Na sala de reuniões, ninguém falava nada. As raposas gêmeas, ambas estavam sentadas numa grande e larga poltrona negra que parecia super confortável, localizada bem nos fundos da sala, debaixo de uma janela redonda por onde a luz do sol entrava, iluminando diretamente a mesa. Recon estava deitada, apoiando a cabeça no braço da poltrona enquanto Donpa se sentava na cabeceira, com as pernas cruzadas e as pequenas mãos sobre elas. Era uma visão extremamente rara, ver amos tão parados, tão quietos. Beat, estava sentado a longa mesa de carvalho, de quase dez metros de cumprimento, com uma postura ereta, olhando fixamente para a frente. Nada havia ali, além de uma enorme porta de madeira apenas encarava o nada esperando por algo, talvez por uma ordem e, assim, se manteve paciente. Somente Auram parecia estar mais agitado, estava sentado ao lado de Beat, mas duas cadeiras de distância, tamborilando na cumprida mesa de madeira.

A sala de reuniões ficava na base dos Fur Hire, era ali que coisas importantes acontecia. Assim como também era o lar atual dos quatro ali presentes. Era uma sala enorme e aconchegante, por causa das duas lareiras que se encontravam, uma de cada lado da mesa. Ao longo das paredes, havia fotos de outros fenari, alguns há muito falecidos, outros desaparecidos, outros apenas aposentados. Cada foto parecia ser mais velha que a anterior, enquanto as últimas, sequer eram fotos e sim desenhos muito bem feitos e coloridos. No teto, um grande e detalhado mapa do mundo de Termina era exibido, com cada continente sendo pintado de uma cor diferente e Fandar bem representada com um largo círculo em volta, bem no lado nordeste do mapa. Bem ao lado da poltrona onde estavam os gêmeos, havia uma pequena mesa, também de madeira, onde repousava apenas uma coisa: Uma grande concha dourada, encaracolada.

A propósito, a casa não era de Wiz, e sim, era a sede, a base de todas as operações dos Fur Hire, mas ela fora deixada no comando da casa por um tempo indevido. Todos os Fur Hire, desde a fundação da cidade e do grupo, moraram ali por um tempo. E, não seria uma boa sede para todos esses fenari se não fosse excepcionalmente grande. Era inteira feita de madeira e seu teto possuía um formato triangular de um vermelho bem escuro, com quatro chaminés, duas logo acima da sala de reuniões, bem no meio do telhado e as outras duas sendo localizadas uma em cada extremidade, onde ficavam as duas salas de estar, afinal, o lado direito era reservado para os homens e o esquerdo para as mulheres. Então nada mais justo que ter uma sala para ambos, embora não houvesse proibição de que não um fenari possa ir para a sala do outro (Bom, isso pelo menos, há um século atrás). Havia alguns mecanismos rudimentares de cordas e roldanas escondidos por toda a sua extensão, com as mesmas lamparinas que haviam na biblioteca. Havia, pelo menos, quarenta e dois quartos, embora muito menos da metade estejam sendo usados hoje em dia. Na verdade, sequer podia-se dizer que era uma casa, uma pensão talvez fosse uma descrição mais adequada, mas ainda não estaria fazendo jus a enormidade da propriedade. Era, de fato, uma mansão, com um largo pátio com uma fonte no meio exibindo a imagem de três criaturas meio... Difíceis de descrever, uma, parecia uma mulher com rosto de cavalo, que segurava duas esferas em suas mãos e jorrava água do centro de sua testa e das laterais de sua cabeça, onde parecia haver três chifres A outra imagem era ainda mais difícil de descrever, era uma criatura que parecia ter quatro pernas e uma longa cauda, o seu rosto era difícil de definir, mas, a água jorrava dos dois lados de sua cabeça. A terceira parecia mais fácil de descrever, mas apenas parecia, um leigo diria que é uma espada cravada no chão e, ao lado, uma outra espada e do outro lado um escudo. Mas, ao olhar de perto, era possível perceber que a “espada” do meio, possuía algo que lembrava vagamente um rosto.

