Winx e a Fada sem Asas

Capítulo 2 - Só in English


Só in English é uma música de autoria de Renato Enoch.


Seus olhos abriram com dor, afinal, não podia evitar senti-la. Depois de tantos dias na floresta, a cama quente quase a reconfortou. Quase. Não era costumeira e tudo que era estranho tendia a ser perigoso, para sua sorte — ou azar — aquele cômodo não lhe parecia estranho e aquilo a assustou mais do que a escuridão.

Foi como se tudo voltasse. De primeira, gritou, tentando abrir as janelas com força apenas para se deparar com o segundo andar — estava com forças para voar longe? Precisava de calma —, apenas deixou um rastro de lençol para trás e um aviso de que estava acordada. Não queria ficar naquele canto, os olhos cheios de lágrimas e o peito apertado imploravam para ver o ar fresco, batidas foram dadas: tum dum, tum dum. Escutou. Quando seu coração começou a ser tão alto?!

Nervoso. Sua cabeça doía e seu estômago revirava o que não existia, podia não ter comido nada, mas ainda queria vomitar. Era a sensação desesperadora que tão bem conhecia: crises de pânico. Precisava de segurança, precisava de ar, precisava de Andy.

A porta abriu e jogou um feitiço, o primeiro na sua mente. A fumaça a fez tossir e quase jogar fora o que tanto balançava em sua barriga, antes que pudesse lançar o segundo, algo surgiu: eram flores, depois, o cheiro da natureza. O sentimento de que estava segura. A voz calma daquela que era parecida consigo em momentos anteriores surgiu por detrás da nuvem rosa que adornava o quarto:

— Você está bem? — Não, quis gritar. Não, bravejar. Sim, falou. Deixando-se cair de joelhos no chão, chorou.

Nenhuma das Winx entendeu a razão dos gritos, ou do choro compulsivo que surgiu em diante, mas a acalentaram. É isso que boas amigas fazem — e aquela menina parecia precisar de boas amigas, principalmente, depois de ter, de alguma forma, se ferido para ajudar.

— Eu sou Flora, essa é Aisha — disse apontando para garota de cabelos cacheados — e aquela é a Bloom. Nós te ajudamos, você está em Alfea agora. É seguro aqui.

Não é, quis jogar fora e vomitar com força, mas precisava fugir antes que a visse. Desculpas foram jogadas, enquanto se levantava com cuidado. O peito ainda apertava, a respiração arfava e a cabeça doía, porém, precisava crescer: precisava escapar. Como em um gesto de desespero, pulou janela fora, impulsionando o ar com as mãos e sobrevoando o lugar que tão bem conhecia. Era desesperador, claro. Muito. Deixou para trás o rosto de três garotas preocupadas e confusas, precisava escapar — ainda existia Andy, merda, pensou — e encontrar sua antiga casa, se essa ainda estivesse em pé. Perdida em seus pensamentos, não notou quando bateu de frente com a barreira mágica que rodeava a escola e sempre esteve lá, inclusive, nos tempos de aluna.

— Ariane? — A voz familiar a acordou da sessão de xingamentos que fazia, enquanto acariciava sua cabeça e limpava a calça rasgada da poeira que a inundava. — É você?! — E a voz masculina cresceu, parecendo realmente surpreso em vê-la. Um abraço a afagou, sentiu o carinho a chicotear, não o merecia. As outras fadas a olhavam com medo, nojo, da mesma forma que na sua infância. Da mesma forma que em toda sua vida. — Meu Deus, é você mesma. Está tão grande e... bonita. Espere, você... — Palladium parou. Observando o céu e a terra, as roupas negras e o olhar, assustado e assustador, ainda presente na outra menina.

Ninguém teve que pronunciar o final daquela conversa.

Sim, era ela.

E ela era uma bruxa.

— Vejo que escolheu um lado — falou o professor, se afastando para observá-la, ou ataca-la, de todo modo, não desligou seus instintos. Conhecia a escola, conhecia a si. Não era a vilã, todavia, se a queriam como, seria. — Eu sempre suspeitei que você faria grandes coisas — pronunciou, colocando seu cabelo longo para trás da orelha —, entretanto, nunca te imaginei... você sabe... assim.

E o assim quase a quebrou, talvez, tivesse quebrado anos atrás, quando tudo que queria era a aprovação da família que tinha construído naquele recinto.

— Você pode falar a palavra bruxa, Palladium. Não queimará sua boca. — Mesmo dizendo aquilo, a sua própria estava seca. Queimando por dentro, sua saliva era como ácido sulfúrico.

— Você permanece sendo a minha menina, Ariane — e se aproximou, sendo ricocheteado por uma barreira de proteção criada no impulso. — Vejo que aumentou seus poderes — brincou, vendo a preocupação surgir.

— Não se aproxime — Aria informou —, não quero te machucar. É só Aria, agora. Preciso ir embora, não quero me encontrar com você-sabe-quem. Por favor, tire a barreira para que eu possa... ir embora. De novo.

— De novo.

Ambos se entreolharam. Não havia nada além de amor fraternal e burburinhos das outras fadas, preocupadas em ter uma pessoa como Ariane intrometida em seu recinto, não que isso a incomodasse. Estava acostumada, de verdade, a lidar com pessoas que não a conheciam e queriam importunar: criticar.

Porém, dizer adeus é sempre mais difícil que dizer olá, e, naquele caso, ambos eram dolorosos.

— Sabe, Ariane — uma nova voz surgiu, forte, rouca, quase espiritual — teve uma época que você costumava me chamar de outra coisa além de você-sabe-quem. — a velha proferiu, quase como se fosse um conselho. — Pode voltar a esse tempo? Ou é pedir demais que uma filha chame a figura materna de mãe?

E adagas doeriam menos.

— Olá, Faragonda.

— Olá, filha.

Só que Faragonda não percebeu o óbvio: sua filha havia partido há três anos, aquele era apenas um corpo, e um corpo não é nada senão um recipiente quando a alma se esvai. Ariane havia se ido, hoje, Aria reinava.

E isso mudava tudo.

— Filha?! — E o coro estragou a cena perfeitamente dramática que se alinhou na situação.