1989

Prólogo


1988

KYUNGSOO

Mais ou menos 80% das estrelas que existem no universo têm uma companheira. Segundo alguns astrônomos, essas estrelas são chamadas de binárias e fazem parte de um sistema duplo quando estão no mesmo eixo gravitacional no céu. Pra mim isso sempre foi uma coisa meio engraçada de saber, porque quando eu olhava pro céu como estou fazendo agora me parece extremamente difícil descobrir qual das estrelas brilhantes está com seu par e qual delas está completamente sozinha. E mesmo que isso me causa um certo desconforto, eu simplesmente não consigo parar de olhar para toda a sua beleza, brilhando em uma luz cintilante.

Era parte do motivo pelo qual eu adorava olhar as estrelas, todos os dias.

Mesmo hoje, dia 31 de dezembro.

Sendo hoje 31 de dezembro, isso significa que o céu está se preparando para receber os fogos de ano novo. Então, provavelmente teriam mais diversas outras estrelas para brilhar lá em cima hoje a noite. Bem, se é que dá pra chamar pólvora de estrela, né?

Meu irmão Kyuhyun sempre me disse que "as estrelas do ano novo" eram estrelas que a gente escolhia parar pra observar morrer. Eu sei, isso não é algo que se espera contar para uma criança ouvir, mas eu gostava de como Kyuhyun era comigo. Ele nunca me superestimou por ser mais novo e sempre fez do possível ao impossível para me integrar na vida dele.

Eu o amava por isso.

Hoje, sendo o último dia do ano de 1988, eu apenas queria passar esse tempo assassinando estrelas com o meu irmão no alto da montanha Taebaek. Sempre íamos lá no verão, mas como dezembro fazia inverno, a paisagem era totalmente diferente da qual eu estava acostumado. Parecia mais bonita do que o normal.

Kyuhyun estava andando do meu lado, desbravando o caminho para que não escorregassemos e caissemos com tudo no chão duro e frio. Ele era bem mais alto que eu, então seguia um pouco mais a frente com passadas largas. Era difícil pra mim respirar mais rápido no inverno, já que tenho Asma, então eu não me importei de ficar um pouco mais pra trás. Mesmo que eu não estivesse esperando que de repente Kyuhyun parasse no meio do caminho, como se fosse normal.

Meu irmão se virou pra trás, esperando até que eu chegasse onde ele estava parado.

— O que aconteceu? — perguntei, sem entender nada.

— Não acha que devíamos ter ficado em casa? Quer dizer... papai disse que não se importava em ficar sozinho, mas agora estou me importando de ter deixado ele sozinho. — franzi o cenho, o que fez meus óculos deslizar pelo nariz.

Isso me incomodava demais pra falar a verdade. Eu queria comprar uma outra armação, mas não tínhamos dinheiro pra isso. Então eu só me contentava em ajeitar no rosto da maneira que ficasse melhor.

Ajeitei tudo certinho, e tentei focar a visão no meu irmão.

— Ele não está sozinho. A Tia Junghee está lá com ele. — Kyuhyun torceu os lábios.

— Não sei não, Dodo. Acho que devíamos voltar. — de repente fiquei triste.

Eu não queria voltar. Eu queria matar estrelas e ver como ficaria bonito os fogos soltados daqui da montanha. Eu queria comer o tteokkguk que havíamos trazido na mochila.

— Dodo, vamos, não fique triste. Não acha que devemos ficar com nosso pai? É o melhor a se fazer. — Kyuhyun era sempre a voz da razão.

— Mas hoje ainda não é Seollal. É só o último dia do ano. E eu queria soltar fogos aqui na montanha. — ele olhou pra mim, sem saber o que fazer.

Não entendia porque ele achava tão importante. Ninguém ligava tanto para esse ano novo, a única coisa de extraordinária era que eu ia passar de um jovem rapaz de 18 anos para um jovem rapaz de 19.

— Se você diz...— Kyuhyun deu de ombros.

— É sim. Por isso ele não ligou quando você disse que viríamos pra cá. E outra: a gente também pode ir no Altar Celestial fazer um pedido.— meu irmão sorriu, puxando-me para debaixo do abraço dele.

