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verão

hawkins, indiana; 19 de agosto, 1986

É cientificamente possível uma pessoa morrer de sofrimento?

Robin Buckley é nenhuma estranha com perdas. Seu pai deixou a família quando tinha por volta de cinco anos de idade, alegando que estava muito cansado de tudo mesmo que diante dos olhos dela ele sempre parecia feliz com sua vida. Sua mãe morreu em uma batida de carro quando ela completou doze anos, foi o primeiro funeral que Robin foi - ela odiou cada minuto dele, o luto, os olhares de pena, a cerimônia inacabável.

Robin Buckley também perdeu no campo do amor. Tammy Thompson nunca a olhou do jeito que ela queria ser olhada, o jeito que ela mesma olhava para Tammy. Era sempre Steve isso, Steve aquilo, Steve, Steve, Steve. Não havia competição desde o começo, Robin sabe que nunca teve a garota e nunca iria.

Mas, então, ela ganha. Por uma vez em sua vida ela ganha algo do universo, e essa coisa (esse alguém) vem na forma de um melhor amigo, uma alma gêmea (do jeito mais platônico possível), e a última pessoa que ela jamais pensou que seria. A alma gêmea dela é ninguém menos que Steve Harrington, Rei de Hawkins High e rival pessoal do mundo interno que é o coração de Tammy Thompson. Steve que é alguém tão diferente de quem ele era no colegial, Steve que se importa com crianças que conheceu em um curto período de tempo, Steve que protege. Steve que aceita (precisou dela estar muito drogada para sair do armário para o Steve Harrington, puta que pariu).

A vida é uma montanha-russa injusta. A vida de Robin Buckley é assim. Para cima e para baixo, para baixo e para cima, perda e ganho, ganho e perda, somente para ganhar e perder novamente.

Em uma Hawkins que mais parece com um campo de batalha do que a cidade que uma vez era (carros das forças militares por todo o lugar, pessoas em trajes de batalha, monstros por todo os lados, falta de eletricidade e pessoas se virando com o que têm), o tempo totalmente alterado e já não mais existente (cinzas do Mundo Invertido por todo lugar, o próprio céu de mesma cor e os raios vermelhos no céu que nunca mudam), Robin Buckley perde de novo. Era para ser um ataque surpresa e rápido, pois eles não tem tempo a perder mais, coordenado e eficiente em um dos muitos ninhos feitos por demogorgons. Esse em questão parecia limpo de predadores inicialmente, parecia seguro o suficiente para o ataque ser bem sucedido.

Mas não foi. Steve ser a isca custou muito para O Grupo (agora com mais membros do que tinha quando começou), menos um soldado, menos um irmão (Dustin iria se arrepender de nunca ter o contado isso, assim como se arrepende de não ter estado ali instantaneamente para lutar contra os demobats com Eddie), menos um melhor amigo.

O que era para ser o ataque surpresa nos monstros contra-ataca neles. Um dos demogorgons agarra Steve pelas pernas e perfura seu peito de novo e de novo com as garras. Robin e Dustin estão com ele, uma reminiscência dos tempos antigos como Scoops Troop (era só 85, mas parece um tempo distante agora), e ninguém sabe quem agiu primeiro, mas eles lutam contra os monstros para chegar até Steve.

Robin tem Steve em seus braços. Dustin segura a mão dele (em sua mente há ecos de cinco meses atrás, “Nunca mude, Dustin Henderson”, “Eu não fugi dessa vez, certo?”, “Eu te amo, cara.”). Steve olha para ambos, medo e súplica em seus olhos.

— Fi-fiquem s…se-seguros – ele os diz com o último suspiro restante, um protetor até o fim.

Steve Harrington é enterrado em uma cova improvisada há poucos quilômetros de distância. Eles não têm mais tempo, é algo valioso.

É cientificamente possível uma pessoa morrer de sofrimento? Na tarde obscurecida pelo céu cinzento, do dia 19 de Agosto de 1986, Robin Buckley e Dustin Henderson verdadeiramente acreditaram que sim.

