— Inacreditável! — Bradou Slenderman, claramente nervoso. — Todos deveriam ter aberto os olhos! Por que diabo não avisou antes, Jeffrey?

Jeff parecia ainda mais cabreiro, as mãos socadas no moletom ensanguentado, a voz rouca como a de um demônio ao falar.

— Eu não seria idiota de colocar a vida do meu irmão em perigo. O maldito me ameaçou.

Julia hesitava, não sabia se tentava acalmar o namorado ou se dava alguns passos para trás. O clima da sala realmente estava pesado. Dick não dissera nada desde que Edgar desaparecera do casarão. Seus olhos encaravam fixamente o nada, como se estivesse em um outro universo totalmente diferente daquele.

O filho de Slender sabia que aquele novato não poderia ser apenas um novato. Não depois de ter se lembrado de Daemon assim que o conheceu. Contudo, a ideia de ter um irmão biológico nunca havia lhe passado na cabeça.

Aquele demônio, pouco antes do garoto o matar, tinha dito algo do gênero, mas julgando pelas circunstâncias só poderia ter sido blefe.

— Mano, melhor teria sido me perder ao perder todos — Contestou Liu.

— Tá, tá, tá. — Ironizou Jeff — Na próxima vez te jogo como sacrifício nas mãos de um sadomasoquista só pra viver vendo os outros felizes com suas vidinhas seguras.

— Você está ciente que agora estamos muito fragilizados e que Edgar pode nos atacar a qualquer momento? — Slender estava realmente nervoso.

— NÃO POSSO FAZER NADA! — Trovejou o assassino moreno, levantando-se e saindo da sala, batendo a porta ao fazê-lo.

O desespero caiu como um vírus pelo casarão, contaminando àqueles que ainda tinham sanidade. O que aconteceria depois, nem Zalgo sabia.

Caiu da noite, e com ela viera o caos, que ninguém tentou deter. A bagunça, os gritos, as brigas só aumentavam conforme o tempo passava

Todos estavam se empurrando pelos corredores do Casarão, batendo na porta do escritório de Slenderman incessantemente. Gritavam, exigindo respostas. Do lado de dentro, o homem esguio, seus Proxies e Lady Elizabeth comprimiam as próprias cabeças para pensar em meio a todo aquele tumulto.

— Senhor — Começou Hoodie — Temos que achar um meio de acomodar os assassinos…

— Acha que sou tão idiota assim, Proxy?! — Slender bradou, Elizabeth esfregou seus ombros, numa tentativa singela de acalmá-lo.

— Pai…

A voz tímida de Dick surpreendeu o mais alto do recinto. Como diabos entrara ali?

— Mas como é que você…?

— Eu sinto muito não ter contado antes… — Continuou o garoto, a touca do moletom escondendo as olheiras. — Mas Edgar me confrontou depois daquela noite em que você nos concedeu uma noite de assassinatos.

.

Edgar me chamou até o jardim do casarão naquela noite, a mão recém-enfaixada ainda sendo manchada com sangue; por mais que em menos quantidade. Eu não parava de me indagar sobre Jeff e ele, internamente.

Ao chegarmos no local, a fonte se desliga sozinha. Apesar de desconfiar de tamanha coincidência, apenas me limitei a prestar atenção no assunto que aguardava ser pronunciado por Edgar, o que demorou a acontecer, me fazendo perder ligeiramente a paciência.

— Me diga então, o que queria comigo.

Ele riu por um instante, baixinho, e senti pena. Eu sempre soube que aquele cara era mais doente do que deveria. Até fora de sua carne física, sua mente permaneceria nas profundezas da insanidade.

— Você é meu mano, cara — Respondeu finalmente, dando leves tapas no meu braço. — Parece que você é a única pessoa com quem posso contar.

— Isso na verdade parece triste… — Respondi, tomando em consideração que eu mal falava com o rapaz, magine aqueles que ele não considerava um “mano”.

— É sério. E estou precisando de alguém a quem me confessar. Posso contar com você para isso, Dicky?

— Por favor, só me chame de Dick. Fique a vontade para se abrir se quiser, sou todo ouvidos.

— Ah, isso é maravilhoso. Entende como é ser a única pessoa que parece se surpreender?

— Perdão?

— Você não entenderia… Deixe-me falar um pouco mais da sua língua: Você é bom em algo, Dick?

