1989

Reminescence


1989

KYUNGSOO

Sempre tive algum pressentimento sobre começos. Era algo que, em parte, me assustava – pois a expectativa sempre superava a realidade quando o assunto era Eu. E o começo do ensino médio não poderia ser diferente disso.

A coisa é que: não importa qual o seu lugar nesse mundo, há coisas que você tem que fazer para chegar até lá. Eu sabia quais eram as coisas que eu deveria fazer, e sabia que haviam também coisas que as pessoas esperavam que eu deveria fazer. Mas nada daquilo realmente me confortava. Eu sabia que estava seguindo o meu caminho cegamente, na esperança que de alguma forma eu atravessaria a faixa final como um campeão nessa corrida da vida. Porém, logo quando cheguei na escola naquele dia, pude perceber que as coisas não iriam ser como planejado.

Eu saí bem cedo de manhã com os fones de ouvido colados às minhas orelhas, como sempre ficavam quase o tempo inteiro quando eu não tinha que interagir com as outras pessoas. Confesso que eu acabava usando a música como uma rota de fuga, como se eu pudesse me tornar invisível assim que os fones assumisse seu posto no alto da minha cabeça. Era um costume ruim que eu tinha adquirido, em parte por causa de Kyuhyun; e em parte porque eu realmente gostava de música.

Normalmente, eu ouvia de tudo. Mas como hoje em dia a febre das ballads invadia a rádio, esse era o estilo que eu mais escutava. Também nunca perdi tempo para implorar por novas fitas cassetes para papai, mesmo que ele já não tinha lá muita paciência para o meu hobby de criar playlists de ballad music.

Por causa disso, eu sempre tinha uma fita comigo onde quer que eu fosse. Era como uma chave mágica para algum lugar de paz longe de tudo e toda a pressão que a escola colocava nas minhas costas. Hoje, por exemplo, a fita era um mix das playlist que eu sempre gravava da rádio, começando por uma um pouco antiga: Reminiscence, de Sanulrim. Uma das minhas bandas favoritas.

Também pelo fato de eu ter a música do meu lado, eu me sentia confiante para encara o dia que iria se seguir. Era um dos primeiros dias de aula, e um dos primeiros também que eu estava ligeiramente animado por apenas um motivo: era o meu último ano no ensino médio. Depois disso, eu estava finalmente livre.

E por mais que isso me deixava feliz, também me apavorava.

Quando saí de casa de uma vez, fiz meu caminho até a escola montado em minha bicicleta, como eu fazia todos os dias. Tinha que seguir o caminho que passava pelo parque, direto pela avenida sem parar, até que se chegasse finalmente na quadra em que a escola ficava, alguns quarteirões longe de casa. Era um pouco cansativo, não ia negar. Mas era bom para a saúde inexistente que eu tinha, já que eu contava isso como um esforço diário de exercício físico. O que, por consequência, também era um ótimo exercício contra a minha asma.

Assim que cheguei na escola, senti o suor escorrer quente pelo rosto. Não que eu me importasse muito, porque não era algo que eu poderia resolver. Era natural que eu suasse, já que eu não tinha muito o costume de sair de casa para fazer exercícios. Então sempre que eu voltava para a escola, era a mesma coisa: eu voltando a ativa de uma vida sedentária das férias.

Assim que entrei pela porta da frente, olhei baixo e passei pelo corredor como se eu fosse um fantasma, como eu sempre fazia. Mas não deu muito certo, pois os valentões do time já estavam fazendo a sua ronda por alí. Era o primeiro dia de aula e eu já estava mentalmente exausto de pensar que teria que lidar com os imbecis do time pelo resto do ano.

— Hey, gracinha. Fiquei sabendo que você caiu na minha sala, hein? Bom saber que terei alguém para fazer meus trabalhos. — era um dos jogadores chineses que estava me provocando.

