Meus joelhos ficaram fracos e não aguentaram o peso do corpo, tombei no chão e comecei a chorar, as lágrimas quentes não paravam de descer do meu rosto, pingando em minha roupa. Eu sabia que não tinha mais volta para Caio, ele estava morto, o seu último suspiro fora o grito de agonia que nós ouvimos.

Há quanto tempo ele estaria ali sofrendo? Quem (ou o quê) teria feito aquilo com ele?

Olhei para Edward procurando inutilmente respostas para minhas perguntas escondidas na mente, ele estava horrorizado, os olhos tão azuis gélidos naquela cena terrível.

Queria que tudo fosse um pesadelo, queria acordar na minha cama a qualquer momento, aliviada ao perceber que estava apenas sonhando. Esperei para isso acontecer mas foi em vão, aquela era a realidade que me assombrava.

- O que faremos agora? - perguntou Edward, com uma voz rouca que eu quase não consegui escutar.

Eu não respondi, não encontrava a minha voz, apenas meneei para ele perceber que eu havia ouvido.

- Deixamos... ele aqui? - percebi a dificuldade de falar que Edward passava.

- O que podemos fazer? Carregar ele para todo o lugar que formos? - perguntei ainda presa naquela cena.

- Não gosto da idéia de deixar ele aqui... com os animais... - a voz de Edward foi sumindo até se tornar apenas assuntos na mente dele, me arrepiei ao pensar em Caio como banquete para aqueles bichos nojentos da floresta.

- Ficaremos aqui por enquanto, até pensar em um lugar - Edward continuou.

- Certo - eu disse, ainda tinhamos o resto do dia pela frente. Olhei para o sol alto no céu límpido, uma ironia com aquela tragédia que acontecera logo abaixo dele.

Não consegui me concentrar em nada, e, de qualquer maneira, eu não tinha nada para poder me ocupar, Edward me perguntara várias vezes no dia se não estava com fome, mas meu estômago estava uma bola que deixava dificil qualquer coisa entrar pela minha garganta. Eu chorei muitas outras vezes depois daquele momento, um sussurro baixo, impossivel de Edward ouvir.

Nós não trocamos uma palavra, não tinhamos nada para dizer, apenas ficamos sentados ali, tentando perceber o que acontecera, o que iria acontecer. A noite finalmente chegou, nos deixando rapidamente no escuro completo, os insetos noturnos logo começaram com seus barulhos irritantes, mas eu não prestava atenção, em instantes esqueci que eles estavam ali.

Eu não estava com sono, fiquei com os olhos bem abertos á noite toda, e deduzia que Edward também estava assim.

No meio da madrugada, ouvi um barulho estranho, naquela floresta silenciosa eu não sabia o que era minha imaginação e o que acontecia realmente, então fiquei em um estado de alerta e esperei, se passou um bom tempo e eu não escutei nada, comecei a relaxar o máximo que podia.

Os dias se seguiram e nós continuamos ali, no mesmo estado, depois do primeiro dia consegui começar a comer, o único barulho que havia era o farfalhar do saquinho de salgadinhos que comiamos, mas eu não esquecia daquela noite.

- Não podemos ficar aqui para sempre - Edward disse, tirando-me dos meus pensamentos.

- Eu sei, - disse, em uma voz rouca pela falta de uso - mas não imagino o que podemos fazer.

- Também não sei, - ele disse, olhando para o local em que estava o corpo de Caio, eu evitava olhar para lá - mas não vejo muito o que podemos fazer para ajudá-lo, se levarmos ele a algum lugar vai dar na mesma e...

- E se enterrarmos? - perguntei, uma idéia súbita na mente.

- Como? Não temos meio de cavarmos, nem há muitos lugares que não estejam cobertos pelas raizas das árvores.

- Enterramos ele aqui, usamos qualquer coisa para cavar... As mãos mesmo... Sei lá. É a melhor coisa a se fazer.

- Até que você tem razão... - disse Edward, começando a pensar na possibilidade - É, vamos fazer isso. Acho que é o melhor.

Iriamos começar naquela mesma tarde, porém logo começou a escurer novamente e decidimos adiar para o dia seguinte.

Aquela noite escutei o barulho de novo, agora um pouco mais alto e mais próximo, comecei a entrar em pânico e chamei Edward.

- O que foi? - disse ele, no escuro.

- Está ouvindo esse barulho? - sussurrei.

Ele ficou mais quieto que eu, tentando ouvir alguma coisa, depois de alguns instantes o barulho recomeçou.

