Yes

Yes - Capítulo Único


Encaro minha imagem no espelho mais uma vez. E faço isso só porque o nervosismo tomou meus pensamentos da última vez e eu não consegui ter uma ideia de como meu visual está. Tentando focar ao máximo em não divagar mais uma vez, ajeito a posição da gravata borboleta presa ao meu pescoço e passo as mãos pelo terno que estou vestindo, como se isso o deixasse mais limpo. O tal terno não é preto e nem cinza, como vemos em cerimônias por aí; é uma espécie de azul claro ou bebê — minha mãe quem escolheu e eu não posso julgá-la, até porque adorei a vestimenta. Encaro a flor parte verde e parte violeta presa a um tipo de presilha (pleonasmo, eu sei) e sorrio abobalhado.

Sorrio assim por dois motivos: o primeiro é que ele fora dado por minha mãe. Segundo ela, meu pai usou a mesma flor no bolso de seu paletó quando os dois se casaram e eu já estava de camarote vendo tudo diretamente do útero da mamãe. Ela estava grávida de três meses quando eles oficializaram a união na frente de familiares e amigos, e por mais que os dois nunca tenham admitido, sei que fui um dos motivos para se casarem tão abruptamente após a descoberta de que eu viria a existir no planeta Terra.

Ah, ainda tem o segundo motivo, não é? Então: o segundo é pela ocasião do momento em que eu mesmo estou usando a tal flor na minha vestimenta. Basicamente? Estou dando continuidade à geração de homens que usam flores brancas em seus respectivos casamentos — uma geração que começou com meu pai e agora eu estou na berlinda — pelo simples fato de que este é o meu casamento.

Tecnicamente não é só meu, é do Newt também. É o nosso casamento, na verdade. E talvez seja essa a razão que mais define meu sorriso bobão na cara neste momento. Só não abro a boca tanto quanto deveria porque pretendo deixar isso para quando eu finalmente disse o tão famoso “aceito” diante de todos que conheço e dedicado especialmente ao único homem — tirando meu pai, claro — que eu realmente amo com todas as forças e pretendo proteger a todo custo.

Aí você me pergunta: por mais que ele trabalhe na Aeronáutica dos Estados Unidos e saiba se virar sozinho muito bem seis meses por ano?

Aí eu te respondo: sim, por mais que ele trabalhe na Aeronáutica dos Estados Unidos e saiba se virar sozinho muito bem seis meses por ano.

Aí você me pergunta: por quê?

Aí eu te respondo: Newt pode ser o valentão que for lá na bendita Aeronáutica americana, mas da porta do nosso apartamento pra dentro, quem conserta a pia da cozinha sou eu, quem dá banho em nosso adorado cachorro Jorge sou eu e quem faz as compras da semana… tá, essa parte é ele quem faz. Mas só porque quem mais morre de fome é ele por aqui. E é por isso que eu o protejo a qualquer custo.

Aí você me pergunta: a que preço?

Aí eu te respondo: tentei matar Newt no mesmo dia em que ele me pediu em casamento.

Acordei com cutucadas um pouco fortes no meu ombro, e rapidamente eu me sentei adequadamente naquela dura cadeira da recepção do hospital municipal.

— Algum problema, doutor… Aris? — Forcei a vista para ler o que tinha escrito no crachá do médico.

Uma rápida descrição desse cara pra ele não passar batido: ninguém diria que profissionais da área poderiam ter menos de 30 anos, um rosto delicado, um tamanho mais delicado ainda — teria pena dele na época do Ensino Médio — e uma excelência tão garantida no que faz. Esse é Dr. Aris, meu povo.

— A concussão que Newt sofreu na cabeça não foi tão forte como você pensa. Relaxe — ele pôs a mão esquerda no meu ombro — seu namorado vai ficar bem.

— Como sabe que ele é meu namorado?

— Porque você foi a primeira coisa que ele chamou ao acordar.

— Ele já está acordado?

— E muito bem lúcido, se me permite dizer — o médico abre um sorriso de lado — já pode ir vê-lo, se quiser.

— Obrigado por cuidar dele, doutor — estendo a mão direita, e trocamos um gentil cumprimento — mas sério, vai ficar tudo bem mesmo?

— Tivemos que cortar uma grande parte do cabelo dele para conseguirmos colocar uns pontos, então eu diria que alguns dias de recuperação em casa o trariam de volta para cá são e salvo a tempo de tirar os pontos e voltar para o batente.