— Dingus, se você ainda consegue me ouvir, se você ainda não se foi, eu quero que saiba que eu te amei muito. É triste você não ter ouvido isso frequentemente, de mim, de outras pessoas, eu acho que sempre vou me arrepender disso. A minha vida nunca foi mais a mesma desde que começamos a trabalhar juntos, nos conhecemos e acho que um pouco de união a base de trauma junta as pessoas – ela ri levemente – mas desde aquele dia em que você me aceitou do jeito que eu sou, eu sabia que existia algo especial em você. Eu sinto muito Steve, eu sinto muito não ter dito mais vezes, eu sinto muito você não ter tido mais tempo, eu sinto muito. Eu vou sentir a sua falta toda a minha vida. Eu gostaria tanto que você estivesse aqui pelas coisas que ainda virão, se sairmos desse apocalipse vivos, porque eu sei que estaria. Se essa merda de país me deixasse casar você estaria lá no grande dia, sendo meu padrinho de casamento. Eu já sinto tanto a sua falta. Eu sinto muito a sua falta, Steve.

Ela desaba em lágrimas, não mais capaz de encontrar palavras para descrever a profunda tristeza que enche seu coração.

Uma brisa leve de vento passa por ambos.

É a última vez que Dustin Henderson visita a cova de Steve. Se aproximar dela o lembra um irmão perdido, e memórias felizes não são o suficiente para acalmar a dor.

Robin se certifica de contar a Steve sobre ele na próxima vez que o visitar.

primavera

hawkins, indiana; 19 de abril, 1988

Como é a vida após um apocalipse?

Para Robin Buckley ela consiste de pesadelos recorrentes tão terríveis que fazem-a despertar gritando às quatro da madrugada, cheia de ansiedade e culpa de sobrevivente. Existe sempre um sentimento à espreita em sua cabeça que não acabou ainda, eles nunca realmente venceram.

Foi uma longa e exaustiva batalha entre os heróis e o Devorador de Mentes. Max acordou de seu coma dois dias após Vecna ter sido derrotado, como se a própria vida dele estivesse retendo a dela para continuar. Ninguém sabe a conexão entre esses dois fatos, o que importa é ela estar viva e respirando - embora seja entristecedor que seus olhos nunca irão olhar mais para os de Lucas.

Algumas pessoas se mudam da cidade, precisando estar longe do lugar tanto quanto possível. Ninguém pode culpar aqueles que decidem ir.

O prefeito organiza um evento para aqueles ainda desaparecidos ou que perderam suas vidas no chamado “terremoto”. Uma pedra esculpida em mármore tem os nomes escritos do topo para baixo, em ordem alfabética, e quase no fim da lista o nome de Steve Harrington pode ser lido no lado dos desaparecidos da escultura. Robin traça os dedos nas letras do nome dele, ela dá um sorriso triste.

— Queria tanto você conosco ainda, dingus.

Quando o ano de 1988 chega, ela se muda de Hawkins. É uma coisa estranha a se fazer. Robin Buckley foi criada nessa cidade por toda sua vida, e teve uma vez em que ela esperava que sua partida incluísse seu melhor amigo. É um processo solitário.

— Dingus, e se nós nos irmos embora de Hawkins um dia? – ela pergunta, ordenando filmes na estante do Family Video em uma manhã.

Steve acha graça nisso.

— Com o salário de merda que o Keith ainda nos paga? Somente se roubamos do banco local.

Robin dá uma risadinha com a sugestão de Steve, não parece uma má ideia. Muito mais pé no chão do que aventuras causadas por outras dimensões.

— Posso trabalhar com essa ideia. Se invadimos uma base secreta Russa uma vez, o banco local de Hawkins parece brincadeira de criança pra mim.

Steve ri do balcão.

— É, okay, talvez algum dia. – ele continua fazendo o que quer que esteja no computador.

— Um dia. – ela sorri.

É também o ano em que Robin Buckley começa a sentir algo por Nancy Wheeler. Inicialmente é um pensamento assustador, e parece errado, quase como se ela estivesse quebrando um “código de amigos”, mas ao mesmo tempo parece tão certo. Nancy Wheeler não é como nenhuma garota por quem ela já sentiu algo (honestamente, não tem muito histórico em sua vida amorosa para comparar, para ser franca). Nancy Wheeler a faz rir, Nancy Wheeler faz o coração dela sentir como se fosse sair do peito, e Nancy Wheeler é algo seguro.

