A semana havia passado tranquila e de uma forma assustadoramente rápida. Éponine ainda estava brava com Grantaire,mesmo que entendesse que o que ele havia feito era para proteger os amigos. Mas tentava não demonstrar muito o certo ressentimento que sentia. Isso não quer dizer que ela não fizesse suas caminhadas matinais perto das margens do rio Sena na esperança de ver um certo envelope novamente. Mas não teve sucesso.

Então voltava para o apartamento para terminar de empacotar suas coisas. Éponine sempre foi o tipo de garota que não gostava muito de conversar,mas estava sentindo uma necessidade de ter alguém para uma conversar. Uma garota para conversar. Cosette só voltaria no fim das férias e Augustinne talvez não fosse voltar nunca mais.

Pensar em Augustinne fez Éponine parar o que estava fazendo e mandar uma mensagem para a amiga. Ela não apoiava tudo o que a amiga estava fazendo,mas o que poderia fazer? Cabeça dura e orgulhosa do jeito que era,preferiu a solução mais difícil de todas.

As onze Éponine ia se encontrar com Enjolras para almoçarem juntos e caminharem pela ponte dos cadeados.

Em um dos seus passeios durante aquela semana,Éponine parecia incomodada.

–Sabe? Eu acho patético isso.- Éponine disse, enquanto andavam de mão dadas,observando outros casais que colocavam cadeados com fitinhas e juras de amor.

–O que?- Enjolras perguntou olhando para Éponine que encarava um casal.

–Isso,de colocar cadeados aqui. Como se significasse alguma coisa ter um cadeado preso no meio de milhões com juras de amor.- Enjolras riu pelo nariz e levantou os ombros de leve. Aquilo para ele não importava,só passavam por ali porque Éponine pedia pois gostava de observar as pessoas.- Quero dizer...como se colocar um cadeado aí fosse impedir que o amor acabasse. Quantos dos casais que colocaram esses cadeados você acha que ainda estão juntos?

Enjolras demorou um tempo para responder,encarando a grade de proteção cheia de cadeados com fitas coloridas.

–Não faço a mínima ideia. Talvez nem metade.

–Sim! É exatamente isso que eu estou dizendo. Se é para durar,se é verdadeiro você não precisa colocar um cadeado em uma grade enferrujada. Olha só isso. Será que esse casal ainda estão juntos?- Éponine segurou em um cadeado enorme,onde tinha mais cadeados presos a ele.

–Não sei,Éponine. Talvez sim, talvez não.

–Sabe qual é o problema?- ela perguntou pensativa.

–Não. Qual?

–Que as pessoas precisam de alguma coisa que elas possam tocar para poderem acreditar naquilo que não podem ver. É como se colocando um cadeado com fitas coloridas elas pudessem ter certeza que é real,quando na verdade não podemos tentar materializar um sentimento. Quando as pessoas pararem de sentir medo do que não podem ver,quando elas pararem de tentar tocar um sentimentos,elas vão finalmente entender o que elas sentem.... Nem tudo é tocar, as vezes tudo o que precisamos é sentir.

–Um sentimento que só quer ser sentindo.- Enjolras brincou. Ele achava extremamente engraçado como Éponine se irritava com essas pequenas coisas, ela estreitava um pouco os olhos e sua voz ficava meia estridente. Mas Éponine olhou para ele com um sorriso sereno no rosto.

–Sim. Exatamente isso, Enjolras.- ela parou abruptamente e Enjolras se virou para encará-la.- Vamos prometer que nunca seremos esse tipo de casal.- ela pediu.

–O que?- Enjolras perguntou confuso.

–Não vamos ser o tipo de casal que tenta materializar um sentimento. Nada de cadeado na ponte do amor,nada de alianças de compromissos... nada disso. Nós sabemos que pertencemos um ao outro no momento. Pertencemos um ao outro no presente. O agora importa. Só o agora. Vamos prometer que não seremos um Marius e Cosette,por mais que eu ame os dois mais que tudo.

Enjolras riu do desespero de Éponine. Ele a puxou para si e passou o braço pelos ombros da garota que o olhava.

–Não se preocupe. Nós nunca seremos igual a eles.- Enjolras prometeu, enquanto dava um beijo na testa de Éponine.- Agora vamos,senão vou me atrasar para o trabalho.

