Os amigos ficaram olhando para o Grantaire que estava parado no umbral da porta de cabeça baixa. Ficaram escutando mas sem ouvir o que Liz e a apresentadora estavam dizendo enquanto assimilavam a novidade. Sempre quiseram saber sobre a mãe do Grantaire,mas ele sempre fora muito vago sobre ela, as vezes dando até entender que poderia estar morta. Mas não, ela estava mais viva que qualquer um naquela sala.

–Como você me esconde uma coisa dessas?- Augustinne quebrou o silêncio, com a voz indignada.

Grantaire levantou a cabeça e a encarou em descrença.

–Talvez porque eu odeio aquela mulher? Talvez por que ela abandonou o filho com a mãe para que ela continuasse usufruindo dos prazeres do sexo? Por que eu não quero vocês se relacionando com uma pessoa como ela?

Augustinne abaixou o olhar envergonhada de ter usado aquele tom com Grantaire, ele tinha seus motivos, muito alem dos que ele havia citado. Ele era só um garoto assustado. Agora ela entendia aquela expressão que Grantaire tentava esconder atrás de um sorriso,uma piada,mas que sempre ficava visível quando estava entregue a bebida, que adquiria o poder de fazê-lo ficar quieto e soltar palavras desconexas, que o fazia chorar. Era porque ele se sentia abandonado. Um órfão. Agora ela reconhecia o que via em comum com as crianças do orfanato que ia com Éponine que sempre a fazia se lembrar do Grantaire.

O olhar assustado de uma criança abandonada.

Abraçou com uma força delicada sua barriga,como se para mostrar para seu bebê que nunca iria fazer aquilo com ele, que se ela já havia pensado em doá-lo, ficara apenas em um pensamento distante. Não iria querer um olhar,uma expressão daquela no rosto de seu filho.

–Me desculpe, Grantaire. Eu fui uma idiota de dizer isso. Sei que você escondeu isso com a melhor das intenções, mas agora nós sabemos e você precisa falar sobre isso com a gente.- Augustinne falou de forma doce, mostrando que estava realmente arrependida.

Grantaire negou com a cabeça.

–Não preciso.

–Precisa sim. Falar sobre isso vai fazer se sentir melhor, talvez até fazer você entender o lado da sua mãe.- Cosette se pronunciou, soando mais como uma profissional que uma amiga.

–Eu não quero entender o lado dela. Não tenho nada para entender, Cosette.

–Você precisa, Grantaire.- começou Éponine.- só encarando seus traumas você vai conseguir seguir em frente. E outra ela esta vindo atrás de você. Se você fugir ela vai vir atrás da gente. Nós podemos te ajudar. Somos seus amigos.

–Será que são mesmo?- Grantaire rebateu com as sobrancelhas arqueadas. Éponine se sentiu desconfortável com aquilo.

–Olha me perdoe Grantaire. Foi meu erro. Somos amigos e não devemos nos deixar para trás, independente do que tivermos feito. Estou aqui te pedindo perdão pela minha atitude. Eu te amo e não quero que você fique brigado comigo,porque você é o primeiro que eu quero contar as coisas pois sei que por mais ruim seja você ira me fazer rir. Eu quero ser para você a mesma coisa que você é para mim. Eu falhei, me perdoe.- Éponine terminou de dizer se levantando e parando a pouco centímetros de distancia do Grantaire.

Enquanto os outros olhava para o Grantaire, esperando uma resposta, Enjolras se concentrou em olhar para o comercial que passava na TV. Não gostava de ver Éponine demonstrando seus sentimentos tão abertamente. Não para outro cara, mesmo que esse cara fosse o Grantaire que já havia deixado bem claro que para ele, Éponine era como uma irmã.

Grantaire finalmente se deu por vencido.

–Tudo bem. Está desculpa. Mas já te deixo avisada que vai ter troco.- falou brincando enquanto retribuía o abraço que Éponine lhe dava.- Muito bem, não tem muito sobre o que falar. Ela me deixou com a minha avó, quando eu tinha uns quatro anos, dizendo que não aguentava mais, precisa continuar seu trabalho, que esse era seu objetivo no mundo, escrever suas experiências para outras pessoas. Ela sempre voltava no natal, mas então ela parou de voltar. Simplesmente sumiu. Deixei de esperar por ela. Nunca questionei minha avó,até que um dia ela decidiu me contar. Minha avó odeia a minha mãe,e com motivo. Ela preferiu se prostituir a continuar trabalhando como secretaria onde minha avó era faxineira, de repente apareceu com uma criança, e começou a escrever suas experiências. Uns quatro anos atrás ela apareceu,mas eu não quis vê-la. E desde então ela tenta entrar em contato,porém não tenho nada para falar para ela.-terminou dando de ombro.

