love.

Chapter 33: Don't Look Back In Anger


♫ Slip inside the eye of your mind
Don't you know you might find
A better place to play
You said that you'd never been
But all the things that you've seen
Will slowly fade away ♪

Perguntaram à um santo o que significava a raiva. Ele respondeu que era um castigo que dávamos a nós mesmos pelo erro de outra pessoa.

— Mônica. Jun26

[...♥...]

A informação não pareceu ter feito sentido algum na cabeça de Cascão. Ele, com diabates? Por quê? E como? Ele encarou os pais esperando que dissessem que era alguma brincadeira, mas os dois continuaram com um olhar triste. Magali e Cebola que não tinham falado nada até aquele momento, também pareceram transtornados.

— Diabates? – o sujinho repetiu.

Lurdes confirmou com a cabeça, apertando com mais força suas mãos.

— Isso é uma brincadeira, certo? – Cascão sorriu. Não iria cair nessa. – Olha mãe, apesar de eu já estar um pouco crescidinho pra essas coisas, não tem necessidade de inventar uma bobagem dessas só pra eu começar a comer verduras, ok?

— Sua mãe não está inventando nada, filho – disse seu pai sentando do outro lado da cama. – Os exames confirmaram. Você está com baixa glicose no seu sangue...

A comilona levou a mão a boca, e arregalou os olhos.

— Todos nós nos assustamos – continuou Lurdes. – Afinal você sempre foi um garoto forte, saudável, não conseguimos entender por quê.

— Até que... pelos exames, eles nos mostrou que você está com uma quantidade muito notável de álcool no seu organismo. Isso pode ter contribuído pra o inicio da doença.

— Que...? Mas... c-como...? – Cascão não sabia o que dizer. Nem o que perguntar. De fato aquilo não estava mais com cara de brincadeira. Seus pais estavam sérios de um jeito que nunca tinha visto antes.

No canto do quarto, Magali e Cebola continuavam congelados.

Quando se deu conta, o sujinho já estava em pé berrando com os pais. Mesmo sentindo dores em diferentes partes do seu corpo por ter sido atropelado, não fazia nem dois dias, isso era o que menos importava. Ele não podia aceitar uma realidade tão cruel como aquela.

Lurdes e Antenor tentaram acalmar o filho, até Cebola, que por um momento voltou a terra, foi ajudar. Cascão chorava, negando e dizendo que aquilo tinha que ser um erro, que o médico poderia ter se enganado, mas no fundo sabia que não ia adiantar contradizer. Magali tentou ser forte, tentando impedir seu próprio o choro mas não foi possível. Continuou quieta, encostada na parede assistindo seu melhor amigo se debulhar em lágrimas no chão, sendo abraçando pela mãe e pelo pai com uma criança de cinco anos.

[...♥...]

Passado se três dias, a noticia do atropelamento de Cascão foi um dos assuntos mais comentados nos corredores do colégio. Ele não estava presente em nenhum dos dias, e Cebola foi obrigado a explicar para os outros colegas, o motivo pelo qual ele provavelmente não iria voltar a escola por um tempo. Seu acidente não era a única razão.

Magali contou a Marina logo que chegou em casa depois daquela noite em que descobriram das diabetes, ela por sua vez ficou chocada e quis visita-lo no mesmo dia, mas a comilona disse que ele precisava ficar sozinho.

A morena sabia que Mônica queria e provavelmente iria visita-lo no dia seguinte assim que soubesse da noticia na escola, portanto decidiu dar um tempo até ir até a casa dele.

Cascão não queria conversar com ninguém, muito menos ver ninguém. Só que nem Cebola e nem Magali queriam deixa-lo sozinho em nenhum momento. Ambos iam para sua casa e cada um ficava em um canto diferente do quarto, curtindo o silêncio até dar a hora de irem para casa.

Naquela tardinha de quinta-feira não foi diferente. Cascão estava deitado na cama, olhando para o teto, com os olhos vermelhos, mas sem chorar. Cebola e Magali não tinham arredado o pé do quarto desde que chegaram, só se ausentavam alguns minutos para irem ao banheiro. Estava tudo em silêncio, nenhum dos dois se atreveu a dizer nada até que Cascão desse sinal de que queria ouvir a voz deles.

