— Preparado para hoje? – Wade apareceu segurando um teclado e um mouse.

— Sim, sim. E você? – Eu me virei para admirar ele, sempre lindo.

— Com certeza! Eu já até escolhi o lugar.

— Eu poderia questionar qual seria, mas vou deixar para que você me impressione. Agora vai trabalhar, vai. Tenho um monte de coisa para fazer – Eu fiz um gesto para que ele fosse logo.

— Tá bom. Senhor Planilha, deixa eu ir lá consertar o mundo de cada vez – Ele me deu um leve soco no ombro e se retirou.

Pelo resto do dia me concentrei no trabalho, liguei para alguns clientes da empresa, montei alguns orçamentos e tive reuniões com a diretoria. Tudo para ocupar a minha mente e não pensar naquele lobo, mas na hora do almoço foi quase impossível, eu tinha ido com o pessoal da contabilidade para o Refeitório, quando dei por mim estava procurando por ele, não foi difícil de achar, ele era o único no meio de um grupo de Presas. Eram provavelmente o pessoal que trabalhava com ele, e pelo jeito a conversa estava animada. Torci para que o encontro fosse assim, descontraído e ao mesmo tempo mágico.

Depois do almoço voltei para o meu escritório/cubículo. Aí foi mais planilhas e ligações, tudo se normalizou as dezessete horas, o que foi bom deu tampo de organizar, salvar e fechar algumas coisas, fiz anotações para poder continuar na segunda e me arrumei para o evento que a acontecer daqui a pouco.

Quando o relógio bateu as dezoito e dez, todos começaram a sair. Eu peguei as minhas coisas e fui para a recepção esperar pelo o Wade. Depois de vinte minutos ele apareceu com o cabelo lambido para trás e com uma tentativa de usar roupa social.

— O quê que é isso que você está usando? – Eu apontei para o blazer que estava por cima da sua camisa do Steven Universo.

— É um blazer. Por que? – Ele olhou como se estivesse procurando algo de errado.

— É que você está usando por cima de uma camisa de desenho. Você sabe que se usa com roupas sociais.

— Ah, Felix! Eu não sei usar roupas sociais – Ele deu de ombros.

— Percebe-se – Eu abafei um riso mais deixando claro que estava super engraçado.

Ele me empurrou e fomos para a saída.

— E então, qual é o lugar tão secreto que eu claramente não passei o dia todo pensando?

— Vamos num restaurante oriental que fica na Tundralândia, eu amo o temaki de lá. E espero que você também goste – Ele me olhou com brilho nos olhos, estava claro de que ia ser especial.

Fomos até o estacionamento, o carro dele era um Panther urbano. Estava meio acabado, mas pelo jeito ainda funcionava. Ele dirigiu pelas ruas do centro e foi sentido a Distrito Florestal em direção a Tundralândia. O silencio reinava enquanto ele guiava pelas avenidas.

— Lindo, não é? – Ele disse cortando o gelo.

— O que? – Eu tirei os olhos da janela e o fitei.

— Aqui, o Distrito Florestal. Eu gosto desse clima chuvoso que aqui tem.

— Serio? Eu também acho. Quando eu vim morar aqui em Zootopia eu falei para o meu primo que um dia adoraria morar aqui, mas ele riu da minha cara – Eu estava surpreso que ele tinha dito aquilo.

— É quem sabe um dia – Ele disse com um tom de voz baixo, como uma promessa interna, fingi que não ouvi. Mas a minha mente repetia como um eco.

Depois de chegamos em Icylake, na Tundralândia. O bairro consistia em uma pequena ilha de gelo cercado por um lago de cor escura e tão solida como preda, mas mesmo assim existia uma ponte que conecta a ilha a cidade. Paramos de frente ao Jun Sealmoto, parecia ser uma espécie de restaurante japonês, nunca tinha ouvido falar dele. O estabelecimento não era tão grande, quando entramos o clima era agradável. As mesas estavam dispostas de maneiras simetricamente perfeita, cada uma tinha um vaso de gelo com flores do Distrito Florestal. Escolhemos uma mesa que dava uma boa visão para a TV que passava filmes de super-heróis.

— Boa noite, Sr. Moonight e o senhor o acompanha. Como poderia ajuda-los? – Um leão-marinho velho apareceu assim que escolhemos um lugar.

— Boa noite, Sr. Sealmoto. Esse é o Felix Hunter – Wade segurou na minha pata quando me apresentou, acho que foi um movimento involuntário, ele pareceu não ter percebido.

— Prazer em conhece-lo, Sr. Hunter. Espero que goste do Jun Sealmoto – Ele me fez uma saudação oriental.

— O prazer é todo meu, Sr. Sealmoto – Eu retribuí a saudação.

— Sr. Sealmoto, o senhor pode trazer o cardápio? – Wade pediu.

O leão-marinho fez outra reverencia e saiu em direção a um balcão americano que ficava ao fundo do estabelecimento. Um pouco depois ele apareceu com dois cardápios e nos entregou.

Acabamos escolhendo uma Barca Deluxe e refrigerante de dois litros, aí poderíamos rachar a conta e comer bastante. Wade me ajudou a comer com hashis e riu toda vez que um sushi ou sashimi de salmão caia na minha calça, só que eu acabei com a festa dele por que peguei o jeito rapidamente. Conversamos sobre os nossos objetivos na empresa e objetivos pessoais, falei sobre o Ben. Ele contou micos que ele viu os colegas de trabalho dele fizerem. Quando dei por mim acabamos com a barca e o refrigerante, pagamos a conta, o Sr. Sealmoto deu biscoitos da sorte de brinde quando saímos.

