Wyrda

Um pequeno vilarejo


Milena P.O.V.

A claridade incomodou seus olhos a partir do momento em que seu corpo automaticamente virou-se para a direita e algo queimou sua pele, notou então com quão calor estava, levantou-se rapidamente e um clarão passou por sua mente, ela gostaria de lembrar o próprio nome. Ainda sentada notou que ao seu lado repousava uma espada de lâmina esverdeada e bem polida, o cabo comprido e quando a tocou, notou o perfeito encaixe com seus dedos.
– Pereço não usá-la muito - Pensou a menina em voz alta, tomando a espada em mãos. - Wyrda... Uma breve chama verde envolveu a lâmina e então a garota caiu, muito surpresa, não esperava por aquilo, e também não sabia exatamente o porque a chamara assim.

Uma breve tontura a atingiu e então ela pensou no próprio nome. Não tinha uma mínima idéia de quem era. Vasculhou sua mente a procura de respostas por um longo tempo até sentir algo no fundo de sua mente gritar: "Knabben"Um nome pelicular e certamente masculino, não poderia ser o seu, talvez fossem irmãos, ao julgar pelo seu vestuário não viriam a ser um casal, talvez fossem inimigos e a batalha que havia ocorrido ali entre eles tenha sido árdua o suficiente para fazê-la esquecer o próprio nome.

De repente um grito fraco atingiu seus ouvidos e a menina, mesmo assustada correu em direção a ele, depositando toda a velocidade nas pernas, possuía uma velocidade incrível, e de alguma forma, sabia como manejar a lâmina verde, começou a perguntar-se o que havia sido antes de perder a memória.

Quando atravessou um monte de areia pode avistar uma criança de cabelos médios, em tom acobreado e cacheado, sendo arrastada por um homem alto o qual possuía um corte longe do olho direito até o final do rosto, os cabelos desgrenhados e loiros combinando com a pele morena.
– Cale a boca - A garota notou no cinto dele uma cimitarra, era longa, mas parecia não ser polida há algum tempo, já nos ombros um longo arco de carvalho acompanhado por meia dúzia de flechas.

O menino cerrou os dentes e continuou rosnando e tentando correr para a direção oposta ao homem.
– Solte-o - Gritou a garota do alto do pequeno monte de areia, ela empunhou a espada em sua canhota e passou a caminhar em direção ao homem.
– E o que você fará se eu não soltá-lo? - o homem parecia achar graça da situação, ele estava claramente debochando da jovem.
– Façamos uma aposta - A menina propôs e o homem a sua frente pareceu aprovar a idéia, demonstrando todo o seu agrado com um sorriso no canto dos lábios - Duelemos, espada contra espada, se eu ganhar, me da o menino, se você ganhar, poderá me levar também.

Em pouco tempo a som de espada contra espada poderia ser considerado musica de tão intenso. A menina que mal sabia seu nome descobriu então o talento com espada, pode notar que os movimentos do sujeito eram lentos demais e sua guarda estava constantemente aberta, o que deu a ela oportunidades para cortá-lo varias vezes. Ela sabia que poderia tê-lo derrotado no primeiro golpe, quando ele desajeitado a atacou desajeitado pelo flanco esquerdo, mas resolveu vencê-lo pelo cansaço quando a cimitarra escapou dos dedos gordinhos do sujeito, Milena se perguntou o que faria com ele.
"Knabben", gritou sua mente e um doloroso fragmento de memória invadiu sua mente, a face de um garoto de mais ou menos 17 anos, olhos negros e puxados, cabelos da mesma cor, caindo sob os olhos junto ao suor, ele sorria e segurava uma espada tão bonita quanto a sua, o cheio de maresia invadiu seus narinas junto a ardência salgada nos olhos.