Luhan fazia isso desde quando entrou no colégio há quatro anos. Ele fingia ser um valentão pra despistar o fato de ser um chinês dentro de uma escola coreana, o que significava uma coisa só: bullying. E ao evitar todo o bullying que ele deveria sofrer, ironicamente provocava isso nos outros. Desalmado? Nem um pouco. Covarde? Com certeza.

Passei por ele sem nem ao menos lhe dar atenção, e segui direto para o meu armário no fim do corredor. Eu sabia que ele logo iria se distrair com outro alvo novamente, aquilo era só um aviso para que eu me mantesse atualizado.

Quando parei em frente ao armário, olhei ligeiramente para os lados como eu sempre fazia. Era uma mania estúpida, mas era uma mania. Eu pensava que se me mantesse prevenido, ninguém conseguiria arrombar o meu armário com tanta facilidade.

Coloquei a combinação quando senti que estava tudo a salvo: 1, 8, 9, 9. Era engraçado que era quase um anagrama para o ano que estava se iniciando. Me pergunto se isso poderia ser algum tipo de sinal para o que esse ano iria se mostrar, no fim. Mas isso, claro, era completamente sem nexo. Números são conjuntos de probabilidades, era isso o que a ciência se colocava a explicar.

E era nisso que eu acreditava.

Bem, acontece que eu era totalmente e completamente viciado na nova onda de ficção científica que o mundo estava imerso. Eu já havia assistido todos tipos de filmes possíveis, até mesmo os ocidentais, como Star Wars e Doctor Who (dentre tantos outros). Eu confesso que talvez — só talvez — sou um pouco viciado no gênero. O que também era um dos motivos de eu ter pensado em me tornar um roteirista de sci-fi. Mas ainda era uma loucura, certo? De jeito nenhum eu conseguiria isso.

Mas mesmo sabendo com plena certeza que isso não iria acontecer, eu ainda sonhava. Porque não custa sonhar. Eu acho.

Abri o armário de uma vez e peguei alguns livros pra primeira aula do dia: Matemática. Era uma de minhas aulas favoritas, já que eu também era muito bom com números — apesar de não ser tão ruim com as palavras também. Eu poderia dizer que, no fim, eu tentava manter o equilíbrio entre os dois.

Assim que eu tinha tudo pronto, fechei o armário para dar de cara com o cara que dividia o compartimento vizinho do lado. Era engraçado como mesmo depois de tantos anos sendo vizinhos de armário, a gente nunca haviam se falado de fato. Pra falar a verdade, eu, particularmente, achava o garoto meio esquisito.

Ele tinha um cabelo um pouco comprido, com mechas vermelhas, e tinha um rosto bem... marcante. Eu não saberia descrever com outra palavra. Ele era definitivamente o tipo de garoto que você olha e fica querendo saber mais sobre ele.

O garoto vivia com uma palheta pendurada no pescoço criando um ar meio rock n roll. Ele vestia aquelas regatas exageradamente cavadas (elas eram MUITO cavadas) e as calças jeans... perigosamente coladas ao corpo como as da década passada. Ele era bem bonito e chamava certa atenção das garotas mesmo não sendo o mais popular da escola. Ou talvez, eu não o achava popular. Na verdade eu não sabia se ele era popular ou não, porque ele era o tipo de pessoa inatingível. E pra mim, quando se é inatingível, você meio que não é tão importante assim. Porque ninguém de fato sabe sobre você.

Ele também andava com o cara alto do time de futebol, Park Chanyeol. Chanyeol, por outro lado, era bem popular. Talvez mais por causa de Sehun do que qualquer outra coisa. E apesar de Chanyeol e Sehun serem melhores amigos, esse garoto também vivia colado no grandão de orelhas grandes. O que pra mim, na verdade, era bem esquisito. Ambos não se pareciam em nada, então eu realmente não entendia como eles se davam tão bem.

E como era de costume, o garoto rebelde apenas parou do meu lado, abriu o armário e pegou seu material sem nem ao menos olhar para o lado. Fechou o armário com uma batida, socou os cadernos dentro da mochila e foi em direção ao banheiro dos meninos com seu jeito habitual de andar — como se o mundo inteiro não importasse.