— Acho que tocar guitarra. Não sou lá o Zakk Wyldde da vida, mas é o que mais sei fazer de melhor.

— Isso é bem interessante na verdade. Já compôs alguma música?

Fiquei um pouco sem graça ao responder essa, nunca achei que as minhas músicas fossem boas.

— Sim, na verdade… — Antes que eu continuasse, Edgar se mostrou animado.

— Uhh, sobre o que se tratavam as suas últimas melodias? O que sentia enquanto escrevia-as? Quero dizer, não é obrigado a me falar, só fico um pouco curioso, entende? Posso ter escrito alguma coisa um dia, sobre a humanidade. Você parece ser um pouco mais romântico. Letras para as namoradas, suponho?

— Namorada? — Não pude evitar lembrar-me de Janny-... Digo, Jane. O término havia sido recente e tudo o que eu escrevia se tornava cartas de reconciliação e arrependimento. Letras tristes de um garoto desesperado e solitário. E depois me veio a mente a música que escrevi para o senhor, pai. Eram as minhas composições mais recentes.

— Não precisa terminar — Me poupou ele, com um sorriso compreensivo no rosto, parecendo ter lido meus pensamentos, ou talvez apenas minha linguagem corporal. Não acredito muito em telepatia, mesmo que morando num casarão como este. — Até imagino como deve ser difícil para você, hum? É aquela garota de vestido preto e olhos belos, dá pra perceber. Perdeu um bom partido.

Limitei a dar de ombros. E então ele voltou a se pronunciar:

— Certo, voltando ao tema original… Suponhamos que você é o maior guitarrista do universo, e participa diariamente de torneios cada vez mais difíceis. Porém ninguém nem nada consegue te superar. Uma hora você não ficaria entediado? Todos estão abaixo de você, e você sabe disso. Não procuraria uma maneira de se aproveitar disso?

Estranhei sua filosofia.

— Eu não acho que me sentiria entediado. Usaria esse meu talento para inspirar outras pessoas a serem tão boas quanto a mim. Me sentiria orgulhoso se algum deles me superasse um dia. Sempre há algo para melhorar, não acha?

Edgar riu em desdém, como se sua ideologia fosse o total oposto da minha.

— Entenda uma coisa, mano: Não há mais nada a melhorar se você já é O Melhor. E eu estou me sentindo entendiado…

Depois daquilo ele foi embora. Matutei muito sobre aquela nossa conversa, porém nunca compreendi ao certo o que ele queria me dizer.

Slenderman estava com a mão sob o queixo enquanto ouvia atentamente a seu filho, tentando encaixar as pecinhas minúsculas de um quebra-cabeça gigantesco. Elizabeth agradeceu educadamente ao garoto, talvez com aquele pouco poderiam tentar racionalizar algo palpável.

Kyara puxou o amigo para fora da sala, qualquer coisa longe daquele tumulto seria bom.

Logo após desviar à cotoveladas da multidão nos corredores do segundo andar e descer as escadas, encontraram Liu e Ellen sentados no primeiro degrau, preocupados demais para conversar sobre qualquer coisa. Ao avistar Kyra, a garota meio gato se pôs de pé.

— E então? O que está acontecendo? — Seu tom de voz denunciava ansiedade e preocupação.

— Não sei de muita coisa, Ellen — Respondeu a menina — Detesto ter que admitir isso, mas deveríamos ter dado ouvidos ao Jeff.

— Por que você não acreditou quando ele tentou avisar, Liu? — Quem havia feito a pergunta foi Dick — Talvez as coisas fossem um pouco diferentes.

— Todos sabemos que Jeff está ficando cada vez mais louco com o passar dos dias, e Edgar sempre se fingiu de vítima! O maldito é um bom ator.

— Eu tô meio zonzo… — Murmurou o filho de Slenderman, de cenho franzido.

— Deveria estar mesmo, tá acontecendo muita coisa na sua vida em um período curto de tempo. — Kyara disse com um suspiro. — Vá descansar, esfriar um pouco a cabeça. Não temos muito o que fazer por enquanto.

— Pode deixar que eu acompanho ele — Liu interveio, levantando-se prestativo.

Nesse instante uma figura parada a porta de entrada do hall se pronunciou:

— Eu posso dizer o que sei sobre Edgar Lúcifer.