Aos fundos da residência, havia um imenso espaço plano que era usado como campo de treinamento para os Fur Hire, abrigando recrutas e veteranos igualmente. Mas, o que havia de mais impressionante nesse enorme campo de treinamento, não estava na superfície para ser vista por qualquer um. Não, de fato, a coisa mais impressionante estava debaixo desse campo: Um hangar com um único enorme navio voador que parecia sempre pronto para levantar voo a primeira ordem de seu capitão. Auram vira algumas vezes o espetáculo que era: O campo de treinamento inteiro se iluminava e, de repente, o campo se abria no meio, afastando até ficar um enorme vão retangular onde antes havia um campo de treinamento. E, quando Fandora – O navio voador – levantava voo, era algo que sempre deixava o jovem com os olhos brilhando e mal podia esperar para que fosse a sua vez de voar naquela belezinha.

Na lateral esquerda da mansão havia um grandioso jardim, onde cultivavam algumas árvores kokiri e diversas outras, fonte de muitas frutas e folhas. Assim como também havia uma imensa horta com plantação de vários tipos de verduras e legumes, nem todo Fur Hire era carnívoro e, portanto, necessitavam de uma fonte mais natural de comida. E não haviam frutas, legumes e verduras tão bonitas e suculentas quanto as dali em toda a cidade, por isso, algumas vezes, acabavam por vender algumas delas na cidade, dinheiro que ajudava a manter a equipe de mercenários funcionando. Havia também muitas espécies diferentes de flores das mais variadas cores, o que dava um cheiro maravilhoso não só por todo o jardim, mas também como grande parte esquerda da mansão. Não necessitava cuidados diários nem um sistema de irrigação, um jardim daquele tamanho demoraria um dia inteiro para ser regado. Então, toda manhã, Wiz conjurava nuvens de chuva fraca, mantendo os alimentos sempre frescos e saudáveis sem muito esforço.

Na grande mesa, havia exatamente dois tipos de cadeiras. Uma em cada ponta e as outras oito divididas ao longo da mesma. As duas principais, foram as que receberam mais detalhes, o estofado era vermelho, aveludado. E o encosto de ambas, se elevava até três metros. E eram todas de madeira, com vários desenhos adornando todo o encosto e os braços das mesmas. Já as menores, eram mais simples, eram acolchoadas, mas seu estofado era azul e o encosto delas deveria medir um metro e meio apenas. Os desenhos nelas, eram mais simples, inclusive, algumas das cadeiras pareciam ter os seus desenhos entalhados pareciam terem sido deturpados, com vários rabiscos, mensagens idiotas e bobagens desenhadas nos rostos dali.

Auram se sentava à mesa sempre que os Fur Hire estavam em missão, sabia que aquele não era o seu lugar, mas gostava da sensação de fazer parte de algo, mesmo que de mentira. Sempre que se sentava ali, não podia fazer muito barulho ou sequer abrir a boca para dizer algo, mesmo que fosse uma boa ideia ou acrescentasse algo a mais à conversa. Na primeira vez que ergueu sua mão para tentar dar uma ideia, que, na hora, pareceu genial, fora duramente repreendido por Sagitta e Rafale. Embora Sagitta tenha sido mais dura, Rafale foi apenas frio, quase indiferente. Mesmo assim, sempre gostou de participar das reuniões, não podia falar nada, mas pelo menos absorvia cada gota de conhecimento que lhe fosse passado, mesmo que não de propósito. Mas naquele dia, não se sentia muito feliz por estar sentado ali, afinal; algo faltava. Algo importante, o vazio naquela sala era incômodo e o seu coração parecia saber o que estava faltando. Mas quando a grande porta de carvalho, também toda entalhada com desenhos, que dava para a sala se abriu, a atenção de todos se voltou para a figura que entrara. Era Wiz

— Por favor, podem relaxar - Disse a jovem Fur Hire após ver que Beat, levantara de prontidão, mantendo o corpo tão ereto que até mesmo parecia ficar mais alto e a saudava com um cumprimento bem exagerado, como se Wiz fosse uma rainha. Os gêmeos pularam da poltrona quase que imediatamente, praticamente subiram um em cima do outro para poder tomar a dianteira, mas, quem conseguiu subir na mesa primeiro foi Recon, seguida logo por trás por Donpa. Apenas Auram não se mexeu muito, apenas parou os movimentos com os dedos e se aprumou como pôde. - Ara ara... Vocês são exagerados. - Ela riu, mas, por causa do véu que cobria metade de seu rosto, deixando apenas seus olhos a mostra, Auram nunca sabia dizer se o riso era de fato real, sincero. Na verdade, era até difícil dizer se ela era, de fato, jovem ou não, seus olhos eram de uma cor esverdeada que a fazia parecer jovem e nenhuma ruga era visível. Mas ninguém jamais soube sua idade, muito menos vira o seu rosto. Wiz tomou a cadeira da extremidade sul, que ficava diretamente de costas para a porta de onde entrara. Sentou-se sem pressa e, quando confortável, fez um gesto com as mãos para que os fenari presente se sentassem. Algo que foi obedecido.