Suspirei vendo ele sumir de vista. Em parte, eu tinha inveja da maneira dele lidar com a vida. Eu gostava de ser invisível aos olhos dos outros, gostava de evitar perguntas que não queria responder. E ele parecia ser sempre assim também.

Assim que o sinal bateu, voltei em mim mesmo. Ainda tinha o dia todo pela frente, então eu não deveria ficar emotivo. Acabei me dirigindo para a sala que ficava no final do corredor, onde teríamos a primeira aula do ano. Assim que entrei, percebi que boa parte dos lugares já estavam ocupados.

Suspirei pelo que pareceu a centésima vez.

Eu havia perdido o privilégio de escolher meu lugar simplesmente porque me atrasei. Restava apenas alguns lugares lá na frente, bem de cara com o professor, o que era uma tortura. Como é que eu poderia passar o resto do ano sentando na primeira carteira?

Parecia como um pesadelo.

Por fim, sentei na última carteira que restava tentando ao máximo evitar a exposição desnecessária. Não adiantou muito, pois logo todos estavam em seus lugares, e eu fui o único que ficou sozinho na mesa dupla. Ótimo jeito de não chamar atenção, não é mesmo?

— Bom dia turma. Sou o Professor Kwon, e hoje começamos mais um ano letivo. Um ano bem importante, de fato.

Ele poderia ser mais óbvio? Todos ali sabiam o que estava rolando. Era o último ano de suas vidas no colégio, então todo mundo estava bem ciente disso. Eu tentava não sentir a pressão da vida adulta me assombrando, mas eu estaria mentindo se dissesse que não sentia. Era como uma sombra projetada, te acompanhando pelas vinte e quatro horas do dia.

As vezes eu não aguentava. Sucumbia aos meus medos e a fraqueza, chorando no travesseiro pela noite inteira. Eu não sabia o que fazer, muito menos qual faculdade queria ir. E ver papai se esforçando pelo meu sustento — assim como meu irmão —, esperando que eu conseguisse uma entrada em um curso de medicina, era a coisa mais aterrorizante que eu podia sentir. Sentia como se não fosse o suficiente, uma pedra no caminho da minha própria família e não a salvação dela.

As vezes eu pensava o pior. As vezes achava melhor que eu estivesse morto, assim papai não iria se decepcionar tanto com seu filho idiota que sonhava em ser roteirista de ficção científica. Isso, definitivamente, era o que mais me assombrava nessa coisa de virar um adulto "de verdade": a possibilidade de falhar em tudo o que planejaram para mim, e jogar todo esse investimento pela janela.

E aí seria tudo culpa minha.

— Como bem sabem... — o professor Kwon retomou a sua fala, me fazendo despertar para o presente. — Esse ano terá um exame importante para ser feito. Para decidir as suas futuras carreiras.

Todos nós sabíamos disso, o que, claro, não diminuía o nervosismo de ninguém ali.

— Não houve ainda nenhuma mudança desde o ano passado, então continua a mesma coisa: o CASAT é dividido em 9 matérias e invés do antigo ensaio que vocês tinham que escrever, agora farão uma entrevista. Terão um testes antes e depois do CASAT, por intervenção das universidades que acharam melhor esse método avaliativo.

Eu senti meu coração acelerar cada vez mais que ele falava. Era uma péssima ideia que o professor fosse começar a falar sobre universidades no primeiro dia de aula. Ninguém se mexia, ninguém ao menos respirava. Tudo o que ele falava era como um martelo batendo repetidamente marcando as sentenças de morte.

— As matérias são divididas entre: literatura Coreana, história nacional, matemática, clássicos Chineses, ética nacional, política e economia, e tecnologia industrial ou gestão de casa. Além das eletivas que incluem língua estrangeira, mais o inglês, e um teste vocacional. — ele terminou de ler, voltando a sua atenção para a classe. — Sei que é muita informação, mas vamos nos esforçar para dar o nosso melhor. Certo?