Assim os dois andavam até o trabalho de Enjolras,onde se despediam com um beijo. Éponine passava a tarde em busca de um emprego, já que não queria ficar tão dependente de Fantine e Valjean. Ela já tinha 18 anos! Estava na hora de começar a se virar sozinha.

Aparentemente ela teria um apartamento para bancar sozinha,já que Augustinne havia ido embora. Seus pais já pagavam sua faculdade e mandavam dinheiro para suas extravagâncias. Já começava a sentir que estava abusando.

Mas até agora todas as suas tentativas haviam sido frustradas. Não entendia. Para as pessoas ela conseguia arrumar um emprego fácil,agora para ela mesma parecia que todos batiam a porta na sua cara,ou a olhavam com pena quando dizia que estava na faculdade e cursava artes cênicas.

E isso a irritava e sempre acabava a entrevista xingando seu talvez futuro chefe e assim destruindo qualquer chance de conseguir um emprego.

Sexta feira a noite, Éponine decidiu ficar no apartamento que dividia com Cosette,já que todo o fracasso da semana a estava deixando desanimada sobre arrumar um emprego,já que ela queria desesperadamente um para mostrar que sabia se virar sozinha.

Ligou para Courfeyrac para avisar que não iria se encontrar com eles no Café Musain e pediu para avisar Enjolras já que ele ainda estava no trabalho.

Courfeyrac percebeu a voz desanimada de Éponine e perguntou se havia alguma coisa que ele pudesse fazer ou se ela precisava de companhia. Mas ela disse que não era necessário,que só estava cansada,que havia passado a semana inteira procurando trabalho.

Antes de desligar, Courfeyrac falou para ela “Hey, Ponine. Se você não conseguiu nenhum emprego,é porque nenhum deles é para você. Não fique triste por isso. Nem sempre conseguimos de primeira.”

Éponine ligou o rádio e abriu uma garrafa de vinho. Ficou dançando sozinha pela casa e imaginando que não importava,ela sempre acabaria sozinha com uma musica para lhe fazer companhia. As duas se entendiam tão bem. Foram feitas uma para outra.

Éponine riu sozinha ao ter esse pensamento.

Enquanto andava pela casa, Éponine ia conversando consigo mesma fazendo vozes diferentes,mudava seu jeito de andar,parava na frente do espelho e começa a rir e mudava para choro,depois para emburrada,um sorriso,mostrava a língua. Brincava de esconder e achar com seu próprio reflexo e achava graça.

Depois começou a se rastejar pelo chão. Fazia uma arma com a sua mão e ficava tentando imitar diferentes sotaques. Saía correndo pelo apartamento como se estivesse perseguindo ou fugindo de alguém. Pulava no sofá e cantava. Inventava uma coreografia.

Até depois de muito,ela se deitou sem fôlego no sofá e riu consigo mesmo.

–Ah Ponine. As vezes você age como uma criança. Depois não quer que as pessoas pensem que você é louca.- ela mesma se chamou a atenção,mas segundos depois estava rindo.- O que eu posso fazer? Eu faço teatro é meu dever ser meio desmiolada.

Ela se sentou para servir mais vinho,quando a campanhia tocou. Éponine terminou de servir a taça e olhou para a porta com curiosidade.

–Mas quem será...?- perguntou se levantando e indo abrir a porta.- Enjolras,oi.- ela cumprimentou o rapaz com um sorriso.

–Oi, Éponine. Courfeyrac me disse que você não iria,então vim ver se você está bem.

–Ah mon amour, eu estou ótima! Só um pouco cansada. Quer entrar?

Ela deu espaço para que Enjolras entrasse. Ao fechar a porta os dois ficaram se encarando por um tempo sem nenhuma emoção no rosto,até que Enjolras riu e desviou o olhar.

–Não tem jeito, de olhar para você e não rir.

–Eu sempre vou ganhar,aceite o fato, Jojo.- ela falou lhe abraçando. Os dois haviam começado a brincadeira em um dos dias que estavam almoçando juntos,após verem duas crianças brincando.

–Vai ter o dia em que você não vai me fazer rir.

Éponine o olhou com as sobrancelhas arqueadas.