Vez ou outra, Magali e Cebola se encaravam por poucos segundos, e o careca já não demonstrava mais indiferença a comilona. Havia coisas mais importantes do que uma traição. A comilona evitava olhar para Cascão por muito tempo, pois sua garganta arranhava só de ver o estado inconsolável que o amigo se encontrava.

Já estava escuro, os três amigos ficaram tanto tempo em silêncio, cada um com seus pensamentos, que mal prestaram atenção nisso, até ouvirem alguma coisa vibrar no bolso de Cebola.

— É a minha mãe – murmurou, desligando a tela e enfiando de volta no bolso. – Quer eu passe em casa...

Ele se levantou da cadeira giratória de Cascão e caminhou lentamente até a cama do amigo, procurando ser cuidadoso na hora de chama-lo.

— Ahm... eu vou ver o que ela quer e volto... tudo bem?

Cascão não respondeu, apenas assentiu com a cabeça em um movimento rápido.

— Bem, então vou nessa... Magali – o careca virou o corpo para ela e a garota tirou os olhos da janela para olha-lo – qualquer coisa me liga.

Assim como Cascão, ela também fez um breve aceno com a cabeça e ele saiu do quarto. O ambiente foi tomado mais uma vez pelo silêncio demorado, fazendo até com que o barulho dos grilos afora se tornassem altos.

— Me diz que isso é um pesadelo, Magali – disse Cascão, rouco em um tom levemente baixo.

A morena olhou para ele na mesma hora, e suspirou profundamente depois de ter analisado a frase. Era a primeira vez em dois dias que ela ouvia a voz do amigo. Tudo que ele fazia apenas era confirmar, ou negar com a cabeça nas poucas vezes de comunicação que tiveram.

— Queria poder – ela abriu um sorriso de consolo, mesmo que ele não pudesse ver, no meio daquele escuro. Ninguém se animou em acender a luz do quarto.

— Eu também – respondeu ele, sem tirar os olhos do teto.

Aquela curta conversa fez Magali perceber que agora ela tinha permissão para poder se aproximar dele.

Foi o que fez. Se afastou da janela, onde tinha ficado encostada por um longo tempo, e sentou na cama. No escuro mesmo, conseguiu ver que ele tinha deixado escapar uma lágrima solitária, e ela tratou de enxuga-la rapidamente com seu polegar. Cascão odiava chorar na frente de quem quer que fosse, porém Magali já tinha o visto fazer isso inúmeras vezes. Era como se pra ela, ele não precisasse fingir ser forte o tempo todo.

— Ainda não caiu a ficha... – ele sussurrou, fechando os olhos. Provavelmente para evitar que mais lágrimas tornassem a descer. – Não merecia isso, sinceramente.

— Não, claro não. Ninguém merece isso, Cas... ninguém.

— Então por quê? Por que comigo, Magali? – ele a encarou no escuro, desesperado por uma resposta.

— Eu não sei – disse, sentindo sua garganta arranhar. – O que eu sei é que você precisa ser forte. Agora mais do que nunca.

— Eu não tenho condições de pensar em ser forte agora. Você não ouviu o que eles disseram?

— Eu ouvi exatamente o que seus pais disseram, Cascão – disse Magali, agora com uma voz mais firme. – E também ouvi quando eles disseram que você não está sozinho. Todos nós vamos enfrentar isso juntos e...

— Meu deus, Magali! Você não vê? – Cascão se sentou bruscamente na cama. – Meu futuro inteiro está condenado! Inteiro! Nunca mais vou poder ser o mesmo depois disso!

— Cas, não é assim... tem muita gente que consegue viver normalmente com essa doença...

— Normalmente? – Cascão riu com deboche, em seguida aumentou o tom da voz. – Normalmente, você disse? Eu tenho diabetes, Magali! Tem doença pior que essa?!

— Qualquer doença é horrível! Mas não adianta ficar se lamentando pelo resto da vida, Cascão... você ainda é muito jovem pra...

— Jovem... é eu sou jovem. Exatamente por isso que não devia estar passando por um pesadelo desses! O que você espera que eu faça? Coloque um sorriso no rosto e aceite?

