O Doutor sempre sentia o impacto de acontecimentos ruins, é claro. A perda de um companheiro, dias em que nem todos viviam e mesmo ele não tinha o poder para mudar isso. Com o tempo, então, construiu paredes ao redor de si mesmo para amortecer a dor, conseguir seguir em frente com mais facilidade. Ele as prezava porque, depois de mais de dois mil anos de dor e perda, elas preservavam sua sanidade.

River tinha a interessante habilidade de quebrar cada uma delas.

Como agora, em Trenzalore. O Doutor segurava a mão que iria dar um tapa com suavidade, quase carinho. Seus olhos se prendiam nos dela, tão azuis e bonitos e familiares...

— Como está fazendo isso? Eu não estou realmente aqui. — Ela perguntou, a voz pequena contendo um milhão de emoções.

— Você está sempre aqui para mim, e eu sempre te ouço, e sempre posso te ver. — Ele respondeu, simples, afirmando um fato. River era sua, aquela que talvez o Doutor tinha amado mais em todas as suas vidas, e algo sem importância como regras de realidade não o impediriam de vê-la, tocá-la.

— Então porque você não falou comigo? — River perguntou, e havia algo de mágoa em sua voz, no modo como desviava o olhar.

– Porque eu pensei que doeria muito. — Ele respondeu. Seu coração havia se dilacerado somente de vê-la e ouví-la, sabendo que ela não estava realmente ali. Sabendo que ela não voltaria de verdade.

— Eu acredito que eu poderia ter lidado com a dor. — Ela respondeu, mesmo que houvesse lágrimas que ela não deixava cair no canto de seus olhos.

— Não, eu pensei que me machucaria muito. E eu estava certo.

E ele não podia ter falado algo mais verdadeiro. Tão perto e tão distante, suas muralhas caíam por River, deixando um coração frágil e desprotegido à mercê de toda a dor. O Doutor queria chorar, gritar que não era justo. Ele queria abraçar River e não deixá-la ir, e por um breve momento o tempo em si não se importava, porque ele faria tudo para ficar junto dela.

Ele, então, a beijou. Sentiu os lábios macios com gosto de caramelo, o modo como ela passava os dedos pela cabelo grande demais em sua nuca. E ele chorou, daquele jeito sutil que mostra toda a sua dor no silêncio.

Mais tarde, quando ela desaparecesse para sempre, um eco que se perdia no vazio, o Doutor estaria tremendo, reprimindo um soluço. River havia destruído todas as paredes que ele colocava ao redor de seu coração, e quebrou a ele mesmo no processo, mas o Doutor não se importava com essa parte.

O que importava era que ela nunca voltaria para ajudá-lo a se reconstruir.