Como dormir nunca foi uma grande dificuldade para mim, meu sono é pesado. Acordo de novo com alguém me chamando na porta. Pelo visto as pessoas por aqui tem um péssimo habito de acordar cedo. Ronnie separou para mim uma calça, não muito justa, preta com um risco vermelho ao lado. E uma blusa branca com um cinco em vermelho decorado em volta com dourado. É uma roupa simples. Não do tipo que estou acostumado a usar, mas aposto que se eu fizesse algum esporte seria minha primeira escolha.

Quando chego a mesa do café todos (Gale, Kiara, Ronnie e Jim o estilista de Kiara) já terminaram e estão esperando por mim.

-Bom dia, dorminhoco. –Fala Kiara- Estamos te esperando há 15 minutos.

Dou de ombros e começo a comer.

-Como eu estava dizendo – Gale começa a falar chamando a atenção de todos – Eu preciso saber de algum ponto forte de vocês. Algo que devemos explorar.

-Eu corro. Sou a mais rápida da minha sala. - Kiara fala rapidamente. –Ninguém consegue me pegar. – Ela termina de falar a última palavra olhando em meus olhos. Eu sei que é verdade, já ouvi falar dos dons de corrida de Kiara, mas mesmo assim não posso deixar aparecer que ela é melhor do que eu.

-O ideal seria se fosse mais rápida do colégio... Ou de toda Panen.

- O IDEAL seria você saber fazer alguma coisa de útil. – Kiara responde aumentando o tom de voz. E respondo com a única coisa que consigo pensar.

-Eu toco violão.

-Muito mal por sinal.

-Consigo fazer as pessoas rirem.

-Claro – E então ela vira a cara rindo e continua- Sempre vejo no jornal: Pesquisas apontam que risada é a maior causa de morte em toda a Panen. –Então Gale bate na mesa com força.

-Calados os dois. Se vocês não me falarem algo de útil que possam fazer, vão ter sérios problemas. Daqui a 3 horas vocês irão descer e ver seus queridos companheiros da capital, que anseiam por sua morte. Kiara, você primeiro. – Ele olha para mim- E sem interrupções.

-Eu corro – Ela para um pouco de falar e olha para mim conferindo se eu não irei falar nada – sei nadar. Faço natação dês dos meus quatro anos. –E complementa- E cozinho.

-Certo. –Gale escreve algumas coisas em um papel – Dax, sua vez.

Respiro fundo e simplesmente solto o que queria esconder.

-Eu não sei fazer nada.

-Além de tocar violão. – Sussurra Kiara em um tom quase impossível de ouvir.

-Nem tocar violão.

Ronnie segura a minha mão e responde:

-Vamos dar um jeito nisso. Você foi ótimo na apresentação... Um pouco exagerado, mas ótimo. Você está quase entre os favoritos. No dia da entrevista de tudo de si. Se você não pode lutar, você pode sobreviver. Fuja e conquiste patrocinadores.

-Ele não conseguirá nenhum patrocinador se ficar fugindo. –Gale rebate- É o seguinte, você tem que saber fazer alguma coisa de bom. Pense.

E um silêncio invade a sala. Eu nunca fui muito de me movimentar. Estou com 16 anos agora e faz quase 1 ano que nem tentar correr eu tento direito. Antigamente meu exercício era brincar com meus amigos. Eu ficava o dia inteiro jogando...

-É isso. –Falo- Eu sei mais ou menos o que posso fazer. Até ano passado, minha atividade diária na Capital era brincar. Um jogo chamado...

-Jogos Vorazes. – Kiara completa – Você não está pensando em...

-Exatamente.

- O que vocês estão falando?

- Aqui na Capital as crianças que já passam dos 12 anos tem o costume de brincar de Jogos Vorazes. É uma brincadeira que dura várias semanas e são jogadas repetidas vezes. São 24 crianças divididas em 12, para representar cada distrito. Nossos pais nos dão arco-e-flechas, espadas, lanças... De brinquedo, obvio, mas o suficiente para ter o peso e a aparência de verdadeiros.

Gale nos fita perplexo.

-Vocês brincam de Jogos Vorazes? – Ele parecia tentar acreditar naquelas palavras. – Ideia de vocês?

-Sim, totalmente. E nossos pais adoravam ficar assistindo – Completo.

-Claro... - Sua voz estava começando a se alterar – Totalmente compreensível.

-Vocês faziam o mesmo nos seus distritos? – Perguntei. Seria extremamente incrível se sim. Todas as crianças da Panen com a mesma brincadeira.

-Naturalmente que não. – Sua voz atingira um tom de ironia tão grande que era impossível não perceber- Afinal, estávamos muito preocupados com outras coisas. Vou falar quais antes de você me irritar com mais uma pergunta ridícula com sua voz enjoativa, coisas como não morrer de fome, ou não receber chicotadas em público, talvez também não vir preso por não gastar os dias inteiros trabalhando numa mina para agradar seres idiotas como vocês que não conseguem ver nada além do nariz. Preocupados em não virar escravos da Capital e receber as torturas que supostamente a gente merecia. Preocupados em que nossos nomes ou pior o nome dos nossos irmãos fossem sorteados em um jogo cuja morte de uma pessoa que eu amo significasse diversão para a outra.

-É uma honra para qualquer pessoa morrer nos jogos. –Rebato.

-Incrível. – Gale balançava a cabeça – Sim, é uma honra que você terá. Parabéns. – Então ele se vira para Kiara – Posso falar com você? Eu não tenho cabeça para dar qualquer conselho para ele.

-É sua obrigação. – Falo. Como assim? É culpa minha agora que ele ficou bravo?

-Quero ver qualquer pessoa me obrigar a isso. –Quando ele está saindo se virá para mim- Desça em 3 horas. – E vai para outro lugar do apartamento acompanhado de Kiara.

Ronnie e Jim olham para mim. Seus olhos não parecem bravos, mas um olhar de pena. Vou para meu quarto. Eu só queria sair daqui e voltar para minha casa, que nem sei se é minha mais. Ligo a televisão e está passando um programa dos rebeldes chamado “Nós lembramos” e contava a história de um tributo do 74º Jogo. Eu me lembro dela. Seu nome era Rue.