Jesse acordou pouco tempo depois de o sol nascer. Eu continuava sentada do lado de fora, tentando organizar meus pensamentos. Uma tentativa em vão, já que eu estava confusa demais para conseguir organizar qualquer coisa. Jesse veio até a entrada da caverna.

- Bom dia

- Bom dia – Murmurei forçando um sorriso. Ele voltou para dentro. Depois de algum tempo ele voltou até o lado de fora com uma maçã na mão e sentou ao meu lado. Comia a maçã tranqüilamente enquanto me observava frequentemente. Eu me sentia um pouco incomodada por ele falar tão pouco. Eu conseguia conversar com ele algumas vezes, mas ele sempre parecia incomodado com a minha presença. Muitas vezes eu o via falando sozinho, e quando eu me aproximava ele imediatamente fingia que nada havia acontecido. Em certos momentos eu podia jurar que ele era de outra época pelo seu modo de falar. Enquanto ele olhava para mim, eu percebia um brilho em seus olhos, como se ele estivesse esperando pelo meu próximo suspiro, numa esperança de eu lhe dizer algo, ou talvez ele pretendia me dizer algo e não conseguia, ou mesmo... Não sei. Ao mesmo tempo que ele me olhava, resolvi me virar em sua direção e admirar sua aparência. Ele era lindo, e algumas vezes, quando ele parecia preocupado ou incomodado, sua cicatriz da sobrancelha ficava mais esbranquiçada. Seu peito liso e bem definido, sua pele morena, suas mãos fortes e seus cabelos ondulados. Senti meu rosto aquecendo lentamente, minhas mãos começaram a suar. Meu coração acelerou e meu estômago gritou. Eu precisava comer, e rápido.

- Eu vou dar uma volta – Disse virando meu olhar para outra direção, enquanto Jesse continuou olhando em minha direção.

- Eu poderia ir junto? – Disse Jesse após alguns segundos.

- Desculpe, mas se não se importa eu prefiro ir sozinha.

- Tudo bem – Disse ele num leve sorriso.

Levantei cautelosamente e forcei-me a caminhar normalmente até ter certeza de que estava longe do alcanço de vista de Jesse. Então corri, veloz como o vento.

Eu bebi o sangue de dois ursos pardos, mas ainda não me sentia satisfeita. Estava seguindo o rastro de um terceiro quando ouvi uma respiração muito leve ao longe. Parecia humana. Corri na direção do barulho sem pensar duas vezes. Apesar de minha grande velocidade eu não conseguia alcançar quem quer que fosse o ser vivo, pois ele parecia ter percebido minha presença. Ele parecia estar correndo no mesmo sentido e direção do que eu. Mas que diabos, pensei, porque não consigo alcançá-lo? Meu coração voltou a acelerar e minha respiração pesou subitamente. Meus pensamentos acabaram deixando-me atordoada e fui obrigada a parar. Apertei a região do meu coração com força enquanto o ar rasgava meus pulmões. Aquilo não chegaria a lugar nenhum, e eu já havia ficado fora por muito tempo, era melhor voltar para a caverna. Não seria bom ter Jesse desconfiando de que eu havia feito qualquer coisa além do que lhe disse que faria.

Estava chegando tão lentamente quanto saí. Procurei pelos arredores, não encontrei Jesse em local algum. Quando há poucos minutos havia parado de procurá-lo, avistei-o caminhando em minha direção pelo mesmo caminho que eu havia vindo.

- Onde esteve? – Disse-me ele.

- Eu que deveria lhe fazer esta pergunta...

- Como você estava demorando a voltar, desci até a floresta para esperar-lhe. Como não lhe vi chegar, resolvi voltar

- Hum – Engoli em seco.

- Não compreendo como chegou até aqui sem eu ter lhe visto – Suspirou ele

- Ah... – Murmurei – Eu conheço vários meios de chegar a um lugar só – Forcei um sorriso, o qual ele retribuiu. Com certeza o dele foi muito melhor e mais convincente do que o meu.

Voltei para a caverna e lhe ofereci comida, a qual ele negou educadamente. Estranhei sua atitude, porém disfarcei. Ficamos conversando até perto do anoitecer, apesar de sua conversa ser muitas vezes insuportável. Os assuntos sempre escolhidos por Jesse são geralmente relacionados à química, história, geografia, física... Descemos juntos até a floresta, recolhemos lenha e eu acendi uma fogueira perto da entrada, como de costume. Confesso que tem sido muito mais divertido com a companhia de Jesse. Geralmente sequer lembrava de que Jesse era apetitoso, e em boa parte do tempo eu esquecia totalmente que era diferente de qualquer ser humano normal. Estávamos conversando calmamente, nos aquecendo perto da fogueira. Porém, como eu sempre soube acender fogo (cof, cof), ele logo começou a extinguir. Eu estava tentando acendê-lo quando Jesse me interrompeu.