- O que é isso? - sussurrou tão baixo que me esforcei para entender.

- Não faço a minima idéia... - eu disse.

Ouvi um farfalhar de folhas ao meu lado, Edward estava se levantando.

- O que você vai fazer? - falei, um pouco mais alto.

- Descobrir o que é isso.

- Ficou louco? - agora eu me levantei - Nesse escuro você não vai ver nada! E se for o que matou Caio?

Percebi que Edward hesitou, ficou parado um tempo.

- Mas vamos ficar parados aqui esperando aquilo atacar?

Fiquei em silêncio, não sabia o que fazer, o barulho continuava, cada vez mais perto de nós.

- Vem comigo - disse Edward, e tateou em busca de minha mão na escuridão.

- Onde vamos?

- Para longe daqui.

Eu queria contradizer, não queria deixar Caio ali, mas Edward tinha razão. Então o segui sem argumento.

Estava de madrugada quando fugimos, então não enxergamos nada no caminho todo, o luar trazia uma pequena luz, mas não muito para indicar aonde estávamos. Tropecei nas pedras escondidas milhares de vezes, não queria ver o estado que meus joelhos ficariam, sujos e machucados. Toda as vezes Edward me puxava de volta para não perdermos tempo, e, para meu maior constrangimento, Edward nem tinha escorregado durante o trageto inteiro.

O céu foi ficando em um tom alaranjado aos poucos, afastando os vestígios da noite depois de muito tempo com nós caminhando, foi quando finalmente paramos para descançar.

- Você faz alguma idéia de onde estamos? - Edward me perguntou.

- Nenhuma, acho que estamos ainda mais no meio da floresta - disse.

- É... Será que os barulhos de noite eram mesmo de algum animal?

- Provavelmente - disse, não querendo me lembrar.

- Hum... - disse ele, parecendo desapontado.

- O que foi?

- Nada... É que... Eu tinha esperança que fosse algum sobrevivente... - disse ele, olhando para o chão em que estavamos sentados.

- Oh, é verdade... Podia ser. Mas não podiamos correr o risco - eu disse, também um pouco triste.

- Mas... Se fosse alguem... Eles podem nos achar de novo, não é? - ele olhou para mim, com os olhos azuis querendo um apoio na sua pequena esperança.

- Claro - disse, sabia que apenas aquilo já o ajudaria.

Edward não falou mais nada, apenas ficou olhando para a floresta verde-vivo, perdido em pensamentos, aquele olhar dele me entristecia, eu nunca achara ele frágil (e ele não era), mas agora parecia uma pequena criança sem saber o que fazer. Eu queria confortá-lo dizendo que tudo ficaria bem, mas como podia afirmar uma coisa que não acreditava?

- Espero que isso seja verdade, - disse ele, quebrando o silêncio de repente - quer dizer, espero que alguem esteja perdido como a gente.

Um arrepio percorreu minha espinha.

- Também espero - disse, a voz um pouco fraca por causa das lágrimas que insistiam em vir.

Ficamos assim um bom tempo, os dois sentados, quietos na grama. Uma pequena borboleta amarela veio pousar na minha perna, se estivesse em outra situação, eu iria afastá-la no mesmo momento, mas agora eu estava começando a me simpatizar com alguns pequenos bichinhos, por isso fiquei observando ela mexer as asinhas, preparando para voar novamente. Queria ser como ela, poder voar para longe dali a hora que quisesse.

Edward se levantou instantes depois.

- O que foi? - perguntei.

- A gente tem que voltar lá - ele disse, e vendo que eu não entendia nada, continuou, revirando os olhos. - Temos que enterrar o corpo de Caio, esqueceu?

Ali estava o Edward que eu conhecia de novo, engraçado nas horas erradas e nem um pouco frágil.

- É claro - eu disse, ele pegou minha mão, me ajudando a levantar.

Começamos a andar pelo caminho que achávamos que haviamos vindo, mas eu não sabia para que lado tínhamos de ir, estava muito escuro na noite anterior para eu poder lembrar de algo da paisagem, esperava que Edward soubesse o caminho.

Em alguns minutos, comecei a perceber a mesmice do lugar.

- A gente já não passou por aqui? - perguntei.

- Como?

- Eu acho que lembro dessa árvore...

- Não é por causa da noite passada? - perguntou Edward, percebi a irritação na sua voz.

- Eu não consegui ver nada ontem - disse, olhando para ele.