Nancy Wheeler arruma as suas malas para se mudar com Robin. A mudança coincide com uma oferta de emprego que ela tem em Chicago. O pagamento é melhor do que o Hawkins Post jamais a pagou - graças ao fato da editora chefe ser mulher, e tem muito mais para escrever lá do que em uma cidade pequena como Hawkins. Devido a sua experiência no Family Video, Robin consegue um emprego na Blockbuster perto do novo apartamento delas. Tudo parece bem, finalmente,

Como é a vida após um apocalipse?

Uma coisa estranha. Inicialmente parece que os efeitos posteriores dele duram para sempre, mas é a vida no final das contas, e coisas inesperadas acontecem. O amor floresce como uma flor na primavera quando alguém menos espera.

Nancy estaciona o carro em um lugar onde encaixa melhor. Então, Robin a vê: a cruz improvisada feita de madeira foi despedaçada pelos cupins ano passado, ela a teve que a substituir incontáveis vezes. Agora está parado, e parece que flores estão florescendo em uma árvore perto.

Antes de Robin sair do carro, Nancy pega em sua mão e a oferece um sorriso reconfortante.

Não levando muito tempo caminhando, ela chega em seu destino.

— Dingus, sou eu de novo. Já faz um tempo desde que estive aqui, huh? Desculpe ter deixado você esperando por atualizações do nosso pequeno Grupo. Mas estou aqui agora, e é isso que vou fazer. Todo mundo está deixando Hawkins para trás, incluindo eu. Os Byers vão voltar para a Califórnia; Sinclairs vão viver próximo dos parentes, e isso causou um furdunço entre as crianças; Max e a mãe estão pegando um vôo para Califórnia também, a Max sentia muita saudade da praia para ficar longe e quando a oportunidade surgiu ela foi junto; Dustin e a mãe vão viver perto dos Wheelers em Illinois, exceto pela Nancy ela… ahm… nós duas estamos nos mudando juntas. Eu não sei como trazer isso pra você Steve, é melhor você não ficar bravo comigo, e em minha defesa você disse que iria superar ela de qualquer jeito – uma sobrancelha levanta ao falar –- mas a Nance e eu podemos chegar a ser algo, talvez, eu espero que sim, pensamento positivo. Para ser completamente honesto contigo, parece a melhor coisa que aconteceu comigo em um bom tempo, você sabe como é, ela é incrível. Ela me encoraja e eu a encorajo em seus sonhos. Então não fique bravo comigo, por favor não fique bravo comigo. – ela suspira — Eu não vou te visitar por um tempo, vou sentir sua falta. Já sinto. Tenho sentido sua falta na minha vida durante todo esse tempo. Lembra quando eu disse que iríamos nos mudar um dia? Teria sido hoje, eu teria passado por todas as opções de Chicago procurando um apartamento de três quartos se é o esforço que precisa. Talvez se o Eddie ainda estivesse por perto todos nós viveríamos juntos, meu deus que bagunça seria. – ela ri do pensamento — Não se preocupe, eu ainda vou aparecer de vez em quando, finalmente tendo aula de direção - da Nance a princípio, mas a carteira de habilitação está à caminho. Até logo, Dingus.

O vento move as flores nas árvores.

Robin Buckley caminha de volta ao carro e em direção a uma nova parte de sua vida, com muito medo, mas ao notar o olhar focado de Nancy na estrada enquanto ela dirige um sorriso que não pode ser evitado se forma em seus lábios. Talvez não seja tão ruim assim.

❄️

inverno

chicago, illinois; 19 de janeiro, 1995

Desviar de normativas sociais vale a pena no fim?

Aos catorze anos, Robin Buckley sabia que ela não era como as outras garotas de sua idade. Ela se vestia normalmente, seu cabelo era mantido na altura do ombro e seu discurso era um trabalho em andamento, mas sólido o suficiente para vencer um debate em sala de aula sobre o tema “existe vida inteligente em outro planeta?”. Robin Buckley era uma menina jovem mediana, mas o que a diferenciava de outras colegas de classe era uma queda (inicialmente enganada por admiração de habilidade) por Olivia, a morena do outro lado da sala de aula que tocava violino sem erros e cujo sorriso mostrava uma covinha na bochecha direita.

