.

— Suponho que eu não seja o tipo de batalha que vale a pena ser lutada. — Kate acariciou minha mão levemente, não saber expressar o que sentia por palavras era algo bem característico dela. — Eu não me importaria com os pesadelos, se você tivesse ficado, Katherine. Se você estivesse ao meu lado. Mas... — Eu estava prestes a chorar. Sozinha e com muitos pesadelos a enfrentar, essa era eu. Essa era Lena. Respirei e juntei as palavras que queria falar. — Você me abandou. — Sussurrei. Ela envolveu-me em um abraço que tentei relutar, mas não consegui eu precisava dele. — Porque eu tenho que lutar por elas, Kate? Elas me rejeitaram a vida toda. — Indaguei já com a voz embargada.

— Porque você foi criada para defendere-las e não ama-las. — Ela sussurrou a resposta em meu ouvido. Era bom abraçar alguém daquela forma, alguém que eu já havia compartilhado tanto.

— Eu estou cansada. — Repousei minha cabeça em seu ombro. Suas mãos envoltas a minha me traziam conforto e boas lembranças. Kate não falou mais nada, ela apenas sabia que eu precisava daquele abraço. — Você vai ficar dessa vez? — Indaguei receosa. — Eu não tenho medo quando você está aqui. — Completei. Kate cortou o abraço e voltou a colocar a mãos e meu rosto. Seus olhos, aquele verde em perfeita sintonia com a pela pálida, quase fantasmagórica, me trouxeram de volta de pesadelos várias vezes.

— Você segurou meu coração e carregou minha dor quando eu precisei. — Seus dedos deslizaram por meu rosto. Ela iria falar sobre nossa maior dor, eu sabia. Eu conhecia aquela expressão. — Você me deu um filho, Lena. Você me aguentou, mesmo quando eu peguei algo bonito e destruí. — Kate e eu construímos mais que um passado juntas, nós construímos uma família, era família feliz. Ela foi tirada de nós, ela foi destruída no seu início. No seu florescer. — Eu não pude ficar. Não sabendo que fui o motivo... — A interrompi balançando a cabeça.

— Não foi sua culpa. — Toque seu rosto, pela primeira vez em anos eu conseguia olha-la sem sentir magoa alguma. Nós éramos finalmente amigas novamente. Kate respirou aliviada, ela merecia ouvir aquilo, mas era a primeira vez que eu dizia em voz alta.

— Você deveria dar uma chance para a Barbie kriptoniana. — Kate pronunciou as palavras enquanto deitava-se ao meu lado.

— Você estava nos espionando ontem à noite? — Indaguei um tanto perplexa.

— Foi um acidente. — Deitei-me de frente para ela. — Eu estava vindo conferir se você estava bem, eu tenho a chave, lembra? — Kate tentava explicar-se. Ri da situação.

— Tudo bem, talvez Kara mereça uma chance. E talvez eu mereça um pouco de luz em minha vida.

— Aquela kriptoniana é uma fábrica de lâmpadas inteira. — Kate e seu sarcasmo me faziam rir em qualquer momento. Ela nunca deixaria de ser especial para mim.

Katherine Rebecca Kane era meu passado, era um passado que aparentava trazer-me um final feliz, mas como tudo em minha vida, ele apenas aparentava. Fomos felizes por um determinado tempo, um tempo breve. Em que nós pudemos adicionar uma bela criatura a nossas vidas. Jacob, um lindo garoto, que hoje apenas lembro-me dos sons que ele fazia para que eu o tirasse do berço. Seus olhos azuis tinham a mesma expressão curiosa e desafiadora dos de Kate. No entanto ele foi tirado de nós, levado em um ato impiedoso de crueldade. Não se pode ser a Batwoman e não esperar que um inimigo bata a sua porta para tirar aquilo que você mais ama. E nesse caso, mesmo que seja uma linda criança de coisa anos, ele será tirado de você. Você não poderá se despedir e quando se der conta, estará em uma cena de acidente. Uma cena que sua presença poderia tê-la evitado. Seu único filho, seu primeiro filho. Morto. Essa foi à tragédia que alcançou a mim e Kate. Uma sabotagem nos freios de um carro de luxo e foi o fim de um lindo garoto. Jacob quase não era real para mim nos dias atuais, eu podia lembrar-me dele chutando minha barriga, da urgência para ver seu rosto quando finalmente dei o último empurrão e o trouxe ao mundo, mas eu havia esquecido seu rosto. Suas expressões. Ele se foi, assim como a vida que eu teria com Kate.

