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Suponhamos um metal. Um metal que no tamanho de uma moeda comporta informações de todos os computadores do planeta. Suponhamos, além disso, que estas informações não estão ali guardadas de modo digital, porém, em uma forma que, quando necessário, assume a mesma visibilidade de um holograma de Discos de Duelo. No entanto, nada de inofensivo como os nossos monstros de luz, e sim algo tangível, físico [...]
Tal é a descrição da Moeda [...]

Depois de alguns dias de conversa, começamos nosso treinamento.
David possuía a alma esperada dos duelistas idealistas, sempre cheios de planos e estratégias mirabolantes. Mas, além disso, possuía a característica de ser de fato um excelente estrategista, embora extremamente impulsivo.

Sua rotina estranha, conturbada, logo coincidiu com a minha e, uma semana antes de fevereiro, isto é, do começo do torneio, saímos para um treinamento prático.

Como é sabido, a prefeitura disponibiliza locais públicos para duelistas e seus Monstros de Duelo holográficos gigantescos, desde que tais locais não influenciem na visibilidade do trânsito, ou outras vias de tráfego.

Assim, aproveitamos o fato de residirmos no centro de São Paulo, descemos a congestionada Avenida Paulista com um táxi e desembocamos na Vila Mariana. De lá, caminhamos até o Parque Ibirapuera. A caminhada era desnecessária, no entanto, ele insistiu, já que precisava fumar. Isso era uma meia-verdade, visto que, na realidade, precisava fazer uma ligação para alguém que chamava de “GM”.

A conversa dos dois seguiu um curso estranho, provavelmente por falarem tudo em códigos. Todavia, não dei muita atenção ao conteúdo geral do assunto, apenas à sua conclusão, em que David garantia o sucesso e a continuidade da sua “matéria”.

Por fim, alcançamos o Parque. Entramos pelo portão principal e logo achamos um espaço próximo à ilustre Marquise para um rápido combate.

Por coincidência, acabei encontrando por lá um amigo das antigas, que também exibia seu Disco de Duelos pra lá e pra cá. João Pedro, o desistente do curso de filosofia logo no primeiro semestre. Aparentemente, achou a carreira de baterista mais garantida que a de professor e, devo admitir, não posso discordar objetivamente de tal especulação.

João estava sozinho. Procurava desafiantes para treinar suas habilidades de duelista.

Com a oportunidade na frente do meu nariz, não pude jogar fora.

— Meu amigo aqui está na mesma — Apontei para David. — Que tal um amistoso?

João não hesitou, ligou o Disco de Duelos e foi já pedindo o endereço da conexão bluetoothcom o aparelho de David. Este último, sem muito entusiasmo (porque queria conhecer logo meu Dragão Alado de Rá), deu um gole na vodca que levava num cantil metálico no bolso e aceitou o desafio.

Ambos tomaram posição, e começaram. Fiquei ao centro, garantindo uma visão sem favorecimentos ou espiadelas.

Os dois, em cima da grama, estudaram um ao outro como guerreiros enquanto a moeda holográfica projetada pelos Discos definia quem começaria.
Este seria David.

— Duelo! — falaram.

David – Life Points: 4000

João – Life Points: 4000

Esta era uma daquelas exibições amadoras, por isso mesmo, nada de oito mil pontos de vida. Considerando o baralho de David, aliás, deveria ser algo bem rápido. Contudo, uma coisa curiosa de seus Volcanics era a ausência de um “chefão”. Seu monstro mais forte era o Hammerer, e este contava com apenas dois mil e quatrocentos pontos de ataque, além de um efeito castrante. Segundo a explicação de meu novo aluno, o baralho não foi adquirido por completo por razões financeiras.

Ambos compraram as cinco cartas iniciais, e David tomou a palavra.

— Primeiro, eu ativo a mágica, TremendousFire (Mágica Normal). Com ela, por quinhentos pontos, eu detono mil dos seus.