Em seu décimo quarto ano de vida, Robin Buckley sabia que diferente de outras garotas em sua sala de aula ela não estava interessada em falar sobre meninos e como é o gosto de suas bocas, ela estava muito mais interessada em falar sobre garotas que cheiravam a pétalas de rosas, com um sorriso tão brilhante que poderia encher o cômodo de alegria, e o jeito em que seus olhos brilhavam quando estavam interessadas em algo.

Aos catorze, Robin Buckley sabia que gostava de garotas, e somente garotas.

Entretanto, a pessoa responsável pelas mãos trêmulas e primeiro batimento cardíaco acirrado de Robin se mudou no próximo ano. Foi só alguns anos depois que ela ouviu falar que Olivia estava vivendo em Nova York com sua família, era seu plano se formar no ensino médio quando chegasse a hora e entrar na Julliard. Robin nunca chegou a segurar sua mão ao menos uma vez.

Então, uma segunda chance acontece e vem na forma de Tammy Thompson, por volta dos dezesseis anos. O ano de 1984 parecia melhor do que o de 1983. Tammy Thompson podia ter sido, aos olhos de Robin, mais linda que Olivia era, e se é um fato lógico ou não permanece nos mistérios do amor, mas para Robin Buckley Tammy Thompson poderia ser a escolha certa. Tammy Thompson poderia ser um beijo, Tammy Thompson poderia ser uma mão a ser segurada em um encontro (mesmo se precisassem mascarar o ato como melhores amigas saindo e bebendo milkshake), Tammy Thompson poderia ser um abraço caloroso quando a vida fica muito difícil às vezes.

Tammy Thompson foi nada dessas coisas, porque Tammy Thompson não sabia nem que Robin Buckley existia. Sempre olhando Steve Harrington, Rei de Hawkins High, e a obsessão das noites de sem fim de Robin em que ela se perguntava “quais qualidades ele tem que eu não tenho?”.

Dizem que na terceira vez há sorte. A terceira vez que acontece é no inverno de 1985, ela tem dezessete anos quando Vickie, uma ruiva da banda escolar, chama sua atenção. No mês de Dezembro, Robin vê Vickie no outro lado do corredor falando com uma de suas amigas. Ela não consegue evitar de notar o assunto discutido: patinação no gelo. Robin não pode dizer que é experiente no assunto.

— Vickie, vamos lá, são só cinco pratas e vamos ir esse sábado. Você tem algum outro plano que não sabemos? – pergunta uma garota loira próximo ao armário, ela parece um pouco mais alta que Vickie, e levanta uma sobrancelha enquanto faz a pergunta.

— Não tenho, realmente não tenho, mas estou sem prática por muito tempo Kimberly. E se eu cair na frente de todo mundo e fazer papel de boba? A taxa de entrada não é minha preocupação principal, a minha preocupação principal é pensar que eu consigo quando não tenho ideia de passar dos bancos sem cair de bunda igual uma iniciante – Vickie fala sem parar.

— Você foi uma das melhores patinadoras um dia, Vickie, não há nada para se preocupar, okay? Além disso, se fizer papel de boba eu caio no gelo também. Te dou cobertura. Se o Daniel quiser rir de você eu soco ele no rosto também, você sabe que tô contigo pra qualquer coisa que precisar – ela oferece um sorriso sincero, e Vickie sorri de volta.

Robin ouve o sinal tocar, tirando-a de seu transe da conversa, hora da aula.

Na tarde no Family Video, Robin decide perguntar para Steve sobre o assunto.

— Ei Dingus, eu posso… eu posso te fazer uma pergunta? -- pergunta Robin da sessão de filmes Horror & Thriller, organizando-os por ordem de lançamento do novo estoque que chegou de manhã.

Steve se vira para onde Robin está.

— O que quer saber? É sobre aquela questão da Phoebe Cates e Lea Thompson? Eu já te disse, Lea Thompson é mais gata que a Phoebe Cates.

— Não, primeiro que você está totalmente errado sobre isso, e segundo que nem é minha pergunta. Eu… eu quero saber se você tem algum conhecimento em patinação no gelo?

Steve pausa o que quer que seja que estava fazendo no computador, e dá um sorrisinho para Robin.