— Vai por mim, você fez um grande favor cortando aquela juba de leão — comentei, e ambos rimos do que eu havia dito.

— Então diga isso ao seu parceiro. Boa sorte para os dois.

— Valeu, doutor.

— Você sabe que pode me chamar só de Aris. Afinal, nos conhecemos desde os tempos de escola!

— Pensei que você ainda tivesse o famoso ego inflado, daí só te chamei pela sua ocupação — retruquei, e ele tombou a cabeça para trás de tanto rir — nos vemos por aí?

— De fato.

Acenei com a cabeça e logo já me dirigia ao quarto onde Newt estava internado. Abri a porta e bati duas vezes nela, exatamente como Julius fazia em Todo Mundo Odeia o Chris.

Vivi uma pré-adolescência inteira na base dessa série.

— Você não larga desse costume, não é? — Ouvi-o dizer, depois de meus olhos encontrarem os seus.

Meu loiro — e digo isso com toda a propriedade do mundo — se encontrava com as costas no espelho da cama, vestindo aquele típico uniforme branco de bolinhas pretas que vemos nos pacientes de hospitais como Grey+Sloan Memorial Hospital (alô, Grey’s Anatomy!) e com suas pernas enroladas num lençol tão alvo como a neve que cai por aqui no fim do ano.

— E você não se cansa de arranjar um hematoma nesse corpo — desencosto da entrada e me aproximo de sua cama — então acho que estamos quites.

— Nem tanto… afinal, quem foi que me deu esse machucado de presente mesmo, hein?

— Fui eu! — Abri um sorriso daqueles que mostram todos os dentes e demonstram toda a culpa do ser humano quando você é o responsável por mandar seu próprio namorado ao hospital mais próximo — Agora, falando sério, é tarde demais pra eu pedir desculpas?

— Você não é Justin Bieber. Nunca é tarde pra isso.

Contraí meus lábios, pronto para discursar.

— Newt, você sabe que nunca foi minha intenção colocar quatro ou cinco pontos na sua cabeça… foi só um acidente.

— Eu não chamaria isso bem de um acidente — ele puxou os braços para fora do lençol — brincadeira, eu sei que você não queria isso pra mim. Afinal, as circunstâncias desse hematoma não foram… exatamente os mais convencionais.

— Eu só queria te surpreender depois de você voltar pra casa do nada, sabia? Não é todo dia que você tira férias acumuladas da Aeronáutica dos Estados Unidos da América e eu pensei em comemorar com um sexo selvagem do jeito que você nunca testou antes — quando vi, já tinha dito todas essas coisas e os olhos do meu loiro estavam arregalados.

— Deu pra notar pela forma como você me jogou na parede e beijou meu pescoço inúmeras vezes…

— Até seu corpo bater na estante do lado e o porta-retratos lá de cima cair com a pontinha na sua cabeça. Justamente a parte pontuda! O quão sortudo você é, Newt?

— O bastante para ter você — respondeu.

Acho que corei instantaneamente. Menino Newt ainda vai me matar de emoção e orgulho com todas as declarações que ele faz para mim.

— Mas eu quase te matei — rebati seu argumento — você deveria me amar menos.

— Error 404 not found — dei uma gargalhada — isso significa que é impossível te amar menos, Tommy. O que sinto por você só cresce mais e mais a cada vez que olho nos teus olhos e vejo que você sente o mesmo… e agora vem aquela parte onde eu recito alguns versos de Mirrors.

— Lá vem — fingi umas lágrimas invisíveis a cair de meus olhos.

— O seu brilho é algo como um espelho e eu não consigo evitar te olhar. Com a sua mão na minha mão e um bolso cheio de alma, eu te garanto que não há lugar onde não possamos ir. Eu estou olhando bem para a minha outra metade. O vazio que havia em meu coração antes agora é um espaço que você guarda. Você é como se fosse meu espelho, olhando de volta para mim. Somos dois reflexos em um. Você é especial, é original — sua mão direita então se enfiou dentro do lençol e se remexeu por ali, como se procurasse… como se procurasse algo ali escondido — você me reflete e eu amo isso em você, e se pudesse, eu olharia para nós dois o tempo todo. E só nós dois. Porque quando estou com você, nada mais existe a não ser você e seu par de olhos castanhos inesquecíveis. Sabe esse acidente? — E aponta para a própria cabeça cheia de pontos — Amanhã ela será apenas uma história pra guardar. O amanhã é um mistério e eu não quero te perder até lá. Quero garantir o “felizes para sempre” agora.

