8 segundos

Prazeres brutais tem finais violentos


Emma Swan não era uma pessoa religiosa. Apesar de nos rodeios, abaixar a cabeça e lançar uma prece como os demais que iriam montar naquele dia, ela não tinha um nome para quem dirigir sua oração ou um símbolo que a representasse. Gostava apenas de acreditar que havia alguém ou alguma coisa que a permitiria ter aqueles oito segundos de paraíso.

“Apenas mais uma vez”, era seu mantra.

Porque embora o céu e o inferno lhe fossem conceitos abstratos, pensava no paraíso como qualquer coisa que fosse sublime para a alma, cuja sensação de paz e alegria, se sobrepusesse a todos os outros sentimentos, principalmente os negativos. E para ela, os oito segundos eram isso. É claro que também estava lá pelo prêmio em dinheiro – que ficava maior a cada temporada – e pelas fivelas, que ostentava com orgulho. Mas foi como tudo começou e foi o que a manteve naquele caminho por anos, apesar das pequenas lesões e dores musculares quase constantes.

Lembrava-se talvez até demais, daquela primeira vez. O pai, um rancheiro sistemático, criava vacas para a venda, alguns cavalos de trabalho e galinhas para os ovos. Tinham uma quantia razoável de hectares e um pomar onde Emma e seu irmão passavam as tardes à toa. Mas o verdadeiro orgulho do velho David, era um touro bravo que havia herdado do pai, em algum momento. O animal era violento a tal ponto, que mesmo os cavalos preferiam se manter afastados e quando chegava a época de movê-lo para o outro pasto, era um trabalho árduo em todos os sentidos.

Desde que podia se lembrar, o único pensamento intrusivo que Emma tinha sobre os animais do rancho era o que dizia respeito ao touro. Sempre que se aproximava da cerca e o via, há alguma distância, imaginava-se montando no animal. Em sua cabeça, conseguia esgueirar-se pelo capim alto do começo da estação e se aproximar o bastante para correr, ganhar impulso e saltar diretamente sobre as costas dele. E é claro que em determinado ponto, esse plano pareceu bom o bastante e ela o colocou em prática, apenas para ser vista antes de alcançar a metade da distância, ter que correr de volta e se jogar sob a cerca, antes que o animal conseguisse alcança-la. Naquela noite, ela tinha os cotovelos e joelhos machucados e precisou mentir pela primeira vez, afinal, como poderia explicar aquela sensação?

Mas então, David fez um churrasco para os amigos mais íntimos e como de costume nessas ocasiões, trouxe o boi para o curral adjacente ao quintal dos fundos, apenas para deixa-lo em exibição.

“Manhoso” era seu nome.

No decorrer do dia, enquanto os adultos bebiam cervejas – com Emma sentada próxima a eles – e as crianças corriam para cima e para baixo, com as mães sempre advertindo que se mantivessem longe da cerca, o touro caminhou pelo curral, comeu, bebeu água do cocho e finalmente se aproximou ele mesmo da cerca, onde ficou parado de tal forma, que Emma teria jurado que era uma espera.

Com aqueles olhos escuros demais, Manhoso parecia encará-la em desafio. E é claro que Emma, no auge da sabedoria que seus quatorze anos de idade lhe garantiam, se sentiu apta para a tarefa. Sem qualquer plano, a pequena adolescente de longos cabelos loiros abandonou a conversa, passou pelas crianças, escalou a cerca e se jogou sobre o touro.

A coisa toda durou cerca de quinze segundos e, desses, Emma conseguiu estar em cima do touro por apenas dois.

Apesar de aquele ter sido seu primeiro braço quebrado e a veia na testa de seu pai ter saltado a ponto de todos se preocuparem que o homem pudesse ter um derrame, haviam sido os dois segundos mais gloriosos que Emma tivera.

A adrenalina estava lá, o orgulho por finalmente ter sanado aquela vontade que lhe acompanhava desde a infância também se fazia presente. Mas havia algo mais, um sentimento que ela não conseguia descrever com qualquer palavra que conhecia.

Seu castigo durou meses, a mãe chorava sempre que via o gesso em seu braço e David se tornara estranhamente silencioso e o motivo do silêncio foi descoberto algum tempo depois, quando sem querer, ela escutou uma conversa do pai com um dos amigos que estiveram presentes no dia.

— Você precisa admitir, David – O homem dizia, com tranquilidade – A menina é boa.

— Ela tem só quatorze anos, George.

— É exatamente por isso que estou falando, homem. A maioria dos cowboys começa nessa idade e não conseguem ficar dois segundos nas costas de um touro mecânico – George fumava e entre uma tragada e outra, sorria – Mas Emma.... Ela nunca treinou e ficou alguns segundos no torso daquele maldito touro. Não é de qualquer um que estamos falando, David.... É o Manhoso. Você sabe....

— Eu sei – David suspirou – Eu esperava algo assim de Neal, honestamente. Sempre vi Emma parada nas bordas do pasto, mas pensei que estivesse com a mente em assuntos de meninas.

— E é então que o grande David, o rancheiro mais rústico dessa região, descobre que afinal de contas.... Montar touros também é um assunto de meninas.

Depois disso, houve uma conversa honesta entre a família e apesar de a mãe protestar, Emma começou a frequentar uma escola de rodeio. Suas notas deviam ser excelentes na escola – inclusive em matemática – e não era permitido tentar montar Manhoso outra vez. O que ela fez, anos mais tarde.

Assim se iniciava sua carreira e era exatamente nisso que ela pensava enquanto sentia a areia da arena contra o rosto e o gosto metálico do sangue na boca. Pensou que precisava encontrar seu chapéu, havia sido um presente da avó. Pensou que o som da plateia parecia distante, que algo estava estranho em seus ouvidos. Pensou nos bolinhos que a mãe tinha prometido preparar no domingo, quando ela voltasse para casa. Pensou em Neal, que deixara a vida no rancho para trás e era professor de matemática. E então, pensou apenas na escuridão sem sonhos que veio.

Daquela vez, não tivera seus oito segundos.