Your Guardian Angel...

Um pesadelo de olhos abertos


O resto do dia passou normalmente.
E é claro que nem sinal da estranha professora nova.

Ayumi iria para a minha casa no final da aula, já que tínhamos um trabalho para entregar no dia seguinte. Além do mais, não iríamos deixar de aproveitar a oportunidade de colocar a conversa em dia.
Íamos caminhando tranquilamente pelas poucas quadras, quando uma coisa me chamou atenção...

Tinha uma sombra na parede. Que não era de nenhuma de nós duas.

O caminho que utilizávamos sempre estava deserto. Não sei exatamente o motivo, mas minha mãe me disse uma vez que os espíritos costumavam a usar esse caminho atrás da passagem para o outro mundo.
E como as pessoas daqui costumam a ser muito supersticiosas evitam o quanto podem esse trecho.
Ayu-chan mesmo, ficou meio receosa no começo, mas desencanou quando eu comecei a puxar um assunto qualquer.

Concluindo, haviam três sombras na parede, sendo que só tinha nós duas na rua.
Não havia som de passos, da respiração, nada.

Fechei os olhos e contei até três. Então me virei rapidamente para trás.

Realmente não havia ninguém ali... E a sombra estranha havia desaparecido também.
Olhei para os lados e não encontrei nada que podia ter formado aquela sombra.

“É só sua imaginação pregando peças em você, Chihiro....”-pensei tentando me acalmar

-E então?

-Ham?-perguntei perdida

-Aff!Você não ouviu uma palavra do que eu disse?- a garota ao meu lado rolou os olhos- Estávamos falando sobre o aniversário da Karin, e eu te perguntei se você já escolheu sua fantasia.

-Ata.Na verdade nem sei se vou...

-O QUEEEEEEEEEEEEEE?!- Ayumi gritou parando na minha frente chocada- Ogino Chihiro, você não pode NEM SONHAR em faltar a essa festa!

-Mas...

-Nada de ‘mas‘.É festa mais esperada de todo o ano! Todo mundo vai estar lá. Incluindo os veteranos...- a morena piscou no final frase e foi minha vez de rolar os olhos.

Os “veteranos” eram um grupo de garotos eleitos unanimemente pelas garotas da escola como os mais gatos: Nakamura Eriol, Yoshita Ken, Hayashi Akira e Matsumoto Yusuke -o amor platônico da Ayumi. Todos com praticamente a mesma idade e do terceiro ano.

Eriol era meu melhor amigo desde o meu primário na outra escola.e minha amiga vivia “implicando” comigo por causa disso.

-Fala sério, Chihiro!-a garota disse pela milésima vez- Amizade entre uma garota e um garoto? Principalmente um veterano?Impossível, amore!

- Não é, não.- suspirei. Essa historia não ia levar a lugar nenhum.- Vamos logo, senão minha mãe me mata por chegar atrasada para o almoço...

Ayumi sorriu e voltou a andar saltitando na frente.
O que me deu a chance de voltar a me perder em meus pensamentos durante o resto do caminho.


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A tarde passou rapidamente, e logo a mãe da Ayu ligou falando para ela ir para casa.Tentei convencer a Sra. Sato a deixar minha amiga dormir aqui, mas como ela já estava de castigo, não deu certo.

Entretanto passava de meia noite e eu estava jogada na minha cama sem nenhum pingo de sono.
Depois do ducentésimo quarto carneirinho, havia desistido de tentar dormir.
Levantei da cama, e abri a janela. Talvez depois de sentir um pouco do vento frio da noite, minha cama parecesse mais convidativa.

Com facilidade, subi na janela, e coloquei minhas pernas para fora.
Como meu quarto ficava nos fundos da casa, não havia barulho de carros. Apenas o som do vento batendo nas folhas da cerejeira antiga, e a luz da lua chia preenchiam a paisagem.