— Quando... - Auram começou a falar e foi quando Wiz notou que ele estava com o braço direito erguido. - Bom, todos sabemos qual é o assunto, podemos ir direto ao ponto, por favor, senhorita Wiz?

— Ara ara... Bom, então serei direta, sem rodeios. - Suspirou levemente, apoiou ambos os braços sobre a mesa, olhou para a direita, onde Beat e Auram estavam sentados e depois para a esquerda, onde os gêmeos se sentaram depois de uma breve disputa pela cadeira. - Bom, já faz cinco meses que os outros Fur Hire não voltaram desde sua última missão. Tenho certeza que todos aqui têm ciência de que esse tempo, é um pouco demais. Nossas missões geralmente duram, no máximo, dois meses. E, em nem uma única vez, ficamos tanto tempo sem contato com eles. A última mensagem que recebemos foi há quatro meses. Ainda se lembram do que dizia?

— Hai! Rafale dizia que havia chegado a seu destino um pouco atrasado, desu! Foram pegos por uma tempestade assombrosa no meio do caminho e precisaram fazer um contorno, desu! Mas que haviam chegado bem e já se encontraram com o empregador da vez, desu! - Respondeu Beat de prontidão, tendo novamente se levantado e endireitando o corpo para falar com seriedade. Aquela coisa pequena parecia um militar sempre pronto para o serviço, algo que sempre orgulhava Wiz, mas achava... Exagerado. - E... Depois disso... Silêncio, desu...

— Por que você sempre tem que ser assim, mané? - Disse Donpa, com aquela sua voz irritante e, com seu tom de voz, estava claramente irritado com a disciplina de Beat. - Fale como gente normal, pelamor...

Beat estava preparando uma resposta, mas, de novo, foi forçado a sentar-se com um gesto da mão de Wiz, mas desta vez, ele cruzou os braços. Não gostava de ser zombado por sua seriedade em serviço. Embora, tecnicamente, não estivesse em um...

— Exatamente Beat, muito obrigada. - Começou Wiz - Infelizmente, essa é a verdade. Não temos notícias há quatro meses e, isso começa a preocupar vocês, eu inclusa. Embora eu saiba que eles possam se cuidar muito bem sozinhos, ainda mais com Rafale no comando, ele nunca deixou de nos atualizar, em nenhuma missão, não importando o quão difícil fosse não importando qual fosse a missão...

— Então devemos ir atrás deles! - Interrompeu Auram com um tom de voz mais alto do que planejava usar, mas, já que o estrago estava feito, prosseguiu. - Precisamos... Montar um grupo de busca! Isso! E irmos até o local da última missão deles, com certeza... - Abaixou o rosto por alguns instantes, odiava o pensamento que lhe corria pela mente, mas era inevitável pensar naquilo. Imaginava que todos ali poderiam ter o mesmo pensamento, só não disseram por ser doloroso demais. E não seria ele quem diria, então, ergueu seu rosto e bateu com a mão na mesa e encarou diretamente os olhos de Wiz. - E então com certeza vamos encontrá-los! Sim, aí, nós poderíamos ajudá-los!

— "Nós", Auram? Ara ara... Os gêmeos receberam apenas o básico do treinamento e, embora Beat já seja extremamente habilidoso, vocês ainda sequer chegam aos pés dos outros Fur Hire. - Disse Wiz, no começo, soando meio grossa, mas conforme ia dizendo tais palavras, sua voz foi se acalmando, quase serena. Então, olhou para Auram, com um olhar gentil, o mesmo olhar que ela sempre usava com ele. Aquele olhar que o irritava. Aquele olhar de mãe. - E você Auram? Admito que tem habilidade com a espada, mas... Ainda não é um de nós. Me desculpe dizer isso, mas só o Rafale tem o poder de torná-lo um de nós, mesmo não sendo um fenari.

