– M-mamãe? O que faz aqui? – Perguntei me aproximando dela.

– Ora essa, vim ver a coisa mais preciosa que tenho nessa vida - Respondeu me tomando em seus braços gentilmente. O calor, o cheiro, a sensação nostálgica... Esse simples gesto de afeição faz com que eu esqueça por alguns segundos do mundo a meu redor, faz eu me sentir segura – Tudo correu bem em quanto estávamos fora?

– S-sim. Bem quase, eu...

– Ah, como você cresceu – Me virei em direção ao corredor e encontrei com olhos semelhantes aos meus escondidos atrás de lentes grossas e quadradas.

– Pai! – Corri em sua direção e lhe dei um abraço apertado deixando que a sensação de conforto e segurança me preenchesse mais uma vez.

– É bom te ver também Mado-chan.

– Certo, certo. Todo esse reencontro é maravilhoso, mas por que não vai tomar um banho para que possa nos contar as novidades durante o jantar.

– Certo – assenti com a cabeça e me dirigi a meu quarto.

Eu estou tão feliz que meus pais estejam de volta, não me sinto mais tão sozinha quanto antes. Bem não tão sozinha já que tenho Poniko e Masada Sensei comigo. Mas isso é diferente, quanto estou com eles parece que nada pode me atingir, mas acho que é assim mesmo que as pessoas devem se sentir em relação a suas famílias.

Peguei minhas roupas e me dirigi ao banheiro. Abri a torneira e esperei que a banheira se enchesse, entrei nela deixando que água me cobrisse lentamente, só então notei o quanto meu corpo estava gelado. Mal posso esperar para contar para papai e mamãe sobre o que aconteceu comigo nesses últimos meses, mesmo que ainda doa falar sobre algumas coisas. Mas isso não é motivo para deixar de contar os momentos felizes que tive, junto de Yuki-san, Shitai e Monoko, Poniko-san e com Masada Sensei... Não posso falar sobre ele, Não posso falar sobre Masada Sensei para os meus pais! Isso causaria muitos problemas. Ele sendo uma boa pessoa ou não, não muda o fato de ainda ser meu professor e isso só iria complicar as coisas.

Vou manter isso em segredo... Por hora.

[...]

Saí do banheiro e fui até a cozinha, o cheiro familiar da comida da mamãe faz com que meu estômago ronque. As risadas suaves que ecoam pelas paredes me trazem uma sensação aconchegante, quase tranquilizadora. Chego à cozinha e vejo que meu pai está equilibrando uma colher no nariz enquanto minha mãe ri da forma reservada que sempre faz, escondendo seu sorriso atrás de seus dedos finos e delicados.

– Ah, Mado-chan junte-se a nós.

Sentei-me a mesa e mamãe me serviu, começamos a conversar sobre os lugares que visitaram pelo mundo. Mamãe e papai trabalham numa empresa de viagens aéreas, então eles vão a todo tipo de lugar.

– Ah é mesmo trouxemos coisas para você Mado-chan – Disse Mamãe se levantando e abrindo uma pequena mala em cima do sofá - Aqui.

Ela se sentou novamente a mesa e colocou algumas coisas a minha frente. Peguei-as nas mãos, eram souvenirs, eu tinha muitos deles em conta de suas viagens. Havia uma *pirâmide asteca mais ou menos do tamanho da palma da minha mão.

– Sabemos que gosta muito dessas coisas então trouxemos esses pra você – Disse ela apontando para alguns bonequinhos também quase do tamanho da minha mão. Eles eram alguma espécie de *guerreiros eu acho, eles carregavam escudos e tinham várias cores diferentes.

– E esse aqui trouxemos do Havaí, a forma engraçada delas nos chamou a atenção - Disse meu pai indicando uma coisa estranha ao lado do guerreiro colorido. Parecia uma pequena árvore vermelha com pernas, não fazia nem ideia do que poderia ser.

O tomei na mão em que não estava segurando a pirâmide. Ao puxa-la para perto ela fez um barulho agudo e suave parecido com o da campainha de uma bicicleta. Me surpreendi ao vira-la e ver que em seu interior havia um guiso. Na base de madeira a que estava presa havia uma palavra estranha: *Medusa.