David – Life Points: 3500

João — Life Points: 3000

— Para continuar, ativo outra mágica: Soul ofFire (Mágica Normal). Com ela, você puxa uma carta, e então, seleciono um dos meus bebês para ser removido de jogo, e metade do ataque dele é seu dano — David escolheu, justamente, o VolcanicHammerer (2400/1500), tirando de jogo logo no primeiro turno seu “chefão” e deixando João com seis cartas à mão antes de começar a jogar.

João Life Points: 1800

— Para encerrar meu turno, eu deixo duas invertidas — Com isso, David terminou a jogada com uma carta na mão e um enorme dano ao adversário.

— Impressionante... — comentou João, sem muita expressividade, enquanto puxava. — Ativo a mágica, Space Mystic Typhoon (Mágica Rápida), destruindo uma de suas invertidas — No caso, foi um Magic Cylinder (Armadilha Normal). —, então, convoco ao campo Goblin Elite Attack Force (2200/1500).

Os monstros vestidos com armaduras brancas tomaram o campo, em formação militar.

— Mas isso não é tudo. Ativo a mágica Double Summon (Mágica Normal) e, com ela, reforço essas tropas com GoblinAttack Force (2300/0). O jogo já acabou, amigo!

Os monstros de João tomaram posição e partiram numa carga alucinada contra David, num ataque direto, que começaria com a Força de Elite.

— Ainda não, amigo — replicou David. — Eu ativo a armadilha invertida, BlazeAcceleratorReload (Armadilha Contínua). Com ele, posso descartar um Volcanic e comprar uma carta. — Assim foi feito, e logo percebi o desenrolar da jogada. David descartou o VolcanicScattershot (500/0). — Pelo efeito do monstro que descartei, você toma quinhentos pontos de dano.

João Life Points: 1300

— Mas não só isso — prosseguiu o adepto de Volcanics. — Quando o Scattershot vai pro cemitério pelo efeito de um BlazeAccelerator, ela leva mais duas cópias, destrói o seu campo todo e você toma mais quinhentos de dano por cada uma das cópias dele.

João – Life Points: 300

Das costas de David, três minúsculos monstrinhos envoltos em chamas saíram voando. Adquiriram, no ar, a forma de vários projéteis e abateram as tropas Goblin de João, que apenas protegeu os olhos da explosão rubro-negra.

Com os braços cruzados e um sorriso de satisfação, David completou:

— Ainda é sua vez.

Meu amigo das antigas apertou os lábios e encerrou o turno com duas cartas invertidas, além de uma carta na mão, sem falar nada.

— Então, é a minha vez — O jornalista puxou. — Acho eu que o jogo acabou mesmo, amigo, porque invoco o VolcanicSlicer (1800/1200)!

— Não acabou ainda não! — exclamou o adversário. — Eu ativo a armadilha,BottomlessTraphole (Armadilha Normal), e seu Slicer é removido de jogo!

A frustação transpareceu em David na forma de um gole no cantil de vodca.

— Que seja. Eu deixo uma invertida, e isso é tudo — O beberrão terminou o turno sem nenhuma carta na mão.

— Durante sua Fase Final — berrou João —, eu uso aCallOf The Haunted (Armadilha Contínua), para trazer GoblinAttack Force (2300/0) de volta ao campo.

— Sem contestações, sua vez.

— Aqui vou eu! — Puxou. — Eu invoco o GiantOrc (2200/0). E vamos ver se outro Volcanicna sua mão vai salvar sua pele. Orc Gigante, ataque diretamente!

O monstrengo avançou com o tacape na direção de David, que sem pestanejar, acionou no Disco de Duelos o botão de ativação de carta incarta invertida.

— Ativar invertida — anunciou ele —, Wild Fire (Mágica Rápida). Por quinhentos pontos, eu mando para o cemitério meu BlazeAccelerator, e todos os monstros em campo são destruídos.

David – Life Points: 3000

Com a ativação da carta mágica, o BlazeAccelerator entrou em colapso, explodindo. Na densa nuvem de chamas, os monstros de João foram destruídos, e da confusão emergiu uma serpente de chamas, o Wild Fire Token (1000/1000) que concluiu o efeito da mágica rápida.

