A Caçada Começa

Um livro maquiavélico


Levantei-me da cama tentando não fazer ruídos, caminhei até a porta entreaberta e espiei para fora. Ninguém, nem mesmo uma brisa, como se tudo a minha volta estivesse prendendo a respiração. Esperando.¹ Como geralmente eu deixava a biblioteca desorganizada, achei que talvez alguém estivesse por lá. Sorrateira como uma gata, andei até a biblioteca. Abri a porta e ela acabou fazendo um estalo. Nada se moveu e a biblioteca estava vazia ao meu campo de visão. Vasculhei atrás das prateleiras procurando por algo ou alguém. Fiz o mesmo na casa inteira, estava toda vazia.

- Onde foi todo mundo? – Pensei, abismada com o repentino sumiço de todos. Caminhei até o lado de fora e ao estar preste a observar ao redor, senti uma forte dor na cabeça e apaguei.

- Tem certeza que ela ainda está viva John? – Eu estava sendo sacudida por alguém que gritava com um tal de John. Minha cabeça doía e eu estava em um lugar com escassez de luz. Olhei em volta e vi dois homens, altos e com aparência rebelde.

- Então a dorminhoca Lílian resolveu acordar – Disse um deles, o que estava mais perto e parecia ser mais velho, enquanto o outro deu um risinho abafado logo atrás. Eu não sabia onde eu estava e quem eles chamavam de Lílian.

Enquanto observava ao redor tentando saber onde eu estava, senti que o rapaz que estava mais distante aproximou-se. Ele era loiro de olhos castanhos. Magro e devia ter pelo menos quinze centímetros a mais de altura do que eu. Ele delicadamente levantou minha camiseta com uma das mãos e percebi que em sua outra mão jazia um canivete. Fiquei desesperada. Meu coração parecia que iria explodir e minha respiração ficou irregular. Ele estava aproximando o canivete quando mudou de idéia e o direcionou para a minha garganta. Ele foi chegando cada vez mais perto, mais perto...

Acordei em um pulo e acabei caindo da cama. Apoiei-me desajeitamente na beirada da cama e ali fiquei de joelhos. Eu estava suando frio e todo o meu corpo tremia. Eu havia apagado e tive pesadelos. Quando ainda tentava organizar meus pensamentos, pude ouvir Anne correr escada acima e escancarou a porta.

- O que ouve aqui? – Perguntou-me enquanto recuperava o fôlego – Ouvi você gritando lá de baixo.

Respirei fundo e tentei rapidamente pensar no que dizer.

- Foi só, hm... Um susto. Eu estou bem, não se preocupe comigo.

Mesmo com receio, Anne virou-se e saiu do quarto, disparando novamente para a cozinha. Limpei o suor de minha testa com as costas da mão e sentei-me na cama. Respirei fundo algumas vezes e percebi que havia perdido a noção de tempo. Olhei para o relógio, ele marcava 16:12 horas. Eu havia dormido aproximadamente três horas. Lentamente levantei-me da cama e fui tomar outro banho para me acalmar e parar de tremer. Vesti novamente roupas limpas, pois as que eu usava estavam tomadas pelo suor.

Desci as escadas e fui até a cozinha. Anne estava fazendo meu café da tarde.

- Sente-se melhor? Você está pálida – Comentou Anne.

- Acho que é por causa da fome – Menti. Mal terminei a frase e ela colocou um banquete em minha frente. Comi muito mais do que pensei que seria possível, enquanto em momentos aleatórios Anne dava uma espiada e sorria. Terminei de comer, escovei meus dentes e voltei para o meu quarto. Sentei em minha cama e fiquei ali por alguns instantes. Liguei meu computador e abri o Messenger. Quem sabe eu conseguiria esquecer esse pesadelo conversando com alguém. Thuyanne estava online e logo veio conversar comigo.

- Então, já conversou com seus pais a respeito da viajem para a Califórnia? – Digitou ela

Respirei fundo e comecei a escrever.

- Aconteceram algumas coisas estranhas aqui em casa, ainda não tive oportunidade de perguntar à eles.

- Uh, tudo bem. Espero que essas “coisas estranhas” não sejam nada graves. Mas lembre-se, iremos viajar daqui a três dias, então não espere até o último dia, tudo bem?

- Ok, irei me lembrar disto.

Longas horas passaram-se enquanto eu conversava com Thuyanne, Emily, Kaio. Porém eu não conseguia esquecer aquele maldito pesadelo. Será que aquilo me amaldiçoaria para o resto de minha vida? Despedi-me de meus amigos, desliguei o computador e caminhei até a biblioteca. A única maneira de me distrair seriam com aqueles livros de lá, e eu havia me esquecido que minha mãe havia comprado novos 34 livros para mim, e eles haviam chegado ontem. Me esqueci completamente deles.

Caminhei até o final do corredor e entrei na biblioteca. Respirei fundo. Ah, como é bom o aroma de livros novos. Pelo que percebi ninguém havia encontrado tempo para organizá-los nas prateleiras. Selecionei um livro qualquer entre eles, sentei-me no meu pufe e comecei a ler. Enquanto estava totalmente concentrada no livro que lia, o sol continuou seu percurso pelo céu até esconder-se atrás das montanhas e dar lugar à lua em seu primeiro dia de cheia. Só retornei a mim quando terminei o livro. A biblioteca estava escura e meu relógio de pulso apontava 19:19 horas. Ninguém havia entrado na biblioteca e tudo estava silencioso. Peguei a lanterna que eu sempre deixava por perto dos pufes e caminhei sorrateiramente pela biblioteca. Talvez poderia encontrar alguém e pregar-lhe uma peça. Ninguém eu encontrei. Voltei até os livros novos espalhados pelo chão. Entre todos eles, um que estava escondido debaixo dos demais acabou por chamar minha atenção. Caminhei até a janela onde a luz da lua poderia iluminar o livro e facilitar minha visão, juntamente com a lanterna acesa.