— É, é isso sim – disse séria. – Quero que você passe por cima disso como você sempre fez em qualquer outra dificuldade.

— As “outras dificuldades” nunca interferiram na minha saúde!

— Mas infelizmente essa irá! – disse Magali no mesmo tom, se arrependendo em seguida, ao ver a expressão dele. – Desculpa... desculpa. Cas, eu sei que tá sendo difícil de aceitar. Se eu pudesse trocar de lugar com você, não tenha duvida que eu faria sem pensar duas vezes. Mas a realidade agora é essa. Você precisa ser forte... não pode ficar aqui pra sempre vendo a vida passar lá fora. Seus amigos estão preocupados com você, desde que souberam do acidente, todo dia perguntam se está melhor, quando vai voltar...

Cascão baixou o olhar, e suspirou pesadamente.

— Eu não quero voltar... não quero ter que encarar todo mundo assim.

— Então você não é o Cascão que eu conheço. O Cascão que eu conheço se levanta independente da situação, encara as coisas de frente, e não tem medo de nada que as outras pessoas podem achar ou pensar. Uma das coisas que você e a Mônica possuem, e eu que eu admiro bastante ... – disse ela sorrindo.

— Pois o Cascão que conhecia morreu.

— Não, ele não morreu. Ele continua aqui, na minha frente. Vivo. E pronto pra passar por mais essa!

— Não... definitivamente não está... – Cascão voltou a chorar em silêncio. Magali o abraçou no mesmo instante.

— Cascão...

— Eu não vou conseguir, Magali... eu não...vou.

A comilona não sabia o que fazer. Estava tão triste quanto ele, e queria ajuda-lo de alguma forma, amenizar a sua dor, acalma-lo dizendo que ia ficar tudo bem, mas sabia que nada que dissesse iria mudar a trágica realidade que Cascão agora vivia. Estava doente e por mais que Magali o tentasse convencer que precisava ser forte, nem ela tinha tanta certeza que seria fácil.

Abraçava o sujinho, agora, também chorando. Não aguentava ver seu amigo daquele jeito e passou a compartilhar a sua tristeza como se fosse dela também.

— Cas, olha pra mim – ela se afastou, e enxugou as próprias lágrimas. – Como eu disse antes, você não precisa passar por isso sozinho. Seus pais estão aqui, seus amigos e... – Magali pausou um momento, hesitando se deveria continuar, mas prosseguiu depois de um longo suspiro – e... e eu também.

Cascão encarou a comilona ainda com os olhos encharcados.

— Você tem a mim.

Antes que o sujinho abrisse a boca pra perguntar de que forma ele tinha a ela, a morena deu continuidade.

— Talvez você tenha razão... – sussurrou. – Talvez... a gente nunca saiba se não tentarmos.

Cascão não estava entendendo direito. Na verdade ele estava, só que parecia ser tão surreal quanto a noticia de que tinha diabetes.

— Eu... – Magali apertou os olhos – eu aceito namorar com você, Cascão.

O sujinho engoliu em seco, sentindo suas mãos gelarem e seu coração disparar. É verdade que ele tinha dado um tempo para Magali pensar em sua proposta, mas não imaginaria que fosse ser tão rápido e muito menos que ela fosse chegar a aceitar realmente.

De repente, algo surgiu em sua cabeça, fazendo com que ele estremecesse os lábios e afastasse as mãos de perto dela.

— Magali, se você... se você está fazendo isso por pena, eu não...

— Pena? – ela fanziu o cenho. – Como assim?

— Dois dias atrás quando eu te fiz essa proposta, você me pareceu bem decidida. Agora que eu descobri que tenho uma doença, você aceita?

— Cascão, não fala besteira... eu não estou fazendo isso por pena de você...

— Então por que é? – perguntou ele, sério. – Fala a verdade, Magali... não precisa mentir pra mim. Eu sei do medo que você tem em colocar nossa amizade em risco, sei que tá fazendo isso pra eu que me sinta melhor, mas eu não preciso que você...

