—Kátia, vou fazer sua matrícula hoje.

—Tá.

Não adianta tentar fingir. Eu não estou empolgada com isso. "Uma boa oportunidade de fazer amigos", talvez seja legal. Melhor do que ficar aqui no beco o dia todo esperando a Spencer voltar, só que não vai ser a mesma coisa que na minha antiga escola.

Lá em Paris, eu tinha uma melhor amiga, Rebecca, a quem eu contava tudo. Às vezes eu tinha a impressão de que ela me invejava, e Spencer tinha uma implicância inabalável com ela, mas eu a amava. E tinha também a Tessália. Eu sempre cobicei os olhos de Tessália, sua beleza e seus traços incomuns. Éramos o trio mais chegado das Lunas.

Deixa eu explicar: toda escola tem um time de futebol ou hóquei, ou alguma outra coisa, e com esses times existem as "torcedoras", sabe? As meninas que seguram pompons, rebolam a bunda, e tentam animar os torcedores da arquibancada e os jogadores. Essas eram as Lunas.

Ao todo éramos vinte e duas, mas as meninas que eram o que todas as outras queriam se tornar um dia, éramos eu, Rebecca, Tessália, Bianca (que foi morar na Flórida, um tempo depois de termos vencido um campeonato),Myllena e Helena (as gêmeas insuportavelmente nojentas e fúteis, o estereótipo de torcedoras que você viu em High School Musical). As outras integrantes das Lunas eram mandadas por nós, e as outras meninas da escola observavam de longe, sonhando um dia ser uma Luna. Era demais!

Mas, nessa nova escola, não existiam as Lunas, e por mais que houvessem "torcedoras", ninguém garante que seriam minhas amigas. E eu, logicamente não diria nada disso à Spencer, afinal, ela já vinha procurando emprego, e não entenderia nada disso. Por enquanto, Spencer estava conseguindo uns trocados com as apresentações urbanas que vinha fazendo.

Ah... Confesso que sinto falta da vida que tinha em Paris, mas, parece que eu e minha irmã mais velha estamos nos conhecendo agora... Eu sei que é estranho: quando dividíamos o mesmo teto mal nos conhecíamos e agora, que nem temos um teto sobre nossas cabeças, me sinto admiravelmente próxima a ela!

Certo, fiquei muito tempo aqui só falando da minha vida e do meu atual estado emocional...

—Spencer, vou dar uma caminhada.

—Boa sorte, Kat. E tome cuidado.

Kat. Fala sério...

Depois de andar por um tempo, cheguei ao Luky Cat Café, não que fosse aquele o meu destino, mas era um lugar queeu relativamente conhecia... Havia uma banca de jornais à frente da porta, e vi algo que me chamou atenção:

A modelo Kerey Armstrong estará na cidade com sua filha Rebecca Armstrong para o Fashion Week.

Como assim? Rebecca Armstrong... Minha melhor amiga virá pra esse fim de mundo com a mãe que a odeia pra participar de uma merda como essa? Hã?

Quando viajávamos, era sempre pra um lugar interessante, tipo Seul, Londres, NY... Becks nunca demonstrou mínimo interesse em San Fransókio, muito menos em viajar com sua mãe. E Rebecca, apesar de ter uma modelo como mãe, tinha um gosto para roupas... digamos... peculiar. Odiava eventos de moda e me achava fútil por gostar.

—Oi, Kátia. Vai se matricular na nova escola?

Ergui os olhos e vi o mesmo cara de ontem a noite.

—Oi Hiro. É, minha irmã vai fazer isso hoje.- e eu lamento o dia em que você a convenceu a fazer isso. Claro que não disse a ele a última parte.

—Animada?

—Hum... não muito.

Ele percebeu que eu não olhava pra ele.

—O que está olhando?- disse, direcionando os olhos para a banca junto comigo.

—Ela era minha amiga. Às vezes eu ia na casa dela e ficávamos dançando. Era super legal visitá-la, ela tinha as melhores músicas, melhores revistas... Era tudo de bom.- Sorri.

—Deve sentir falta dela.

