— Eu não tenho mais que ser um caçador solitário, agora posso caçar sonegações fiscais. Eu vou ser um grande Auditor!!! – Eu falei com entusiasmo.

Aquela realmente era o meu sonho e objetivo. Já os meus pais sempre quiseram que eu fizesse algo mais "importante", tipo ser policial, atleta ou bombeiro, mas o meu amor era os números e livros, amo leitura, logística, números e finanças. Não podia culpa-los, eles tinham na cabeça de que toda espécie do tipo Predador deveria ocupar cargos mais perigosos. Eu tinha uma amiga que era totalmente o contrário, ela queria ser uma policial, a sua coragem e valentia era de dar inveja, o seu único problema era que nasceu uma coelha e todos riam e zombavam dela por causa disso. Eu não, sempre a admirei por ser algo que eu nunca seria capaz de ser, isso me deixava muito intrigado. Hoje é o Dia da Cenoura, um feriado aqui nas Tocas e teríamos um show de talentos, a Judy, o Bill e a Mel queriam fazer uma peça falando sobre a Zootopia. Sempre fui com um pé atrás para eventos desse tipo, mas a Judy era muito persuasiva quando quer, meu papel era de hum... bem, ser um predador. É a boa e velha ironia. Na peça falamos sobre como era a sociedade em épocas antigas e como evoluímos desde então.

— ... Uma incrível cidade chamada Zootopia, aonde nossos ancestrais do passado viviam em paz, eles diziam que você pode ser o que quiser! – A Judy recitou a última fala da peça.

Ela estava certa nesse ponto, lá poderia trabalhar como Auditor em alguma empresa importante e ter uma vida boa. Assim que acabou a peça me encontrei com os meus pais para podermos aproveitar a feira do lado de fora.

— Tchau pessoal!!! – Me despedi dos meus amigos.

— Tchau Felix!!! – Eles gritaram em resposta.

Peguei nas patas dos meus pais e seguimos para a saída.

— Nossa, filho muito boa essa peça! – A minha mãe argumentou.

— Verdade Felix, mas tem certeza de que não quer ser um policial ou um bombeiro? Eles são vistos como heróis além do respeito que recebem – O meu pai tentou não parecer crítico.

— Pai, eu tenho certeza, li bastante. Existem vários tipos de heróis e nem todos usam capas, distintivos ou andam em caminhões – Eu revirei os olhos. Mesmo sendo criança sempre tive uma cabeça mais para frente, lia bastante livros e assim acabei me apaixonados por eles.

— Okay, Okay – O Sr. Hunter ergueu as patas em sinal de desistência, mas ele nos parou e se ajoelhou na minha frente. – Mas que quero que me prometa que será o melhor não importa o que faça.

— Prometo! – Falei confiante encostando a pata no peito dele sentindo as batidas do seu coração.

Ele abriu um sorriso meigo e fez o meu gesto colocando a sua pata no meu peito. Ele não era um pai ruim, daqueles que obrigam os filhos a fazer o que quer e sim um pai orgulhoso, que sempre quer o melhor da sua prole não importa o que faça. Eu podia ver essas características dele em mim, éramos muitos parecidos.

Depois daquele dia me dediquei bastante, terminei o fundamental, me formei com louvor no médio e consegui um a bolsa na faculdade cursei um curso de contabilidade, depois de anos de estudo e um TCC traumatizante consegui chegar nas provas finais, hoje me encontro estudando feito um maluco.

— Licença? Eu preciso de livros sobre cálculos, financeira avançada e um manual para o Excel – Eu me aproximei timidamente na bibliotecária, talvez seja pelo fato de ser uma hipopótamo-fêmea e ela era enorme.

— Ah claro! Só um momento – Ela abriu um sorriso gentil e começou a digitar no computador.

Enquanto a bibliotecária digitava em seu computador as portas da biblioteca se abriram e revelando que um animal entrou, quando as portas se fecharam cortando a entrada da luz lá de fora vi que era o Wade Moonight. Até a faculdade nunca tinha passado pela minha cabeça o tópico "relacionamentos", tipo eu não era muito sociável e sim mais introvertido, obvio que tinha amigos como a Judy, o Bill, a Mel e o Gideon que está fazendo curso de culinária aqui na faculdade, tirando eles tinham poucas pessoas com quem matinha alguma relação social. Mas tudo isso mudou quando eu vi o Wade pela primeira vez, lembro que foi no meu segundo dia, tinha ido para o jardim para comer o meu lanche e ele estava sentado debaixo de uma arvore lendo enquanto escutava música, eu fiquei observando cada detalhe. Ele tinha um pelo negro como o céu sem estrelas que no topo da cabeça formava um topete fofo, os olhos eram de um amarelo penetrante e a melhor parte era os óculos que combinavam com o formato do rosto e caiam super bem nele. E foi aí que o meu coração começava a bater quando via aquele lobo, nunca o ouvi conversando ou falando com alguém, sempre estava solitário. Por isso defini que era hetero ou que já estava namorando com alguma loba da mesma raça, então achei melhor manter distância. E aqui está ele.

— Olha, os dois primeiros você consegue achar no setor H-02 no andar de cima. Já o de Excel é aqui no B-08 – Ela me passou um cartão com as informações e cortando a minha linha de raciocínio.

— Obrigado! – Agradeci pegando o cartão.

— De nada. Bons Estudos – Ela ajeitou os óculos e voltou para o computador.