–Quem te viu,quem te vê, em Jojo. Há alguns meses atrás você era todo “nada de brincadeiras!” e agora já está até falando que te faço rir. Sou realmente milagrosa.- Éponine se gabou e Enjolras revirou os olhos,pegando-a pela cintura e dando um beijo em sua nuca,gesto que fez Éponine se arrepiar e fechar os olhos para aproveitar aquela sensação.

–Você está com fome?- ela perguntou em um sussurro.- Não leve para o outro lado,você passou muito tempo com Courfeyrac e tenho medo que ele possa ter corrompido sua mente com as malicias dele.

–Eu não tinha entendido do modo malicioso,mademoiselle Éponine... mas pensando bem...- Enjolras sussurrou no ouvido de Éponine e ela pode sentir a respiração quente dele no seu pescoço e nesse mesmo instante ela se sentiu ficando mole,como se não tivesse nenhum osso. Como se ela fosse apenas pele e sangue.

Como podia? Aquele cara,que se fazia de frio e tinha a pose de “ eu não me importo”,ser aquele mesmo cara que estava ali e a estava fazendo se sentir daquele jeito? Quando conheceu Enjolras,não imaginou que ele pudesse ser o tipo de namorado que distribuía beijos no pescoço da namorada,como estava fazendo no momento.

–Seu besta.- ela finalmente conseguiu achar sua voz para falar,mesmo que fosse um murmúrio rouco e quase inaudível.- Vou preparar um jantar para nós- Éponine se afastou,com muita relutância de Enjolras,que estava sorrindo. Ele balançou a cabeça e seguiu Éponine para a cozinha.

Enjolras ficou um tempo observando a garota,que andava pela cozinha procurando o que precisava e colocava encima da pia.

–Como foi sua busca por trabalho?- Enjolras perguntou,se servindo de vinho.

Éponine fez uma careta.

–Nada,como os outros dias. Mandei currículo para todo lugar que você possa imaginar. Lojas,restaurantes...tudo. Claro ainda faltam alguns lugares que ainda não me ligaram para marcar a entrevista. Mas os lugares que eu já fiz,todos meio que me ofenderam por eu dizer que faço artes cênicas e eu, obviamente xinguei todos. Não vou ficar em um lugar que as pessoas não gostam do que eu faço. Me diga: qual o problema com artes cênicas?- Éponine parou de cortar o legume e olhou para Enjolras,se sentindo levemente irritada por se lembrar de todo seu fracasso por culpa das pessoas.

Enjolras ficou pouco a vontade,mas sentiu que precisava dar uma resposta,já que Éponine o olhava esperando uma.

–Vamos dizer que não é o trabalho mais promissor...- ele começou,mas levantou as mãos,impedindo que Éponine o interrompesse- Pode me ouvir? Vocês mais que qualquer um dependem da sorte. O salário não é lá dos melhores. Vocês se acabam pelo que acreditam. Vocês quase nunca trabalham... Desculpe, Éponine,mas o que você quer ser quando crescer? No que você vai trabalhar se não der certo? Teatro é muito bom para distrair mas... como você vai viver? Você pode conseguir o que quer na faculdade,mas e quando você sair? Já parou para pensar em tudo isso?

Éponine fechou os olhos e respirou fundo. Ficou exatos 60 segundos de olhos fechados.

–Você.- Éponine apontou a faca na direção de Enjolras.- nunca mais repita isso, entendeu? Foda-se, o dinheiro, Enjolras! A questão disso tudo não é dinheiro! Se eu quisesse dinheiro eu ia virar atriz de TV, não de teatro. E me desculpe,mas nunca trabalhamos?- ela se aproximou mais,a voz carregada de raiva,seus olhos duros.- Quando vocês estão a noite se divertindo,nós estamos muitas vezes em ensaio. No final de semana quando vocês vão ao teatro, relaxando, nós estamos entretendo vocês. De sexta a domingo. Se tivermos sorte,temos folga na segunda e terça. Mas se o diretor quiser temos que estar lá para ensaio. Trabalhamos mais que qualquer um,por que você acha que sou viciada em cafeína? De passar noites acordada decorando texto, em ensaios. E somos chamados de vagabundos,gays e putas!- Éponine gritou.- Ótimo, então eu sou realmente uma puta. Só foi isso que você faltou dizer, Enjolras.

Ela se virou,voltando a cortar os legumes. Tinha ficado magoada por aquilo, que Enjolras disse,e de repente, não o queria mais ali. Ela sentia vontade de chorar e de ficar sozinha. Sentia vontade de bater em Enjolras,que em um momento podia ser tão carinhoso e no outro era um ser frio.

