A Caçada Começa

Meu maldito último dia de aula


Cheguei ao colégio quando faltavam apenas dez minutos para começar a primeira aula. Enquanto caminhava pelo corredor do segundo andar em direção a minha classe, fui surpreendida por Emily.

- Bom dia Monique! – Disse ela quando subitamente apareceu ao meu lado. Cambaleei para trás enquanto ela me deu um beijo no rosto, cumprimentando-me.

- Não precisava me assustar, precisava?

- Ah, me desculpe. Eu estou muito empolgada hoje.

- Qual o motivo de taanta felicidade? – Eu ri.

- Como hoje é o último dia de aula, amanhã irei viajar para a Califórnia, do outro lado do país! Vai ser muito bom ter um tempo para relaxar.

Essa definitivamente não foi uma boa notícia para mim apesar de ser para Emily. Ela era uma de minhas poucas amigas, e eu não a veria até pelo menos uma semana antes de começarem as aulas no próximo ano. Conheci Emily no começo do ensino médio, ano passado. Ela estudava na mesma classe que eu ano passado, porém como mudamos de turno acabamos ficando em salas separadas. Emily tem 1,65 de altura, 59 kg, cabelos compridos, castanhos escuros, com mechas vermelhas/cor-de-rosa escondidas sob o cabelo da nuca, olhos verdes. Sempre foi alguém ótima de se conversar, é estudiosa, linda, companheira.

- Ah – Suspirei – Que bom, tomara que você se divirta muito – Forcei um sorriso. Ela não pareceu notar meu humor deplorável. Fiquei agradecida por isso. Emily não merece ficar se preocupando comigo enquanto irá ter ótimas férias aguardando por ela a cada dia.

Enquanto Emily despediu-se de mim e caminhou na direção oposta a qual eu pretendia ir, segui em frente em direção a classe. Sentei-me no mesmo local de sempre, perto da porta, e acabei por escutar uma voz irritante chamando por mim.

- Bom dia Monique – Disse Geovanna, zombando – Então o cachorro morto resolveu aparecer para levar alguns ovos para casa?

Respirei fundo e respondi no mesmo tom.

- Na verdade Geovanna, eu vim para o colégio na intenção de trazer alguns pra você – Suspirei. Geovanna, 1,70 de altura, 55 kg, cabelos negros, compridos, encaracolados nas pontas. Tem uma voz que eu poderia considerar a de uma abelha, e é tão metida quanto é arrogante. Adora chingar e falar mal dos outros, sempre se acha a melhor em tudo mesmo não sendo. Sempre procura algo para tirar sarro de alguém. Odeio-a definitivamente.

- Oh querida – Suspirou ela – Não preciso deles, tenho comida de sobra em casa, por isso trouxe para você já que não tem. Ouvi risinhos abafados ao fundo da sala. Achei que não valia a pena discutir por algo tão insignificante.

Foram as três piores aulas da minha vida. Minha primeira aula, matemática. Meu professor resolveu querer dar uma de piadista e montou um jogo. Ele dizia uma conta enquanto você tinha dez segundos para responder. Se a resposta não fosse entregue a tempo ou estivesse errada, alguém da sala viria rabiscar algo no corpo de quem errou. E adivinhem o que aconteceu? Fui escolhida pelo professor. Alguém jogou uma bolinha de papel em mim, o que acabou por me distrair por um segundo sequer, e já foi o suficiente para eu errar a resposta. A minha detestável amiga Geovanna foi escolhida por um dos engraçadinhos do fundo da sala, enquanto ela escreveu com caneta preta na minha testa em caixa alta: LOSER.

Segunda aula, português. Minha querida professora resolveu nos pedir um texto sobre nossas férias. Quando me levantei para ir perguntar algo para a professora, alguém rasgou um tecido no fundo da sala. Fiquei tão vermelha quanto você pode imaginar, enquanto o Bruno resolveu se aproveitar da situação e tirou milhares de fotos minhas enquanto eu estava constrangida.

Ah, quem é o Bruno? Um dos melhores amigos da Geovanna. Tem 1,72 de altura, 57 kg, cabelos castanhos escuros, pele clara, olhos castanhos escuros. Os dois sentam lado a lado enquanto conversam discretamente através de seus IPods. Assim eles tramam seus planos maquiavélicos contra qualquer um azarado do dia, principalmente contra mim. Hoje eu definitivamente era a azarada do dia. Ambos estavam dispostos a fazer deste meu dia um inferno.