— Ainda é sua vez — disse David, num tom desafiador.

— Você tem um baralho muito chato, rapaz! Deixo uma virada pra baixo e acabo por aqui — João encerrou sua jogada sem cartas na mão.

O jornalista puxou em silêncio e, sem delongas, ordenou que seu tokenatacasse.
A serpente de fogo assumiu a posição de bote para, então, lançar uma onda de labaredas contra o adversário, em um ataque direto... Que foi frustrado por dois cilindros.

— Armadilha! — gritou o baterista. — Magic Cylinder (Armadilha Normal)!

David – Life Points: 2000

O ataque saiu pela culatra, e meu frustrado novo amigo, ainda em silêncio, deixou uma carta invertida e encerrou o turno com nada na mão.

— Tá quieto, cara. Que acontece? — questionou João, irônico, puxando sua carta e iniciando seu turno.

— É o álcool batendo — foi a resposta bem-humorada, acompanhada de um gole ilustrativo na bebida.

— Vou te deixar sóbrio então. Presta atenção! Eu uso a carta mágica PotofGreed (Mágica Normal), com ela puxo duas cartas... — Sem esconder a felicidade por puxar algo bom, João prosseguiu. — Agora, uso a Monster Reborn (Mágica Normal), para ressuscitar o GiantOrc (2200/0). Depois, invoco normalmente oSecondGoblin (100/100), e, com o efeito dele, vou equipá-lo no Orc Gigante.

Nas costas do Orc Gigante, uma versão miniaturizada e magricela do mesmo monstro, com um tapa-olho e uma tolha, montou, dando instruções ininteligíveis ao pé do ouvido do monstrengo.

— Batalha!

O monstro cinzento avançou com seu tacape, esmagando em um só golpe a serpente de fogo.

David – Life Points: 800

O jogo estava virando, e a ansiedade de David transparecia cada vez mais em novos e maiores goles no cantil.

— Como você sabe, no final da batalha, o Orc deveria ir para o modo de defesa e assim ficar. Porém, com o efeito do SecondGoblinque está equipado a ele, eu posso fazer esse bichão voltar pro modo de ataque. Isso é...

— Ainda na sua Fase Final — interrompeu o mais ébrio dos jogadores —, ativo Zoma The Spirit (Armadilha Contínua). Com a ativação dessa carta, tenho no campo agora um monstro — Zoma The Spirit (1800/500) — em modo de defesa.

— Beleza, encerrei por aqui — O sóbrio do jogo terminou o turno sem cartas na mão.

— Vamos acabar logo com isso. Passo o Zomapara o modo de ataque e, então, batalha!

O espírito sombrio, com forma draconiana, avançou inutilmente contra o Orc. Este último revidou com brutalidade e precisão, abatendo o inimigo que, ao cair, adquiriu a forma de uma fumaça espessa que foi ao encontro de João, encerrando o duelo, apesar dos quatrocentos pontos de prejuízo causados a David.

Fim do Duelo!

David – Life Points: 400

João Life Points: 0

Vencedor: David!

— Mas o quê? Não entendi — disse João.

— O efeito do Zoma. Quando ele é destruído em batalha, nessa forma de monstro, inflige dano igual ao ataque do monstro que destruiu ele — expliquei, caminhando na direção dele.

— E então, professora? — falou David.

— Ver você em ação, assim, com esse grande desafio, foi ótimo para notar seus erros — voltei a atenção para o baterista, antes de prosseguir, olhando para o Disco de Duelos dele.

— Ué, você ainda duela? — indagou surpreso meu amigo das antigas.

— Se eu tiver um Disco, sim. — Virei para David. — Aceita o desafio, David? Aqui e agora?

Ele assentiu em resposta, já organizando o baralho, com um sorriso satisfeito.

— Ao longo de nosso jogo, comentarei mais sobre seus vacilos — assegurei. — E... Joãozinho, muito obrigado. Você mandou muito bem!

João Pedro sorriu gentil e tristemente, possivelmente lamentando por dentro a derrota. Passou o Disco de Duelos para mim, que, já posicionada, anunciei:

— Duelo!