— Ai, ai Dodo. Você sempre querendo explorar o mundo, hein? Será o próximo Napoleão Bonaparte.— eu ri com o comentário.

— Ele não era francês? Devia ser fedido pra caramba.

— Mas naquela época todos eram fedidos. Igualzinho a você que não toma banho quando chega da aula. — olhei pra ele indignado.

— Eu tomo banho sim! — Kyuhyun sorriu pra mim.

— Vamos, Fedozinho. Vamos andando ou vamos acabar congelados aqui. — ele começou a dar passadas mais largas, comigo ainda debaixo de seu braço.

Eu gostava de andar com ele desse jeito porque parecia como antes: na época que tudo era fácil. Desde quando mamãe morreu, a vida não era mais a mesma. Papai parecia desligado do mundo e Kyuhyun, que sempre fora um aluno exemplar na faculdade, estava ficando para trás.

Acontece que meu irmão trabalhava agora, mais do que podia realmente se dedicar. Todo o tempo que ele precisava usar para estudar (ou até mesmo namorar) era usado em horas extras, bicos e empregos duplos, onde quer que ele conseguisse pegar. Essa mudança toda era algo que nenhum de nós sonhamos em acontecer.

— Dodo, quer ir até o topo da montanha? Será que você consegue? — ele não estava me perguntando por maldade, Kyuhyun estava preocupado com a minha asma.

— Consigo sim, apenas... vamos devagar. — eu disse, tranquilizando-o.

— Se você segurar a minha mão, eu consigo mandar ar pro seu pulmão telepaticamente. — eu sorri.

— Ai, Hyung. Não acredito mais nessas bobagens, eu já tenho-

— Blá, blá, blá. Não seja chato com seu Hyung. Finja que ainda é o meu Dodozinho como um bom dongsaeng.— revirei os olhos.

— Eu tenho 19 anos! — Kyuhyun me abraçou como um urso.

— Eu tenho 19 anos! — ele me imitou, com a voz grossa parecida com a minha.

— Cala a boca, Kyuhyun!

— Ei, moleque. Linguajar! — espremi os lábios descontente com tudo aquilo.

Kyuhyum riu, separando do meu abraço. Ele andava com uma elegância que eu nunca ia ter: pernas longas, corpo magro e esbelto, nada desengonçado como o monte de gordura que eu era.

Eu gostava de observar ele andar, porque ele era bonito. Bem mais bonito que eu, bem mais inteligente e bem mais prestativo. O máximo que esperavam de mim era me tornar como ele. O que pra mim não parecia uma ideia ruim, quer dizer, quem não quer ser como Kyuhyun?

Bem, ele não queria.

Sempre me disse que eu era a salvação da família, que eu era especial. Nunca soube o porquê, mas era o que ele me dizia sempre. Principalmente quando eu lhe mostrava meus roteiros de ficção científica. Kyunhyun adorava todos eles.

— Você acha que o próximo ano será diferente? — ele começou a falar de repente, com um tom sério.

Ainda estávamos caminhando para chegar no topo da montanha. Eu tinha bastante ar no pulmão, mesmo que parecesse impossível. Então estávamos a salvo por enquanto.

— O que quer dizer? — perguntei, estranhando sua seriedade.

— Você é quase um adulto agora, certo? — dei de ombros.

— Sempre fui meio velho. — Kyuhyun sorriu largo.

— Sim, Senhor Ranzinza, você sempre foi. — ele continuou andando sem prosseguir com o que estava falando antes.

Chegamos no topo mais rápido do que eu pude prever. Respirei fundo algumas vezes, porque por mais que ainda tinha ar em meus pulmões, eu ainda era bem sedentário.

Kyuhyun parou do meu lado, me passando a garrafa de água.

— É bonito. — meu irmão disse, olhando a vista das estrelas com atenção.

Deveria ser quase nove horas da noite. O ano novo ainda estava um pouco longe, mas já estava tudo valendo a pena. A vista realmente era linda daqui de cima.

Kyuhyun chegou perto do Altar Celestial, um lugar muito antigo, que eu havia estudado sobre há algum tempo atrás.

