Your Tears Crash Around Me
See You
– Ora, vamos, Ella Jae! Você não pode ficar nesse quarto para sempre!
Mas ela não se importava. Bom, ela passou a não se importar depois de tantos gritos que já ouvira de sua mãe.
Faz algum tempo que Ella Jae – ou Ella, de preferência – perdeu o seu sorriso. Tudo por causa de uma coisa muito boa, para falar a verdade.
A carreira de seus melhores amigos finalmente estava progredindo depois de tantos ensaios e tanta dedicação que ela acompanhou de perto. Quase diariamente, Ella se encontrava com os rapazes na casa de Moose – o baterista –, sentava-se no degrau do porão fronte aos instrumentos, e os assistia. Era simplesmente demais.
Aquela era a hora do dia que Ella esquecia de tudo. Ao fechar os olhos, podia facilmente imaginar um estádio lotado de fãs mudos, e se ela se esforçasse um pouco mais, os fãs começariam a gritar ao som de Jeff Killed John.
Mas no fundo, quem Ella gostava mesmo de ver e ouvir era Matt – o vocalista e guitarrista. Ao longo do tempo eles gradualmente viraram melhores amigos – pelo menos uma vez a semana marcavam de jogar vídeo-game a noite inteira, para depois adormecerem – mas nada além disso. Afinal, ela é só uma estudante que ainda cursa o ensino médio – embora esteja quase terminando –, enquanto Matt, Padge – o outro guitarrista –, Nick – o baixista – e Moose já estudavam música na Bridgend College, no País de Gales.
Algumas vezes, Ella ainda conseguia assisti-los se apresentando em algum bar local, mas na grande maioria delas, não podia entrar por ser menor de idade. Porém nas poucas vezes que a menina compareceu, ela pôde ver o quanto todas as pessoas presentes gostavam do som que eles faziam. Cedo ou tarde, tinha certeza, Jeff Killed John cresceria e ficaria conhecida pelo mundo todo.
Naquela época, toda vez que este pensamento invadia a sua mente, um sorriso vinha junto.
Agora, não vem mais.
Ela não quer que nada mude; está tão bom do jeito que está. É claro que ela se dá bem com todos os integrantes da banda, mas há algo a mais em relação ao garoto de olhos cor de gelo. Ella não admitiria, mas ela é cegamente apaixonada por Matt; a menina se abre com ele, e ele ouve a cada palavra sua sem o mínimo sinal de tédio, ou algo do tipo.
E tudo, tudo isso está prestes a terminar.
– Ella Jae, por favor. Venha almoçar – sua mãe pedia.
Sempre chegava uma hora que Sra. Lynn desistia de chamá-la.
Mas chegou cedo demais.
Depois de alguns segundos, outra voz grave e masculina trouxe arrepios à menina:
– Ella. Me deixa entrar.
Era Matt.
Ele sabia muito bem por que ela estava assim, isolada em seu quarto.
– Por favor – pediu ele, na sua voz mais macia e rouca. A garota acabou por ceder.
Ela, então, levantou-se da cama desarrumada e arrastou-se à porta, destrancando-a. Ella nem se lembrou do quão inchados seus olhos deveriam estar – tanto pela falta de sono quanto pelas suas lágrimas.
Matt ficou meio sem reação quando a viu daquele jeito.
– Sinta-se em casa – Ella falou ironicamente enquanto voltava para a cama.
O rapaz deu passadas cautelosas para dentro do quarto escurecido e fechou a porta.
Silêncio.
– Ella, eu sinto muito mesmo... mas... – ele parou quando seus olhos acostumaram-se com a escuridão e enxergaram a menina encolhida.
Matt murmurou um “merda” e sentou-se na cama, entrelaçando os dedos sob o nariz. Ele não fazia ideia do que dizer a ela. Na verdade, ele fazia, mas não o diria ainda. Não parecia certo.
Passou-se algum tempo assim, ouvindo-se apenas os soluços da menina de cabelos vermelhos. Ela não conseguia ficar feliz pelo contrato que Jeff Killed John arranjou, e pela grande oportunidade que eles teriam. Por quê?
Porque eles estavam prestes a sair do país, e só Deus sabe por quanto tempo. Eu odeio isso, elapensou, deixando as lágrimas caírem mais ferozmente.
– Ah, pára de chorar, Ella. Eu venho te visitar, ok? Eu prometo. Eu também vou trazer vários presentes dos EUA, mas por favor... Não chora – suplicou ele, tentando consolá-la.
Ella virou de lado na cama.
– É que eu tenho medo – falou.
– De quê?
Ela suspirou.
– Que vocês acabem esquecendo daqui, de mim, ou sei lá. Cara, eu... eu vou ficar tão sozinha.