—Pois é...- suspirei -Bom, não pode ser tão ruim, não é?

~~~

Já devem ser, mais ou menos 18hs. O céu de San Fransókio torna-se púrpura nesse horário. Minha irmã voltou animada, anunciando que fez minha matrícula depois de um dia inteiro cantando com Berry (é o cara que toca violão enquanto Spencer canta, ele é negro e velho, mas tem a mesma tendência pra arte que ela), provavelmente alternando entre Adele e Celine Dion (N.A: Divas, adoro) nas variações de horário. É, esse é o gosto musical dela. Sem graça!

Pois é, eu estou deitada sobre um caixote olhando para o céu, e sentindo uma saudade imensa do meu celular, que também vendemos depois que papai morreu.

Pensar em papai ainda me deixa com lágrimas nos olhos. Fazer o quê? Ele era meu pai, e por mais que estivesse ausente nos últimos tempos, seu sofrimento e silêncio diante da vida eram compreensíveis.E eu o amava. Graças às suas recentes atitudes, encontrei refúgio em Rebecca. Os encontro das Lunas em sua casa eram cada vez mais frequentes, só que "o melhor" ela deixava pra quando éramos eu, ela e Tessália. Foi somente a nós duas que contou que usava maconha, bebia mais que o "normal" e que andava roubando de sua família, e fomos nós que a convencemos a abandonar essa vida, e ela obedeceu.

—Kátia.

Alguém chamou meu nome ou é impressão minha?

—Kátia.

Não, não é impressão. Parece até...

—Hiro?- sussurrei.

—Kátia...Kátia

Ele acabou de passar por aqui e nem reparou num ser listrado deitado desengonçadamente sobre um caixote. Spencer notou que eu não tinha a intenção de alertá-lo que havia errado o caminho, e comentou:

—Que crueldade...- sorriu, divertida.

—Kátia?- ele voltou e chamou novamente.

—Oi- me levantei, ainda sentindo uma preguiça de doer os ossos.

—É... -nem parecia ter o que conversar comigo. Alguns meninos da minha antiga escola se comportavam assim perto da Tessália... Ela se mostrava prestativa e concentrada no que diziam... Tentei fazer o mesmo. -Não sei, você tá aqui sozinha o dia inteiro?

—Sim.

—Será que você... sei lá, queria... sair comigo?

Ok, não era bem isso que eu esperava, mas...

Olhei para Spencer. Ela sorria pra mim como se eu tivesse conseguido ingressos grátis para o próximo "Super Show" (tem algum kpopper lendo isso? rs).

—Tá, mas... Onde vamos?

—Não "onde", mas "como" vamos- sorriu travesso.

Logo, a mesma "coisa inflável" que eu tinha visto outra noite no Luky Cat Café apareceu, só que com uma armadura vermelha. Ele subiu naquilo e disse:

—Baymax, asas.

Imediatamente apareceu um par de asas no "Baymax".(?) Eu sei que parece meio absurdo, mas foi o que aconteceu.

—Você vem?- ele tá brincando!

—Tá, então quer dizer que eu vou subir aí, o bonitinho vai voar, e depois vamos aterrissar e eu estarei segura e inteira quando isso acontecer?

—...É... Você falando assim parece mesmo doido.

Sorri, e fiz o que ele pediu. Subi naquela coisa... E foi um pouco estranho. Confesso que quase caí na decolagem, mas segundo de pânico foi extremamente bem recompensado pela vista de San Fransókio de cima. Não foi assustador. Nem um pouco.

As cores, as luzes daquela cidade que hoje mesmo chamei de "fim de mundo", traziam tanto brilho aos meus olhos que era difícil ter uma visão geral de tudo aquilo. Foi um misto de sensações que despertou em mim um sentimento inconfundível, já há algum tempo adormecido:

"Pela primeira vez desde que perdemos tudo, senti falta de música. Tive saudade de dançar."

Me contive. depois que aterrissamos, eu agradeci:

—Obrigada. Foi muito gentil da sua parte me convidar pro passeio. Eu gostei muito.

—De nada. Também gostei muito de sair com você.- eu já ia entrar "em casa", quando ele continuou -Ei, Kátia.

Me virei, ficando de frente pra ele, esperando o que ele tinha a me dizer. Ele estava hesitando. Eu já estava ficando impaciente quando ouvi:

—Kátia?

Aquela voz... Não! Não podia ser...

Me virei lentamente

—Kátia, como é bom ver você de novo! Viva e bem.

E lá estava a minha amiga, magra e alta, tão cafona quanto costumava ser.

Será? Aquilo não podia ser verdade...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.