O resto das palavras de Cascão ficaram no ar, pois Magali avançou até ele, colocando as duas mãos em seu rosto e pressionando seus lábios nos dele. Cascão estava tão surpreso que nem conseguiu fechar os olhos.

Magali não sabia o que estava fazendo. Foi a primeira coisa que lhe passou pela cabeça. Queria que Cascão acreditasse nela. Mesmo tendo consciência de que tomando tal decisão, não afetaria só a amizade deles, mas com certeza a dela com muitas outras pessoas.

Ela se afastou e abriu um sorriso fraco.

— Acredita em mim agora? – disse Magali, e engoliu em seco. Deu graças a deus por estarem no escuro, assim ele não podia ver a sua expressão de vergonha, medo e uma certa culpa.

— Acho que... sou obrigado a dizer que sim – respondeu sorrindo.

Sem dar tempo de Magali dizer mais nada, foi a vez dele de tomar partido. Puxou a morena pela nunca e a beijou.

O beijo anterior tinha sido calmo por ter sido inciado por ela, porém agora que ele tinha tomado iniciativa, passou a ser incrivelmente mais intenso, mostrando que Cascão estava esperando por isso há meses. Magali não conseguia para-lo, pois de uma forma ou de outra, se sentiu envolvida. Ao mesmo tempo era estranho, sentia que estava beijando um irmão.

Os pensamentos preocupantes da morena evaporam no ar, quando sentiu Cascão passar a mão por sua cintura e trazer seu corpo para o dele. Já respiravam ofegantes, pois o ar que dividiam era muito pouco, mas nem isso fez com que o moreno quisesse se afastar da garota. Cascão desceu os beijos para o pescoço, e ela sentiu o ar quente dele passar pela sua nuca, gerando-lhe uma onda de arrepios. E esse foi momento em que Magali involuntariamente se afastou dele. A unica pessoa que tinha tido contato com aquela área de seu corpo foi um garoto apenas.

Do Contra.

Magali viu Cascão a encarar com uma certa confusão no olhar, mas sem dar tempo que ele perguntasse o motivo da pausa, sorriu constrangida.

— Promete que vai pensar no que eu disse? Promete que vai deixar a gente te ajudar?

— Prometo... – disse ele suspirando, sorrindo também. – E você tem certeza de que...

— Tenho – disse Magali depressa. – Sei que vai ser estranho no começo... mas... eu tenho certeza sim.

Cascão se aproximou novamente, e Magali pensou que ele fosse beija-la outra vez, mas ele a abraçou. Um abraço muito mais intimo, qual eles nunca tinham dado na vida. A morena não sabia se estava fazendo o certo, talvez fosse outra decisão absurda, outra decisão que deixasse feridas. Não só neles, mas em outras pessoas também. Seu pensamento foi diretamente para Do Contra

Magali não sabia como o moreno ia reagir. Eles tinham passado por tanta coisa, ela tinha sofrido tanto por ele, que agora que estavam a poucos passos de viver como um casal normal, depois que dessem tempo suficiente para Mônica esquecer, acabara de aceitar o pedido de namoro de Cascão.

Sabia que não estava pensando com logica. Sabia também que tinha sido um impulso, um ato desesperado pra diminuir o pouco que fosse a dor que seu amigo estava sentindo. Mas agora tinha feito... eles já tinham se beijado, ela já tinha aceitado, e já podia ver o brilho nos olhos de Cascão. Um brilho que ela não tinha coragem de desfazer.

[...♥...]

Você o que?!— Marina berrou

Magali balançou a cabeça, olhando para as mãos, unidas em seu colo.

— Como assim namorando o Cascão?! Você enlouqueceu?!

— Mais alto Marina, acho que ainda não te escutaram do outro lado da rua!

A desenhista estava no quarto da comilona naquele momento. Magali tinha acabado de contar o que aconteceu horas atrás com o sujinho, e a amiga não parecia nem um pouco feliz, como ela já tinha imaginado.

— Quer por favor, me explicar essa história direito? – pediu Marina à sua frente.

— Eu agi por impulso! Já me arrependi, ok?

— Se você se arrependeu, então por que disse que está namorando com ele? – perguntou ela, mas Magali fez silêncio, voltando a encarar suas mãos. – Você disse a ele que mudou de ideia, não disse?