— E aí? Já tá um pouco tarde, que tal você dormir lá em casa hoje? – Wade sugeriu quando ligou o carro.

— Seria uma boa, mas só dormir. Nem venha com suas gracinhas – Eu olhei para ele com a malicia no sorriso.

— Eu não falei nada – Ele deu de ombros e deu partida no carro – O que diz no seu biscoito da sorte?

— É estranho. Ele diz ‘Corra’.

— Corra? Tipo fugir de alguma coisa ou fazer exercício para emagrecer?

— É, eu sou meio gordinho. Deve ser para fazer exercícios – Eu dei de ombros e ri – E o seu? O que diz?

— Hã, nada não. É besteira – Ele riu nervosamente.

— Wade Moonight, você vai dizer por bem ou por mal?

— Tá, eu digo. Mas só quando chegar em casa, tá bom?

— Nossa, deve ser super sério – Eu assobiei.

Ele deu de ombros enquanto virava na autoestrada para Praça Saara.

— Você mora no Saara? – Perguntei para mudar de assunto.

— Sim. Quando me mudei para Zootopia não tinha um orçamento muito grande, mas por sorte conheci uma hiena que tinha um duplex com a parte de cima para alugar. Ele fez um preço bem bacana.

Depois de uns vinte minutos de estrada finalmente paramos em frente ao duplex aonde morava.

— Lar, doce, lar – Wade falou apontando para a casa.

— Nossa. É fofo demais para um lobo solitário morar – Eu o olhei de soslaio com um sorriso de deboche.

Realmente era uma construção simples de dois andares, pintado de rosa claro quase bege. A casa de baixo tinha canteiros nas janelas enquanto a casa de cima tinha uma varada sustenta por pilares da casa de baixo. Mas o acesso da casa do Wade tinha que ser feito por uma escada que ficava do lado do duplex.

— Eu já disse que é temporário? Não vou passar o resto da minha vida vivendo numa casa de boneca – Ele coçou a orelha, provavelmente estava envergonhado.

— Vamos? – Perguntei.

— Vamos.

Subimos pela escada e o Wade destrancou a porta mostrando a sua residência impecavelmente arrumada, tinha que dar o braço a torcer.

— Olha, como garoto do TI. Achei que era cheio de fios e barulho de impressoras.

— Hahaha. Muito engraçado Felix, muito engraçado – Ele revirou os olhos – Merda, esqueci a minha carteira dentro do carro. Felix, você pode ir pegar, por favor?

— Claro, sem problemas – Wade me entregou as chaves do seu veículo e eu desci até o jardim.

A noite estava silenciosa e abafada, as estrelas brilhavam fortes no céu, sacudi a cabeça e abri a porta do carro. Logo achei a carteira do
Wade, quando voltei um barulho de vidro quebrando cortou o silencio da noite. Eu parei por alguns segundos para absorver e analisar, deve ter sido o Wade derrubando algum copo ou vaso, eu achei muito estranho, mas voltei assim mesmo. Quando abri a porta o Wade não estava lá, só o vento que invadia balançando as cortinas da varanda.

— Wade? – Chamei por ele.

Um outro barulho de vidro se quebrando, veio do corredor. Ele não tinha acendido as luzes dessa parte do cômodo, eu segui a direção do som.

— Wade? Você está aí?

Nada. Silencio. Quando me aproximei mais um som de rosnado vinha da última porta a esquerda. O meu coração batia mais rápido do que o normal, o suor começava a descer pela minha testa.

— Wade? Eu... – Foi aí que tudo aconteceu rápido de uma maneira lenta.

Quando abri a porta do quarto me deparei com ele. Não pelo o Wade que trabalhava na área de TI e que amava comida japonesa, me deparei com uma fera selvagem em forma de Wade. Ele estava em cima da cama rasgando os travesseiros de espuma, tudo ao seu redor já estava completamente destruído, cortinas, roupas, criado mudo. Os seus olhos eram de um brilho assassino. A minha garganta se fechou impedindo que qualquer tipo de som saísse naquele momento, a minha mão foi automaticamente para a boca. Horror era o único sentimento possível naquele momento. Antes que eu pudesse fazer algo, ele parou farejou o ar até a minha direção. Eu já vi aquele olhar, era um olhar de Predador, um animal que segue os seus instintos primitivos.

Wade rosnou para mim, os seus dentes se mostraram, o seu corpo foi lentamente arqueando, ele ia pular. Mas antes que pudesse fazer isso, eu fechei a porta. A fera bateu com tudo contra ela, isso causou algumas rachaduras na madeira. Corri para a saída, com o som da porta de estilhaçando de pouco em pouco. Assim que saí ouvi os passos dele correndo pelo corredor já estava no pé da escada e fui em direção do carro. Peguei as chaves e entrei com tudo. Olhei para a varanda e vi a silhueta do Wade que agora quebrou a porta da varanda com uma investida e pulou de lá até o chão. Liguei o carro e pisei fundo no acelerador, fazendo os pneus cantarem antes de darem a partida.

Eu segui na direção do centro, quando olhei para trás vi só a noite escura e estrelada. Percebi que as lagrimas tinham começado a descer pelo meu rosto, eu limpei com as costas das patas antes que caíssem. Continuei dirigindo até chegar na Savana Central, fui direto para a única pessoa que me veio à cabeça...