–Quer saber?- ela se virou para ele, largando a faca e tudo o que estava fazendo.- Vai embora.

–Éponine...- Enjolras se levantou e tentou se aproximar dela.

Ela o afastou com as mãos. Mordeu o lábio inferior e olhou para ele,o olhar magoado e ao ver isso, Enjolras se odiou por ter dito tudo aquilo.

–Só vai embora.- ela pediu novamente.

–Não, Ponine. Me desculpe, eu fui um idiota.- ele pediu,a pegando pela cintura e tentando encontrar o olhar dela. Éponine fingia tão bem ser uma garota forte,que até Enjolras que a conhecia bem,se esquecia como ela se magoava fácil com as coisas.

Éponine riu,um riso vazio de humor.

–Sim,você foi.- sua voz saiu seca.

–Isso quer dizer que estamos bem?

Éponine olhou para ele.

–Não. Isso quer dizer que eu quero que você vá embora! As pessoas agem como idiotas quando estão falando o que de fato pensam. Esse é seu pensamento. Desdo inicio, esse é seu pensamento. Você foi um idiota por estar escolhendo me dizer a verdade,mesmo sabendo que ia me machucar. Você sabe o quanto isso é importante para mim,o quanto eu batalho por isso.

–Eu sei,Éponine. É só que... eu ainda estou tentando. Estou aos poucos me adaptando.

–Então, enquanto você não se adaptar. Enquanto você não aceitar que tudo faz parte do meu pacote,ao qual você disse que aceitava, eu quero que você vá embora.- ela falou cada palavra lentamente.- Eu não vou ficar com alguém que me ofende. Eu já me sinto mal o suficiente para ter alguém que me faça sentir pior.

Enjolras passou as mãos pelos cabelos,frustrado. Éponine aproveitou para se esquivar dele.

–O que você quer que eu diga, Éponine?- Enjolras realmente não pensou que o namoro acabaria tão rápido e por uma discussão tão besta.

–Não quero que você diga nada que você não queira dizer. Não quero te controlar. Não quero que você diga as coisas só para me agradar, não percebeu isso? Quero que você me aceite por completo,mas que droga!- Éponine gritou. Brigar com Enjolras estava estilhaçando o coração dela em milhares de pedaços, e ela podia ver esses pedaços sendo jogados pela sala. Mas não podia, não podia deixá-lo falar assim dela. Não podia deixar ninguém mais colocá-la para baixo. E enquanto Enjolras tivesse aquele pensamento, ela não conseguiria ficar com ele.- Vá embora, para isso não tomar proporções maiores que já tomou.- ela abriu a porta.- Por favor.- pediu em um sussurro suplicante.

Enjolras foi para a porta. Ainda se sentindo um completo idiota e com vontade de esmurrar a si mesmo. Éponine não o olhou quando ele parou bem a sua frente.

–Nós vemos amanhã?- perguntou, esperançoso por uma resposta “amanhã nos vemos e conversaremos com calma. Prometo”.

–Quando eu quiser te ver,eu te aviso.- ela olhou para ele,do jeito que costumava olhar antes. Queixo erguido, feições dura e olhos desafiadores. Aquela tristeza se instalando ali novamente,depois de algumas semanas de férias.

Enjolras saiu do apartamento e se virou para ela, de repente com raiva.

–Você sabe que está fazendo drama de novo? Uma cena? E que está mandando embora novamente a única pessoa que se importa com você?

–A diferença,é que agora eu não vou atrás.- Enjolras obteve uma resposta fria,da garota que momentos antes estava em seus braços. Ela bateu a porta sem pensar duas vezes,nem olhar duas vezes.

[...]

Duas semanas haviam se passado desda briga que os dois tiveram no apartamento. Enjolras e Éponine não se falaram mais e mesmo que tentasse ligar para ela,era ignorado e sempre caia na caixa postal,onde ouvia Éponine dizer. “E aí? Você ligou para mim,mas no momento não posso atender,ou estou te ignorando. Mas de qualquer jeito, deixe uma mensagem após o sinal.”

E ele desligava pois sabia que ela não iria ouvir.

–Como andam você e a Éponine?- Combeferre perguntou outro dia.- Não estou vendo vocês juntos mais.

