Pov. Selena.

Um grito no silêncio da noite.

– Ai pelo amor Selena! É o terceiro pesadelo de hoje. Não vai mesmo me dizer o que está acontecendo? – Miley falou na cama debaixo da minha. O suor na cama me dizia o quão aterrorizante havia sido meus pesadelos. Passara 2 dias desde a vingança de Demi, e desde então toda noite minha cabeça não sai da cena: o sangue vermelho vivo escorrendo por seus lábios, os olhares que me queimavam por dentro: Christian havia se tornado o Freddy Kruger dos meus sonhos, mas pior... porque ele existia.

– Não é nada Miley, já disse. Eu vi aquela sessão de filmes de terror na casa de Demi, e desde então não consigo mais dormir.

Miley arqueou as sobrancelhas e olhou a hora em seu celular.

– Nem precisa dormir. Faltam meia hora para irmos pra escola.

Sentei-me na cama olhando pela janela do quarto de Miley. Ela me deixara dormir lá, pois tia Morris estava preocupada com os pesadelos. Novamente a cena de toda a crueldade passou por minha cabeça. Miley sentou-se na minha frente, então tentei esconder a ânsia de vômito.

– Selena, eu posso não ser a garota mais próxima de você, mas eu sei muito be quando tá mentindo. – Ela fitava-me com seus olhos verdes.

– Eu... – hesitei. Eu queria poder-lhe contar a verdade. Eu tinha que tirar esse peso dos ombros: mas eu não podia. Eu prometi a Demi, que eu iria manter toda a história em segredo, e é isso que eu tinha que fazer. – Não posso falar Miley.

Ficamos lá, acordadas sem falar nada, nem mesmo implicar uma com a outra. O silêncio nunca foi tão acolhedor, como fora naquela noite.

Finalmente, ao ouvir o telefone de Miley tocar cantando Hot 'n' Cold, da Katy Perry, nós tivemos a certeza que tinhamos que levantar. Depois de quase um mês sem tomar café da manhã, a comida desceu um pouco indigesta. Mas comi, pois no meu estado, a fome não seria nenhuma aliada. Miley dirigiu pela primeira vez devagar, depois de muita insistência minha, claro. Eu observava a paisagem, e nunca senti tanto medo das ruas desertas.

– Você tá bem? – Miley perguntou ao chegarmos. Concordei com a cabeça e fui em direção do enorme portão da escola. Ao me virar avistei Justin. Ele conversava com os amigos. Eu não conversei com ele nos ultimos dois dias, porque ainda não sabia como contar toda a história de Trudy. Então eu andava o evitado, mas sabia que mais cedo ou mais tarde teria que contar toda a história. Suspirei, e entrei sem hesitar.

Minha primeira aula fora de literatura, e pela primeira vez o professor Jonh não falara sobre coisas de amor, e blá blá blá. Eu estava com medo de ficar sozinha, quando sai da aula. Mas a ideia de ficar com Demi, só me aterrorizava mais.

– Selenitaaaaa! – gritava Demi enquanto corria na minha direção com um papel amaçado na mão e um sorriso de orelha a orelha.

– Fala Demetria. – falei desanimada.

– Lê. Só lê... – sussurrou me entregando o papel extremamente branco.

" Informamos que o julgamento de Christian Juarez Santiago será daqui a uma semana, no dia 09 de Outubro. " Era o que se lia no papel.

Christian.

Senti um arrepio na coluna e depois fitei Demi.

– Você vai comigo né? Imagina a cara dele, quando me ver. Ele vai defecar nas calças. – Demi riu. – Vai ser legal e tud...

– DEMI! – falei interrompendo-a. – Como você pode tá toda serelepe, e rindo depois do que fez?

– Eu não fiz nada demais...

– VOCÊ TORTUROU UM HOMEM! – vociferei. Alguns olhares me encontraram, então puxei Demi para o banheiro feminino a nossa frente e tranquei. – Eu não vou a esse julgamento.

– Selena, ele não vai fazer nada comigo. Ele pega perpétua e...

– Você não entende, não é mesmo? – Falei sentindo minhas mãos suarem frio. – Christian não vai querer se vingar de você, ele vai querer se vingar de MIM!

Demi ficou parada, como se cogitasse a ideia que eu implantara em sua abstrata mente.

– Pff.. – ela resmungou. – Sel, por que Christian iria querer se vingar de você? Você não fez nada.

– Eu o entreguei para a polícia. Se eu não tivesse chegado com Justin naquele dia, nada do que está acontecendo com ele aconteceria. Sem prisão. Sem julgamento... sem sua vingança. Ele não tem motivo pra se vingar de você, até porque sabe que o maior prejudicado será ele... mas se ele se vingar de mim...

Demi parecia ter concordado. Mas seus olhos ainda procuravam um argumento para tentar contestar a verdade.

– Você... você tá delirando. – ela falou pondo a mão em seu cenho. – Tenho que ir.

Demi destrancou o banheiro, e eu fiquei mais uns segundos lá. Ao sair, o corredor vazio me fez estremecer. Eu não aguentava ficar em mais nenhum lugar em que houvesse 1% de chances de algo acontecer. Ou seja, lugares vazios. Decidi sair em passos rápidos, mas uma voz me fez parar.

– Selena? – falou a diretora Hemsfield. – Poderia vir em minha sala um instante?

Bufei enquanto andava com passos longos e pesados até a porta de madeira da diretora. Com a cara na parte de dentro da sala, bati para anunciar e quando o olhar da diretora foi em minha direção me dei permissão à entrar.

– Olha sra. Hemsfield, eu não fiz nada de errado por enquanto então seja lá oqu...