Inspirada voltei para o quarto para pegar meu bloco de desenho.
Abri minha mochila, mas não consegui encontrá-lo.

“Estranho, jurava que estava aqui.”- pensei

Resolvi abrir todos os bolsos e virar a mochila de cabeça para baixo.
Nada de estojo, caderno, apostila...
A única coisa que caiu foi o grosso livro negro da professora Asukai.

Joguei a mochila vazia num canto, e fiquei parada, encarando assustada o objeto por alguns minutos.

“Definitivamente tem alguma coisa muito esquisita nessa historia toda... Muito mesmo”- pensei enquanto me aproximava lentamente do livro.
Não duvidava que ele poderia levantar e tentar me morder como num filme que eu assisti há um tempo atrás.

Mas felizmente, ele não se mexeu nem um milímetro, então tive coragem de segura-lo.
Ele estava mais quente que as minhas mãos, mas não o bastante para queimar. Um calor agradável.

Voltei para minha janela, e aproveitei a luz da lua para ler o livro.
Afinal, se eu ligasse a luz, era bem provável da minha mãe acordar e vir aqui querer saber o porque de eu estar acordada tão tarde.

Apoiando-o no meu colo, fui passando rapidamente as páginas e descobri que não havia nada para ler.
Nada em japonês ou mesmo em letras ocidentais. Apenas símbolos estranhos embaixo de cada figura, como numa espécie de legenda.

Havia varias imagens de criaturas metade animais metade humanas, mas assim que eu vi um senhor de bigode e membros de aranha. Senti uma tontura muito forte.

E as vozes estranhas começaram a falar de novo...


“...Desça as escadarias até as caldeiras. É onde atiçam o fogo. E quando você chegar lá em baixo procure Kamaji...

-Kamaji...-falei perdida

-Peça para ele arranjar um trabalho para você....”


Acordei com som do livro caindo no chão.
Balancei a cabeça para ter certeza que estava desperta.

“Aquela voz...A mesma voz dos meus sonhos”- pensei enquanto pulava para varanda.

Peguei o livro com cuidado, limpando-o com a mão.

- Pelo menos não amassou...-sussurrei aliviada.Vai que a professora resolve me reprovar por ter estragado o livro dela?

Me virei pronta para subir a janela baixa de novo quando um barulho estranho me fez parar.
O som parecia de gemidos ou algo assim. Apavorada, juntei toda a coragem que eu NÃO tinha para olhar para trás.

-Que-quem ta ai?- perguntei gaguejando.
Mas -graças a deus- não tive resposta. Sem pensar duas vezes voltei para o meu quarto e fechei a janela.

Coloquei o livro na primeira superfície plana que encontrei e corri para minha cama, cobrindo-me até a cabeça.
Então antes mesmo que eu pudesse notar já havia adormecido.

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-Tchau, filha.- meus pais falaram enquanto eu corria para fora de casa.

Estava atrasada. De novo.

“Aliás, quando é que eu não estive? Só pode ser carma mesmo!”

Corri em meu atalho nem-tão-secreto-assim, rezando para não torcer o tornozelo, quebrar a perna ao algo do gênero; já que tenho uma ligeira tendência a ser extremamente desastrada quando estou com pressa ( leia-se sempre).

Em menos de dez minutos já estava na escola. Suando em bicas, mas estava no horário.
Aproveitei que o sinal ainda não havia tocado e fui para o banheiro tentar dar um jeito no meu estado.

Abri a torneira e joguei a água fria no rosto sem medo. Não tinha o costume de usar maquiagem, então não tinha com que me preocupar.
Encarei meu reflexo no espelho, tentando dar um jeito nos fios que teimavam em escapar do rabo-de-cavalo.

Quando uma das portas cabines do sanitário abriu.
Ignorei, e terminei de me arrumar.
Peguei minhas coisas, pronta para sair, quando as outras duas portas das cabines abriram ao mesmo tempo.