- Não acredito... - disse ele começando a olhar as árvores também - Estamos andando em circulos!

- Acho melhor voltarmos para o lugar em que estávamos... - disse, tentando amenizar a raiva dele.

- Vai dar na mesma! Não vamos achar nenhum lugar! - gritou - Estamos mais perdidos ainda!

Ele chutou uma das árvores próxinas, tirando alguns centimetros da madeira.

- Não acredito... - ele repetiu, esfregando os olhos, uma atitude tipica dele quando estava bravo.

Eu não sabia o que dizer, reconhecia que não tinhamos como nada, só podia agradecer por não deixarmos a água e a comida aonde haviamos ficado.

Água... Aonde ficava aquele pequeno riacho que tinhamos achado? E se não encontrassemos mais ele, nem nenhum outro? E se os matimentos acabassem? Como faríamos para sobreviver?

Edward sentou na grama, sabiamos que não tinha por que ficarmos andando, sentei ao lado dele.

- O que faremos agora? - percebi que aquela frase começara a ser rotineira.

Edward deu de ombros, olhando o vazio.

- Andamos, procurando um lugar para ficarmos, ou que pelo menos tenha água - ele também já tinha pensado naquele problema, o que era de se esperar.

- Isso... É só o que podemos fazer - disse, aquela situação de não conseguir fazer mais nada começava a me irritar.

Ele se levantou e olhou para mim.

- Nós vamos sair daqui, e os outros também - ele disse.

Minha boca se abriu mas eu não falei nada, minha voz ficara sufocada pelas lágrimas que turvaram minha visão, agarrei meus joelhos e escondi meu rosto neles, não queria que Edward percebesse que eu estava chorando de novo, mas de nada adiantou, pois os soluços logo vieram altos demais para serem ignorados.

Agora ele vai perguntar por que estou chorando e me achar uma boba pela causa, pensei. Mas ele não disse uma palavra, ouvi-o sentando ao meu lado, no mesmo instante senti os braços dele ao meu redor.

Meu coração palpitou descompassado depois disso, comecei a sentir meu rosto queimando (sorte ele não poder ver). Ele começou a acariciar meu braço, eu sabia que ele fazia isso para me acalmar, mas será que ele não percebia que assim eu só ficava mais nervosa?

Desconfortável com o que aquilo despertava em mim, me levantei repentinamente, enxugando as lágrimas de meus olhos e tentando parecer mais madura do que como sentia. Olhei para Edward, ele ficara surpreso com minha reação, mas havia algo mais naquela expressão... Parecia decepção.

- O que foi? - perguntei, minha voz um pouco rouca pelo choro anterior.

- Nada. - ele disse, se levantando também, e lançou um sorriso que faria qualquer um esquecer a razão de tudo á sua volta, inclusive eu. - Vamos continuar nossa caminhada?

- Acho que não tem porque continuarmos aqui. - disse, suspirando com aquele labirinto em que nos encontrávamos. - Mas exatamente para onde vamos?

Edward pensar um instante, olhando as várias passagens verdes, quando de repente ficou sério.

- Por ali. - disse ele, apontando um dos muitos caminhos que as árvores ofereciam.

Decidi não questionar a certeza dele, mesmo estranhando-a de certa forma, por mim qualquer caminho era válido naquela floresta esquecida.

Começamos a ir pelo caminho indicado, eu já me acostumava com a vegetação abundante do lugar, de modo que as plantas não me pinicavam mais, e as sombras já não me apresentavam tanto perigo. Fiquei feliz com a sensação, nunca havia pensado que iria mudar de idéia sobre a natureza em uma expêriencia inesperada como aquela.

Edward andava na frente, como que guiando o caminho (como sempre fazia), suas mãos afastavam as folhas que insistiam em ficar no caminho para mim, e seus pés tiravam as raizes que poderiam me fazer tropeçar, eu me sentia uma criança com aquelas atitudes, mas reconhecia que aquilo me ajudava muito.

Entramos em outra das várias clareiras que ali existiam, quando comecei a escutar um barulho diferente dos pequenos insetos que se escondiam entre as folhagens.

- Edward, o que é isso? - perguntei, parando no mesmo instante.

- Parecem gemidos... Deve estar perto - disse ele, de repente com uma grande agitação na voz.

Corri atrás dele tentando acompanhar seus passos que pareciam voar pelo chão de terra, meu peito arfava e uma dor insistente começou a me incomodar, fazendo-me diminuir o ritmo, mas não o bastante para perder Edward de vista.