4:00 Am

Capítulo 5


Coloquei os pés em cima de uma das mesas disponíveis pelo auditório, relaxando o corpo na cadeira de madeira desconfortável o máximo que conseguia enquanto colocava o meu caderno de capa roxa no joelho e pegava num lápis. O Professor Baker decidiu ser uma boa ideia dar-nos a liberdade para escolher um tema e apresentar um pequeno texto; comecei a adorá-lo no segundo em que acabou de dizer isso. Tinha saudades da liberdade de poder criar algo só meu, e fruto do pequeno Mundo que governava na minha mente, e agora ele estava a dar-me a liberdade para fazer tal coisa. A juntar a esse pequeno prazer caído dos céus, estava o primeiro trabalho sério que o Professor Haner decidiu entregar às almas que a todo o segundo adormeciam em cima dos cadernos e das mesas de apoio; fazer uma pequena apreciação sobre ‘O retrato de Dorian Gray’ era algo que não me incomodava, o livro era fantástico e um dos meus favoritos.

“Divertida, Menina Valery?” a voz máscula do Professor Sanders fez-se ouvir dentro da sala de aula onde me tinha escondido durante as horas livres, despertando-me do trânse em que me encontrava durante o processo de escrita.Encarei-o com um ar divertido, notando que trazia no seu corpo uma camisola sem mangas dos Slayer, combinando lindamente com as calças de ganga escuras penduradas largamente na sua cintura.

“Sempre, Professor Sanders. Pode sempre juntar-se a mim e dar asas à sua imaginação...” sugeri mostrando-lhe uma folha branca ainda por escrever, estendendo o braço para que ele a agarrasse.

Durante os dias em que o encontrava bem-disposto, o que até não era muito raro, conversávamos sobre os mais variados assuntos; num desses dias, Matt tinha desabafado o seu prazer por escrever letras de músicas. Tive de fazer um grande esforço para não o questionar sobre os Avenged Sevenfold, sabendo que traria problemas para mim e para Chester.

“Obrigada pelo convite, mas tenho de preparar aulas. Sei que não gostas de assistir às aulas de música, mas não te fazia mal, Valery.” Piscou-me o olho, muito divertido e orgulhoso do tom de brincadeira que carregava na sua voz.

“Já agora, o Professor Bennington procura-te.” Dito isto, saiu.

**

“Procurava-me?” Mesmo depois da longa conversa sobre todo o passado do tão pouco ortodoxo Chester Bennington, continuava sem conseguir tratá-lo na segunda pessoa. Sendo assim, tratava-o na terceira pessoa e ele revirava os olhos quando eu abria a boca.

Assentindo, Chester apontou uma cadeira agora colocada em frente à sua, do outro lado da secretária, pedindo que me sentasse. Fechei a porta, sempre com medo que uma palavra fosse ouvida pela pessoa errada, e caminhei a passo largo até à cadeira.

Sentando-me, não pude deixar de me sentir nervosa sobre o que aí viria; sabia que ele nunca me faria mal, não depois de me ter deixado ver o seu lado mais sensível e pedido ajuda a carregar a dor que lhe pesava nos ombros. Ainda assim, era impossível não sentir borboletas a corroer o meu estômago enquanto me sentava e o encarava sentado mesmo à minha frente com uma expressão impossível de decifrar.

“Queria apenas dizer-te que vou mudar de escola.” Informou-me sem nunca mudar a sua expressão facial, olhando-me de forma a decifrar as emoções que a frase que acabare de pronunciar fariam em mim.

Cruzei a perna, sem saber bem a razão, e assenti com a cabeça; encarei-o também, de modo a não demonstrar fraqueza, tal como ele estava a fazer. Não existia outra razão para mudar de local de ensino se não fosse por eu saber toda a verdade.

“Se isso lhe trará melhores oportunidades, apoio.” Acabei por dizer, de forma demasiado calma para uma pessoa como eu. “Embora ache que se trate de um acto de cobardia.”

Depressa a sua expressão mudou para uma de puro espanto e um toque de raiva; calculava que raras eram as pessoas que lhe falavam daquela maneira e saíam impunes. No entanto, era doida o suficiente para fazê-lo e tinha força que chegasse para acabar com ele ou qualquer um.