— É chamado de Altar Celestial por um motivo, sabia? — Kyuhyun me informou sem eu ao menos precisar perguntar. — Existe aqui desde a era Silla, onde os sacrifícios dos reis e os sacrifícios da nação foram mantidos. — ele olhou pra mim, estendendo a mão.

Peguei-a, sentindo seus dedos gelados.

— Dodo, tem que fazer um pedido difícil. Um pedido que exija tudo de si. Aí ele pode se realizar. — não disse nada pra ele, mas coloquei a mão na pedra mesmo assim.

Eu sou o garoto da ciência, não acredito em nada que foge do comum e do provável. Kyuhyun sempre foi o religioso da família. Mamãe até mesmo havia lhe acompanhado no templo budista uma ou outra vez, mas ele sempre ia sozinho. Toda vez que tínhamos conversas sobre isso, discutiamos. Mas hoje era ano novo e eu não queria discutir.

Então para não desapontá-lo, eu apenas fiz o que ele queria. E esperei até que ele rezasse.

— A flor da neve está em plena floração. — Kyuhyun disse, quando terminou a sua reza. — É bonita. Veja. — ele apontou para as árvores que cercavam a montanha, cheias de flores brancas como a neve.

Realmente eram bonitas. Na verdade, acho que nunca vi algo tão belo antes em tantos anos de vida. Mesmo que eu gostasse muito mais de observar estrelas, observar a natureza também não era de todo ruim. Era bonito como as paisagens se formavam. Sempre me fazia pensar na evolução do mundo para chegar até ali.

— Você sabe, não dá pra dizer quantos anos essa árvore tem. Isso pra mim é o mais fascinante das plantas. Todas elas, aqui nessa montanha, podem ter a minha idade. Ou podem ter milhões de anos. Isso não é incrível? — Kyuhyun me olhou, com um sorriso de lado.

— Sim, é. Sabe o que é mais incrível?

— O que? — perguntei, querendo mesmo saber.

— Que um pirralho que nem você seja tão inteligente. Onde é que está estudando, uh? Senhor Einstein.

Isso me fez rir alto.

— Hyung, você é um idiota. Isso a gente lê em qualquer livro de ciência. — meu irmão me puxou novamente para um abraço do jeito que só ele sabia me dar.

— E você então lê todos eles? Aigoo, meu garoto vai pra faculdade de medicina. Eu vejo isso. — de repente fiquei triste de novo.

Isso era o que todos eles esperavam pra mim: a faculdade de medicina. A medicina, que era um trabalho para nobres e para inteligentes. A medicina que era pra pessoas dedicadas, sabidas, ágeis e bem estruturadas. Alguém como se esperava que eu fosse. Mas alguém que eu nunca poderia ser.

Tentei disfarçar minha cara quando voltamos a se encarar.

— Certo, hyung. Talvez eu seja mesmo isso aí.

— Você é muito mais, meu irmãozinho. Você é brilhante. Será o próximo presidente da Coreia do Sul. — sorri novamente, dessa vez com sinceridade.

Eu não podia contrariar Kyunhyun nisso. Seria cruel. Ele estava trabalhando pra me dar a vida que ele não vai poder ter, então seria muito egoísta da minha parte falar que meu sonho não era passar noites e mais noites no hospital, fazendo cirurgias ou estudando um caso de doença que não consigo identificar. Meu sonho não era cuidar de pessoas a beira da morte.

Eu não queria ser um salvador, mas parece que isso era a única coisa pela qual eu era designado a seguir. Ou eu salvava a minha família da miséria, ou eu arriscava o mundo por um sonho besta.

Mas eu ainda não sabia qual lado escolher.

— Dodo, talvez devêssemos voltar para o carro. Está ficando mais frio, você vai precisar de cobertores para se esquentar.

Kyuhyun tinha razão, eu iria mesmo precisar de cobertores para não me atacar nada. Já era o ruim suficiente que eu estava aqui nessa montanha, mas eu simplesmente não consegui evitar. Eu adorava passar tempo com ele aqui.

Descemos do Altar Celestial, até onde havíamos deixado o carro. Mas assim que chegamos no lugar, comecei a ficar confuso. Não tinha apenas uma familiar picape vermelha coberta de neve, eram duas agora.