— E porque a pergunta? A … uh, qual era o nome dela mesmo, Vickie, disse algo interessante ultimamente?

Robin levanta uma sobrancelha com isso.

— Você ri de mim sobre isso e eu digo ao Keith que foi você que quebrou uma cópia de De Volta Para o Futuro. Só que, eu vou ser quem vai arremessar ela na sua testa, dingus.

Steve não consegue aguentar, ele ri.

— Bem, Robbie, acontece que na verdade eu sei uma coisa ou outra sobre patinação no gelo. Meus pais me levaram uma vez, quando eu tinha por volta dos dez anos de idade, na época em que eles ainda se importavam o suficiente com a família nuclear para fazer algo comigo envolvido. – Steve não consegue evitar um suspiro. — Por que quer saber?

— Ouvi a Vickie falando com a Kimberly sobre isso. Esperava chamar ela pra sair e ir em um, ela parecia tão estressada sobre ficar fora de prática, e queria fazer algo legal para ela. Então? Vai me ajudar com isso, oh Steve Harrington, o sábio? – as últimas palavras são ditas em um tom de zombaria, mas com carinho embutido nelas.

— Embora queria dizer não graças a essa atitude, – Robin bufa – eu sou um bom amigo pra você, então vou te ajudar na… Sexta depois da escola, três da tarde?

Robin sorri genuinamente.

— Sem nenhuma cópia de De Volta Para o Futuro arruinada hoje. Acabou de se salvar de um xingão do Keith.

Ambos riem.

A terceira vez, na verdade, não traz sorte. Robin nunca chama Vickie (para um encontro) para sair. Vickie ainda não sabe que Robin existe. Não até um jogo de basquete em 1986, do jeito mais irônico possível, fazendo graça da voz de Muppet de Tammy Thompson cantando.

É na quarta tentativa que definitivamente acontece. Nancy Wheeler parece ser o que ela sempre procurou, não é até o verão de 1989, um ano após se mudarem juntas, que clica para ela.

É uma atividade simples, confeitaria. Cookies sempre foram algo em que ambas concordam, Nancy os ama durante a época de Natal e Robin os tem como um objeto de um passado distante quando ela tinha uma mãe e pai presentes em sua vida. Atividade familiar, poderia dizer. Então elas os assam, e Robin vê um lugar perto da boca de Nancy sujo de chocolate. Ela aponta isso.

— Você tem algo… aqui, espera, não, não, no outro canto… Nance – uma risada – aqui, me deixa…

Ela coloca os dedos no exato local para limpar, e limpa ao lamber o resto de chocolate dos seus dedos. Nancy para de fazer o que estava até então, e com uma mão no ombro direito de Robin ela fica na ponta dos pés para beijar seus lábios. Um pequeno beijo, mas um que significa tanto.

— Brigada – Nancy diz, e ambas sorriem.

Elas não falam a respeito do beijo até ser 1995, e o seu incessante jogo de “vai e não vai” terminar em um verdadeiro e significativo relacionamento.

Tudo desaba quando há uma reunião familiar.

As crianças, embora com mais idade em suas costas agora para não ser mais chamadas disso, estão se reunindo no apartamento de Nancy e Robin. Ted e Karen Wheeler também estão à caminho, junto de Mike e uma Holly bem mais crescida.

A noite segue normal, na fria noite do inverno de 1995 eles riem, jogam vários jogos, e colocam o papo em dia como se o tempo nunca tivesse passado. Até ser a hora do grande anúncio, do qual Nancy começa.

Ela se levanta, um copo de vinho em suas mãos e um garfo na outra, levemente o tocando no vidro para enfatizar seu discurso.

— Eu tenho um anúncio a fazer essa noite, é a razão pela qual chamei.. não, Robin e eu chamamos vocês para esse jantar em primeiro lugar. É algo que estive esperando para contar para vocês por um tempo e... não é o tipo de coisa a se dizer em uma chamada telefônica. – ela ri um pouco com isso. – Mãe, pai, Mike, Dustin, Erica e todos os outros, o que Robin e eu temos para contar essa noite é –

Karen Wheeler a interrompe.

— Você vai finalmente pegar aquele trabalho de editora chefe!