Matt baixou a cabeça, franzindo o cenho.
– Isso não vai acontecer.
Então a menina desabou.
O seu choro começou a arrancar pedaços do rapaz; a última coisa que ele queria era magoá-la daquele jeito.
Então, antes que ele se desse por si, Ella se ajoelhara na cama e o abraçara por trás com toda força, fazendo com que suas lágrimas rolassem soltas pelo ombro de Matt.
– Ella... – foi tudo que conseguiu dizer, abaixando a cabeça novamente.
O corpo da menina estava frio como nunca; aquele abraço era repleto de dor.
Enquanto Ella Jae debruçava-se sobre o garoto, ele pensava numa forma sutil de dizê-la o verdadeiro motivo de sua visita; mesmo que ela no fundo já saiba.
Depois de alguns segundos assim, ele cerrou os olhos e finalmente o fez:
– Eu vim me despedir, Ella. Bom, todos nós viemos. O Padge, o Moose e o Nick estão lá embaixo, e disseram que era melhor eu falar com você primeiro, então... – falou timidamente, hesitante quanto à reação da menina. Tudo o que ela fez foi apertar o abraço, não querendo soltá-lo nunca mais. Mas acabou por fazê-lo.
– Vocês vão embora agora?
Matt virou o tronco para encará-la.
– Sim – falou, com seus olhos fixos nos cintilantes e escuros olhos dela. – O nosso voo sai daqui há uma hora e meia; a gente tá até atrasado...
A menina abaixou o olhar.
– Quer se despedir deles? – ele perguntou.
Ella assentiu, abrindo um meio sorriso.
Então, o rapaz a pegou suavemente pela mão e ajudou-a a se levantar, seguindo para o primeiro andar do pequeno sobrado.
Ao olhar sobre o corrimão da escada, Ella pôde vê-los lá embaixo, espalhados pela sala de estar. Ela supôs que já houvesse um táxi esperando-os lá fora para levá-los ao aeroporto, o que a fez suspirar fundo antes de seguir descendo os degraus.
De repente ela sentiu um pedaço de seu coração ser arrancado fora.
– Ah, e aí, Ella – Padge cumprimentou-a com a voz baixa. Os outros rapazes a olharam com sorrisos inocentes, como se dissessem o mesmo.
– Oi – a menina retribuiu o sorriso.
Em seguida, Moose a envolveu em um abraço forte. Ela sentiu algo diferente dentre todos os abraços que ele já lhe dera; este relembrava aqueles de despedida.
– A gente vai voltar logo, só vai ver – falou o baterista em um tom faceiro.
Ella Jae esboçou outro sorriso, mas nada respondeu.
Foi assim com todos os rapazes – cada um murmurando frases reconfortantes, mas não exatamente fazendo-a sentir-se melhor –, até que eles eventualmente dirigiram-se para fora da porta da frente, acenando uma última vez. Menos um.
Matt aguardou o tempo todo ao lado de Ella, esperando para se despedir propriamente. Só ele sabia o quanto ela sofria com tudo isso. Era verdade: ela não teria ninguém quando eles fossem embora, e isso parecia atingi-la como um soco no estômago. Ou até pior.
No momento em que ela se virou, hesitante, para encará-lo, ela sentiu um súbito calor a envolvendo. Poucos segundos depois, ela foi perceber que agora sua cabeça encaixava perfeitamente entre o maxilar e o ombro de ninguém menos que Matt.
O abraço era tão sofrido quanto o de antes, e ambos sabiam que este seria o último. Talvez não o último. Mas até o próximo reencontro.
Alguns minutos se passaram, e ele pegou seu rosto nas mãos. Tocando os lábios na sua testa, Matt sussurrou:
– Tchau, Ella.
Seus olhos cintilavam quando desgrudou-se dela e dirigiu-se porta a fora, antes mesmo que ela pudesse responder.
A menina de cabelos vermelhos não soube o que fazer de imediato, a não ser encarar a porta envernizada agora fechada. A verdade do que estava acontecendo inundou-se pela sua face; nenhuma lágrima ousou aparecer.
Ella Jae não pensou duas vezes ao abrir a porta violentamente, para deparar-se com uma rua deserta. O sol do meio-dia refletia no asfalto abrasador; dava um brilho amarelado às folhas de todas as árvores da vizinhança, enquanto o silêncio reinava. Realmente um dia bonito. Um dia nada próprio para lágrimas.
Sem ensaios. Sem encontros.
Ela olhou para o céu.
Eles se foram.
– Tchau – respondeu finalmente aquela pequena pessoa de cabelos cor de sangue.
Ela, então, fechou os braços no peito e deixou as lágrimas caírem livremente.
Já era tarde demais.
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