Terceira aula, Artes. Como era o último dia de aula, o professor também resolveu fazer uma brincadeira conosco. Grande porcentagem da turma optou por fazermos uma peça de teatro em sala do gênero comédia. Enquanto isto, aquele professor resolveu se apaixonar por mim e chamou Geovanna, Bruno e eu para fazermos a primeira apresentação. E o melhor de tudo: Usando improvisação. Enquanto eu quase morria de tédio, Bruno e Geovanna passeavam pela sala fazendo e dizendo coisas completamente toscas sobre mim. Todos estavam a ponto de rolar no chão de tanto rir, por isto fiz questão de sequer prestar atenção ao que diziam.

Quando o sinal finalmente anunciou a chegada do recreio, eu estava tão frustrada com o meu dia que saí às pressas da sala e acabei topando de frente com meu amigo Kaio.

- Heey, por que tanta pressa? – Disse ele surpreso, enquanto se recuperava da quase queda provocada por mim.

- Frustrações da vida, nada muito importante – Dei de ombros. Eu não queria falar sobre aquilo.

- Hmm, tudo bem. O que acha de esquecer essas “frustrações da vida” e ir comigo até o refeitório?

- Talvez seja uma boa idéia – Suspirei enquanto seguia ele.

Kaio é meu amigo desde a infância, com certeza uma das melhores pessoas que já conheci. Ele tem 1,76 de altura, 68 kg, cabelos pretos pouco compridos arrumados de lado e olhos castanhos escuros. Sempre está de bom humor e adora fazer qualquer coisa para me animar já que meu humor não é fixo e alto como o dele. É companheiro e muito sincero, com certeza um bom amigo.

Fomos até o refeitório, onde eu peguei um lanche na cantina e sentei-me ao lado dele, perto de uma janela. Estava esfriando e o céu estava completamente cinza.

- O que pretende fazer nas férias? – Perguntou-me ele.

- Ah, o mesmo de sempre. Acho que irei ficar em casa por mais um ano, enterrada nos livros e tocando música como sempre faço – Dei de ombros.

Kaio me observou por uns instantes.

- Acho que seria uma boa idéia você sair de casa um pouco. Sempre fica trancada lá na biblioteca, precisa ir fazer algo diferente.

- Como o quê, por exemplo.

Ele parou de falar, olhou para os lados como se estivesse procurando uma sugestão para me dar.

- Me diga então o que você faz nas férias, quem sabe eu tenha alguma idéia que me seja agradável – Disse-lhe.

- Bom, nestas férias em especial eu vou viajar muito. Vou até a casa de praia de minha madrinha e ficar lá alguns dias, depois vou viajar até a casa de minha mãe. Não foi tudo planejado ainda, irei conversar com meu pai assim que chegar em casa – Disse ele sorridente. Bem, parecia que todos iriam ter ótimas férias, menos eu.

- Então, teve alguma idéia? – Perguntou-me ele, olhando fixamente nos meus olhos. Desviei e suspirei.

- Acho melhor eu pensar sobre isso outra hora, não estou me sentindo muito bem.

Ele estava prestes a protestar quando o sinal tocou. Senti-me aliviada, pois pelo menos ele iria parar de me pressionar. Dei-lhe um beijo na bochecha, desejei-lhe boas férias e voltei para a minha classe.

Logo ao passar pela porta, percebi que minha colega de classe estava por perto, e pelo olhar que ela tinha em minha direção, supus que ela queria falar comigo.

- Acho que eu não deveria deixar este pedido para o último dia de aula, porém não tive oportunidade de fazê-lo até agora – Disse-me Thuyanne, enquanto caminhava em minha direção.

Conheci ela no começo do ano, sempre foi muito gentil, piadista, feliz, adora tocar violão. Não se importa com o que dizem sobre ela, tem opinião fixa e raramente muda de idéia. Geralmente está com a razão. Tem 1,69 de altura, 65 kg, cabelos castanhos claros, curtos e repicados e olhos castanhos claros-cor de mel.

- Então diga-me, estou ouvindo.

- Durante estas férias minha mãe organizou uma viagem em família até a Flórida, e como eu soube que você geralmente fica em casa durante as férias, gostaria de saber se você quer ir junto com a minha família.

Finalmente eu tinha a chance de ter um fim de ano com boas férias. A única chance que eu teria na minha vida. Porém eu sabia que aquela viagem nunca iria acontecer.

- Ah, muito obrigada por me convidar, mas acredito que meus pais não irão permitir. – Suspirei tristemente.