— Como assim? — Eu sorri de lado, ainda com uma expressão meio “WTF” na cara.

— Sei que não é o melhor momento e eu nem posso me ajoelhar…

Vi uma caixinha aveludada de cor vermelha sair de debaixo das cobertas.

Santo Ryan Tedder.

É agora.

Eu quase matei meu namorado e ele vai me pedir em casamento?

— Thomas dane-se-o-resto-do-seu-nome… você aceita casar comigo?

Acho que não é preciso ser Mãe Diná para saber que eu aceitei o pedido imediatamente.

E agora estou aqui, vestindo um terno azul claro (ou bebê), prendendo uma miniatura de guitarra banhada em glitter — apresento a vocês A Coisa Mais Gay Que Eu Já Usei, dirigido por Minha Mãe e com roteiro de Teresa Louca Por Casais — no bolso frontal do paletó e me perguntando qual será a reação de meu noivo quando eu adentrar o salão alugado especialmente para a cerimônia vestido assim.

Talvez ele desmaie.

Talvez ele só inspire e expire pra manter a calma e não tirar minha roupa em menos de cinco segundos.

Talvez ele só tenha mais certeza do que fez.

Talvez ele se arrependa.

Não.

Se estamos aqui, vamos até o fim.

— Toc, toc — desvio minha visão do espelho para quem está à porta. Teresa, a louca que me pôs nesse terno nada convencional.

Mas nada na minha vida é convencional. Então está tudo nos conformes.

— Oi — é tudo o que consigo dizer.

— Nervoso?

— A última vez que estive em polvorosa assim foi quando eu fui entregar aquela carta ao Newt no fim das aulas — admito, e ela solta uma risada.

— Relaxe. Será a primeira e última vez que você passará por isso… eu espero, né?

— Garota, eu sou homem de um loiro só e ele já tem nome.

— Chris Hemsworth?

— Todos os dias eu me arrependo de ter te emprestado aquela caneta na primeira série do ensino médio — reviro os olhos, indo em sua direção — e então, vamos?

— É uma honra ser a garota que vai levar o melhor amigo ao altar — Teresa passa seu braço esquerdo pelo meu direito — mas antes, uma pergunta que talvez seja estúpida… está certo disso?

— Eu deveria não estar? — Respondo confiante, encarando a louca da minha amiga como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— OK, contra fatos não há argumentos. Vamos lá.

.::.

Minhas pernas tremem a cada passo à frente que elas dão. E eu poderia estar muito mais nervoso se não tivessem colocado cortinas nas portas de vidro do salão alugado para a cerimônia. Provavelmente Newt pediu isso sabendo que eu não conseguiria entrar sem que meus pés criassem raízes no chão e quinze humanos viessem arrancá-las do chão com uma serra elétrica.

Isso prova ainda mais que eu preciso me casar com esse cara.

— E aí, quem abre a porta? — A morena ao meu lado pergunta em voz alta.

— Hum… nós dois juntos? — Respondo ironicamente.

— Ah, uma ótima ideia — essa louca, sempre uma gênia do dia a dia — então tá…

Então ambos fazemos o esforço e irrompemos o lugar. A orquestra contratada por não sei quem (juro, quase não meti o dedo nos negócios desse casamento) inicia a sonora marcha nupcial e todos os olhares se voltam não só para o vestido nada tradicional que Teresa veste no momento, mas para uma das duas pessoas mais importantes para que tudo isso fosse possível: eu. Mas a pessoa em questão só consegue ter olhos para o cara mais lindo do universo parado a alguns metros de mim.

E eu achando que não era possível que Newt conseguisse estar mais perfeito.

Por mais que a caminhada entre a porta de vidro e o altar improvisado — afinal, é um casamento civil, não é como se tivesse um padre lá esperando um casal gay pra assinar a união deles — não dure nem 40 segundos, é como se fosse uma eternidade pra mim. E quando tento apressar o passo, Teresa aperta a ligação entre nossos braços como quem diz “tá com pressa, é só enfiar a mão no c*”, o que me deixa ainda mais nervoso do que já estava. Percebo meu noivo tentando conter uma risada por conta do meu alvoroço, e só aí me toco de que estou passando vergonha e volto ao estado normal de quem mal pode esperar para dizer o famigerado “sim”.