Nancy nega a sugestão. -– Eu gostaria mãe, mas não é -

— Você vai se mudar para um lugar com vizinhos de cara mais amigável – Mike sugere do outro lado da mesa.

Lucas intervém na conversa. – Isso é algo que não se pode adivinhar, Mike, lembra do Nathaniel, teu colega de quarto? – com a menção, Mike geme de frustração — Ugh, não me lembra

Nancy tenta seguir o seu discurso.

— O que eu quero dizer é -

Mais adivinhações, sem respostas corretas. Robin se levanta ao lado de Nancy, e pega em sua mão.

— O que ela quer dizer é que nós estamos em um relacionamento, um duradouro e sério relacionamento! Eu honestamente não acreditei também quando aconteceu, quer dizer... Nancy Wheeler? Comigo? Não faço ideia de onde isso veio, mas tinha esses sentimentos no caminho e aconteceu mais rápido do que um piscar de olhos – ela para, todos estão olhando ambas, pegos desprevenidos com a nova informação, todos exceto Ted Wheeler.

Ted Wheeler ao invés disso resolveu dizer...

— Não tem jeito da minha filha ser sapatão. Nancy sempre namorou homens antes, homens respeitosos e de boas maneiras. Eu nunca criei uma filha pra ser homossexual.

Robin para. Seu mundo interior gira em frente de seus olhos. Ela olha para Ted com seus olhos arregalados, e para Nancy com mágoa (Nancy não consegue demonstrar nada além de choque), e a todos no cômodo com vergonha. Ela faz o que um amigo um dia fez em tempos de crise, ela corre.

— Eu... eu tenho que ir.

Nancy tenta pará-la, pegando em um de seus braços.

— Robin, por favor, fica...

— Falamos pela manhã, Nance, eu... eu preciso sair daqui agora. – então ela corre, ela corre para o único lugar que terá paz.

O resto dos convidados expulsam Ted Wheeler do jantar, Karen e Mike confortam Nancy pelo resto da noite.

E Robin dirige. E Robin foge.

Robin estaciona o carro perto da cova de Steve desta vez. Hawkins está diferente agora, mais viva do que era nove anos atrás, há novos prédios e um grande crescimento da floresta. Ela espera que desta vez não carregue monstros nela.

É como memória muscular agora. O destino claro em sua frente, e a cova de Steve Harrington está coberta por uma pilha de neve assim como os galhos da árvore perto dela. A cruz se torna quase invisível da mesma pilha de neve que caiu das folhas. Pelo menos não tem cupins nessa época do ano.

Ela chora. Ela grita. Ela sente falta, ela sente tanto a falta de Steve Harrington.

— Steve. Stevie. Porra. PORRA! Eu estou tão brava comigo mesmo, estou tão brava com o merda do Ted Wheeler. Estou tão brava com a Nancy por não ter nos defendido, me defendido quando precisei. Você devia ter me avisado enquanto estava vivo Steve, você devia ter me avisado que eu teria de lidar com o Ted Wheeler. Porra, eu estou tão brava, eu estou magoada. E sinto tanto sua falta, Steve, tanto. Você dava os melhores abraços, sabia? Eu preciso de um agora... preciso muito. – ela limpa as lágrimas na manga da roupa, lágrimas que enchem seus olhos e caem nas bochechas como um rio. — Ele chamou a Nancy por um insulto, me chamou por um insulto e ninguém fez nada. Eu não podia ter ficado lá, Steve, eu não podia ouvir aquilo ser dito sobre mim, sobre nós. Era pra ser uma noite pacífica entre amigos, eu não vi as crianças faz tanto tempo e então – tudo muda, tudo desmorona. Eu estou tão cansada de perder, dingus, eu estou tão cansada o tempo todo. Só queria que estivesse aqui comigo agora, você saberia o que dizer, ser o conforto que preciso. Por que teve que nos deixar tão cedo?

Ela desmorona, chora até esvaziar o coração. A brisa fria de inverno passa através de seu corpo e o ar arrepiante parece estranhamente reconfortante para ela.

Ela não retorna para casa. Ela liga para Nancy pela manhã em um hotel barato em Hawkins, perto de onde Starcourt costumava ser, mais memórias.

— Eu vou arrumar minhas malas amanhã. Não acho que sou forte o suficiente para isso, Nance... – ela diz ao telefone. Nancy não fala nada.

