Prólogo

As abas do jaleco branco esvoaçavam com os passos largos e ansioso do homem de expressão severa que adentrava a sala ampla, se aproximando da cápsula que era erguida de um fosso metálico pelos braços robotizados de uma máquina. Este, ajeitando os óculos de grau no rosto, sorriu pretensiosamente, focado no que ocorria e acionou o botão vermelho do controlo remoto com a mão vaga tão logo o objeto fora pousado no chão. A porta da máquina se abriu num ranger longo, soltando uma densa fumaça gélida do interior do invólucro prateado.

Aos poucos, uma figura humanoide frágil e adormecida pôde ser observada e num riso de puro êxtase, o responsável do departamento de ciências biológicas da Cidade No. 6, sentenciou em voz trovejante:

— Operação FC0001 concluída com sucesso! — o olhar por detrás das lentes escuras fitou maliciosamente o corpo pálido, com longas mechas alvas tapando a sua nudez. – Pra começar, aquele rato de esgoto nunca teve a mínima chance de nos vencer mesmo!

A gargalhada debochada do doutor reverberou por toda câmara do bunker da prefeitura, acompanhada de exclamações de alegria e aplausos vindos dos subalternos que, como ele, festejavam o final de mais uma tentativa de rebelião contra a cidade inabalável (ou assim eles acreditavam), enquanto o ódio e a angústia delineavam o rosto do jovem de olhar enfurecido que era obrigado a assistir o evento calado, escondido nas sombras.

Seus dedos apertaram forte o corrimão frio do corredor superior e os cinzentos inconformados fulminaram o homem de expressão maliciosa que acariciava a face adormecida de Shion. O acesso de raiva era tamanho que seus músculos tremiam ao assistir aquela cena; as veias pulsavam dilatadas sobre a pele branca visível nas pouquíssimas partes do seu corpo, expostas pela capa de superfibra que envergava. Mas uma vez, o destino estava sendo injusto com ele, tirando de Nezumi o que ele possuía de mais precioso.

Não suportava a ideia de assistir aquela peça trágica de braços cruzados, mesmo sabendo de antemão de que não haviam formas de resgatar Shion naquele momento. Porém, sua revolta contra a cidade era tão forte que, sem ponderar uma segunda vez, o seu corpo se impulsionou para frente numa vívida intenção assassina.

Todavia, uma mão assentou firme no seu ombro, impedindo-o de cometer tal intento.

— Não adianta… — ao dizer isso, Rikiga precisou recuar três passos, quando o moreno se virou abruptamente, mostrando o olhar indignado que brilhava entre as mechas escuras caídas sobre o rosto.

Mas sem se deixar intimidar pela aura ameaçadora do rapaz, ele continuou:

— Não importa o que fizer agora, nada irá trazê-lo de volta. – pausou numa respiração profunda, trocando um olhar sério com o seu ídolo. – É hora de desistir… você perdeu, Eve.