O homem havia recuperado a cimitarra e chutado para longe Wyrda enquanto o garotinho balançava sua salvadora freneticamente, a qual acordou por um breve instante, em seguida agarrou o garoto e atirou-se para a direita evitando ser cortada ao meio, levantou-se e ajudou a criança a fazer o mesmo, tomando sua pequena mão e guiando-o para longe, mas, o tal homem, provavelmente um traficante de escravos, posicionou a flecha e a atirou, atingindo o ombro da criança, a qual no momento em que a flecha rasgou sua carne urrou de dor, o coração da cavaleira apertou-se e uma onda de fúria invadiu seu ser, e por algum motivo, ela sabia o que falar.
– Jierda! - gritou a menina, e então uma suave claridade saiu de sua palma, logo, o traficante jazia no chão contorcendo-se graças a dor fornecida pelos braços quebrados.

Milena então tomou o menino nos braços, pegou Wyrda e procurou sombra e água enquanto ouvia a criança lamuriar-se. Após algum pouco tempo caminhando teve a sorte de encontrar um pequeno vilarejo, julgando estarem em meio ao deserto, fora um grande golpe de sorte.
– Não podemos criar alvoroço, preciso que seja forte. - a garota então segurou firme o menino e guiou-o para dentro da vila, cobrindo-o com a capa que usava, rapidamente encaminhou-se para uma estalagem grande onde pediu ao dono ajuda, logo uma multidão veio aglomerar-se quando o velho saiu gritando por alguém de nome Gemma.

Logo, a mulher chamada Gemma adentrou o local, tinha um caminhar elegante, utilizava um vestido até os calcanhares bordado em varias cores, os cabelos grisalhos caiam como cascatas por suas costas, a mesma abriu espaço e sem nenhum aviso retirou do menino a flecha. Com olhos experientes analisou a flecha coberta de sangue, sua expressão agora era de tristeza.
– Está envenenada, ele não tem mais que poucos minutos. - A voz era rouca e triste, seus olhos encheram-se de lágrimas - infelizmente, não posso fazer nada.
– Mas eu posso... - De alguma forma frases formaram-se em sua mente, como se estivessem lá ha muito tempo. Quem era ela afinal? Quanto mais descobria, mais medo sentia. - por favor, me dêem espaço.

Então ela cantou, com a voz suave e baixa, em uma língua familiar, mas desconhecida ate então. Passou horas a cantar com o menino em seus braços, até que este adormeceu, observou enquanto as palavras fluíam de seus lábios um liquido viscoso e negro escorrer para fora da ferida e, em seguida, o tecido voltando para seu lugar, quando acabou, sentiu-se exausta, e logo lhe fora oferecido cama e comida, mas não se deixou relaxar enquanto aquela criança não estivesse limpa e em uma cama confortável.


– Ele se chama Nicholas, um bom menino, os pais dele trabalham nas áreas onde o deserto permite que cultivemos alimento, onde o encontrou? - curiosa, Gemma aproximou-se e perguntou.
– Com um homem, provavelmente traficante de pessoas, amedrontei-o, provavelmente não voltará - A menina acomodou Nicholas na cama macia e cobriu-o com um grosso cobertor de lã.
– Pode mandar que chamem os pais dessa criança? - Pediu Milena, tentando parecer menos cansada do que já estava.
– Já foram chamados... - A velha calou-se por um instante, e a menina, sentada na beira da cama encolheu-se - Qual é mesmo seu nome?
– Eu não tenho certeza - A garota cerrou os olhos, ao fundo ouvia o leve sussurrar daquele nome "Knabben", o sorriso do jovem de orelhas pontudas de alguma forma a aquecia, focou em buscar seu nome nas entranhas de sua mente, mas nada encontrava. - De alguma forma, perdi minhas lembranças.