Fica-se sem dizer, mas claro como a luz do sol, o que quer que elas estivessem fazendo acabou.

Desviar de normativas sociais vale a pena no fim? Para Robin Buckley, é mais difícil do que qualquer coisa que já tenha feito em sua vida.

outono

hawkins, indiana; 19 de novembro, 2001

Poderia a vida melhorar à medida que os anos passam?

Pessoas mudam. Pessoas nascem. Pessoas se desenvolvem. O tempo é uma coisinha engraçada. A vida vem e vai, a vida traz e leva no mesmo instante.

Para Robin Buckley sempre foi deste jeito, ela levou seus pais muito cedo, a trouxe seu primeiro interesse amoroso somente para a garota ir embora para Nova York, levou sua segunda chance no amor quando Steve Harrington apareceu, e a deu o mesmo Steve Harrington como melhor amigo e o levou cedo demais, se somente ele tivesse sido mais rápido, mais cuidadoso. A vida é uma coisinha estranha, Robin Buckley conclui.

Ela segue em frente. Ela se muda depois de ‘95, para Boston. Ela encontra Vickie de novo, elas ficam por uma noite (uma fantasia de adolescente), mas não é o que ela imaginava ser (a constante procura por amor de uma mulher), e elas não se veem mais. Ela adota uma gata branca chamada Luazinha e vive de aluguel na parte mais barata da cidade, pagando por ele com os dois empregos em que ela trabalha, é caro viver nesses tempos, afinal de contas.

Robin Buckley está finalizando um pedido às oito e trinta de uma manhã nebulosa quando ela a vê novamente, Nancy Wheeler. Aparentando muito como costumava aos dezoito, a altura do cabelo ondulado acima dos ombros e com o sorriso de assinatura no rosto. Os olhos delas se encontram através da cafeteria. Nancy sorri, Robin congela ao segurar a chaleira fervente no ar.

— Oi – Nancy diz, sentando no assento do balcão.

— Oi… – Robin responde, ainda em choque ao ver a ex namorada pela primeira vez em seis anos.

Nancy quebra o momento de tensão.

— Um copo de café, por favor, com duas colheres de açúcar e sem-

— Sem creme. Só preto – Robin interrompe. Nancy sorri.

— Isso mesmo, você ainda lembra disso…

— Difícil não lembrar. É tudo o que você bebia ao finalizar a tese sobre jornalismo feminino e suas dificuldades. – Robin começa a preparar o café.

— Um tópico de muita importância, devo dizer.

— Nunca falei que não era, Nance. – Robin diz, o apelido escorregando com facilidade por seus lábios. Nancy sorri.

Elas colocam a conversa em dia. Acontece que Nancy está em Boston para a investigação de um suposto assassino pelos arredores, ela seguiu no caminho de jornalismo investigativo depois da faculdade. Mais um desafio na carreira.

No entanto, o que choca mais Robin é a notícia de Erica e Dustin estarem juntos a algum tempo. Sério o suficiente para logo começarem uma família própria. Primeiro filho do Dustin, Steve amaria ter visto isso.

— Dustin está lutando pela vida para nomear o bebê de Legolas. – Nancy diz enquanto bebe um pequeno gole de seu copo.

— E a Erica está lutando contra isso, imagino?

— Ela considerou inicialmente. Agora, a qualquer hora que ele menciona o assunto, Erica dá um discurso no porquê o filho dela não vai ser ridicularizado na escola como foi o pai.

Robin ri alto com isso.

— Soa como a Erica. Tenho certeza que o Eddie ficaria do lado do Dustin nisso.

Nancy tamborila os dedos no balcão.

— Ele iria. E o Steve iria mimar aquela criança.

Robin oferece um sorriso entristecido.

— É o mais lógico a se pensar. Ele reclamava de ser a babá o tempo todo, mas ele sempre foi bom com crianças. Eu sinto falta dele.

— Eu sei, eu também sinto. – Nancy oferece outro em troca.

Não pode ser evitado. Elas dormem juntas aquela noite, os lençóis bagunçados o suficiente para servir de evidência das atividades recentes. É quando elas deitam juntas após o ato, com Robin passando os dedos entre o cabelo de Nancy, que ela pergunta…

— O que nós estamos fazendo, Nance?