–Nós brigamos.- ele riu sem humor ao responder.

–Ah cara. Sinto muito.

–É, eu também.

–E aí galerinha animada!- Courfeyrac chegou animado junto com Grantaire.

–Ou não. Cruzes quem morreu?- Grantaire perguntou se sentando e roubando a cerveja de Enjolras.

–Enjy acabou de contar que ele e a Ponine brigaram.- Joly explicou.

Grantaire nem Courfeyrac pareceram surpresos.

–Já sabíamos.- os dois declaram juntos.

–No sábado, Éponine nos ligou e fomos encontrá-la. Ela nos contou tudo.- Grantaire explicou e Courfeyrac fez um som de desaprovação para Enjolras.

–A propósito...- Courfeyrac começou.- Sei que ela não está falando com você,mas ela conseguiu um emprego. Tem uns dois dias. Ela tá bem feliz.

–Emprego do que?

Grantaire e Courfeyrac trocaram olhares,como se estivessem tentando lembrar um ao outro o que era.

–Sabe essas pessoas que avisam que o ônibus,trem está saindo. Que tem na rodoviária?

–Do tipo “atenção senhores passageiros. O ônibus com destino a Toulon sai em cinco minutos”?- Grantaire perguntou imitando a voz de uma mulher.

–É isso aí. Acabamos de deixá-la no trabalho.

–Ela trabalha a noite? Isso não é perigoso?- Enjolras perguntou preocupada, Paris não era o melhor lugar de madrugada.

–Sim,mas ela sai bem de manhãzinha. Daí passa o dia dormindo. Pelo menos nesses dois dias foi assim.- Grantaire explicou.- Você poderia aproveitar para falar com ela, já que ela está feliz. Talvez consiga alguma coisa.

– Verdade. Você pode ir pegá-la quando estiver para sair e levar flores como pedido de desculpas.- Jehan deu ideia.

–Ou não. Já que a Éponine pode tacar as flores na cara dele,como bem sabemos que ela irá fazer.- Combeferre disse com toda sinceridade e Enjolras teve que concordar que aquilo era bem provável.

–Com licença. Será que eu poderia me sentar aqui com vocês?- os amigos se viraram e deram de cara com uma garota loira e sorridente.

–Thaís!- Combeferre se levantou para abraçá-la.- Você não disse que estava vindo.

–Poisé. Decidi fazer surpresa.- ela respondeu toda animada.- Cheguei hoje pela amanhã e imaginei que vocês estariam aqui. Como estão meus garotos?- perguntou em uma animação que fez Grantaire e Courfeyrac revirarem os olhos.

–A única que pode nos chamar de “meus garotos”, é a Éponine.- Grantaire explicou, mostrando que não estava feliz por a garota estar ali.

O sorriso de Thaís se fechou e ela ficou sem graça. Se lembrou do que fez a última fez que viu todos e em como Éponine deveria ter feito sua caveira para todos.

–Grantaire, onde estão seus modos?- Combeferre perguntou bravo com a atitude do amigo.

–Oi, Enjolras.- Thaís o cumprimentou se sentando ao seu lado.- Tudo bem?

–Tudo. E você? Fico feliz em ter ver de novo.

–Eu também. Estava com saudades- ela confessou.-Como anda a faculdade?

E os dois ficaram conversando. Era incrível como a conversa entre os dois fluíam. Era fácil e os dois tinham o mesmo assunto.

Thaís enquanto conversa ficava alisando a perna de Enjolras,que mesmo tirando a mão da garota, depois de alguns minutos voltavam a fazer o mesmo movimento.

–Não acredito!- Éponine entrou nervosa e parando de frente para Grantaire e Courfeyrac.

–O que foi?- Courfeyrac perguntou.- Por que não está no trabalho?

–Porque fui despedida! Dá para acreditar em um negocio desses?- ela se jogou em uma cadeira que estava ali do lado dos dois e roubou a cerveja da mão de Grantaire a levando a boca.- Eu to muito possessa da vida!- ela esbravejou.

–E precisava roubar minha cerveja?- Grantaire a olhava incrédulo.

–Mas por que você foi despedida?- Joly perguntou chegando perto para medir a pulsação dela.

–Por uma coisa muito besta. Besta de verdade.

–Qual o motivo?