A velha abraçou-a de forma fraterna, os olhos esbanjavam compaixão, talvez já tivesse passado por algo parecido.
– Este menino é meu neto. - disse Gemma suavemente- pode ficar aqui o tempo que lhe for preciso, sou grata a você. Salvou-o, arriscando a própria vida, sem nem mesmo conhecê-lo, sem nem mesmo conhecer-se.
– Obrigada - agradeceu a menina.
– É o mínimo que posso fazer, aquele veneno, é fatal, como... como fez aquilo?
– Não tenho certeza, mas, eu sabia que veneno era aquele, e eu sabia o que fazer, é como se eu tivesse estudado-os por anos, assim como o manejo da espada... eu - os olhos da menina lacrimejaram - Eu não me lembro de nada.
– Fique calma, meu bem, cuidarei de ti o tempo que for, ajudarei você a recuperar suas memórias. Aquela noite, a menina jantou em uma casa simples, feita de carvalho, com cheiro de mel e terra molhada, a sopa de carne lhe cheirava muito bem, comera com vontade todo o conteúdo e sentiu-se renovada. Conversara animadamente com o casal, pais do garotinho, eles eram jovens, a moça chamava-se Arabella, tinha longos cabelos cor de cobre, aparentava ser uma mulher forte, usava uma calça longa e camiseta suja de terra, botas de couro e as mãos estavam calejadas graças ao trabalho pesado, já o marido desta, chamava-se Caron, era alto, realmente alto, tinha ombros largos, cabelos e barba longos e o preto não lhes disfarçava o grisalho, era bem humorado, e usava roupas semelhantes as de sua esposa, por fim, arrumaram-lhe um quarto próximo ao de Nicholas, onde a jovem pode finalmente descansar.

Nicholas acordou na manhã seguinte, e todos da vila comemoraram, era um lugar pequeno, todos os conheciam por seu desejo de proteger a vila, e fora este desejo que quase o matara. Nick, era um menino bem humorado, como o pai, mas acabaria se matando, e Milena não havia decidido se aquilo era coragem, ou tolice.

Em uma semana, era como se a vila a tivesse adotado, era querida entre todos, Arabella e Caron a haviam convidado para ficar com eles até que recuperasse a memória, ela, como forma de pagamento ajudava-os na lavoura pobre, ajudava a irrigar as plantas, e a noite cantava para elas, as quais mostraram um aspecto muito melhor com o tempo, tanto a produção, quanto a qualidade haviam melhorado, a fome deixara de ser um problema, havia feito amigos, tinha algo como uma família e Nicholas era como um irmão mais novo, e por isso e por perceber que a coragem do menino o mataria, resolveu que deveria ensiná-lo ao menos a se defender.

Confeccionou espadas de madeira com velocidade, aquilo lhe parecia fácil e extremamente familiar, quando terminou procurou Nicholas em todos os lugares, quando a preocupação começou a atormentá-la, encontrou-o no galpão da fazenda, espancando desajeitadamente um boneco de palha.
– Acho que acabei de encontrar o boneco perdido da plantação - sorriu a jovem, escondendo atrás de si as espadas.
– Eu... eu só queria - Nicholas tentava se explicar, sem conseguir, de momento, inventar algo convincente, a mais velha caminhou ate o garoto e abraçou-o, bagunçando seus cabelos.
– Não vou contar para ninguém, só queria saber se isso aqui te interessa - a menina retirou de suas costas as espadas, entregando uma ao menino.
– São lindas! - os olhos de Nicholas brilharam e ele pegou uma delas.
– Eu vou ensiná-lo - Milena sorriu adquirindo uma posição defensiva.
– Você? Oras, Nina, o que sabe sobre manejo de espadas?! -Nina era o apelido que lhe haviam dado, havia gostado apesar de tudo, suas memórias não haviam retornado ate então. Nicholas parecia extremamente confiante segurando seu toco de madeira em forma de espada.
– É?! - Milena sorriu tomando uma posição defensiva - Me ataque.