– Sente-se. – falou interrompendo-me. Sentei com brutalidade e fitei a janela embaçada atrás daquela mulher de belos cabelos ruivos e encaracolados. Hemsfield tinha em seu rosto um óculos, que foi retirado assim que ela virou o olhar para mim de novo. – Porque os alunos sempre pensam que quando os chamo é só para dar castigos? – ela riu.

– Porque é isso que a senhora faz... ? – perguntei irônica. Ela novamente riu.

– Só tive tempo para agradecer com o que fez com o gramado hoje. Fez um bom trabalho.

– Fiz só o que me mandaram fazer... mais nada. – fitei a porta da biblioteca, dessa vez bem mais aberta. O silêncio novamente me acolheu.

– Bom... da última vez não tive tempo pra lhe mostrar a biblioteca então... – ela se levantou e me convidou a entrar. Abriu as portas de correr com uma delicadeza que mais parecia que a porta era leve. Ao entrar, vi uma das imagens mais belas de toda a minha vida: um lugar grande com apenas uma janela, de 3 ou 4 metros. Prateleiras enormes, guardavam livros de todos os tipos, de todas as épocas. Começamos a andar vagarosamente, apreciando cada nome, cada capa.

– É lindo. – sussurrei pra mim. A diretora riu e mais uns minutos de silêncio se seguiu.

– Tenho observado você Selena... e parece que tem andado com a mente longe...

Suspirei fundo e alto. – Problemas... já tentei fugir deles e não adianta, então é melhor manter a mente longe.

A diretora soltou uma longa risada.

– Não acho que problemas sejam engraçados. – falei sorrindo.

– Não... Não é isso. É que sua mãe falava uma coisa parecida sobre fugir dos problemas. – Ela fez uma pausa, como se pedisse permissão para continuar. – " Problemas são como sombras: não há como fugir deles, pois eles de certa forma são parte de você".

Sorri ao lembrar da imagem de minha mãe. – Ela tinha razão. – suspirei. – Sinto falta dela.

– Eu e sua mãe éramos amigas.

– Você foi diretora da escola dela? – perguntei exclamando. Hemsfield riu.

– Sou só 7 anos mais velha que sua mãe. Não há como eu ter sido sua diretora. – ela suspirou. – Éramos colegas de turma. Minha mãe odiava que eu andasse com ela, porque eu tinha que ter a postura perfeita para ser diretora quando crescesse e Amanda não era a forma mais exata de disciplina. – rimos juntas.

– Acho que puxei a ela... – novamente o silêncio.

– Sabe... sua mãe amava morar em Filipi City. Ela chamava aqui de "la cittá perfetta" .

– A cidade perfeita. – falei sorrindo. – Já ouvi falar disso.

– Ela achava que nunca iria se mudar daqui, até conhecer seu pai. Ricardo era ganancioso e sabia que não conseguiria abrir um grande negócio de cassinos aqui em Filipi City. Então eles decidiram ir para Laguna, uma cidade próxima daqui. É uma Las Vegas texana. Sua mãe, não pareceu gostar de ideia e como por milagre você foi o motivo dela ficar por 5 anos.

– Não entendi.

– Quando ela e seu pai estavam saindo da cidade, sua mãe descobriu que estava grávida. Então insistiu à seu pai para que ficasse para você conhecer filipi City. Mas seu pai não queria ficar muito tempo então... quando você completou 5 anos, vocês arrumaram as malas. Sua mãe tinha me chamado para ir ao zoológico que fica no fim da cidade, mas decidi não ir. Estava ocupada com meus estudos.

– O caminhão... o acidente.

– Se continuassem olhando os macacos como você queria, daria tempo do caminho sair, e evitar o acidente. É como uma teia: tudo estava interligado.

Senti uma lágrima quente correr pela minha bochecha.

– Você foi vê-la? – perguntei limpando os olhos.

– Fui a primeira pessoa pra quem ligaram. Corri pra lá o mais rápido que pude, e quando vi toda a cena, meu coração parecia ter parado de funcionar. Você estava intacta, foi sua mão deitou-se em cima de você, impedindo que qualquer coisa acontecesse. Mas ela nem seu pai tinham essa proteção. Ela gastou suas ultimas palavras comigo. Ela implorou para que eu cuidasse de você, mesmo de longe. E depois... nada. Seus olhos perderam a cor, e sua respiração sessou. E logo depois chegou Theresa com Destiny... digo, Miley. Sempre esqueço que ela mudou o nome.

– Tia Morris nunca me contou que tinha chegado depois de você... eu nunca soube de toda essa história. – falei indiferente. – Eu... posso escolher um livro?

– Claro. Se quiser uma dica... – ela andou até a ultima prateleira, onde se punha escrito numa placa "Especiais". Me trouxe um livro com uma capa dura. O livro não era tão grosso, mas era largo. – A Bela e a Fera.

– Eu conheço essa história. – falei pegando o livro nas mãos.

– Era o preferido de sua mãe. Ela falava que se sentia como nesse livro. Ela a Bela, e seu pai, grosso e ganancioso, a fera. A descoberta de um amor, em dois opostos. É um bom livro.

– É um perfeito livro. – falei rindo e sem perceber associando a história à mim e a Justin.

– Bom... tenho que terminar de assinar umas papeladas então...

Sorri.

– Essa é a deixa pra você sair da sala. – ela susurrou rindo.

– Ah claro. – ri. Ao sair da sala novamente estava o movimento corredor. Levantei a cabeça e vi Justin vindo em minha direção. Talvez minha mãe estivesse certa: os nossos problemas são como nossas sombras: não temos como fugir deles, pois de certa forma, fazem parte de nós.

– Bom... acho que você está me devendo uma conversa. – Justin falou rindo.

Concordei.