“Não sou cobarde!” ripostou entredentes. “Pensas que é fácil para alguém como eu, com tudo o que já fiz e vivenciei ter de sair assim? Eu vi o que elas são capazes de fazer, e um dos meus melhores amigos sofreu com isso! Há certas coisas que não consegues entender, e nunca esperei que entendesses. És demasiado nova para...”.

Enquanto falava, cortei-lhe o pensamento e a voz, irritada. Constantemente era obrigada a lidar com o facto de todos me acharem demasiado imatura; não o era. Simplesmente me era mais fácil enfrentar os problemas que surgiam do que chegar até à conclusão que um esquema me livraria das consequências mais facilmente. Porém, outras viriam.

“É melhor parares por aí!” elevei um pouco a voz, até me aperceber de onde nos encontrávamos. Respirei fundo e encarei-o com um ar de poucos amigos. “Não sou demasiado nova, nem imatura, nem todas as razões que possas tentar encontrar para não concordar com o que queres fazer!” Só depois de começar a desabafar tudo o que surgia na minha mente como uma boa forma de contra-argumentar é que entendi que o estava a tratar na segunda pessoa. “Eu posso ajudar, eu quero ajudar caramba! Há tantas maneiras, tantas coisas que podiam acabar com tudo isto, Chester. Achas que não perdi noites de sono a pensar? Perdi, e continuarei a perder até vos ajudar a todos!”

Comecei a ver tudo o que me rodeava um pouco enevoado; uma sensação de ardor e incómodo começavam a atingir os meus olhos assim como um grande golpe de ar ficava preso na minha garganta. Sentia-me prestes a soltar um soluço de choro. Chester olhava-me, tanto um pouco incrédulo como agradecido, tentando entender o que se passava com a sua mais recente e doida aluna.

Levantou-se, ficando junto ao fim da sua secretária, encarando-me com algo que parecia ser o começo de um sorriso no canto dos seus lábios.Acabei por me levantar também, ficando demasiado perto dele tendo em conta aquilo a que chamariam ‘distância de segurança’. Não queria que ele fosse, e que levasse Mike e todos os outros consigo; Ceci ficaria destroçada, tal como eu.

Ultimamente, passavamos ambas mais tempo na escola, mas por razões diferentes.Desconfiava que algo se passava entre Mike e Ceci; tudo começou quando durante uma das aulas de arte em que apareci, a troca de olhares entre os dois se tornava agora não profissional mas sim carinhosa.

“Sabes que há pouco que possamos fazer. Já tentei, e tornei a tentar, e falhei cada vez que o meu coração se colocou na melhor das intenções.” Avisou-me num simples sussurro, praticamente inaudível, sem se mexer nem um milímetro.

Olhei para as minhas mãos durante um segundo, tentando entender o que se passava dentro da sala de aula de Espanhol naquele momento; o ambiente estava esquisito, algo envolvia o ar e fazia um arrepio percorrer todo o meu corpo.

“Eu não quero que vás.” Limitei-me a admitir, sentindo-me uma vez mais vencida pelas circunstâncias e por ele. Soltei um suspiro, que só agora me apercebia que estava a conter, passando a mão direita pelo meu cabelo.Aproximei-me ainda mais do meu professor de Espanhol, colocando ambas as minhas pequenas mãos no seu esguio pescoço e puxando-o para mim lenta, mas vigorosamente, pressando os meus lábios contra os dele repentinamente.

As suas mãos não demoraram a ir parar à minha cintura, abraçando-a segundos depois enquanto a sua testa se colava à minha e o beijo se tornava em algo mais ternurento, apaixonado e exasperado.

“Por favor, não fujas.” Disse contra os seus lábios quando necessitei de procurar ar durante o beijo. Nada me passava pela cabeça, nem mesmo as consequências que isto traria e a estupidez que estava a fazer.

“Eu?” perguntou de forma retória, mas senti a necessidade de assentir com a cabeça levemente, e assim o fiz. “Não vou a lado nenhum agora.”