Muita informação era eufemismo.

Eu estava me sentindo completamente sufocado. A pressão era esmagadora, e eu sabia que só pioraria com a competitividade absurda que iriamos ter que enfrentar daqui pra frente. Era sempre assim, e vinha sendo assim faz um tempo.

O ensino médio não preparava os alunos para o exame de admissão. Muitos dos alunos mais velhos não conseguiram passar no ano passado, pois o método de aprendizagem era diferente do método avaliativo. As pessoas se confundiam, e se esforçavam a toa, pois no fim, ninguém conseguia passar.

Os alunos estavam sempre tentando sabotar um ao outro, como se todos nós estivéssemos na selva de novo. Todos queriam uma vaga na universidade e iriam brigar feio por ela. Mas eu, justamente eu, não sabia se queria me juntar a essa guerra.

Meu sonho ainda era de fazer algo perto do que gostava, como jornalismo ou literatura. Estudar para uma vaga em medicina estava muito além do que um dia eu pensei em suportar. Totalmente fora de questão. Mas depois de tudo o que seu professor havia falado, parecia ser a única coisa que eu iria fazer pelo resto do ano.

BAEKHYUN

Eu esperava o sinal bater sentado que nem um idiota no fundo da biblioteca da escola. Não estava nem aí se alguém iria se irritar com o fato de ter uma cadeira a menos nas mesas de estudo. Foda-se. Eu não iria voltar para aquela estupidez que as pessoas dramaticamente chamavam de "apresentação de calouros", ou qualquer merda assim.

Coloquei a mochila no chão, e peguei meu walkman amarelo de dentro da bolsa. No mesmo segundo, percebi tardiamente que estava sem fita. Merda. Não ia ter nada pra fazer durante quase uma hora inteira, e era tudo culpa da minha pressa em sair de casa.

Chutei a estante em frustração.

Era o primeiro dia de aula, e eu já estava irritado com essa palhaçada toda.

Abri a mochila para tirar meu caderno de letras de lá. Ele ainda era o mesmo de alguns meses atrás: cheios de rabiscos, cifras, mas nada que fosse realmente bom. Pelo menos, não que eu achasse que fosse. Tudo o que eu escrevia nesses últimos tempos parecia patético, e não valia a pena terminar.

Acabei por arrancar algumas folhas do caderno, tentando escrever alguma melodia para a canção que estava na minha mente fazia um tempo. Como eu tocava guitarra, as cifras eram sempre mais elaboradas. Eu gostava de colocar um solo ou dois, apesar de sempre parecer sem muita conexão. É, eu sou um merda. A verdade é que eu quase sempre fazia isso sozinho, o que complicava.

Eu precisava de uma banda.

Mas, obviamente, no auge dessas merdas de ballads que tocavam nas rádios, era extremamente difícil achar pessoas com o mesmo gosto refinado que o meu, ou que soubessem cantar as músicas de rock em inglês (mesmo que eu também não era tão bom na língua assim). Então eu me concentrava em tocar para mim mesmo, tentando arrancar um solo ou dois das seis cordas vibrantes. As vezes, dava certo. As vezes, ficava uma merda. E em outras, eu tinha que tocar alguma dessas ballads coreana para a mamãe como preço pelo barulho que eu fazia em casa. Mas eu não ligava tanto assim, na verdade, amava ouvir mamãe cantar. Era uma das únicas vezes em que eu podia ver ela ficar feliz.

Quando ainda éramos uma família normal, sem o estresse da traição do imbecil do meu pai, costumávamos cantar juntos. Eles paravam pra ouvir o que eu tinha pra tocar, e papai até mesmo me ajudava com uma cifra ou duas.

Bufei, deixando a caneta de lado.

Não vou pensar nisso agora.