A curiosidade falou mais alto que meu medo, então bem devagar caminhei até lá.

Olhei a primeira cabine..... Vazia.

Receosa, vi que a segunda também não tinha nada.

Com o coração acelerado, verifiquei a terceira cabine...

Estava igual as outras.

O sinal tocou me pegando de surpresa.
Sem pensar duas vezes saí do banheiro. Ultimamente muitas coisas sem explicação aconteciam comigo.Definitivamente não poderia ser o vento que abriu aquelas portas, já que a única entrada de ar era uma janela minúscula. Por mais forte que fosse o vento não chegaria ali dentro.

Desisti de esquentar a minha cabeça com isso, assim que cheguei na sala. Senão iria acabar enlouquecendo...

“Ok, como se naturalmente eu fosse a pessoa mais normal do mundo!”

Ri de mim mesma, enquanto deixava meu material em cima da mesa. As mesas do laboratório eram divididas entre duplas, não faço a menor idéia do por quê disso. Todos os alunos mais conversavam do prestavam atenção na aula normalmente, imagina então quando juntos!

Me sentei ao lado da janela, aproveitando para dar uma olhada lá fora.O sol escaldante do verão estava se despedindo de nós, uma vez que as nuvens começavam a dominar o céu. Mas isso não aliviava o calor infernal que estava lá fora. Agradeci mentalmente pela aula de educação física do primeiro ano não ser hoje.

- Consegui o melhor lugar da sala, hein!- Ayumi comentou se sentando na mesa atrás de mim.- Ainda bem que a janela é larga!

- Por quê?_perguntei sem entender sua atitude. Nós sempre sentávamos juntas no laboratório.

- Você é tão desligada, amiga!- Ayumi rolou os olhos e continuou baixinho- Hoje é o dia que o time de futebol vai treinar na quadra, lembra?

-E o que tem de mais nisso? Não vejo graça em um bando de pessoas correndo atrás de uma bola.

-Ás vezes eu penso que você na verdade se finge de boba, porque não é possível que uma pessoa seja realmente assim! Chihiro, acorda! Garotos lindos, sarados, correndo de bermuda. Essa é que é a graça do esporte!

- Affe! Eu é que não acredito em como você é pervertida!

-Pervertida, não! - ela fingiu estar ofendida- Só gosto de admirar o que é belo!

-Por que eu ainda te escuto, hein?- balancei a cabeça e virei para frente rindo.
Segundos depois a garota começa a me cutucar.
-O que foi?

-Tem alguém te chamando lá em baixo...- a garota deu um sorriso malicioso apontando pra janela.

Olhei para a janela, e vejo alguém olhando na minha direção. Mesmo com o sol, não foi difícil reconhecer o cabelo ruivo de Eriol. Acenei com a mão, e ele fez um sinal pedindo que eu descesse.
Balancei a cabeça negando, mas ele continuou insistindo.

-Sua louca!- Ayu, que assistia tudo de camurim, gritou atrás mim.- O que está esperando para ir lá?

- Claro que não vou ! A aula já vai começar e...

-Não venha com desculpas.- A garota levantou e literalmente me arrastou para fora da sala.

Eu já mencionei que ela é tipo hiper forte?

-Ayumi!-gritei enquanto era empurrada pelos corredores

- Pode gritar a vontade. Sou sua melhor amiga, e não posso permitir que você perca a oportunidade da sua vida.

“Imagina só se fosse minha inimiga!”-engoli seco

Logo estávamos em frente a escadaria. Ela parou e me jogou um olhar que dizia:”Se você não descer agora eu de jogo daqui mesmo”. Suspirei e desci rápido, rezando para que nenhum inspetor me visse matando aula.

Eriol estava me esperando, encostado no muro.O vento batia em seus cabelos avermelhados, e seu lábios formaram um sorriso assim que me viu caminhando em sua direção.