O mais trágico de toda história é que quando vi o rosto de Jacob pela primeira vez eu pensei: “Acabou, eu finalmente poderei esquecer meu passado.” Quando aquelas duas mãozinhas pequenas e frágeis tocaram meu rosto pela primeira vez, eu senti todo o meu passado sangrento ficando para trás. No entanto foi só uma doce ilusão, uma vez presa em um circulo que envolve assassinatos e maldições, você nunca sairá. E a pior parte é que o sabotador do carro em que meu filho estava nunca foi pego. Nem mesmo Kate, Maggie e eu trabalhando juntas, conseguimos pega-lo, essa era uma das coisas que atormentava meu sono. E continuaria a atormentar, até que eu pusesse as mãos em quem o matou.

— Kara —

Um dia inteiro apagando incêndios e impedindo acidentes, isso resumia tudo que fiz. National City estava vivendo mais um dia conturbado.

— Supergirl, volte para a base do DOE. Nós temos uma reunião urgente. — A voz de Jonn me chamou pelo comunicador. Voei até o DOE o mais rápido possível. O que mais faltava acontecer?

Ao chegar lá encontrei Maggie e Katherine Kane tendo uma conversa aparentemente séria com Alex. Minha irmã estava absurdamente atenta e chocada com o que elas conversavam.

— Nós estamos ferrados. Repito: É o apocalipse. — Winn apareceu atrás de mim com seu computador na mão.

— O que está acontecendo? E o que Katherine faz aqui? — Indaguei.

— Ela... — Winn limpou a garganta para falar. — Ela é a Batwoman. — Ele sussurrou. Aquilo explicava muito. Vi a herdeira Kane andar em direção a mim. Ela tinha certo ar, era como se ela estivesse um passo a frente de mim. Como se soubesse o que eu queria antes mesmo que eu soubesse.

— Ei, Barbie Intergaláctica. — Ela parou frente a mim.

— Eu posso socar ela? — Olhei para Alex que estava em uma conversa com Maggie, ela estava descobrindo verdades sobre Maggie, assim como eu descobri sobre Lena.

— Eu venceria você sem piscar. — Kate levou as mãos ao seu longo cabelo ruivo.

— Vamos à sala de treinamento? — Invadi seu espaço pessoal. Eu não era agressiva, nunca fui, mas aquela morcega me fazia sentir vontade de batê-la. Só a presença dela irritava-me.

— Por mais que eu queira ver um embate Família Super Vs Família Morcego, eu acho que nós estamos do mesmo lado aqui. — Winn interrompeu-nos.

— Seu amigo tem razão. — Katherine falou em meio a um sorriso debochado.

— Onde está à senhorita Luthor? — Jonn dirigiu a pergunta a Kate. Maggie e Alex aproximaram-se.

— Lena não é muito boa com equipes grandes, nós levaremos tudo que for decidido aqui até ela. — Jonn assentiu.

— Tudo bem, o que está acontecendo? — O fato da recém-chegada de Gotham saber mais a respeito de Lena do que eu me irritava.

Jonn começou a explicar tudo o que ocorria. Ares havia sido liberto de sua prisão e a cada vez que ele conseguia sua liberdade, tínhamos uma nova guerra. Lena e as outras haviam frustrado seus planos cinco anos antes, ele estava preso desde então. Mas conseguiu sair e estava em busca de alianças. Essas alianças podiam ser antigos e novos deuses, tudo era possível. Ares não era como os outros, ele não queria dominar a terra ou algo parecido, ele queria apenas destruí-la. Queria apenas vingança contra seu pai e sua mãe. Era tudo o que eu precisava em minha vida, um Deus tão velho quanto o tempo com desejo de vingança. Entre a história de Jonn e conjecturas me afastei daquilo tudo, fui até o terraço do prédio, eu só queria um instante de paz.

— Você deveria aproveitar esse aproveitar nossos últimos dias de paz e ir visitar quem você mais deseja ver. — Kate apareceu do nada. Ela apoiou seus braços na varanda. — Quando isso terminar, talvez ela não seja a mesma. — Ela olhou-me discretamente.

— Você se importa? — Fui um pouco ríspida.

— Com você? O mínimo possível. Com ela? Mais do que você imagina. — Ela não tinha expressão alguma ao falar, seu rosto era passivo de qualquer sentimento, mas não seus olhos.

— O que você... — Eu não acreditava que faria essa pergunta a alguém que provavelmente não tinha uma vida amorosa há muito tempo. — O que você acha que Lena gostaria de fazer agora? — Conclui minha pergunta.

— Estar com Kara Danvers, não Kara Zor-El ou Supergirl. Somente Kara Danvers. A repórter desajeitada e ingênua. — Ela sorriu da minha expressão. Foi um conselho melhor do que eu imaginava. — O que você esta esperando? Isso é o mais próximo que eu consigo chegar de um discurso motivacional. Para o alto e avante, Supergirl. — Kate apontou em direção ao prédio da L.Corp.