A folha do caderno também estava mais rabiscada do que cifrada, então era mais que óbvio que eu deveria deixar isso de lado. Acabei por guardar o caderno de volta na mochila onde não deveria ter ao menos tirado, desde o começo.

Eu já estava ficando ótimo nisso de me esconder. A bibliotecária dorminhoca me ajudava a passar despercebido quando queria, então era fácil matar aula. Difícil mesmo era passar nas matérias depois que o ano letivo começava a apertar. Essa era definitivamente a pior parte. Por mais que eu também não me esforçava para ser a pessoa que queriam que eu fosse, eu ainda queria ter um diploma. Apenas no caso de tudo dar errado e eu ter que viver a minha vida como uma pessoa patética, normal e entediante.

Senti o suspiro sair de mim antes que eu pudesse evitar.

Eu estava cansado. E o fato dessa biblioteca ser o meu único refúgio para a vida de merda que eu estava levando, não contribuía muito para as minhas impressões sobre o meu próprio futuro. O que eu teria a ganhar aqui? Além de conhecimento barato que me servisse de inspiração para composição?

Nada.

Essa é a resposta esperada.

Levantei-me da cadeira com determinação, para parar de sentir pena de mim mesmo e apenas fazer as coisas certas. Talvez eu devesse voltar para a sala. Ou talvez eu devesse procurar por uma fita. E foi exatamente o que eu fiz.

Tentei procurar bela bendita fita cassete em todos os lugares que achei possível de ter fitas cassetes. E acabei achando o total de nada. Não havia achado nenhuma fita que pudesse servir para alguma coisa. Nem mesmo aquelas de áudio-curso e alguma merda assim que Jackson costumava fazer. Então eu comecei a pensar que os livros seriam uma outra opção viável para matar o meu tédio.

Procurei algumas histórias clássicas ocidentais, como aquele cara do nome engraçado: Shakespeare. Mas eu nunca fui muito a fim de romances trágicos ou qualquer tipo de romance barato como esses que passavam nas aulas para a gente aprender. Simplesmente não era pra mim. Eu gostava de provérbios chineses. Aquelas que te fazem pensar e refletir sobre a vida. Ou os poemas dos sábios antigos, cheios que metáforas que, seu eu fosse ser sincero, até me esforçava para entender.

A coisa era: eu adorava poemas. Pois é. Eu os adorava porque eu sentia que sempre tinha um segredo escondido, como uma resposta para a dúvida que o autor lhe apresentava. E, bem, eu também era cheio das dúvidas assim.

Por isso eu comecei a passar entre as filas de livros, tentando procurar um que se encaixasse no meu gênero favorito. Havia uma fileira com vários tipos de poemas, mas muitos deles eram sobre amor.

Isso me deixou irritado.

Droga de amor que infectava toda a literatura. Será o possível que as pessoas não escrevem sobre outra coisa?

Mas como o tédio infernal estava me determinando a não desistir de procurar, eu decidi que não ia parar até encontrar um livro que fosse no mínimo interessante para mim. E foi quando eu o encontrei ali, quase despercebido, e de uma aparência um pouco velha, um dos clássicos da literatura chinesa. Abri o livro e fui folheando. Parecia ser algo como poemas e provérbios, justamente o que eu estava procurando. Era engraçado, porque as vezes o universo tinha isso: de nos dar o que estamos procurando sem perceber que já estava ali o tempo todo.

Resolvi folhear a página até encontrar algum título que me chamasse atenção. E acabei encontrando. O poema era titulado de "O Cantar da Pedra Solitária", de Dharma Master Chong. Eu não sabia quem ele era, mas comecei a ler mesmo assim. O texto começava da seguinte forma:

A pedra solitária sobe direto para o céu

E olha para as quatro direções do Lago Placid.

Ondas constantemente espirram em torno das raízes da pedra

Como galhos de árvores tremem incessantemente ao vento.

A pedra se inclina nas ondas, imergindo sua sombra

Enquanto uma névoa do por-do-sol que invade,

transforma seu topo para vermelho.