— Eu não sei, Robin. Talvez você é quem possa me dizer dessa vez. Tudo o que eu sei é que eu nunca te superei em primeiro lugar. Sinto falta de nós, sinto falta de você. — a voz de Nancy é tão baixa quanto o som de um suspiro.

— Digamos que iremos dar isso uma chance de novo, eu tenho que lidar com o teu pai homofóbico? Você vai ter que me perdoar por essa, Nance, mas eu não tenho os melhores sentimentos em relação ao seu pai.

Nancy bufa.

— Não, não dessa vez. Eu o cortei da minha vida. Minha mãe se divorciou dele também.

— Que bom. Karen merece alguém melhor do que um homem careca e homofóbico. Mike é totalmente gay também, se não notou ainda.

Nancy ri.

— Todo mundo está bem ciente disso. Will mais que ninguém.

Os olhos de Robin se arregalaram.

— Finalmente porra, só levou 15 anos pra eles!

Elas riem. Bagunçam os lençóis mais uma vez. Começam tudo de novo.

Voltar à Hawkins fica mais fácil depois de um tempo. No começo, era terrível estar pelo lugar. Um lembrete de tudo que foi perdido, tudo que não viria a ser. Agora, é um lembrete de tudo que foi superado.

Nancy Wheeler tem os olhos focados na estrada à frente, uma mão no volante e a outra segurando a mão de Robin. Ela estaciona ao chegar no destino.

— Preparada para contar pra ele?

— Estou… é, estou.

Robin sai do carro e a vê, desta vez a cova de Steve está cheia de folhas mortas por perto. O outono se faz presente, outra estação em que ela está aqui, ainda aqui após todos esses anos.

Ela começa.

— Ei Dingus. É a Robin, aqui após todos esses anos, huh? Eu acho que preciso, considerando tudo o que passamos juntos, de bases secretas russas a (quase) o apocalipse de fim de mundo, e então um pouco mais depois que faleceu. Eu sinto muito a sua falta, Steve, tanto. Eu queria que estivesse aqui comigo hoje porque… porque a Nance e eu estamos juntas de novo. Dessa vez é pra valer. Não tem obstáculos mais nos segurando. Eu acho… eu acho que precisávamos deles na primeira vez, nos distanciamos para crescer como pessoa também. Eu não estava pronta antes, mas estou agora. Meu Deus, Steve, eu tenho 33 anos e já estou me sentindo tão velha a ponto de querer me acomodar com alguém. Não consigo evitar, bêbada de amor e tudo mais. — ela dá uma risadinha – Ela quer casar comigo. Não legalmente é claro, mas ainda sim ter uma cerimônia para família e amigos. Não se preocupe, Ted vai ficar beeeem longe de nós, e qualquer coisa a Karen se certifica dele ficar. – ela ri um pouco mais – Ah, e você pode ficar confuso quanto a isso e até chocado inicialmente, mas… Dustin e Erica estão juntos juntos. Ele vai ser pai, Steve, ele está tão feliz com isso. Tenho certeza que você iria mimar demais essa criança, mesmo reclamando o tempo todo de ser babá. Ele sente tanto a sua falta, mas não fica bravo com ele por não aparecer, ainda é difícil para ele. Foi vocês dois no mesmo ano Steve, não é… não é algo que se supere rapidamente. Eu queria que você tivesse tido isso também. O seu sonho de seis crianças e uma van. Eu sinto a sua falta, Dingus, todos os dias.

Ela suspira.

Uma brisa leve de vento passa por ela. E ela finalmente diz…

— É você, não é? – e com um sorriso triste no rosto ela retorna ao carro, ela retorna para o seu futuro.

Poderia a vida melhorar à medida que os anos passam? Pela primeira vez na vida dela, Robin Buckley acredita que sim.

E Steve Harrington a assiste ir embora. Se levantando do lado de sua cova, perto da cruz. Ele sorri para si mesmo.

— Estão todos bem. — Ele olha para o lado, uma mão se estendendo para ele.

— Pronto para partir agora? — Eddie Munson pergunta.

Ele pega sua mão, olha de volta para Robin, e acena com a cabeça. Ele achou a paz.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.