Undyne estava na beira de um penhasco; uma de suas pernas balançando tranquilamente sob o precipício enquanto a outra servia como apoio para primeira. Ao seu lado uma imensa queda d’água era constante e suave como seus movimentos com a mão para limpar sua lança recentemente utilizada.

O som pacífico da cachoeira misturado ao barulhento metal de sua arma e armadura em atrito eram repetidos harmonicamente pelas diversas Echo Flowers que a rodeavam. Essa bela combinação de sons fazia-a se sentir muito mais satisfeita com o trabalho bem feito do que a barulhenta e animada multidão que a enchia de aplausos e elogios. Em sua opinião, para que a melodia se tornasse perfeita bastava que continuasse a ouvir o gotejar de sangue de mais outro humano caído. Mas esse já se foi há tempos, perdido entre gritos de monstros que louvavam a heroína enquanto ela carregava o pequeno corpo sem vida até o Rei, o frágil cadáver carregado arrogantemente sobre seu ombro com a lança empalando os pulmões vazios.

O último humano havia sido realmente diferente dos demais que encontrou e confrontou – se é que podia chamar aquilo de confronto, era muito mais como um caçador atrás de uma presa indefesa. Se não fosse pelo treinamento intensivo e sua forte determinação, essa última criança poderia de fato tê-la matado e, depois disso, quantos outros pudesse antes de ser detida. Os monstros não precisavam desse tipo de desesperança para afastar o ainda tão longe sonho de serem livres, então se orgulhava da mais recente alma adquirida, conquistada com poucas baixas no processo.

Estendeu a arma de metal até a água e banhou a lâmina e o cabo, umedecendo o sangue seco difícil de limpar. O olho amarelo, momentos antes ainda pertencente a um par, observava como o líquido vermelho se destacava em contraste com a água cristalina. A beleza mórbida da visão realmente a fascinava, mesmo que esse tipo de pensamento fosse imensamente desaprovado por Asgore. Uma das muitas coisas que não compartilhavam, mas que não estreitavam o forte laço de mestre e aluna que só se fortalecia com os anos.

A lança, agora devidamente limpa e seca, tinha seu merecido descanso após a árdua batalha. Undyne continuava a observar seus arredores: não haviam aglomerados de poeira espalhados pelo lugar; não haviam choros de luto e medo contidos nem gritos de desespero implorando por misericórdia em seus momentos finais sendo repetidos pelas flores luminescentes. Havia apenas o som da água, da calmaria que sempre deveria haver em Waterfall. Isso tudo se devia a ela e sua orgulhosa ferramenta de trabalho, mas apreciar esse pequeno momento era a maior recompensa que poderia querer.

Por mais que que lutasse para quebrar a barreira e reconquistar sua há tanto tomada liberdade, Undyne se questionava se a superfície poderia lhe presentear com uma beleza maior do que essa. A abrangência de um oceano de verdade poderia mesmo ser comparada com o horizonte que agora lhe agraciava, ou essa era só mais uma das muitas histórias que Gerson enchia sua cabeça infantil?

Mesmo que se indagasse frequentemente com o assunto, ela não se importava de verdade com isso – ao menos não deixava que a incomodasse a maior parte do tempo. O que importava para Undyne era que havia mais uma vez protegido e preservado essa beleza, e continuaria fazendo muito depois da sétima alma ser recolhida. Apenas lamentava que graças a criança impertinente agora possuía apenas um de seus olhos para admirar os lagos e suas cachoeiras, vendo apenas metade do brilho que as “estrelas” refletiam nos mesmos.

Undyne era atroz e impetuosa, seu coração ardia com o fervor da batalha que seu corpo exigia todos os dias. Mas por esse lugar, entre todos os outros que poderia imaginar, era onde mais desejava estar. Seus pulmões precisavam do ar úmido das cavernas, seus ouvidos amavam o interminável som da água fluindo e repetidamente ecoando pelas flores, seu olho se cegava com o resplandecente brilho das estrelas tão próximas, as mesmas demarcando o limite que poderia chegar.

Por Waterfall, e para que todos os outros monstros pudessem sentir da mesma forma que ela, lutaria até o dia de sua morte. E Undyne morreria de bom grado sabendo que protegeu seu pequeno pedaço do paraíso e que seus restos para sempre descansariam ali.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.