- Não... – Murmurou ele – Tente desta forma – Disse ele, aproximando-se e se abaixando ao meu lado. Colocou sua mão delicadamente em cima da minha, que eu segurava a vareta e me mostrou como reavivar o fogo. Senti meu rosto ficando quente pelo simples toque de sua mão na minha. Sua mão era forte e quente, me fazia sentir confortável. Meu rosto devia ter ficado vermelho como a brasa, mas eu não tive coragem de ir até o espelho para confirmar ou não minhas suspeitas.

Apesar de ser muito bom de ter a companhia de Jesse, eu precisei inventar uma desculpa para sair dali. Sentia meu coração pesar cada vez mais, e uma dor intensa vinha dele. Precisava beber sangue, estava começando a sentir falta. Ele pareceu se convencer facilmente. Melhor para mim.

Corria pelas planícies de Yellowstone quando percebi que um gêiser estava a ponto de jorrar água. Aproveitei para tomar um banho. Com certeza era muito melhor um banho de água quente do que água quase congelando.

O topo de uma montanha me pareceu um bom local para descansar, esfriar a cabeça e admirar a paisagem. A brisa balançava levemente meus cabelos lisos. As estrelas pareciam mais brilhantes do que nunca. E então ressurgiu a pergunta que não queria calar: De onde veio Jesse? Ele pareceu misteriosamente, sequer sei direito quem ele é. Sei que tem vinte anos de idade e que estava acampando por perto, mas e aí? Nem conheço o cara direito, e já é suficiente para me fazer ficar babando escondida por ele. Como posso ser capaz de estar morrendo de vontade de sugar cada gota de sangue de seu corpo e ao mesmo tempo querer ele para mim mais do que tudo? Ele quase não fala, e muitas vezes parece falar como se não vivesse nessa época. Tem o corpo perfeito, como se houvesse sido esculpido em mármore. Mas eu não posso me apaixonar por ele, não seria certo. Preciso mudar minha maneira de falar com ele, tentar de alguma forma evitar este sentimentos. Ele vai me destruir aos poucos, até eu não conseguir mais suportá-lo. Como posso viver com alguém, que por mais que eu tente, sempre vou olhar tal pessoa como se fosse devorá-la a qualquer instante? Não conseguiria, de maneira alguma...

Okay, eu estava perdida. Não sabia o que fazer e já começava a ficar com dor de cabeça. Queria chorar, gritar, destruir tudo de tanta raiva e dor que sentia. Tudo estava dando errado. Porque algo não poderia dar certo, só pra variar? Seria muito bom mudar de vez em quando.

Chorei em silêncio deitada na neve do pico da montanha, por várias horas. Sem noção de tempo, acabei adormecendo ali. Pelo menos em meu sono eu não seria atormentada pelos meus sofrimentos.

Senti uma mão a acariciar meu cabelo. Gemi baixinho e a mão abruptamente sumiu.

Por favor, continue, pensei. Estava me sentindo tão confortável ali quando subitamente acabei voltando à realidade. Quem estava acariciando meus cabelos? Me levantei quase num pulo.

Estava de volta em minha casa, sentada em minha cama. Jesse estava sentado ao meu lado, me observando com expressão nenhuma, enquanto eu provavelmente estava olhando amedrontada para ele. Procurei aliviar minha expressão, e a cicatriz de Jesse voltou à tonalidade natural.

- O que... Como você... Quando... - Eu tinha tantas perguntas para fazer que não conseguia formular nenhuma delas. Ficava apenas olhando Jessé boquiaberta e murmurando coisas sem qualquer sentido.

- Tudo bem – Disse-me ele – Descanse. Depois eu volto para falar com você – Ele aproximou-se vagarosamente de mim e beijou minha testa. Continuei boquiaberta e não consegui achar minha voz para dizer qualquer coisa, então apenas assenti com a cabeça e voltei a deitar na cama de costas para Jesse. Ele levantou da cama e foi para o lado de fora. Continuei deitada, porém desta vez não adormeci.

Como Jesse havia me encontrado? Como ele me trouxe de volta? Quando ele me buscou? Quanto tempo eu fiquei dormindo? Acredito que mais de semanas, pois meus machucados do braço haviam praticamente desaparecido. Jesse me devia explicações, porém eu estava exausta demais para levantar e ir atrás dele. Fiquei muito tempo sem comer, e meu estômago já não roncava, e sim doía.

Estava deitada, praticamente tirando um cochilo, quando percebi que tudo estava em silêncio. Sentei-me na cama e percebi que Jesse havia desaparecido. Ainda fraca e com muito esforço levantei e caminhei até o lado de fora. O céu estava nublado e havia um pouco de vento, o qual logo embaraçou meus cabelos. Mas nenhum sinal de Jesse. Desci a encosta da montanha até a floresta pois precisava comer algo, urgentemente. Encontrei um animal de porte pequeno, e sem ao menos identificá-lo, ele logo estava sem vida. Sem sangue também. Serviu-me como alívio, mas eu ainda sentia-me muito fraca. Caminhava meio dormindo pela floresta, até o cansaço ser mais forte do que eu. Cedi e ali permaneci, atirada ao chão, sem qualquer sinal de vida próximo. Tentei me restabelecer inúmeras vezes, mas eu estava fraca demais. Sim, eu sou tão fraca que acabei desistindo de tentar.