E mais uma vez Magali não pôde responder. Sentia uma queimação por dentro, um misto de vergonha e culpa.

— Responde Magali!

— E-eu não tive coragem de contar!

— Como não?

— Como eu ia aceitar o pedido dele, e no segundo seguinte, dizer que não?

— Sei lá, dissesse que pensou melhor, qualquer coisa! Mas você não pode adiar isso Magali. Não pode!

— Eu... eu acho que não sei se vou... dizer a ele que... mudei de ideia.

— Que? – Marina franziu a testa, querendo rir. – Vai me dizer agora que vocês vão namorar de verdade? É isso?

Magali hesitou em responder, mas em seguida assentiu.

— Eu não acredito... – Marina balançou a cabeça, incrédula. – Eu não acredito nisso.

— Marina, o Cascão está mal – disse ela, como se pedisse compreensão. – Ele precisa de mim agora... e é dessa maneira que ele me aceita melhor. Eu preciso ajudar ele a voltar a se levantar.

— Acontece que você não é a Madre Teresa, Magali. O Cascão já é grande o suficiente pra lidar com esse problema sem você! É claro que todo mundo vai querer ficar perto dele pra ajudar, você não é a única, só que quem tem que deixar isso é ele!

— Eu sei...

— Aceitar namorar com o Cascão foi a pior decisão que você já tomou esse ano, e olha que não foram poucas – disse Marina, ela viu que Magali ia retrucar e acrescentou depressa. – Não adianta dizer nada, você sabe que é verdade. Eu posso passar horas te dando conselhos, mas você nunca vai me ouvir! Se você não for conversar com ele logo, quanto mais demorar, pior vai ficar... a mesma coisa aconteceu quando você escondeu da Mônica seu caso com o DC.

A comilona não disse nada quando ouviu Marina mencionar o nome do moreno. Seu coração apertou, mas aí lembrou-se da tristeza de Cascão, lembrou o quão feliz ele tinha ficado quando ela aceitou o seu pedido, e o quão destruído ele iria ficar se ela voltasse atrás. Pouco importava seus sentimentos agora.

— Eu já fiz e está feito, Marina... já tomei minha decisão – ela disse, sua voz agora cortando. – Vou continuar o namoro com ele... e... e quando eu tiver certeza que ele está recuperado...

— Termina? – perguntou a desenhista com indiferença. – E se ele se apegar a você? Se realmente se apaixonar? Você vai terminar, ele vai sofrer, você vai mudar de ideia, e vão ficar juntos pra sempre? Você infeliz, e ele ao lado de uma pessoa que não sente o mesmo?

— P-pode ser que não seja assim... – disse Magali tentando não demonstrar seu medo, afinal ela sabia que todas aquelas coisas eram sim, possíveis. – P-pode ser que eu acabe me apaixonando pelo Cascão, sabe... tem vários casos que...

— Nem você mesmo acredita nas coisas que você tá dizendo, Magali! – disse Marina, jogando os braços pra cima. – Mas vamos fingir por um momento que venha acontecer. E o DC? Esqueceu dele?

Não. Magali não tinha esquecido dele. Na verdade, era uma das coisas em que mais pensava desde que saiu da casa de Cascão.

Ela negou com a cabeça, em resposta.

— E então? Como você acha que ele vai se sentir quando descobrir que você aceitou namorar com o Cascão, amigo dele, depois de tudo que vocês passaram? Depois de tudo que você passou!

— Eu não sei, Marina, eu não sei... – Magali cobriu o rosto com as mãos, e a desenhista sabia que ela tinha começado a chorar, pois viu seus olhos marejarem a cada palavra que dizia.

Marina se arrastou até a cabeceira da cama, onde Magali estava encostada e a abraçou.

— Por que você insiste em continuar querendo sofrer pelos outros? Por que não é sincera com todo mundo desde o inicio?

A comilona continuou chorando no colo da amiga. Marina ao mesmo tempo que tentava consola-la, acabava fazendo com que Magali sentisse ainda mais vergonha do que jamais sentiu. Ela sabia que estava sendo cruel, sentia-se péssima por isso. Mas alguém tinha que colocar algum juízo na cabeça da morena, já que ela mesma não parecia ter nenhum.