– O que é? - Perguntei chacoalhando-a novamente perto de meu ouvido para ouvi-la tilintar.

– é uma Medusa, um tipo de água-viva. Achamos ela engraçada e pensamos que iria gostar - Respondeu meu pai ajeitando os óculos que escorregaram por seu nariz fino.

– Sim eu gostei bastante, de todos eles - Respondi dando um largo sorriso – Obrigado.

– Não há de que querida – Respondeu minha mãe, apoiando o cotovelo na mesa e repousando seu rosto na palma da mão. Ela me fitou sorridente e colocou um fio de cabelo meu atrás da orelha – Então por que não nos conta como foi aqui na nossa ausência?

– Ah sobre isso – Segurei a medusa com as duas mãos em meu colo, e fitei a mesa sem desviar os olhos para ver a reação de meus pais. Lhes contei tudo, desde a parte em que levei uma bolada na cara até o dia do acidente, também lhes contei sobre o que aconteceu depois com Poniko e sobre minhas idas ao cemitério, apenas ocultei as partes que incluíam Masada Sensei.

Depois que terminei continuei a fitar a mesa, sem coragem de olhar para eles para ver o que iria encontrar, até que senti a mão de minha mãe sobre a minha, ela se levantou e me puxou para perto de si me agarrando com força, mas sem me machucar. Por algum motivo lágrimas começaram a cair deliberadamente, fora do meu controle, agarrei suas costas com força e enterrei meu rosto eu seu peito. Nenhum de nós disse nada por um tempo, até que ouvi a voz suave de minha mãe quebrando o silêncio.

– Você sabe que pode contar conosco para qualquer coisa, não sabe Mado-chan?

Não consegui dar mais do que um grunhido em resposta. Me soltei dela e fui em direção ao meu quarto sem terminar a minha comida. Ao chegar na porta me virei e forcei um sorriso para eles dois.

– Boa noite, amo vocês.

– Também de amamos querida.

[...]

Algumas semanas se passaram desde que meus pais voltaram ao país. Nesse tempo continuei a sair com Masada Sensei e até dormir em sua casa – claro que dando a desculpa de que dormiria na casa de Poniko -. Me sinto mal por mentir para eles dessa maneira, tendo em vista que nunca fiz esse tipo de coisa, sinto como se estivesse traindo sua confiança. mas não há o que fazer nessa situação além de manter segredo, para o bem do Masada Sensei, a última coisa que quero é lhe causar problemas.

– Bom dia Mado-chan – Poniko surgiu a meu lado na calçada.

– Bom dia Poniko-san.

– Heim, Mado-chan você estudou para o teste de história de hoje? – Perguntou a loira virando-se de frente para mim, de forma que não visse para onde estava indo - Eu estou tão encrencada, não sei praticamente nada sobre a revolução francesa, só sei que a França é o melhor lugar para se comprar roupas nesse mundo.

– Não acho que isso vá cair no teste Poniko-san.

– Argh, desse jeito eu vou tirar zero – Exclamou a loira de forma chorosa – Mado-chan me ajuda.

– Tudo bem, assim que chegarmos à escola vamos até a biblioteca e eu te dou uma revisão rápida sobre o que vai cair na prova.

– Ah Mado você é a melhor – Poniko pulou em cima de mim e me sufocou em seus braços. Eu não havia notado antes, mas o perfume que ela estava usando é extremamente doce e está me dando náuseas.

– Poniko, me solte, por favor – Me soltei da loira e segurei em seus braços firmemente, minhas pernas estão bambas e não consigo respirar direito.

– Mado-chan você está bem?

– E-eu estou be... – Minha visão ficou turva e caí. A última coisa que me lembro é de ver os olhos azuis de Poniko estagnados da forma monótona e sem vida, e depois disso apenas borrões e escuridão completa assim perdendo a consciência.

[...]

Acordei assustada, meus olhos se moveram rapidamente tentando encontrar qualquer coisa familiar que me dissesse onde eu estava, mas tudo o que via eram lâmpadas fluorescentes e algumas manchas no teto branco do lugar onde me encontrava.

– Ah vejo que acordou – Levantei minha cabeça a procura da fonte daquela voz. Percebi que estava deitada em uma maca de hospital e ao pé da cama havia uma mulher alta e magra, com cabelos curtos e castanhos, ela tinha um nariz extremamente fina e empinado que me lembrava alguém – Não se preocupe, você está em um hospital e seus pais já estão a caminho.