–Só porque quando eu ia anunciar a saída do ônibus eu ficava fazendo vozes diferentes. Tipo voz de velho,de criança,de gay,de homem... ficava inventando vozes. Afinal isso me ajuda a criar personagens. Daí hoje meu ex- chefe me chamou e disse que queria uma pessoa séria e claramente eu não era o tipo de pessoa. Que ali não era lugar de brincadeira.

Éponine terminou de contar e levou a bebida a boca. Todos os amigos a olhavam.

–Desde quando ficar fazendo isso é brincadeira?- ela perguntou olhando para Courfeyrac que começou a rir. Logo depois Éponine estava rindo com ele.- Eu sou um desastre não sou?

–Um desastre lindo, que ainda vai achar um emprego certo.

–Não posso fazer nada. Tinha um microfone na minha frente. Você nunca pode me colocar na frente de um microfone e não esperar que eu faça algo idiota... Quero dizer. Ah sei lá.- ela riu novamente e seu olhar finalmente caiu em Thaís e Enjolras sentados perto, e a garota com a mão descansando em sua coxa. No mesmo momento a mandíbula de Éponine ficou tensa e ela se colocou de pé, devolvendo a garrafa de cerveja para Grantaire que a olhou sem entender.- Bom,mas esta obvio que isso foi ótimo. Agora vou poder ter minhas merecidas férias.- ela falou tentando soar animada e não olhar para Enjolras,que a encarava,pensando se seria esse o momento que ela iria dizer que os dois precisavam conversar, se esquecendo que Éponine odiava Thaís mais que tudo.

–Assim que se fala, garota. Vamos curtir!- Courfeyrac se levantou animado.-Onde vamos?

–Vocês eu não sei. Mas eu irei arrumar minhas malas.- Éponine falou descontraída e se virou e fez cara de surpresa.- Ah Mon Dieu! Thalita, que bom ver você.

Thaís se sentiu pouco a vontade com o tom que Éponine usou.

–É, Thaís, Éponine.- ela respondeu em um sussurro e recebeu um olhar de desprezo de Éponine.

–Verdade. Eu sempre me esqueço. Enjolras- ela o cumprimentou com um aceno de cabeça,um sorriso duro no rosto enquanto olhava os dois sentados juntos. Enjolras esperou que ela dissesse mais alguma coisa mas a garota foi para a saída.

–Mulher maravilha... o que a mademoiselle vai aprontar?- Perguntou Joly.

Éponine se virou com um sorriso largo,aquele que sempre usava para não deixar as pessoas perceberem que ela estava triste com alguma coisa.

–Vamos dizer que tenho um amigo na cidade e estou devendo uma viagem ao litoral da França com ele.

Os amigos trocaram olhares entre si mas nada disseram.

–Se divirta, Ponine.- Jehan desejou para a garota.

–Não se esqueça do protetor solar e de beber bastante liquido.- Joly instruiu.

–Quem sabe nós não vamos também?- Courfeyrac colocou a possibilidade.

–Seria muito divertido. Fala sério, todos nós na praia? Se conseguirem por favor me avisem. Tchau.- ela se despediu.

Grantaire encarava Enjolras que olhava para Éponine sem acreditar que estava fazendo aquilo de fato.

–Não esqueça da proteção, Ponine. E não faça nada que eu não faria.- Grantaire falou com um sorriso e deu uma piscadela para Éponine.

–Se cuidem meus garotos!- Éponine saiu saltitante pela porta.

Enjolras estava vermelho e olhava furiosamente para Grantaire que deu de ombros.

–Você não pode ficar nervoso por ela querer se divertir. Não quando você está deixando a Thaís te alisar aí.

Thaís olhou para o rosto de todos e então compreendeu. Escondeu o rosto nas mãos fingindo estar muito envergonhada do que tinha feito.

–Vocês estão namorando? Mon Dieu! Me desculpe eu não sabia. Eu vou atrás dela e vou explicar que não era nada do que ela está pensando.- Thaís se levantou indo para saída.

Grantaire e Courfeyrac assistiam ao show da garota sem se comover, não gostavam dela depois do que Éponine contou sobre o que ela fez na festa.

–Não precisa perder seu tempo. Eles estão brigados.- Courfeyrac falou em tom frio,sem olhar para a garota que tinha os olhos arregalados como se sentisse culpada.