Sua capa era dura, cor de carmim e com alguns detalhes feito com pedaços de couro um pouco mais escuros. Era grosso e um pouco pesado. Devia ter aproximadamente 400 páginas um pouco maiores do que meia folha A4. Delicadamente comecei a folhear o livro. Era um livro muito estranho, muitas de suas páginas estavam em branco, outras tinham coisas que mais me pareciam apenas rabiscos. Uma delas me chamou a atenção. Era mais rígida do que as demais e tinha várias escritas em línguas diferentes. Consegui identificar hieróglifos e o Grego antigo. Muitas delas pareciam escritas muito antigas. Não consegui compreender qualquer uma das línguas. Continuei a folhear o livro e ao resolver folheá-lo novamente, suas páginas em branco estavam preenchidas com códigos, símbolos e escritas antigas. Como!? Meu coração começou a martelar no meu peito, fiquei rígida. Como aquilo havia acontecido? Será que eu havia sido tão cega a ponto de não ter percebido que as folhas tinham preenchimento anteriormente? Não não, eu podia jurar que nada havia sido escrito quando folheei o livro pela primeira vez.

Comecei a passar rapidamente pelas páginas para ter certeza se havia algo ou não escrito ali, e tudo havia desaparecido novamente. Fiquei frustrada e atirei o livro no chão da biblioteca. Permaneci uns instantes sentada de braços cruzados e cara feia. Enquanto estava totalmente frustrada com tudo, percebi que a sala parecia ter clareado. Olhei para os lados tentando encontrar o local de onde se originava a luz vermelha e acabei percebendo que ela vinha do livro. Agachei-me no chão e praticamente me arrastei até alcançar o livro. Quando o abri senti um forte e antigo odor que eu não havia percebido anteriormente. Tossi e olhei para o livro novamente. Agora as escritas nas mais diversas línguas estavam traduzidas e pareciam querer saltar da página...

“Um mundo literário é muito limitado para a maioria

Agora, para você ele não mais irá ser

Use seus poderes com sabedoria

Ou quem sabe não irá sobreviver

Magia ilimitada, novas experiências

Tudo muda, nada é o que parece

Nada se altera, tudo permanece.”

Fiquei atordoada, o que aquilo significava? Tentando descobrir algum sentido naquelas palavras quando subitamente minhas mãos começaram a brilhar de cor dourada. Dei um grito, alto o suficiente para que Anne me ouvisse e viesse correndo para saber o que havia acontecido.

Ela acendeu a luz e disparou em minha direção.

- O que houve? – perguntou sem fôlego.

- Mi-minhas mãos... Dou-dou-rado-do – Gaguejei – Elas elas...

- Não sei o que houve aqui mas se acalme.

Respirei fundo e olhei para ela.

- Está tu-tudo bem. Po-pode ir.

Anne me observou por uns instantes, talvez desconfiando de algo. Deu meia volta e saiu da biblioteca.

Desesperada, atirei o livro o mais longe que podia e voltei correndo para o meu quarto. Já eram mais de dez horas da noite, não é agradável ficar acordada e perambulando pela casa durante a noite, melhor ir dormir.

Sentei-me em minha cama e observei minhas mãos. Pareciam absolutamente normais agora. A lua estava alta no céu e eu quase não conseguia manter meus olhos abertos. Deitei em minha cama e logo apaguei.

Silêncio. Deito-me de um lado, de outro. Não adianta, não vou conseguir dormir de novo. Puxa, ainda são sete e meia da manhã. Cansada demais para levantar, acordada demais para dormir. Me espreguicei e finalmente consigo levantar da cama. Estava tonta, acabei caindo no chão e ali fiquei por alguns minutos até conseguir me levantar novamente. Sentei na poltrona do meu quarto e peguei meu cobertor. Observei o céu além da minha janela, limpo e sem sinal de nuvens. O telefone tocou. Quem me ligaria às 8 horas da manhã? Não faço idéia.

- Alô?

- Bom dia Monique! Tem um tempinho livre hoje à tarde para ir até o boliche com seu amigo Kaio? – Sim, era ele mesmo, o Kaio.

- Ahn, acho que tenho tempo sim. Que horas?

- Quatro e meia. Vou te esperar na frente da sua casa.

- Tudo bem, até lá então.

- Até. Não vá se esquecer.

- Não irei – Respondi sorrindo e ele desligou. Bem, pelo menos eu faria algo fora da rotina. Seria bom para me distrair um pouco.

Não estava com fome, fui até a biblioteca novamente, mesmo com o medo de reencontrar aquele livro esquisito. Por sorte ele não estava lá. Tranquei as portas. Não queria pessoas me perturbando, principalmente se fossem certas pessoas chamadas Kayla. Como eu queria me desligar completamente do mundo real, escolhi um livro de terror e suspense. Eu nunca deveria ter feito esta escolha.

Estava lendo tranqüilamente a terceira página quando senti minhas mãos formigarem. Totalmente distraída, apenas esfreguei uma na outra. Ao levantar uma das mãos para virar a página, ela estava brilhando novamente. De um grito agudo da mesma forma que uma menininha mimada faria. Ok, eu não era uma menininha mimada, mas fazer o quê. O livro começou a emitir um brilho esverdeado. Enquanto eu observava a coisa aumentar... Puf. Eu desapareci.