–Você está magoado com ela.- Cosette concluiu e todos a encararam como se fosse a coisa mais obvia do mundo.- E ela esta arrependida de ter te abandonado. Prova disso é que esta tentando entrar em contato com você. Lhe dê uma chance para se explicar.

–Tenho uma pergunta.- Courfeyrac levantou a mão.- Por acaso seu pai não é um travesti,é?

[...]

Éponine chegou na faculdade acompanhada de Augustinne e Combeferre, mas ao chegarem encontraram os portões fechados.

Se aproximaram,se espremendo entre os alunos que estavam parados tentando ler os cartazes colados no portão.

–Então?- perguntou Éponine ao encontrar Cosette.

–Parece que realmente entraram em greve.

–Cadê os outros?- questionou. Mas na verdade Éponine queria perguntar “Cadê o Enjolras?”.

–Entraram com Enjolras. Alguns professores queriam falar com eles... Ah Combeferre pediram para você entrar e ir para o auditório.

Combeferre deu um beijo em Augustinne e voltou a se enfiar no meio dos alunos, até chegar ao portão, conseguindo falar com o segurança que logo o deixou entrar.

–Então... o que fazemos?- Agustinne perguntou se virando para sair do meio dos alunos. Éponine e Cosette a acompanharam.

–Como não vai ter aula podemos ir na feirinha de artesanato que está tendo aqui perto.- Cosette sugeriu. Éponine e Augustinne deram de ombro concordando, não tinham nada de melhor para fazerem.

Ficaram caminhando lentamente, parando em todas as barracas para olhar, enquanto conversavam sobre coisas bobas. Enquanto Cosette e Augustinne saíram correndo para olhar mais uma barraca com roupas de bebê, Éponine ficou para trás, sua atenção presa a um par de anéis de madeira com detalhes feito a mão.

Pegou na mão para examiná-los e sem entender o motivo pegou sua carteira na bolsa e os comprou.

–Aposto que irá dar para alguém especial.- a senhora da barraca perguntou enquanto embalava. Éponine riu e balançou a cabeça pegando o pequeno embrulho.

–Por enquanto não. É so que... eu achei muito bonito. Diferente... peculiar.- Éponine tentava descrever. Sim! Peculiar era a palavra que buscava, aqueles anéis seriam algo privado e especial para ela... só faltava descobrir o que seria tão especial.- Muito obrigada.

–Eu que agradeço.- respondeu a velha com um sorriso enquanto Éponine se afastava, indo de encontro as amigas.

–Encontrou algo que interesse?- questionou Augustinne que estava com um picolé na mão.

Éponine negou com a cabeça, não queria que as duas começassem com suposições para quem seria o outro anel.

–Alguma noticia deles?- perguntou mudando de assunto,pegando as sacolas que Augustinne segurava.

–Não. Creio que vai demorar. Só é injusto nos deixarem de fora, estamos sempre apoiando e ajudando. Por que agora tem que ser diferente?- reclamou Cosette.

–Talvez porque agora o negocio é mais sério. E conhecendo eles do jeito que eu conheço, nunca quiseram que nos envolvêssemos em nada disso. Acham que somos delicadas demais.- Éponine respondeu pegando o picolé da mão de Augustinne e levando a boca.

–Besteira.- murmurou Agustinne revirando os olhos.- Somos mais machos que todos juntos.... Talvez com exceção da Cosette.

–Merci.- Cosette agradeceu com uma risada enquanto provava um chapéu em sua cabeça.

–Mais um Cosette?- Éponine perguntou surpresa. Cosette sempre que saia acabava comprando um chapéu novo, em seu guarda roupa havia mais chapéus que roupas.

–O sol faz mal para a minha pele, então eu preciso me proteger. Me desculpe se eu sou branca quase transparente.

–Fantasminha camarada.- concordou Augustinne que recebeu um empurrão de leve de Cosette que pagava o chapéu.- Estou cansada. Vamos parar em algum lugar para comer?

–Mas você tomou um... super café da manhã. Digo isso porque o pobre Combeferre teve que ficar sem comer.- Éponine reclamou.