Decidi por fim que era o que deveria fazer, ir atrás de Lena e apenas tentar entender e viver, mesmo que fosse por um instante aquilo que tínhamos. No caminho parei no restaurante de comida grega mais próximo. Se ela foi uma amazona em algum momento da vida, ela gostaria de comida Grega, certo? Aterrissei na varanda do seu escritório. Lena estava concentrada em seu computador. Céus, como ela era linda. Bati no vidro, ela levou alguns segundos para assimilar minha presença. A assisti andar até mim.

— Kara? — Eu estava em roupas civis, naquele momento eu queria ser apenas Kara Danvers e nada mais.

— Você me deve um jantar. — Ergui as sacolas. Lena sorriu.

— Isso é comida Grega? — Ela indagou olhando para as sacolas. Assenti. Lena puxou-me pelo braço.

— Onde você está me levando? — Indaguei confusa, pois ao invés de me puxar para dentro ela me levou varanda a fora.

— Para o terraço, eu adoro comer lá. — A segui. Quando chegamos lá fui arrebatada por uma linda vista da cidade.

Rapidamente conseguimos montar um piquenique improvisado, observadas apenas pela noite de National City. Lena olhava-me de um modo que deixava claro, ela queria dizer algo. A esperei se pronunciar. Ela estava sentada frente a mim.

— Naquela tarde, no galpão, eu não quis machucar você. — Ela realmente tinha pesar na voz. — Eu só perco o controle às vezes. — Ela levou um pouco de bebida a boca.

— Como você fez aquilo? — A perguntei curiosa, eu realmente queria saber. — De onde se originam seus poderes? — Lena deu mais um longo gole em sua bebida.

— Como explicar isso de maneira didática? — Ela pensou um pouco. — Quando eu nasci, a Ilha Paraíso ficou inundada em escuridão por três longos dias. Ninguém sabia explicar o motivo, mas olhando bem de perto. Foi possível ver, segundo a lenda eu sou a personificação da noite. — Lena explicou. — Dai veio meu nome Nix, em homenagem a deusa grega da escuridão. Com tempo ficou claro que eu poderia tirar e dar vida a qualquer coisa, meu nome fez mais sentido ainda. Mais tempo passou-se e eu descobri que era capaz de transformar deuses em mortais. — Lena suspirou. Isso explicava tudo, ela possuía poderes de origem magica, eu não era imune à magia.

Ficamos algum tempo a conversar sobre seu tempo na Ilha Paraíso e sua vida entre mortais com tantos poderes para controlar. Em dado momento sentei-me a seu lado. Eu queria fazê-la mais perguntas, talvez eu não tivesse outra chance. Lena pousou sua mão sobre a minha quando me sentei ao seu lado. Meus olhos procuraram os dela no mesmo instante. Ficamos nos olhos pelo que pareceu uma eternidade. Nossos rostos se aproximaram instintivamente.

— Eu posso beijar você? — Aquilo era estúpido, porque eu estava perguntando? Lena assentiu.

Levei minhas duas mãos ao seu rosto e a puxei. Quando seus lábios tocaram os meus senti uma descarga elétrica arrebatadora, perdi o folego de imediato. Lena aproximou-se de mim lentamente. Suas mãos envolveram minha cintura. O beijo foi aprofundado e ficando mais apaixonado. Minhas mãos passaram a passear por suas costas. Ela começou lentamente a subir minha blusa, fiquei paralisada por um momento.

— Nós podemos parar quando você quiser. — Ela sussurrou interrompendo o beijo.

— Eu não quero parar. — Lena voltou a me beijar.

Minha blusa foi tirada a jogada de lado. Seu corpo pouco a pouco deitou-se sobre o meu. Ela livrou-se de sua blusa também. O encontro de nossas peles quando, ela voltou a deitar-se sobre mim foi algo que eu não conseguia descrever. Apertei seu corpo talvez com um pouco de força demais.

— Eu machuquei você? — Indaguei preocupada. Lena sorriu.

— Você não pode me machucar, nossas forças são equivalentes. — Ela segurou meus dois braços. Tentei movê-los. Aquilo era uma surpresa. Ela era realmente tão forte quanto eu.

Voltamos a nos beijar, agora eu não tinha medo algum. Eu não a machucaria. Inverti as posições. As mãos de Lena apertavam minhas costas e me puxavam para junto dela, o mais junto possível. Aquela seria nossa noite, talvez a única ou talvez a primeira de muitas, eu só sabia que iria aproveitar ao máximo. Iria sentir cada parte de seu corpo. Eu iria ama-la.