–Estamos brigados. Isso não quer dizer que terminamos.- Enjolras falou nervoso.

–Bom. Então agora você pode ter certeza que estão brigados e oficialmente separados. Já pode comemorar, Thalita.- Grantaire falou com a voz carregada de sarcasmo.

–Eu... eu não queria nada disso. É verdade. Se eu soubesse eu...e-eu nunca...

–Mon Dieu! Você é muito dissimulada da garota. Para.- Courfeyrac pediu perdendo a paciência.

–Vocês querem parar? Não foi culpa da minha prima o fato dos dois estarem nas últimas. Sabíamos desdo começo que não iria durar. Eu sei que vocês dois protegem o relacionamento dos dois. Mas parem de ficar tentando achar culpados.- Combeferre abraçou Thaís que tinha os olhos vermelhos.

–Ta você ta certo.- Courfeyrac concordou só para não brigar com o amigo.

–Vocês acham que ela foi se encontrar com Montparnasse?- Enjolras perguntou mesmo já sabendo a resposta. Estava puto, mas não com Thaís, nem com seus amigos e nem com Éponine,mas consigo mesmo.

–Não, não. Ela foi se encontrar com o coelhinho da páscoa. Com quem mais você acha que ela foi se encontrar?

Enjolras apertou a ponte do nariz e contou até dez. Não gostava de Montparnasse, não gostava do jeito que ele olhava para sua Éponine,não gostava do jeito que ele tocava nela e nem do jeito que falava com ela. Não gostava do fato de eles terem um passado junto e de como não conseguiria tirá-lo da vida de Éponine. Melhor que ninguém ele sabia que ele sempre seria uma parte importante da vida dela e que ela nunca iria querer colocá-lo de lado.

Do mesmo jeito que ele ainda sabia que Montparnasse ainda gostava dela, não apenas como amiga.

–Não vai adiantar você ir atrás dela, Enjolras.- Jehan aconselhou ao ver o amigo indo para saída.

–O que você espera que eu faça. Deixe ela ir? Eles tem uma história juntos.

–Que ficou no passado. Dê um tempo para ela. Ela está se sentindo traída e deixada de lado por você. O que você disse, agora isso. Mesmo que não seja nada, para ela, foi alguma coisa. Porque ela sabe que talvez possa acontecer alguma coisa entre vocês.- Grantaire deu pigarro e Courfeyrac começou a assobiar, Enjolras olhou para os dois mas voltou a olhar para Jehan assim que ele começou a falar.- Ela esta com medo. A Éponine ela é cheia de medos. Ela é machucada demais, insegura demais,mesmo que queira passar outra imagem. E eu acho que você sabe o motivo que causa isso. Por isso o desapontamento dela é maior,porque está claro que você sabe algo nós não sabemos. Ela confiou algo a você.- Conforme Jehan foi falando, Enjolras ia se acalmando,mas ao invés de se sentir melhor, ia cada vez mais se odiando por não ter cuidado melhor. Ele sabia de tudo, ela se abriu para ele,chorou em sua frente,nos seus braços.- Dê o espaço que ela precisa.

–Você acha que...?- Enjolras não terminou a pergunta.

–Se for para vocês ficarem juntos... vocês vão ficar. Eu consigo ver que você a ama,mas você tem que deixar você mesmo ver isso. Enquanto você continuar sendo cego,você não vai ser capaz de aceitá-la por completo. Amor é aceitação, Enjolras.- Jehan falou como se não fosse um rapaz de 22 anos e sim um velho que já viu muito da vida.

Os amigos ficaram em silêncio refletindo sobre o que Jehan havia acabado de dizer.

–Cara, quando eu precisar de um terapeuta vou falar com o Jehan, já que tem o mesmo efeito de pagar um.- Courfeyrac quebrou o silêncio.

Enjolras se levantou.

–Eu vou embora. Preciso pensar,preciso ficar sozinho. Me desculpe por tudo isso Thaís, a gente se fala.-Ele se despediu dos amigos e saiu rapidamente.

–Cá para nós.- Grataire sussurrou para Courfeyrac.- Eu acho que enquanto essa aí estiver por perto, ela vai fazer o impossível para atrapalhar o relacionamento deles.

Courfeyrac deu uma olhada para Thaís.

–Também acho. Temos que pensar em alguma coisa para tirá-la daqui,antes que a Ponine volte.