Auram sentou-se cabisbaixo, sabia que ela tinha as melhores intenções do mundo e escolheu sabiamente as palavras para não o machucar. Mas ainda assim, doía. Afinal, quem ele era? Fora encontrado aos arredores da floresta de Fandar quando tinha apenas dez anos, faminto e sem se lembrar de nada do seu passado. Seria seu nome, de fato, Auram? Aquela pessoa traduziu uma palavra de seu cachecol, mas poderia significar qualquer coisa. Quando começou a se perguntar sobre seu passado, chegou a pensar que a palavra "Auram", fosse, na verdade, o nome do lugar de onde viera. Mas nenhum mapa na biblioteca tinha algo com esse nome. E, quando olhou para o alto, para o teto, viu o mapa desenhado ali e não tinha a menor menção de algo assim escrito. Seu nome, que podia muito bem não ser seu nome, era tudo o que tinha e se apegava a ele. Isso e suas memórias obscurecidas. Assim como seu cachecol.

Wiz pôde ver a tristeza no olhar da criança e Recon também não pudera deixar de notar, só que, naquele momento, não poderia consolá-lo. Havia algo mais importante em pauta, Auram teria que esperar, embora doesse na jovem raposa pensar assim. Foi quando Beat ergueu sua mão, largado, pelo menos, por ora, seu tom de militar.

— Bom, lady Wiz, de fato não é uma má ideia, desu! Nós podemos não ser os mais experientes, mas, enquanto estivermos com a senhora, estaremos bem, desu! A senhora pode ser mais forte até mesmo que o próprio Rafale!

Auram ficou surpreso por seu amigo ter concordado com sua ideia e se deixou sorrir por um segundo.

— Uahrg, eu nem sei porque estamos perdendo tempo aqui. - Começou Donpa, soando ainda mais irritado do que já estava. - Não é simples? Nós sabemos para onde eles foram, é só seguirmos seus passos, visitar cada cidade que estava na rota deles. Das duas uma - Levantou dois dedos e prosseguiu - Ou os encontramos no meio do caminho ou, no mínimo, vamos obter alguma informação sobre eles. Basicamente, não temos muito a perder com isso. Talvez sequer precisemos lutar. E, como o "senhor responsabilidade" ali bem disse, você vai tá com a gente, não temos com o que nos preocupar. - E encerrou, abrindo os braços em displicência e fechando os olhos. Orgulhoso de sua ideia.

Auram e Beat se surpreenderam com a ideia (Embora Beat ainda estivesse tentando entender quem seria esse "Senhor Responsabilidade de que falara). Era realmente uma ótima ideia e, ambos, olharam para Wiz, com os olhos cheios de esperança.

— Gosto do seu modo de pensar, pequenino - Começou Wiz, entrelaçando seus dedos uns nos outros e se debruçando sobre a mesa e prosseguiu. - De fato, foi por isso que os reuni aqui. Pois eu tive a exata mesma ideia um mês atrás.

Todos na mesa foram pegos de surpresa por tais palavras. "Já tinha pensado naquilo? Então por que não disse antes?!"

- Então por que não disse isso antes?! - Entoaram em uníssono Auram, Recon e Donpa. Os três simultaneamente apoiando as mãos na mesa e olhando fixamente para Wiz. Até Beat ficou surpreso, mas era cortês demais para dizer como eles fizeram. O que não o impediu de olhar para Wiz com os olhos arregalados.

— Ara ara, querem por favor, se acalmar? - Respondeu a única adulta da sala. Ergueu seu braço direito e, com magia, conjurou seu cajado para a sua mão. Levantou-se da cadeira, apontou o cajado para a mesa e ali fez surgir palavras flutuantes, que brilhavam com uma luz fraca enquanto pareciam tremer de leve. - Sabem o que é isso? Não precisa responder, Beat. - Respondeu rapidamente quando viu que Beat havia levantado sua mão. - Esta, é a regra número três do código dos Fur Hire. Embora seja a terceira, ela não é menos importante que as duas primeiras. Ela diz: Se algo acontecer aos Fur Hire, os que ficaram para trás, precisam esperar seis meses para poderem agir. Seja lá quais foram as ações que possamos tomar, devemos esperar os seis meses. Esse tempo, é a prova de nossa confiança mútua, da nossa união como uma equipe, como uma família. Se não confiarmos que podem voltar sozinhos, estaremos desrespeitando a confiança dos nossos companheiros. Estaremos manchando suas honras.

— Então quer dizer que... - Começou Auram, subitamente se levantando da cadeira, fazendo a mesma ser empurrada para trás e quase cair, se Beat não a tivesse segurado. Olhou para os gêmeos e para Beat e depois para Wiz.

— Sim, jovem, eu já pretendia levá-los comigo atrás deles, no fim deste mês. Todos vocês.