dilúculo

A detenção


— Este é um momento para que vocês reflitam sobre o que fizeram, é inacreditável que no primeiro dia de aula um grupo tão grande já esteja aqui. A detenção não é um momento de lazer, não é pra ser divertido, não é para vocês fazerem amizade e criarem um clube do livro para arruaceiros. É um momento para que percebam seus erros e não façam novamente — fala a inspetora da escola, que está parada ao lado da bibliotecária. A mulher parece uma carcereira até no jeito de se vestir. A saia justa e social abaixo dos joelhos, a meia calça branca, a sapatilha horrível com gravatinha e saltinhos grossos e curtos, a camisa branca com gola de babados e um terninho na cor da saia. É meio engraçado. — Kya vai ficar de olho em todos vocês. Então não conversem, não riam, não comam e não façam bagunça. Entenderam?

Ninguém fala nada.

— Vocês entenderam? — pergunta ela mais uma vez.

— Sim! — respondemos em coro.

Ela se vira e sai caminhando de um jeito engraçado para longe de nós. A bibliotecária — Kya — sorri meio sem jeito.

— Então… — diz. — Espero que vocês consigam me ajudar, como viram essa biblioteca é enorme. Mas não pensem que não podem falar ou que vou deixar vocês com fome. Há bolinhos e o professor Iroh aparece toda noite e faz chá, então vai ser menos pior do que ela fez parecer.

Sokka se inclina para mim e sussurra:

— É, vamos passar por isso, vai ser moleza.

Não é nada moleza.

Sokka e eu ficamos encarregados de carregar as caixas que estavam no balcão, com livros devolvidos pelos anos no ano passado, mas que ainda não voltaram para seus devidos lugares, mas, depois da primeira hora de trabalho, meu amigo me deixou fazendo tudo sozinho porque conheceu uma garota chamada Suki e está batendo papo com ela e a ajudando a catalogar os novos livros, que depois — possivelmente — eu vou colocar nas prateleiras — sozinho.

Estou tentando colocar um livro grosso e pesado, OS MALES DE FAZER AS COISAS CERTAS, na prateleira, mas é alto demais para alguém do meu tamanho.

— Quer ajuda? — pergunta Zuko, ao ver meu esforço.

Eu sabia que ele também estava na detenção, principalmente depois dele ter sido a primeira coisa que meus olhos viram quando entrei aqui, e que que poderíamos acabar nos esbarrando, mas em um lugar tão extenso como esse, achei que ficaríamos bem distante.

Olho para ele e vejo sua mão estendida. Entrego o livro a ele, que não tem dificuldade nenhuma em colocar no alto da prateleira.

— Obrigado — respondo.

Pego outro livro e leio com atenção para saber onde colocá-lo. Enquanto estou com atenção na lombada do exemplar em minha mão e tentando ignorar que Zuko continua ao meu lado. Ele se abaixa e pega um livro também. Então diz:

— Não imaginei que você pegaria detenção no primeiro dia de aula. — Ele não demora a encaixar o livro no local certo. — Você não tem cara de quem faz algo para vir para a detenção.

Tiro os olhos do livro e encaro ele.

— É mesmo? — pergunto. — E que tipo de cara eu tenho.

— Garoto certinho, que segue todas as regras e é o orgulho do papai — responde ele, rapidamente.

— Então nós dois nos enganamos, porque você também não tinha cara de quem trepa no meio do mato e é pego. — Empurro o livro na estante.

Zuko começa a rir.

— Do que você está rindo? — questiono, colocando as mão na cintura e encarando o garoto mais alto que eu na minha frente.

— É que vocês acreditam em casa baboseira — diz, voltando a pegar outro livro e lê a lombada. — Yue e eu não estávamos transando. Os boatos se espalham com uma facilidade extraordinária.

— Não? — Levanto uma das sobrancelhas e encaro. — Então o que vocês estavam fazendo? — pergunto, meio confuso.

— Não é da sua conta, baixinho — responde ele. — E você? Por que está aqui?

Tomo o livro da mão dele e leio. Então saio caminhando, me afastando dele pelo corredor. Zuko pega a caixa cheia de livros e me segue.

— E então? — pergunta, enquanto estou colocando o livro no lugar certo. — O que você fez? Foi coisa do Sokka, né?

— Não foi coisa do Sokka, eu nos levei para roubar comida na cozinha antes da hora do jantar — digo. Ele começa a rir ainda mais do que riu quando eu falei sobre ele ser pego transando. — O que foi, Zuko?

— É que é claro que tinha que ser um motivo bobo para te trazer até aqui, você nunca faria algo sério — responde.

Engraçadinho.

Enfio a mão dentro da caixa, que está nas mãos dele ainda e forço para deixá-la mais pesada. Pego um livro e depois de ler bato no peito dele com força. Zuko solta um ai.

— É lá em cima — digo.

Ele coloca a caixa no chão e lê as informações do livro também antes de colocá-lo no local certo.

— Por que você sorriu daquele jeito para mim no primeiro dia que nos vimos? Até achei que estava sorrindo para alguém atrás de mim. Era como se sei lá…

Olho para ele, que está lendo as informações de outro livro.

— Por causa do jeito como você olhou para o oceano — responde sem pensar muito. — Foi de um jeito muito genuíno.

— Como é que eu estava olhando?

— Como se fosse a primeira vez que você via o mar — fala.

Balanço a cabeça.

— Nem todo mundo é capaz de ver a beleza em pequenas coisas assim. Mas você viu.

— O pôr do sol estava lindo, foi apenas isso — digo, sem jeito.