–Desculpe se agora eu tenho que comer por dois.- rebateu Augustinne revirando os olhos enquanto pousava as mãos na barriga.

Continuaram andando até encontrar um café que lhes agradassem, queriam algo mais calmo, onde pudessem observar as pessoas andando apressadas para o trabalho,ao mesmo tempo que ficassem relaxadas na sombra falando sobre tudo e nada ao mesmo tempo.

–Eu preciso de um emprego.- Éponine soltou depois de alguns minutos que haviam ficado em silencio para comer.- Não aguento mais ficar dependendo do dinheiro do Valjean e da Fantine. Fico me sentindo uma interesseira.

Cosette revirou os olhos.

–Nossos pais não pensam isso de você. Eles ficam muito felizes de nos sustentar, os faz pensar que ainda cuidam da gente mesmo estando longe.

–Eu sei disso, Cosette. É só que... já está na hora de aprendermos a nos virar não? Eu pelo menos, não quero ficar a vida inteira dependendo do dinheiro deles.

–Então arrume um emprego,oras.- Augustinne falou como se fosse a coisa mais obvia.

Éponine deu um sorrisinho zombeteiro para amiga.

–Como se eu já não tivesse tentado... Acontece que ninguém quer contratar alguém sem experiência.

–Por que você não tenta mandar currículo para uma livraria? Você gosta de livros.- Cosette sugeriu enquanto levava um pedaço de bolo a boca.

–A carga horária não bate com o meu da faculdade. Acredite eu já tentei.

–Que tal em um teatro?- Augustinne opinou.- Teatros só abrem a noite. Somente em finais de semana você teria que trabalhar a tarde. Você poderia ficar na bilheteria. Teria sempre ingresso de graça para as peças, trabalharia perto de algo que você gosta, um ótimo laboratório para criar personagens,porque você vai poder ficar observando as pessoas, pode acabar achando um grupo de teatro que precise de mais um integrante, vai conhecer diretores que podem querer você na peça deles... tudo o que você gosta e ainda vai receber para isso.- concluiu.- Céus se eu não estivesse grávida eu iria tentar arrumar um emprego assim.

–Você está certa!- Éponine falou animada se levantando.- Mon Dieu, como não pensei nisso antes?- bateu na testa enquanto pegava a bolsa e se inclinava para dar um beijo estalado na bochecha de Augustinne.- Você é a melhor. Te amo.

–Eu sei.- Augustinne respondeu convencida.

–Vou ir pegar meus currículos e sair entregando nos teatros. Au revoir.

–Ei!- reclamou Cosette com uma careta.

–Pardon.- Éponine voltou correndo desajeitada e deu um beijo igualmente estalado na bochecha da loira.

[...]

Já era noite quando Éponine teve certeza que já havia entregado currículos em todos os teatros existentes de Paris. Pelo menos aos que ela tinha conhecimento.

Estava exausta mas lembrou que havia combinado de se encontrar com todos no Musain, então respirou fundo e rumou na direção do café.

Ao chegar se assustou. Nunca vira o Café Musain tão cheio como aquela noite. Duvidava que conseguiria entrar, ou chegar perto de onde costumava ficar com os Amis,mas mesmo assim entrou e começou a se espremer. Pedia “pardon” para as pessoas,a maioria jovens que ela lembrava vagamente de ver no campus da faculdade.

Conseguiu chegar perto o suficiente para se sentar na janela aberta e perceber que já tinham começado a reunião e estavam no meio de um discurso, todos em silêncio,hipnotizados pelas palavras que saia da boca de um certo líder.

–... Nacionalistas dizendo que estão defendendo a família e Jesus Cristo, se ele for inteligente o suficiente para estudar que ele pode gostar de Jesus Cristo sem odiar os demais...

–Psiu.- Éponine escutou a chamando e virou a cabeça para a fora dando de cara com Grantaire que estava encostado na parede com um sorriso nos lábios.

–Grantaire! O que está fazendo ai?

–Ouvindo o discurso sobre o preconceito e esse novo grupo que está surgindo. Aí dentro está muito cheio, aqui esta mais agradável... Será que tem como você me arranjar uma garrafa de cerveja?- perguntou e Éponine riu, fazendo um sinal para que ele esperasse e voltando a se enfiar no meio das pessoas até chegar no bar.