Havia mais alguém na montanha com a gente.

— Kyuhyun, e agora? Parece que tem gente aqui.

— Bem, não somos os únicos coreanos a gostar de fogos, né? Não podemos fazer nada. É um lugar público. Talvez será até divertido, quem sabe?

— Não quero passar o ano novo com alguém, quero que seja só a gente. Você me promete? Podemos deixar eles pra lá. — Kyuhyun riu, achando graça.

— Dodo, está agindo como uma criança. — dessa vez franzi o cenho, o que, novamente, fez o meu óculos cair.

— Não gosto de estranhos.

— Você está certo, no entanto. Não podemos dar tanta confiança a estranhos. — Kyuhyun olhou para mim, ainda sorrindo — Talvez você possa me contar uma história enquanto esperamos o ano virar. O que me diz? Pegamos os cobertores e deitamos na traseira da picape pra isso. — isso me fez sorrir.

— Gostei da ideia. — meu irmão sorriu de volta.

— Então vamos, pequeno gênio, não temos o ano todo.

Fizemos o que havíamos planejado.

Naquela noite, eu apenas senti que havia a minha estrela companheira do meu lado. Que ela nunca seria capaz de se apagar, até quando eu estivesse soltando outras estrelas mortas pelos meus dedos, girando com as velas de luz, ela continuaria ali. Sorrindo pra mim.

Naquela noite eu descobri o significado do que era se sentir brilhando no céu, no último minuto de 1988.

E aquela também foi a última vez que me senti assim na vida.

BAEKHYUN

Ano novo é uma merda.

Todo ano a minha família faz a mesma coisa, e parece que ninguém nunca aprende que não adianta quantas vezes o Jackson for preparar a lareira para assar os malditos marshmallows que Taeyoung tanto amava, ele ia se queimar em todas elas. E aí teríamos que ir de novo para o hospital — o que, óbvio —, resultaria em outro ano novo perdido na fila do trânsito da rua, com Jackson e sua mão queimada.

É uma merda porque já parecia ser a quinta vez que isso acontecia.

Então, claro que estava só eu, meu pai, e Taehyung (o segundo gêmeo) na picape que ia até a montanha Taebaek. Era a primeira vez que iríamos fazer algo desse tipo, então, sim, eu estava feliz com essa merda. Mais feliz do que eu queria admitir de verdade.

— Baekhyun, você trouxe a cesta com as comidas? — meu pai me perguntou, sem tirar os olhos da estrada.

Bem, sim, eu havia trazido. Mas deviam estar no carro da mamãe. E mamãe estava no hospital. Com o idiota do Jackson e sua mão queimada.

— Ficou no outro carro.

— Deus. Como pode esquecer? E seu irmão? O que vai comer? — torci os lábios para me segurar de falar o que eu queria dizer de verdade.

E o que eu tinha com isso? Foda-se. Eu não era responsável pelos gêmeos: eles eram. Mamãe, em primeiro lugar, não deveria tê-los separado. Ou leva um, ou deixa os dois.

Simples assim.

Mas parecia que apenas eu pensava um pouco nessa família. E isso era o que mais me irritava.

— Eu não "esqueci". Acontece que o seu filho idiota queimou a mão e mamãe foi correndo com o carro dela para o hospital. Era para todos irem juntos até aqui. — meu pai me lançou um olhar de repreensão.

— Linguajar! Ele é seu hyung.

— Eu não tenho irmão mais velho. Eu sou o mais velho. — ele estava pirado se achava que eu ia me sujeitar a isso.

Jackson não era meu irmão. Ele era um idiota. E por idiota, não quero dizer que ele era ruim comigo. Ele era apenas um tremendo idiota mesmo, vivia de festas na faculdade do exterior e usava todo o tipo de droga que o papai dele nunca poderia imaginar.

O garoto era um desastre. Assim como eu.

Bem, talvez tínhamos mais uma coisa em comum, no fim.

— Baekhyun... se vai bancar uma de difícil de novo, deveria ter ficado em casa. Não quero saber de brigas hoje. Você está me escutando? — "Não, seu velho desgraçado, eu não estou de escutando!", era o que eu queria dizer.

O que eu disse?