-Pensei que não queria falar comigo...- falou

-Claro que não! Eu estava um pouco ocupada, só isso...

-Desculpa ter feito você vir aqui... É que faz muito tempo que eu não te vejo..... E.... bom...- ele limpou a garganta antes de continuar- E eu estava com saudades de você.

- Eu também sentia sua falta. Mas agora nós dois temos nossas responsabilidades. Você é o capitão do time de futebol e eu estou “com a corda no pescoço” em muitas matérias. Por isso não te procurei antes.

-Eu sei mas... Porque a gente não dá um tempo dessa história toda? Esquecemos um pouco a escola. Nós podíamos sair um dia desses, só nós dois... para o cinema talvez?

-Mas não está chegando as finais de vocês?

-Sim, mas os Hollows, não são páreo para nós, os Shinigamis.-falou convencido- O que me diz Chihiro?

Desviei meu olhar do dele, pensativa. Eu confiava no Eriol, sabia que ele não teria segundas intenções comigo. Sempre deixei bem claro que éramos apenas amigos. Mas essa idéia dele era muito parecida com um espécie de encontro.

Olhei ao redor, procurando uma boa resposta, quando um vulto negro passou rumo ao vestiário.

-Eriol, eu vou pensar um pouco, depois eu de digo a resposta, ok?- falei sem olha-lo

- Mais tarde eu te ligo então.

Balancei a cabeça concordando, e caminhei de volta para o prédio. Minha coragem havia desaparecido por completo naquela manhã, então eu realmente não estava afim de investigar o tal vulto.

Os corredores estavam vazios e silenciosos.Todos professores e alunos estavam em suas devidas salas.
Apertei o passo. Pouco me importa a bronca que ira levar do meu professor de biologia, só queria sair logo dali. Não queria ficar sozinha... novamente.

“- Por favor, não me deixe sozinha aqui!-gritei desesperada em minha mente
“-Se você quer sobreviver nesse mundo, você não tem escolha...”-a voz me respondeu friamente


“Porque? Porque eu?”- pensei enquanto corria. As lagrimas corriam livremente pelo meu rosto.Subi as escada sem parar. Não queria mais voltar para sala. Só queria correr, correr. Correr dos meus medos, das minhas incertezas.

“-Se você quer sobreviver nesse mundo, você não tem escolha...”

- a voz ecoava a cada passo que eu dava.


Só parei quando cheguei na cobertura do prédio.Meu peito arfava, o suor e as lágrimas se misturavam.
Caí de joelhos, sem força. Fiquei nessa mesma posição durante um tempo que para mim, pareceram horas. Então os gemidos começaram.

-De novo não!- tampei meus ouvidos com as mão na vã esperança que o barulho passasse. -O que você quer comigo?

Levantei-me e olhei em volta. Meu medo se transformava rapidamente em raiva.

-Vamos, apareça! Diga o quer de mim! Vamos!- gritei

Nada aconteceu.
-Eu sei que você anda me perseguindo, então apareça logo de uma vez!

Apenas minha voz ecoava lugar.

-Essa é sua ultima chance... Não vou falar novamente.

-Anda muito nervosa, criança.

Me virei rapidamente na direção da voz, e encontro Zeniba balançando a cabeça ao meu lado

-Como você chegou aqui? Eu nem percebi!-falei assustada. Ela simplesmente tinha se materializado ao meu lado.

-Uns truquezinhos que você aprende com a idade. Mas, menina, porque não está na sua sala?

Senti meu rosto corar. E agora? Que desculpa eu iria inventar para ela?
Por sorte Zeniba apenas riu.

-Venha comigo- a senhora segurou minha mão e me levou junto com ela.

Enquanto descíamos as escadas, uma calmaria imensa me dominou. Não fazia idéia de para onde ela estava me levando mas, eu me sentia tão bem perto dela.


Sorrindo, descobri que na verdade, não estava mais sozinha. Não mais...