Quem sou eu?

Foi isso que a garota no espelho me perguntou naquela manhã de domingo da primeira semana de Maio, na qual eu completava 20 anos.

Os olhos marrons não me reconheciam, ela me olhava de cima á baixo, me encarava e perguntava:

“Quem é você?”.

E eu disse quem eu era, ergui a cabeça e pronunciei meu nome com orgulho. E ela riu.

“Veja que grande coincidência, temos o mesmo nome”.

Falei á ela que erámos a mesma pessoa. Ela quis saber o que eu fazia e como eu vivia. E eu lhe contei, e vi em seus olhos marrons a decepção estampada.

“O que aconteceu com a gente? E meus sonhos? Por que me deixou morrer?”

Tentei lhe explicar que eu tinha crescido e que não tinha tempo para sonhos. Mas ela se recusou a compreender. Não aceitava que eu tivesse gastado 7 anos de vida sem conquistar nenhuma de nossas aspirações. Horrorizada com o que via ela citou nossa lista dos desejos, 20 coisas para fazer antes dos vinte.

Então fui eu quem ri. Censurei por cobrar de mim as fantasias de uma menina, sim, eu disse que ela era uma menina. Uma coisa pequena e imatura que não sabia nada da vida. E com a petulância de meus treze anos, ela ergueu o queixo e me olhou em desafio.

“Está enganada. Não somos a mesma pessoa” – disse convicta – “Eu sou forte, você é fraca. Eu sou real e você um delírio”.

Contei sobre minhas cicatrizes, as que ela conhecia e as que só eu sabia existir. Contei sobre meus tombos, das mãos que se estenderam para me levantar e dos pés que me chutaram. Contei das lágrimas e dos sorrisos, das companhias inesperadas e dos dias de solidão. Falei á ela sobre novos sonhos e as poucas conquistas. Deixei que visse minha alma por que eu já conhecia a alma dela. Fiz com que chorasse por causa dos fracassos que compartilharia comigo. Despedacei o coração dela por que quanto mais é fragmentado, mais forte ele se reconstrói. E quanto mais rápido ela aprendesse isso menores as chances dela se tornar...

Eu.

Inesperadamente, acordei. E percebi que não posso retornar ao passado, não posso me mandar escolher ir para a direita quando fui para a esquerda. Não posso me impedir de sair quando devia ficar. Não posso dizer á meus EU do passado como viver. Não posso guia-los pelos caminhos que evitei trilhar por medo, por ter achado que o certo era seguir em frente sem olhar para trás. Sem reconsiderar. Sem questionar. Não posso dizer para elas que haverá um dia em que me perguntarei: E SE?

E se eu tivesse dito SIM quando todos gritavam não? E se eu tivesse dançado descalça debaixo da chuva enquanto todos olhavam para o céu, aborrecidos? E se eu tivesse aceitado os convites para cometer loucuras bobas? E se eu tivesse saído com todos aqueles que eu dispensei por não estar dentro de um padrão pré-definido? E se eu tivesse esperado um minuto antes de ir? E se eu tivesse chegado tarde demais? E se eu tivesse apenas não ido? Para onde eu teria ido depois? O que eu faria em seguida? Como? Quando? Por quê?

Eu não sei. Eu não fiz. Eu me deixei levar e não olhei para trás. Não me questionei sobre minhas escolhas e decisões. Não até aquela manhã de domingo da primeira semana de maio em que fiz 20 anos e me olhei no espelho e não me reconheci.

Quem Sou Eu?

Eu sou...

(Atualizado em Janeiro de 2021)

...e as vezes me pergunto, o que acontecerá quando eu me for...

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  • Entrou em 19 de mar. de 2014 18:34
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