— Sim senhor. — é, eu sei. Patético. Eu me odiava cada dia mais por ser tão fraco.

Não conversamos mais até chegar no topo da montanha. Estava nevando, então devíamos dirigir devagar. Demorou um pouco para que finalmente chegássemos lá, mas acabou acontecendo. Quando desci do carro, foi que vi a surpresa que não estava esperando:

— Tem gente aqui. — eu disse, como se meu pai fosse realmente me ouvir.

Ele nem ao menos respondeu, apenas tratando de tirar Taehyung da cadeirinha sem que ele caísse de lá. Bufei, chutando a neve por debaixo do meu sapato. Não seria nada legal ter que dividir o espaço com outras pessoas. Na verdade, seria incrivelmente chato e entediante.

— Baekhyun! Venha ajudar, pare de pensar na morte da bezerra. — como se eu realmente estivesse!

Revirei os olhos novamente, apertando mais a minha jaqueta de couro. Estava realmente frio naquele lugar, daqueles que nunca senti antes. Era uma merda. O frio não me fazia muito bem, pois eu ficava facilmente gripado. Alguma merda de imunidade baixa que eu tinha, algo assim.

— Estou indo, cacete. — resmunguei baixo, sem que ele pudesse ouvir.

Caminhei até onde o idiota estava com o meu irmão mais novo e acabei percebendo uma coisa: Taehyung não estava com o casaco. Aquilo me irritou mais uma vez naquele dia. Como é que podiam ter deixado o casaco dele pra trás? Ele só tinha três anos. Precisava urgentemente de agasalho.

Tirei minha própria jaqueta, já salpicada de flocos de neve, e o embrulhei da melhor maneira que pude.

— Aish. — resmunguei, sentindo meu sangue ferver.

— Você também esqueceu o casaco dele, Baekhyun. Será que tem alguma coisa que sabe fazer? — nem me dei o trabalho de responder.

Apenas peguei a mãozinha de Taehyung e sai dali o mais rápido que pude.

Subimos parte da montanha sem olhar para trás. Meu pai provavelmente iria ligar para a mamãe e xingar ela por coisas que ele mesmo era o culpado. Do tipo dar mais educação ao filho idiota dele, e não estragar as festas dos outros.

Otário.

— Baekkie, você vai me levar pra ver a neve? — Taehyung, que até a agora estava quieto, tentou chamar a minha atenção puxando a minha mão.

Eu sorri com a pequena voz exigente. Ele era um carinha muito engraçado, um pouco mais parecido comigo do que o irmão. Se eu fosse me gabar, Taehyung era como um clone meu com mais inocência. E todo o tipo de esperança que eu não tinha mais, também estava presente naqueles olhinhos luminosos.

— Eu te levo pra onde você quiser, Taetae. Onde você quer ir com o Hyung? — Ele sorriu pra mim, com as bochechas gordinhas.

— Ver a neve, ver a neve! — sorri de volta.

— Então vamos! — ele bateu palminhas, voltando logo a segurar a minha mão para manter o equilíbrio.

Subimos até a montanha, com os pequenos passos de Taehyung me seguindo ao lado. Cada vez que eu me distanciava da bolha da minha família, eu me sentia melhor comigo mesmo. Era como se toda a falta de solução entre os meus pais pudesse fazer com que um caos de instaurasse. E de repente tudo era explosivo. Até mesmo eu, ou, principalmente eu.

As vezes, eu me sentia a beira do precipício.

A verdade era que o fim dessa década estava parecendo para mim como a chave do meu próprio futuro. Logo eu teria 19 anos, e não seria mais um garoto idiota. Eu teria que fazer faculdade, mas eu também teria que cuidar dos meus irmãos porque minha mãe não tinha capacidade pra isso. Éramos apenas nós quatro contra o mundo.

A coisa era: minha mãe, ao contrário de muitas outras mães solteiras, só tinha a mim como sua principal esperança. E esse era um peso que eu não estava acostumado a carregar. Na verdade, era o tipo de peso que eu renegava.

— Hyung, sobe! Sobe, sobe! — Taehyung me disse de repente, me fazendo tomar conta de onde estávamos.