Então, sem aviso prévio, Nicholas a atacou, e para a menina, ele era lento demais, defendeu-se com facilidade, arremessando pra longe a espada do menino, o qual parecia ao mesmo tempo frustrado e entusiasmado.
– C-como?! - Ele caminhou para pegar a espada caída.
– Não tenho certeza, mas parece que eu treino há muito tempo - A garota havia recuperado pequenos fragmentos de memória, um com um garoto de olhos como tempestade, eram crianças, outro com um garoto de cabelos negros, ela sentia-se feliz com estas memórias e por fim, com uma mulher alta, talvez até um pouco parecida com o que lembrava de si desde a ultima vez que vira seu reflexo na água quente antes de banhar-se.
– Você... você poderia... - Nicholas parecia sem jeito em pedir-lhe, mas ela sabia o que este queria.
– Aqui, amanhã cedo! - A menina sorriu, arremessando pra o "irmão" sua espada de madeira - traga-as também.

...

Algum tempo havia se passado, pouco mais de um mês, e Milena, irritada, notara uma leve elevação em sua barriga, mas lhe parecia impossível, já que o trabalho no campo lhe era pesado e ultimamente havia comido pouco, graças a falta de vontade de comer.
– Hey, Nina, tudo pronto? - perguntou Nicholas adentrando o quarto da mesma, carregando as duas espadas gastas de madeira nos braços, ele havia melhorado consideravelmente no esgrima, e eles dividiam segredos agora, Milena contava a ele sobre os pequenos fragmentos de memória que recuperou, e ele sobre sua paixonite pela sobrinha do ferreiro da cidade (do qual Milena havia encomendado uma espada digna de rei, daria a Nicholas como presente de aniversario, insistiu em pagar, mas o ferreiro insistia que ela o ajudara muito e a atitude da menina era muito bonita, então, seria um presente) a menina era bonita, cabelos loiros e longos, os olhos eram verdes e ela era muito esperta, e em uma ocasião, descobrira que ela possuía livros sobre dragões e magias antigas, o interesse foi tanto que, acabara pegando alguns livros emprestados e em alguns momentos ensinava Nick a ler para impressioná-la, mas no fim acabou impressionada ao descobrir que sabia muito mais do que havia no livro.
– Endireite a postura, Nick! - Gritava Milena ao vê-lo espancar com a espada gasta o espantalho o qual apelidaram de Freddy.

Porém, de repente, o leite que se havia forçado a tomar pela manhã resolveu voltar, então ela correu para um balde e deixou-se despejar lá o liquido azedo e de cheiro desagradável, Nicholas correu até ela assustado.
– Você está bem? - Perguntou assustado, e então, a menina se viu cercada pelo escuro.

~~
Knabben... Por que sentia tanta falta dele?

...
"Milena!", gritou aquela enorme criatura verde, ela exalava preocupação, estava sozinho, desnorteado. Marfhir. Por que... quem era... o que era aquilo?

~~
– Nina! Vamos querida, abra os olhos - Gemma mostrou-se sorridente ao lado de Arabella. Milena sentou-se, coçando os olhos para que se acostumassem com a claridade.
– Milena - a garota lembrou-se do sonho, aquela criatura a havia chamado de Milena... Marfhir, ele se chamava Marfhir.
– Recuperou suas memórias? - Gemma parecia ainda mais animada.
– Não exatamente, aquela imagem que vi em meu sonho estava clara demais, sentimentos demais... ah eu... - Milena levantou-se, e novamente sentiu-se tonta, logo então, sentiu as mãos de Gemma ajudarem-na a se deitar.
– Você tem lembranças de algum homem? – Arabella aproximou-se da cama, e Milena estranhou a pergunta, oras, mal se lembrava do próprio nome, por que diabos se lembraria do nome de um homem?!
– Não exatamente, eu... Mas não, só tenho vagas lembranças de duelos com espadas com um rapaz – A menina foi sincera, ela fitou Nicholas, ele permaneceu quieto e sorriu cúmplice para ela.- Por que isso de repente?
Tem uma criança ai – Gemma disse, com a voz repleta de felicidade, enquanto apontava a barriga da cavaleira – Você será mãe, Milena.

Os olhos da menina se arregalaram, ela estava mais do que surpresa, não que não estivesse feliz, mas, ela aparentava ser jovem, como podia... quem... com quem...

Então sua mente novamente gritou: “Knabben

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.