— Espera só para ver o sol nascendo da sacada do seu alojamento — fala ele. — Nós ficamos com o melhor prédio.

— Ah, mas não acordo tão cedo assim — respondo, com uma risada. — Nunca gostei de acordar cedo. Hoje acordei em cima da hora, só joguei o uniforme ridículo e fui arrastado por Sokka, para a minha sorte meu companheiro de quarto também acorda em cima da hora.

Zuko sorri.

— Eu posso te ligar para acordar você, assim, podemos ver juntos — diz ele me olhando.

— Não. — Rio. — Eu gosto de dormir, gosto mesmo, então, não estou interessado em acordar cedo para ver o dilúculo.

— Dilúculo… que palavra interessante — diz ele, segurando um riso.

— Você não sabe o que significa, né? — pergunto, me divertido com isso.

— É claro que sei… — responde.

— Aham.

Sorrio com deboche.

— Dilúculo, a luminosidade do amanhecer, a aurora — digo.

— Prefiro crepúsculo — fala, me interrompendo. — É mais original, muito mais.

Mostro a língua.

Então me inclino para pegar um livro dentro da caixa. Zuko faz o mesmo e nossas mãos se tocam, me causando uma descarga. O simples toque da pele dele me faz arrepiar. Ele pousa os olhos em mim por um instante, em silêncio. Nos encaramos e estamos tão próximos que sinto a respiração dele fazendo cócegas nos meus lábios. Então desvia o olhar e se arruma na posição ficando de pé.

— Eu acho melhor ir ajudar outras pessoas, você não é o único baixinho na detenção — diz antes de se afastar de mim.

Eu deveria ficar ofendido com essa reação estranha, mas não fico. Na verdade, fico aliviado. Não sei como reagiria se nós continuássemos nos encarando, tão próximos um do outro.

Estou pegando outro livro quando o celular no meu bolso começa a vibrar. Me afasto pela biblioteca em direção a grande janela toda de vidro que dá em direção ao mar. Está escuro, mas ainda assim consigo ver as ondas quebrando ao bater nas pedras lá embaixo.

Atendo.

— Alô?

Ao ouvir a voz de Appa, meu melhor amigo, solto um suspiro de alívio. É tão bom ouvir um som familiar.

— Oi — digo, animado.

— Cara, faz menos de uma semana que você se foi e eu tô morrendo de saudades de você, você é o meu amigo favorito — fala meu amigo.

Sua voz está altíssima.

— Aang? Alô? Tá me ouvindo?

— Estou aqui, desculpa. E eu sou o seu único amigo — respondo de forma sarcástica.

— Idiota! — Isso me faz rir. — E aí, como é a escola? — pergunta.

— É boa… Mas então, como está indo o lance do beisebol? — pergunto de volta.

— Ah tá legal, tô dando duro, sabe… mas não liguei para falar disso, ou de mim. Quero saber de você, como está a escola? Algum garoto na escola chamou a sua atenção?

— Não… É claro que não…

— Eu tô ouvindo na sua voz que tá mentindo… — Sorrio sem jeito e meu amigo começa a gritar. — Eu sabia! O que ele é? Atleta? Alternativo? Aposto que é inteligente. Ele é inteligente?

Estou prestes a falar algo, quando percebo pelo vidro da janela, que Zuko está caminhando em minha direção. Me assusto.

— Appa, eu falo com você depois.

— Não! Temos que falar de homens! Tá usando camisinha? — Appa grita no telefone e eu tenho certeza que qualquer pessoa a cento e treze quilômetros de distância conseguiu ouvir.

Desligo a ligação.

Zuko sorri de um jeito que deixa claro que ouviu os berros de Appa.

— Estamos liberados, acabou a detenção de hoje — fala ele. Nem vi a hora passar. — O Sokka está procurando por você.

— Então… eu… hum, vou indo nessa — falo. — Boa noite, Zuko.

— Boa noite, Aang.

Passo por ele e corro pelo corredor da biblioteca para encontrar meu amigo.

***

Depois de tomar um banho me jogo na cama com meu pijama com estampa: EDWARD, WHERE? EDWARD, WE LOVE YOU, YOU’RE THE BEST!, é uma sátira de um filme paródia de Crepúsculo, que eu odiava na época de lançamento, mas agora simplesmente vejo como uma obra extraordinária e incompreendida.

— Suki é a garota mais extraordinária que eu conheço — Sokka diz, parecendo estar nas nuvens. — Ela tem senso de humor, não tem problema em colocar a mão na massa, é engraçada, está solteira…

— Mas você não tá! — falo.

Meu amigo me olha e se senta na cama.

— Ainda!

— O quê? — pergunto confuso.

— Não sei… talvez Toph e eu não seja o certo, sabe? — pergunta.

— Não…? Não sei?

— Ela e eu somos diferentes…

— Não acredito que você está cogitando terminar o namoro por causa de uma garota que você conheceu há 3 horas.

— Não é isso, é mais que isso.

— Sokka…

— Aang, é melhor a gente dormir.

Meu amigo então se deita e vira pro outro lado, olhando para a parede. Não quer continuar a conversa. Mas algo me diz que essa conversa não acabou por aqui e que temos uma tempestade chegando.

Respiro fundo e apago a luz do abajur.

Por ora vou só dormir e descansar, o primeiro dia de aula já começou cheio de emoções e sinto que muitas outras estão por vir. Preciso estar preparado e descansado, uma pele bonita e tranquilidade só se consegue com uma boa noite de sono.

— Boa noite, Sokka — digo.

Então caio no sono.

E essa é a primeira noite que sonho com Zuko.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.