Peguei-o em meu colo, e tentei alcançar o mais alto possível (mesmo eu medindo baixo pra cacete). Meu irmãozinho parecia feliz mesmo assim, como se pudesse de fato alcançar o céu quando esticava as mãozinhas pra cima.

Sorri observando ele fazer isso. Era o tipo de coisa que me causava felicidade, das raras vezes que eu a sentia. Quando não sentia felicidade também quando ouvia as minhas próprias playlists, ou como quando eu conseguia reproduzir qualquer som na minha guitarra. Era tudo pra mim. Era ali que eu me reencontrava.

— Taetae, será que você consegue pegar um floco de neve? — ele sorriu mais largo.

— Sim! Eu quero! — sorri novamente.

— Então abra bem as mãos. — ele fez como pedi, esticando o máximo que podia.

— Sabe... se conseguir pegar um, poderá fazer um pedido. — os olhos dele se arregalaram em surpresa.

— Verdade? — concordei com um aceno. — Eu quero então um biscoito infinito que não acabe nunca.

Eu ri de verdade, enquanto Taehyung tentava com todo o esforço do mundo pegar os flocos de neve.

De passagem, quase como se fossem fantasmas, vi dois garotos brincando do outro lado da montanha. Eu não tinha intenção de ficar espionando, mas assim que meus olhos bateram de relance, fiquei hipnotizado com a cena.

Não sei ao certo por que.

Eram dois rapazes, um bem alto e magro, e o outro mais baixinho e rechonchudo. O baixinho parecia irritado com tudo o que o outro falava, mas dava para ver que ambos se gostavam muito — não paravam de se abraçar. Isso fez alguma coisa acordar dentro de mim.

Normalmente, eu era solitário. Não me dava bem com a maioria das pessoas, e o único amigo que eu tinha no mundo, Chanyeol, não estava sempre comigo quanto antes. O ensino médio nos deu um efeito colateral muito ruim: a distância. Ela era o veneno que matava qualquer relacionamento. E estava matando o meu também.

— Hyung, hyung! Veja! Peguei um! — voltei a atenção para o meu irmão, com seu pequeno sorriso adornado nos lábios.

Ele estava extremamente feliz com a mãozinha cheia de neve. Acabei deixando a outra imagem de lado e me concentrei no meu irmãozinho. Na felicidade genuína que eu carregava em meus braços. Aquela era a única pra mim que valia mais do que qualquer preço que pudessem colocar.

— Agora você pode fazer um pedido, Taetae. O que vai ser? — ele sorriu mais largo.

— Se eu pegar dois, então o Hyung vai poder fazer um pedido também? — olhei bem pra ele, sem saber o que dizer.

Era a primeira vez que eu realmente queria fazer um pedido. Queria pedir que meus desejos se realizassem com todas as forças, mas sempre acabava me questionando no final: o que pedir, de fato?

— Eu vou pedir sim. Mas só se você pegar dois-

— Peguei, peguei! — ele exclamou alegremente.

Acabei entrando na brincadeira com ele.

— Então agora você tem que fechar as mãos, Taetae. — ele fechou com força, um pequeno punho redondo. Isso me fez sorrir — Agora, você fecha os olhos também.

Taehyung fez como o instruído, e apertou os olhinhos com o punho bem em frente a eles.

— Agora o hyung vai assoprar no 3, e aí você também assopra junto, tá? — ele abriu os olhos para confirmar com um aceno.

— Taetae, feche os olhos! — Taehyung os fechou novamente, apertando mais forte que antes.

Respirei fundo eu mesmo, antes de prosseguir. Eu sabia que era apenas uma brincadeira idiota, mas aquilo estava mexendo um pouco comigo. Talvez, no fundo, eu ainda fosse uma criança idiota com esperança de que o universo poderia me trazer uma mudança. Poderia me trazer um salvador para me resgatar do inferno em que eu estava vivendo.

Ou talvez fosse apenas esse o meu desejo.

Que alguém pudesse finalmente me fazer voltar a enxergar o meu próprio caminho no meio dessa confusão toda, no meio do caos.

Então, quando contei em voz alta, eu já sabia pelo o que desejar com sinceridade.

Eu só esperava que o universo fosse realmente parar pra me ouvir.