Eu pensei em pegar primeiro o do Excel já que ficava no térreo, segui para o corredor B-08, achei bastantes livros sobre o tema, assim que escolhi um o puxei revelando o corredor do lado. Meu Deus! Era ele! Era o Wade, ele estava olhando para mim agora com seus olhos fixos, mesmo de óculos ele tinha um olhar penetrante.

— Opa, desculpa! – Ele disse com um tom suave e um leve sorriso.

— T-Tud-do b-bem – Eu não sabia o que fazer.

— Você é...

— Felix. Felix Hunter

— Eu sou o Wade. Wade Moonight, você veio estudar para as provas finais? – Ele passou a pata na cabeça alisando o pelo e ajeitando as orelhas.

— Sim, sim. Nada como um pouco de planilhas e cálculos para não enferrujar – Eu forcei o sorriso.

— É, eu também. Prova de Programação, estou estudando feito um maluco - Ele ergueu os livros grossos que tinham em mãos e revirou os olhos.

Eu falhei em tentar segurar a risada e ele riu também.

— Então, já que estamos aqui e vamos fazer a mesma coisa. Podíamos tipo assim, estudar juntos? Sei que não é o mesmo assunto, mas podemos fazer companhia um para o outro. Não sei se vou aguentar isso sozinho - Ele franziu o cenho para os livros que estava carregando.

— Ah claro é uma ótima ideia! – Meu deus! Socorro, quero morrer!

Fui até o segundo andar pegar mais livros e depois escolhemos uma mesa para estudar, para falar a verdade acabamos conversando mais do que devíamos. Começamos falando sobre o nosso tempo na faculdade, ele me falou que tinha poucos amigos também e que mesmo assim preferia lanchar sozinho e que hoje tinha sido a primeira vez que puxou assunto com um estranho, depois falamos sobre nossos objetivos para depois da faculdade, ele conseguiu uma vaga de estagiário como Suporte e TI em uma empresa no Centro e que queria muito subir na área de trabalho, conversamos sobre quando éramos crianças e rimos por que parecíamos velhos falando do passado. Logo deu quatro horas da tarde e a biblioteca iria fechar, eu o ajudei a guardar aquelas Barças que ele chamava de livros e fomos para casa. No trajeto eu estava saboreando essa lembrança, íamos nos formar, trabalhar e provavelmente nunca mais iriamos nos ver, mas só pelo fato de ter conhecido um pouco sobre o meu crush eterno. Aquilo me fez rir.

...

As provas finais suas mostraram as presas, mas graças ao meu esforço consegui escapar delas com sucesso obtendo uma das melhores notas da sala (modéstia à parte). Logo veio a formatura, me senti engraçado vestindo a beca e vê todas aquelas pessoas, é obvio que eu tentei achar o Wade, mas não tive sucesso. Pelo menos consegui aproveitar aquele momento super importante, quando fui pegar o diploma consegui localizar os meus pais na plateia, a minha mãe estava chorando muito e sendo consolada pelo meu pai que estava com os olhos vermelhos e marejados. Depois dos discursos do orador e dos reitores, aos pouco todos foram dispensados, teria um banquete e festa para os formandos e o corpo estudantil, mas eu preferia ir na pizzaria com os meus pais e comemorar.

— Olha! Agora temos um Auditor na família – Ele me abraçou enquanto tentava morder a minha fatia.

— Pai, eu tô comendo.

— Desculpa filho, você sabe como eu fico nesses eventos – Ele agarrou sua terceira fatia.

— Sabemos Gary. E agora filho, quais são os planos? – A minha mãe perguntou já interessada no assunto.

— Então, eu estou vendo as vagas de estágio em empresas na Zootopia, o problema é só aonde vou morar né. Se eu conseguir algum emprego vai ser tipo muito difícil ir das Tocas para o Centro – Eu dei de ombros.

— Ah! Por falar nisso o seu primo Benjamin conseguiu entrar no DPZ e vai morar no Distrito 1, quem sabe vocês não podem dividir um apartamento. Até que não é uma má ideia – A minha mãe tocou no meu braço.

— Sério?!? Legal! Eu vou ligar para e ver o que a gente pode combinar – Eu me animei com a ideia de morar na cidade grande e ainda mais com o meu primo Benjamin que eu amo e me dou super bem.

No dia seguinte a primeira coisa que eu fiz foi ligar para o Ben.

— Alo? – Ele atendeu no segundo toque.

— Aqui quem fala é o melhor primo do mundo – Eu respondi fazendo uma voz engraçada.

— Felix? É você?

— Obvio que sou eu, né.

Ele deu um leve gritinho que fazia quando estava entusiasmado.

— Oi primo!!! Como você está?

— Tô bem, acabei de me formar na Faculdade e é por isso que preciso conversar com você.

— Sério? Mas do que você precisa?

— A mãe falou que você foi admitido no Departamento de Polícia e que vai morar no Distrito 1, eu queria perguntar se podíamos dividir um apartamento, sabe se não for incomodo.

— O quê?!?! Incomodo? AHAHAHA. Jamais Felix, na verdade vou adorar ter um companheiro de quarto tão legal.

— Perfeito! Quando é que vai ser a mudança? Já me preparo.

— Olha, eu só preciso pagar a entrada e também arrumar as minhas coisas. Que tal na segunda da semana que vem?

— Para mim tudo bem. Segunda então!

— Eu vou te buscar nas Tocas e vamos juntos.

— Até lá.

— Até tchau!

Eu nem acreditava que deu tudo certo vou morar no Distrito 1 bem no centro de Zootopia, já corri para o computador e mandei vários currículos e e-mails já com respostas e marcando entrevistas. Segunda-feira nunca demorou tanto.