Desacompanhada, ela se projeta para além dos picos agrupados,

Subindo sozinho entre as nuvens brancas.

Tentei ler o poema umas três vezes para que pudesse fazer algum sentido na minha mente lerda. Mas ainda sim era difícil. Nada fazia muito sentido, e a coisa toda das metáforas atrapalhavam boa parte da minha compreensão sobre do que se tratava o assunto.

Resolvi que não iria deixar aquilo me escapar. Eu deveria achar a resposta para a pergunta que o autor estava apresentando, ou iria acabar enlouquecendo. Copiei o poema em uma folha, e coloquei dentro da mochila para pensar mais um pouco sobre ele quando tivesse tempo. Eu acreditava que se achasse a resposta para aquele poema, poderia entender qualquer coisa. Nada parecia mais difícil que aquilo.

Com aquele pensamento cruzando a minha mente, saí da seção de poemas e segui para a área onde havia algumas mesas para estudar. Faltava pouco para que o período de aulas acabasse, então não tinha muito que fazer, já já eu voltaria para a casa.

Suspirei enquanto coloquei meus braços na mesa, em cima da mochila, fazendo um travesseiro para dormir. Acabei esbarrando as mãos em algo. Mexi os dedos com o cenho franzido, pegando o objeto quando percebi o que era. Tão patético quando podia parecer, meu sorriso se alargou no mesmo momento em que meus olhos viram a maravilha pela primeira vez: era uma fita cassete.

— Wow! Então era aqui que estava escondida? — disse para ninguém além de mim mesmo.

Mas isso não importava agora, importava apenas que eu tinha uma fita. E eu poderia voltar a ouví-la toda vez que eu precisasse, se a deixasse escondida aqui, especialmente para mim.

Sorri novamente, contente pelo meu achado precioso.

Analisei o objeto como se eu tivesse encontrado um pedaço de ouro. Era perfeita. Parecia estar em perfeito estado, tocável, mas não gravada. Mas isso não importava. Eu só precisava que a playlist ali não fosse toda de ballads insuportáveis, e assim eu ficaria feliz.

Já fui buscando pelo meu walkman dentro da mochila, quando me dei conta: eu não precisava mais de uma fita como aquela, porque eu já iria voltar pra casa em poucos minutos.

— Você podia ter aparecido antes, uh? — torci os lábios em irritação.

Mas que grande merda.

Eu já iria colocar a fita de volta em seu esconderijo quando acabei olhando melhor para ela. Havia algo ali que eu não tinha visto antes. A fita não tinha nome nenhum e estava com a etiqueta rasgada. Estranho. Por que alguém teria uma fita sem identificação?

Esse mistério era outro qual eu deveria resolver.

Abri a mochila e tirei meus fones de lá de dentro. Coloquei a fita pra tocar em seu walkman e logo apertei o play. Primeiro ouvi o que parecia ser um choro masculino. Depois, com muito horror, percebeu que conhecia muito bem esse choro masculino. Pois era o meu melhor amigo quem estava gravando aquilo.

Park Chanyeol.

"Sehun... eu, eu peço desculpas, brother. Eu não quis fazer aquilo. Não sei o que deu em mim. Se... se você só puder me perdoar." Mais lágrimas e um barulho meio nojento de nariz sendo assoado. "E-eu te juro que nunca mais faço isso. S-sério. Fiz essa fita pra você me perdoar, tem todos os seus favoritos. P-por favor, aceite falar comigo. Eu ficarei esperando."

O áudio cortou e começou a tocar a playlist. E, obviamente, eram todas as ballads coreanas que eu não conhecia e tanto odiava. E Chanyeol supostamente as odiava também, então o que estava acontecendo?

Eu tinha que saber.

EDIT:

Playlist de 1989
https://open.spotify.com/playlist/3KnANV9mcKn0FmYndhcBnP

Playlist De Chanyeol Para Sehun
https://open.spotify.com/playlist/4aQ3SgeiTB3qorQAociJJ4