– O-o que aconteceu comigo? – Perguntei me sentando na beira da cama, procurado meus sapatos.

– Nada, você desmaiou, mas aparentemente não há nada de errado com você - A mulher se aproximou de mim e estendeu sua mão para mim – Me chamo Toriningen Stelle¹, muito prazer.

Apertei sua mão hesitante, podia sentir meu coração batendo acelerado e os batimentos pulsando em minhas têmporas. Isso não pode estar acontecendo, estou na frente da mãe dos meus piores pesadelos, esta é a pessoa que deu vida e criou dois monstros e pode sequer saber disso.

– Minhas filhas falaram muito de você Madotsuki-san - Disse ela com um sorriso que conhecia muito bem, era o mesmo sorriso que vivia estampado na cara de Manchú, o mesmo sorriso que atormentava meus sonhos. Recolhi minha mão rapidamente desviei o olhar – É um prazer conhecer alguém que conhece tão bem minhas meninas, a maioria das pessoas não consegue enxerga-las como realmente são – Apesar de sua voz ser sucinta e estável o cinismo contido nela era nítido.

Eu não respondi apenas apertei mais ainda a borda da maca, apertei com tanta força que as juntas dos meus dedos ficaram brancas. Eu estava errada, ela conhece muito bem os monstros que criou, por que ela mesma é um deles.

– Toriningen-san precisamos de você aqui – Chamou alguém na porta, não olhei apenas continuei fitando o chão serrando os dentes o mais forte que conseguia.

– Já estou indo. Bem, eu preciso ir, vou pedir uns exames e depois poderá ir para casa – Disse a mais alta se dirigindo a porta, a acompanhei com o olhar desejando que ela apenas saísse de uma vez, mas antes de se retirar ela me encarou e lançou-me mais um daqueles sorrisos que me davam arrepios – Foi um prazer de conhecer Madotsuki-san.

Ela saiu do quarto, mas eu ainda podia ouvir o barulho dos seus saltos ecoando no corredor. Isso não pode estar acontecendo comigo.

[...]

Meu braço ainda doí onde a agulha foi colocada. Fizeram um exame de sangue em mim a pouco tempo para ter certeza de que eu não estava com anemia, agora estou aqui nessa sala de espera aguardando os resultados. Meus pais ainda não chegaram me mandaram uma mensagem dizendo que iriam demorar um pouco em conta do trânsito.

Fiquei encarando as lâmpadas iguais as do quarto em que estava esperando pelo tempo passar, até sentir meu celular vibrar.

"Masada Sensei:

Mado você está bem? Soube pela senhorita Poniko que você desmaiou. Eu estou preocupado me ligue quando puder."

Não pude deixar de sorrir ao ver a mensagem. Masada Sensei está preocupado comigo, isso me deixa feliz.

– Madotsuki-san – Meu sorriso se desfez ao ouvir aquela voz aguda - Me acompanhe, por favor.

Levantei da cadeira e segui Stelle até uma sala pequena no começo do corredor. Ela colou sua prancheta em cima da bancada ao lado de uma caixa onde continham luvas descartáveis. Seu sorriso cínico parecia ter se alargado, o que me deixava apreensiva quanto ao que iria dizer.

– Parece que você não está com anemia, o que é muito bom, não acha Madotuski-san? - Perguntou estreitando os olhos.

Não respondi apenas permaneci fitando meus pés. Não queria olhar para seu rosto, tudo o que veria era a mais indesejável das expressões que conheço, só queria ir embora o mais rápido possível e fugir dessa expressão maliciosa que me encara no momento.

– E eu tenho noticias melhores ainda para te dar - Não sei que tipo de notícia boa poderia vir dela, mas não tenho escolha se não ouvir o que ela tem a dizer.

– E-e o que seria? – Perguntei sem desviar o olhar do chão.

– Parabéns Madotsuki-san, você vai ser mamãe – Senti meu coração que até então estava batendo como louco parar completamente, e olhei para sua expressão de quem parecia estar se divertindo com incredulidade – Não é ótimo?

– E-eu o que?