Um ruído, passos leves e um sussurro.

- Monique? – Disse enquanto virava-me e tirava o cabelo de meu rosto. Logo pude vê-lo. Era Jesse. Ainda abaixado ao meu lado, conseguiu me levantar. Envolvendo seus braços ao meu redor, me levou no colo de volta para a minha cama. Admito que era extremamente confortável apoiar minha cabeça em seu peito quente. Era até melhor do que minha antiga cama. Jesse dava passos tão leves que acabei cochilando em seus braços. Logo quando ele me colocava de volta na cama, segurei firme em sua blusa.

- Não – Sussurrei, segurando sua camiseta ainda mais forte – Fique, por favor – Eu estava tão fraca que acabei afrouxando as mãos, e ele saiu de perto de mim. Uma lágrima escapou, e logo foi secada por seus dedos macios e delicados. E novamente o escuro.

Caminhava tranquilamente ao lado de Jesse em uma planície verde que parecia sem fim. Era verão e os raios de sol faziam Jesse parecer ainda mais lindo. Estávamos de mãos dadas, conversando. Subitamente Jesse para e se vira em minha direção, expressão tranquila. Curva-se lentamente, aproximando seu rosto cada vez mais do meu. E então eu ouço um estrondo ensurdecedor, e o chão logo a minha frente se abre, levando Jesse para longe de mim. Fraquejo e caio no chão, desamparada. Vi Jesse sumir bem na minha frente e não pude fazer nada. Gritei mais do que pensava que conseguia e...

Estava sendo balançada freneticamente por alguém. Meus olhos ainda jaziam fechados e eu pude ouvir um grito morrer na minha garganta. As mãos firmes me recolocam na cama. Quando tenho coragem de abrir os olhos, me deparo com Jesse sentado a minha frente. Eu estava sentada em minha cama, tão arrumada quando alguém há uma semana sem escova de cabelo. Jesse parecia assustado, e eu demorei alguns instantes para entender o que se passava.

- Você está bem, mi hermosa? – Perguntou ele. Parecia preocupado. Como eu não compreendi a segunda parte da frase, considerei apenas a primeira.

- Estou. Foi só... Foi só um pesadelo – Um pesadelo muito, mas muito ruim, acrescentei mentalmente.

- Tem certeza de que está bem?

- Está tudo bem, Jesse – Confirmei. Continuou olhando para mim alguns segundos enquanto eu me queixava mentalmente por parecer ter saído de um furacão. Assentiu e saiu de meu alcance de visão.

Eu me sentia renovada. Sentia-me muito bem apesar do pesadelo, só um pouco assustada talvez. Enquanto estava tentando formular uma desculpa para poder ir encher o estômago, Jesse caminhou em minha direção e sentou ao meu lado.

- Você não me parece bem – Murmurou ele, removendo o cabelo do meu rosto – Porque não vem comigo? Queria lhe mostrar uma coisa – Disse sorrindo.

- Tudo bem . Já estou curiosa.

Assim, Jesse segurou em minha mão, o que deve ter me feito corar, e me levou montanha abaixo pelo lado o qual eu nunca havia ido. Não saberia dizer o porque, acho que nunca havia me passado pela cabeça descer pelo outro lado. E então, como se subitamente houvesse aparecido ali, avistei uma clareira no meio da floresta.

Mais ao longe eu podia ver um riacho que corria até meu lado esquerdo. Uma casinha havia sido construída perto da curva do rio. À minha esquerda tinha um lago com águas termais, e ainda mais a direita eu podia ver dois gêiseres, jorrando água há quase dois metros de altura e formando uma pequena lagoa. Algumas árvores aqui e ali, e uma planície de flores perto da casa e da lagoa. Era tão lindo que comecei a chorar descontroladamente.

- Foi você quem fez? – Consegui perguntar.

- Sim. Você gostou?

- É lindo.

- Eu fiz para você. Acho que não gostava de morar em uma caverna – Disse Jesse, parecendo satisfeito.

- Então era isso que fazia quando desaparecia – Murmurei – Obrigada – Disse em seu ouvindo enquanto lhe dava um abraço.

- Fico feliz que tenha gostado, mi hermosa – E então ele me pegou no colo e caminhou até a beira do lago. Quando eu menos esperava, Jesse me arremessou na água, entrando logo em seguida. Sim, se ele não tivesse me emergido eu provavelmente teria me afogado. Ao me erguer da água vi mais um de seus sorrisos radiantes. Colocou-me sentada na parte mais rasa e sentou ao meu lado.

- Gostou mesmo? – Sussurrou ele perto do meu ouvido.

- Sim – Murmurei. Fechei os olhos e me recostei no seu peito. Respirei lentamente e profundamente algumas vezes. Estava confortável ali, e ficou mais ainda quando Jesse me abraçou. Eu poderia ficar ali pra sempre.