–...É muito mais fácil vestir a bandeira da ignorância sem conhecer conceitos, sem conhecer a própria Bíblia , sem conhecer teorias que sejam. É muito mais fácil afirmar do que desconstruir.- era Combeferre que tinha a palavra agora, enquanto Enjolras estava ao seu lado de braços cruzados ouvindo atentamente o que o amigo dizia.

–Então vejam bem... nós vivemos em um período tão severo onde a educação não cumpre o seu papel...- Enjolras voltou a falar, sua voz confiante.- que as pessoas se apegam as vunerabilidades , se apegam a idiocracia. A idiocracia é a produção de idiotas.

Éponine conseguiu voltar a janela e se inclinou para entregar a cerveja para o Grantaire, enquanto ria do modo que o namorado falava idiota.

–Você percebeu com que fervor ele fala idiota?- Grantaire perguntou, adivinhando que Éponine estava rindo da mesma coisa que ele.

–Desculpem por falar isso mas nossa sociedade está produzindo idiotas.- finalizou se sentando.

–Então vem um idiota desses.- Combeferre voltou a falar.- E vem querer me bater, ele vai me bater até a morte. Porque não vou parar de falar que são idiotas... Veja bem, eu não vou deixar de sair na rua, de fazer as minhas coisas, por causa de um idiota desses. Olhem o absurdo... o cara não aceita e acha que pode matar e massacrar o outro. Olha o absurdo onde nós vivemos.

Courfeyrac se levantou, Éponine nunca o vira tão sério em todo o tempo de amizade deles.

–Eu tava conversando com uma menina outro dia e ela disse que existem os carecas passivos.- falou cheio de confiança até que todos começaram a rir e uma menina perguntou “passivos?”- Digo, pacíficos... mas devido as circunstâncias devem ser passivos também.- disse em tom de brincadeira, tirando risadas dos presentes, até que seu olhar caiu sobre o Enjolras que o encarava de modo feio. Courfeyrac soltou um pigarro e continuou.- E disse que tem os carecas pacíficos, esses caras não espacam mas eles não gostam. Quer dizer que agora temos que conviver com quem não me espaca mas também não gosta de mim e que a qualquer momento pode se tornar um agressor?

–Prestem atenção.- Enjolras voltou a tomar a palavra.- Esse é um tipo de ideologia da idiotice... Isso que estamos tentando falar para vocês. Quando o estado não assiste a população, a população fica a mercê. Fica a mercê de pressupostos machistas, de pressupostos problemáticos, de pressupostos racistas. E nós vemos a propagação de idiotice pela internet... isso também esta associado a uma questão de formação e essa questão de formação, de má formação leva a verdadeiros distúrbios da perspectiva reflexiva. Isso é um distúrbio, isso é um... assassinato do cérebro.

–Não é nem um assassinato é uma chacina cerebral.- Combeferre continuou.- Tomem muito cuidado com esse tipo de coisa.

–Então veja bem... o analfabetismo político na sociedade francesa.- Enjolras começou a andar no pequeno espaço que tinha, gesticulando.- Porque esse é um tipo de analfabetismo político. Ele está diretamente associado a produção da desigualdade social, quando uma pessoa não tem suas necessidades básicas supridas, ele também não irá pensar na política. Porque a sua necessidade primaria que é alimentação, vestimenta e moradia não foram supridas. Então não há condição para que aja reflexão se o sujeito não tem a sua...- parou um pouco, pensando na palavra ideal para usar.- singulariedade enquanto sujeito preenchida, a sua vontade enquanto ser preenchida, a sua necessidade que lhe dá energia vital. Então logo esse ser que não acompanha a política também foi desassistido e não participa da integração da sociedade francesa. E quando ele foi desassistido a desigualdade produzida pela sociedade,mantida através do analfabetismo político propagada pela mídia se mantém. O analfabeto político é o individuo que não compreende a influência da política no cotidiano, seja no preço do arroz, do feijão, seja na política anti-gay, seja aquele cara que incentiva o roubo do dinheiro publico. Isso é um analfabeto político. A pessoa que não sabe para onde vai o voto nulo,branco. É diferente do analfabetismo funcional onde a pessoa não sabe ler nem escrever.- concluiu, se virou para a mesa e pegou o copo de água que estava ali, deixando um tempo para os estudantes discutirem entre si sobre o que haviam acabado de escutar.

–Ele fala bem não?- Éponine perguntou para o Grantaire.

–Ele fala assim desde que eu me lembre.- Grantaire respondeu de olhos fechados.