Chegando lá, me desvencilho do braço de minha amiga, mas antes que eu tome meu lugar de direito ao lado de Newt, a própria vai até o ouvido dele e sussurra alguma coisa… que deve ter sido bem amedrontadora, visto que logo em seguida ele arregala os olhos e consigo notar até uma gota de suor saindo dos poros de sua testa.

Felizmente, quando ficamos lado a lado, posso me aproximar o suficiente para me intrometer no que acontecera.

— O que ela te disse?

— Se eu trair a sua confiança, ela corta as minhas bolas e as vende pro Museu do Louvre.

— Eu vou é arrancar o ovário dela depois dessa — comento, e damos um riso fraco antes do cerimonialista pigarrear e chamar nossa atenção — melhor nos focarmos aqui.

— Irônico você dizer isso.

— Por quê?

— Desde que eu me entendo por gente, você tem déficit de atenção.

— E desde que eu me entendo por gente, tenho notas melhores que as suas. Beijo no ombro.

E bem como ele previra, eu viajo na maionese enquanto o carinha lá faz aquele discurso quase poético de tão filosófico sobre o amor não ter gênero, sobre o que passamos para estar aqui e como ele está feliz em celebrar mais um matrimônio que ele espera futuramente ser tão comum quanto comer miojo em pleno sábado quando se tem preguiça de fazer um jantar decente simplesmente porque é fim de semana.

OK, eu não viajei tanto nesse discurso.

E OK, eu ri feito um cabrito nessa última parte.

Mas vamos ao momento que eu tenho esperado desde aquele fatídico dia no hospital quando fui pedido em casamento pelo cara que quase matei de tanta felicidade — antes e depois do acidente em si.

— Newt, você aceita Thomas como seu legítimo marido e promete amá-lo e respeitá-lo na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe?

— Sim.

Como pode uma única palavra encher meus olhos de lágrimas emotivas?

— Thomas, você aceita Newt como seu legítimo marido e promete amá-lo e respeitá-lo…

Desculpa, seu cerimonialista, mas eu já esperei demais por isso.

— Sim, eu aceito. Sem enrolações — digo em alto e bom som, causando risos em alguns convidados (alô, Gally, Aris e Minho, prepara pra metralhadora na cara de vocês) e muxoxos apaixonados de algumas outras pessoas (nem preciso dizer que aqui se encaixa a minha mãe).

— Sabia que faria isso — meu noivo diz, com um sorriso abobalhado no rosto.

O carinha lá cuja função não preciso repetir e o nome eu nem sei — mais uma vez, consequências de eu não ter mexido muito na organização desse casamento — nos entrega as alianças, e minhas mãos tremem ao pegar aquela que eu colocaria no dedo anelar de Newt.

— Está tudo bem — sua voz me tranquiliza, mesmo que quase inaudível — eu também estou nervoso.

— Então você esconde muito bem — respondo.

— A sua presença me traz paz em momentos como esse.

— Vou morrer nesse altar se você continuar com isso — finalmente o encaro nos olhos.

— Bom, eu fiquei sabendo que vocês prepararam suas próprias palavras para este momento — o cerimonialista avulso se intromete na conversa — fiquem à vontade.

— Tecnicamente, foi a Demi Lovato — Newt aponta essa observação, e eu concordo com a cabeça.

Seguro seu dedo anelar firmemente e inicio a longa trajetória do anel até o fundo do dedo.

— Aqui está meu corpo que estou dando para nós. Aqui estão meus braços, que irão nos erguer. Aqui está minha vida, dedicada ao amor. Eu tentarei te dar tudo o que você merece… e não é pouca coisa — finalizo, rindo em seguida.

— Modéstia à parte, eu sou valioso — ele retruca, e em seguida retribui o gesto da aliança — e eu não posso prometer que vai ficar tudo bem… mas estou aqui, se você estiver pronto para tentar. Aqui estão as minhas lágrimas quando você me diz aquelas palavras, aquelas que me fazem sentir como se fosse o cara mais sortudo da Via Láctea… aqui está a minha vida, para o melhor ou para o pior.

E é beijando o único cara com quem eu podia me casar que eu encerro com chave de ouro essa história.

Ou melhor, apenas um capítulo. Porque essa história de amor eterno não para aqui.

Ela vai até o fim dos tempos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.