[...♥...]

Do Contra vagava pela rua com seu skate sobre os pés, preso em seus pensamentos. Era como se nem soubesse onde estava, ou nem pra onde ia, apenas deslizava e sentia o vento frio. Pensava na comilona, e em tudo que tinha acontecido com os dois até aquele momento.

Estavam juntos, porém não eram exatamente um casal. Não davam as mãos em lugares públicos, na verdade nem se falavam direito quando se encontravam. Não marcavam encontros, e sim se encontravam escondidos. Não trocavam palavras carinhosas, e sim conversavam sobre Mônica, ou outros assuntos aleatórios, como dois amigos. Não agiam como um casal, ou nem podiam agir.

Do Contra namorou Mônica por poucos meses, dois apenas, e nesse tempo ele percebeu o quanto era bom ter uma companhia. Uma pessoa com quem pudesse compartilhar seu dia, seus problemas, trocar caricias, sentar e assistir um filme qualquer, sem nem prestar atenção no final por estarem ocupados demais. Era bom, ele se pegou pensando várias vezes. E era desse jeito com Mônica.

Com Magali não. Eles viviam se escondendo, e embora ambos tivessem concordado que seria assim, pelo menos por algum tempo, Do Contra já estava ficando cansado. Tinha consciência do mal que tinha causado a Mônica, mas a unica coisa que queria era viver um romance normal. Sem culpa, sem mentiras, sem medo. Seria pedir muito?

Talvez sim, ele respondeu a si próprio.

Finalmente ele voltou a terra, suspirando e olhando em volta. Precisou de um momento pra perceber em que calçada estava.

Foi quando ouviu:

— Vou na Aninha, mãe! Não demoro! Não... sai Mônicão... depois eu te levo pra passear... volta! – era Mônica, tentando por seu cachorro pra dentro de casa.

Ao fechar a porta, a garota desceu os degraus, mas ao chegar embaixo viu Do Contra parado, suas duas mãos no bolso, e um dos pés em cima do skate.

Ele estava sério, e conseqüentemente ela também ficou, ao vê-lo ali. Não se sabe por quanto tempo eles se encararam, mas Mônica foi quem deu o primeiro passo pra se afastar.

— Mônica!

A dentuça já imaginava que o ex-namorado fosse fazer aquilo, pois seu movimento foi rápido, e ele mal conseguiu toca-la quando se aproximou.

— Ei, espera! – ele tentou para-la novamente quando ela continuou andando. – Mônica!

— O que você quer?! – ela quase gritou.

— Eu... – Do Contra hesitou em continuar.

— O que você quer? – Mônica repetiu, dessa vez em um tom mais calmo.

— Conversar com você... eu... eu nunca... tive a chance de contar a minha versão da historia...

— Eu não estou nem um pouco interessada em ouvir a sua versão, DC! – a voz da dentuça começou a se alterar novamente, mas ela tornou baixa-la. – Tudo o que eu ouvi e vi... já basta.

Mônica deu as costas outra vez, e o moreno passou em sua frente, impedindo-a de ir embora.

— Mas eu quero que você me escute assim mesmo! Se quiser, depois pode me xingar... desde que você e a... – ele balançou a cabeça, achando melhor não mencionar o nome da comilona ao ver a expressão de Mônica – desde o dia da briga... eu não consegui, nem tive coragem de conversar com você sobre isso...

— Engraçado que – Mônica coçou o nariz, rindo – você não teve coragem pra fazer isso, mas pra outras coisas, você teve, e muita.

— Não chamo aquilo de coragem se é o que quer saber... eu não me orgulho nem um pouco do que a gen... do que eu fiz com você.

— Um pouco tarde para lamentações.

— Eu sei – ele disse afirmando com a cabeça. – Só quero que você me escute, só dessa vez.

Mônica apresentava muita amargura no olhar. Do Contra viu que ela resolveu ceder no momento em que cruzou os braços, esperando. Suspirou longamente, antes de começar.