–Tem certeza que você está bem?- ela olhou melhor para o amigo que estava pálido.

–Só estou cansado. Não dormi direito na noite passada.

–Então vá descansar.

–Tenho que esperar o Courf.

–Eu acho que nos temos que começar a fazer alguma coisa.- uma garota elevou a voz. Ela tinha os cabelos brancos com mechas roxas.- Tipo... denunciar esses caras... denuncia anônima mas isso não dá para manter. Eu tenho amigos gays e negros, tenho que começar a temer pela segurança deles? Ou minha também por ter um cabelo diferente do de todo mundo? Não podemos deixar uns idiotas desses fiquem a solta.

–Qual seu nome?- Enjolras perguntou.

–Luara.

–Muito bem... por isso estamos reunidos. Queremos soluções. Infelizmente apenas denuncias já não estão funcionando. O governo tem que ver que estamos cientes do que está acontecendo que não vamos ficar quietos... Pensem nessa situação e na nossa próxima reunião semana que vem discutiremos soluções. Obrigado por comparecerem... nós temos o poder de fazer alguma coisa para mudar se for feita de forma correta. Ficaremos um pouco mais aqui para quem quiser perguntar alguma coisa.- Enjolras se despediu e se sentou na mesa,pegando seu caderno e fazendo alguma anotação.

O Café Musain começou a esvaziar lentamente, quando Enjolras deu a reunião por encerrada muitas pessoas continuaram ali ainda, querendo conversar com ele. Éponine pegou mais duas cervejas e pulou a janela,indo se sentar com Grantaire enquanto esperava o lugar esvaziar para assim poder finalmente encontrar o namorado. Não o tinha visto o dia inteiro.

Depois de muito tempo, finalmente a última pessoa que segurava Enjolras e os outros saiu.Éponine cutucou Grantaire e os dois entraram, encontrando os Amis arrumando folhas em pastas.

–Salut.- cumprimentou Éponine ao se aproximar com um sorriso. Enjolras rapidamente levantou o olhar e encontrou aquele sorriso que havia sentindo falta durante o dia. Queria poder beijá-la, mas não iria fazer na frente dos amigos.

–Você está atrasada.- foi tudo que Enjolras conseguiu dizer,em tom de reprovação. Ficou esperando Éponine chegar para a reunião, gostava de saber que ela estava ali o ouvindo. Se ela não estava ali queria dizer que tinha outra coisa mais importante para fazer do que a reunião.

–Você ainda vai morder sua língua por falar o que não sabe.- Éponine rebateu irritada.- Eu estava aqui o tempo todo ouvindo seu discurso sobre analfabetismo político. Apenas não consegui me aproximar. Por sinal todos vocês falaram muito bem.

Enjolras voltou a prestar atenção na atividade que estava executando antes de Éponine entrar. Ele deveria ir até ela e abraçá-la, dizer que sentiu saudades, que como queria beijá-la, não, não só beijá-la,mas outras coisas. Mas não conseguia fazer nada disso, falar nada do que queria. Não na frente dos outros.

–Olhem um gatinho.- Éponine exclamou olhando o gato que entrava pela porta do Café Musain.- Tadinho ele deve ta com fome, vem aqui gatinho.- Éponine chamou.

–Será que é fêmea?- Cosette perguntou enquanto Éponine ia pegar o gato. Éponine olhou e fez que sim com a cabeça,colocando o gato encima da mesa.- Não! Olha tem bolinha- Cosette gritou apontando. Grantaire se inclinou para olhar.

–Bolinha? Você fala que isso é bolinha. São umas putas bolas e você fala que é bolinha?

–Coloca esse gato para lá é de rua.- Augustinne reclamou fazendo careta, não gostava de gatos.

–E daí? É mais limpo que você.- Courfeyrac falou brincando enquanto se aproximava,fazendo carinho.

–Vou pegar água para ele e pão.- Éponine se levantou e foi correndo para o balcão pedir. Voltou depois de um tempo e colocou na frente do gato que comeu vorazmente. Depois que terminou de comer ficou ali passeando entre as pernas dos Amis,enquanto eles conversavam sobre a reunião que tiveram com os professores mais cedo, deixando as garotas a par das novidades.

–Como vamos chamá-lo?- Courfeyrac perguntou interrompendo Enjolras que estava falando.

–Bolinha.- Cosette respondeu também brincando com o gato, que parou na frente do Enjolras e pulou no colo do loiro.