- Tente falar com eles – Disse ela colocando a mão sobre o meu ombro enquanto eu estava de cabeça baixa – Ficarei esperando sua resposta, tudo bem? – Ela virou-se e voltou para o seu lugar na classe. Quando voltei a mim a professora de biologia já estava na sala, me observando com uma careta. Minhas duas últimas aulas de biologia foram tão terríveis que sequer quero comentar sobre elas.

Enquanto lentamente saía da sala, por um milésimo de segundo acabei por me lembrar que a maldita Geovanna queria me dar alguns ovos. Fui até a parede e caminhei como um gato sorrateiro pelo meio da multidão, tentando passar despercebida. Tentativa em vão. Assim que passei pelas portas do colégio, ela estava lá, do outro lado da rua, junto com o Bruno. Ele tem uma pontaria incrível, não fazia idéia de como iria escapar daquilo. Lentamente caminhei na direção deles, tentando prestar atenção em qualquer movimento. Estava prestes a travessar a rua quando subitamente uma picape preta parou na minha frente e abriu a porta dianteira. Era minha mãe. Agradeci por aquilo e entrei na picape.

Enquanto minha mãe começava a tirar a picape do ponto morto, Geovanna atravessou a rua, furiosa, para tentar alcançar a picape. Bruno teve o prazer de tentar atirar alguns ovos na picape. Minha mãe acelerou e os ovos passaram direito, atingindo diretamente em Geovanna. Eu caí na gargalhada, enquanto minha mãe olhou de relance para trás, satisfeita por ter me feito sorrir... Ou por ter se desviado dos ovos.

Minha mãe permaneceu quieta em grande parte do trajeto, enquanto eu olhava a paisagem passar rapidamente pela janela do carro.

- Então – Finalmente ela falou – Já sabe onde vai passar as férias deste ano? Só espero que não seja na biblioteca de novo...

Virei meu rosto na direção dela, enquanto ela sequer alterou sua expressão.

- Bem... Não sei se eu teria alguma outra escolha, a não ser... – Suspirei, não sabia se era uma boa idéia contar sobre as viagens de Emily e de Thuyanne.

- A não ser... ? Continue.

Fiquei calada por uns instantes, pensando em como contar-lhe.

- Bem... – Comecei – Emily irá viajar para o outro lado do país nestas férias... E minha amiga Thuyanne, bem... Ela me convidou para ir com a família dela para a Califórnia, mas... Não sei se seria uma boa idéia.

Percebi que a respiração de minha mãe ficou mais pesada. Ela queria me agradar de alguma forma.

- Bem, talvez possamos pensar um pouco sobre a proposta de sua amiga Thuyanne em casa – Disse-me ela, sem tirar a estrada do campo de visão. Nada mais ela disse até finalmente estacionar o carro no quintal de casa. Finalmente eu estava segura, pelo menos eu pensei que estava.

Ao sair do carro, estava prestes a agradecer minha mãe por ter me salvado dos ovos, quando percebi que ela já estava indo as pressas para dentro de casa. Caminhei até ela.

- Mãe eu... – Comecei a dizer, porém fui interrompida.

- Desculpe querida, mas não tenho tempo para conversar com você agora, tudo bem? – Deu-me um beijo na testa e voltou para a picape. Que ótimo, eu ficaria mais um dia sozinha em casa com a maldita Kayla. E por sinal, ela já estava me olhando de relance pela janela, e de cara feia. O que eu tinha feito agora?

Tentei passar por ela sem ser percebida, porém ela já estava esperando por mim.

- Acho que a senhorita deveria ter mais cuidado ao guardar seus livros – Disse ela com uma voz fria e dura – Não sou sua babá para ficar toda hora correndo atrás de você e arrumar as bagunças que faz.

Não respondi, continuei meu trajeto até meu quarto como se nada houvesse acontecido. Estava muito estressada, então tomei um banho e coloquei roupas limpas. Deitei na cama para me acalmar um pouco. Pude ouvir Kayla ao longe a reclamar com Anne. Sinto muita raiva de Kayla por isto, ela acha que só porque é mais velha que Anne pode obrigá-la a tudo. Pena que nada posso fazer a respeito, ainda. Ouvi os passos pesados de Anne para os fundos da casa enquanto as silenciosas passadas de Kayla foram para a mesma direção e em sentido oposto. Depois, o silêncio. Abruptamente sentei-me na cama, tentando ouvir algum ruído. Silencioso demais.