— O que eu sinto pela Magali é simplesmente uma coisa que eu não consigo controlar... eu tentei tirar ela da minha cabeça, principalmente depois em que eu te pedi em namoro. Antes disso eu ainda não sabia... que tava gostando dela. Mas depois pareceu obvio, ela tentou fugir, eu tentei fugir mas... o que eu quero dizer é que, eu mereço a sua raiva, aliás, até a raiva que você sente da Magali, porque ela em parte não tem culpa.

— Comovente – disse Mônica cheia de desprezo na voz.

Do Contra engoliu em seco e continuou.

— Ela não te contou né? Ela não te contou que era eu que ficava atrás dela, que perseguia, que insistia, que pressionava... sim, Mônica era eu! A Magali não tem culpa por sentir, e ela tentou me evitar sempre... acho que... ela não merece toda essa raiva toda que você está sentindo...

Mônica ficou perplexa diante da revelação do moreno. Se antes ela já sentia nojo dele por ter traído-a com a melhor amiga, agora sentia repulsa. Além de ter ficado com Magali mais de uma vez embaixo do seu nariz, era então ele mesmo que buscava. Ia atrás.

Sem querer ouvir mais nenhuma palavra que Do Contra tivesse a dizer, deu dois passos pra trás e se virou pra entrar em casa.

— Mônica... Mônica, me escuta – ele a seguiu e antes que ela subisse o primeiro degrau, tocou em seu braço mas foi violentamente empurrado.

— Não! – ela olhou pra ele sentindo seu sangue queimar por dentro. – Me escuta você! Desde o começo eu fui burra! Burra por ter acredito que você ainda sentia alguma coisa por mim, burra por ter confiado em você... te pedindo até em namoro, meu deus – Mônica levou as mãos a cabeça e começou a rir com ironia. – Sempre tentando ser compreensiva quando você dava seus furos, seus atrasos, suas desculpas, quando me deixava sozinha! Tudo isso pra que? Pra ficar por aí se agarrando com a minha melhor amiga? – Do Contra abriu a boca pra dizer algo, mas ela impediu. – Enquanto eu ficava em casa, preocupada com você, com seu silêncio, era com ela que você estava? Era nela que você estava pensando? Eu fiquei que nem uma idiota querendo fazer uma surpresa pra você no seu aniversário, pedi ajuda pras meninas, pedi a ajuda pra Magali, que ofereceu a casa dela, pra fazer a sua festa! Semanas organizando, semanas de ansiedade, pra no final... você e ela... – Mônica agora não sentia só a garganta queimar, mas seus olhos também. Só que ela não ia chorar. – Como eu pude ser tão, TÃO cega?

Do Contra não conseguiu dizer nada. Ele olhava pra ela com remoso, e vê-la chorar de novo, despejando toda aquela realidade na sua cara foi quase um golpe no seu estomago.

— “A Magali não merece toda a raiva que você está sentindo” – ela repetiu as frases do moreno e riu de novo. Podia ver quem quisesse que ela estava fazendo muito esforço pra não desabar em lágrimas. – Vocês dois não tem a menor noção do quanto eu me senti humilhada. Se você está se perguntando porque eu decidi não contar nada sobre o caso de vocês dois pra todo mundo é que eu simplesmente cansei DC, cansei de ser a vitima, a coitadinha, a que sofre por amor. Isso acabou! Mas uma coisa eu aprendi nessa historia toda, e eu devo o mérito a você a Magali por terem me ensinado; não se pode confiar em ninguém!

Em um ato de puro impulso, afinal ele sabia que não tinha mais nada pra ser dito ali, Do Contra a chamou pela ultima vez.

— Mônica... me perdoa...

— Não, DC... – disse ela de costas. Do Contra viu ela subir as escadas e limpar com rapidez o seu rosto. – Eu nunca vou te perdoar.

E entrou em casa.

Lá de dentro ele pôde ouvir a voz de Dona Luíza dizer:

— Ué, já voltou? – porém a dentuça não respondeu – Ei que cara é essa filha?

Do Contra então voltou onde estava seu skate no chão e ao invés de continuar deslizando pela calçada como estava fazendo, apenas pegou o objeto e em passos incrivelmente lentos, foi pra casa, sentindo sua garganta também começar a queimar.