–Olha ele gostou de você Enjolras.- Éponine falou animada,vendo o gato se aninhar no colo do namorado.

–Também, é o único.- Courfeyrac murmurou para Grantaire.

–Jojo, ele quer mamar em você.- Grantaire falou rindo.- Parabéns mamãe.

–Garotos, tenho que fechar.- a dona do Musain veio até eles.- Mon Dieu! Isso é um gato? Tirem isso daqui agora!- falou repreendendo os Amis que seguraram uma risada enquanto pegavam as coisas e iam para fora.

–O que eu faço com isso agora?- perguntou Enjolras com o gato ainda no colo.

–Leve para casa.- Éponine respondeu como se fosse a coisa mais obvia do mundo.

–Não sei não...

–Shh.- Cosette fez.- Ele te escolheu. Já era. Agora você tem um gato. Parabéns.

–Mas... eu...- Enjolras começou a falar enquanto olhava para o gato que estava aconchegado nos seus braços. Como falar que mal conseguia cuidar de si mesmo, as vezes esquecia que tinha que comer, provavelmente o gato morreria de fome.- Eu não consigo. Nunca cuidei de um animal.

–Como não? Se você ta vivo até hoje?- Grantaire perguntou surpreso e foi ignorado pelo Enjolras.

–Éponine vai te ajudar, não é mesmo Ponine?- Cosette se viro para a amiga.

–Claro.- respondeu sorrindo, fazendo carinho na cabeça do gato.- Ele não mia.

–Ótimo. Então vamos para casa. Não se esqueçam que o nome dele é Bolinha.

Os Amis se despediram, ficando Éponine e Enjolras para trás.

–Não acho que seja uma boa ideia eu ficar com o...- Enjolras começou mas Éponine colocou seus lábios sobre os dele para o calar. E funcionou, ele quase deixou o gato cair mas ela se separou com um sorriso.- Bem... você acabou de me convencer a ficar com um gato. Como foi seu dia?- perguntou enquanto começavam a andar juntos.

–Bom... passei a manhã com Augustinne e Cosette, na parte da tarde fiquei entregando currículo e pensando onde vou morar.

–Por que onde vai morar?

–Não quero ficar atrapalhando Augustinne e Combeferre.

Enjolras ficou em silêncio. Não queria ser atrevido ou que ela pensasse outra coisa. Por fim acabou perguntando.

–Você pode ficar comigo se quiser.

Éponine sorriu de canto enquanto chutava uma pedrinha.

–Merci, mas não. Não sou uma pessoa fácil de se conviver.

–Isso eu já sei.- Enjolras respondeu com um sorriso enquanto olhava para Éponine.- Mas se precisar sabe que tem onde ficar.

–Merci.- ela parou e pegou o gato, o colocando dentro da sua bolsa, deixando apenas a cabeça dele para fora. Depois ficou na ponta dos pés para beijar Enjolras, que apertou a cintura da morena,enquanto sentia suas mãos no cabelo dele,depois descendo até sua nuca,arranhando ali.

–Você... tem...- começou mas logo voltou para o beijo.

–O que?- perguntou Éponine curiosa, se separando.

–Você tem esse poder de me fazer agir como um bobo apaixonado.

–Pelo menos a sós você tem que agir assim, porque senão eu iria pensar que estou namorando uma pedra sem sentimentos.- sussurrou voltando a colar os lábios nos dele.

–Quer passar a noite em casa hoje?- Enjolras perguntou quando se separaram e voltaram a caminhar. Éponine costumava ir sempre lá,assistiam um filme, ou ia se deitar e ficavam cada um lendo. Ela sempre pegava uma roupa sua para dormir,mas nunca ia alem disso. E Enjolras não gostava de forçar e nem gostava de parecer tão necessitado por sexo,mas as vezes a noite acordava e encontrava ela ali, dormindo com as suas roupas e simplesmente tinha que correr para um banho no meio da madrugada.

Éponine pareceu pensar um pouco na proposta, por mais que já sabia que iria dizer sim.

–Claro.- respondeu por fim.

Logo chegaram na porta do apartamento de Enjolras e enquanto o loiro pegava a chave para abrir a porta,sentiu o sussurro quente de Éponine na sua orelha.

–E te digo uma coisa com cinco palavras: dois.meses.sem.sexo.- terminou de falar dando uma mordidinha de leve no lóbulo do namorado,que o fez se arrepiar todo.