–Enjolras!- Éponine entrou esbaforida no quarto e correu para o lado da cama do namorado e segurou sua mão. A mãe de Enjolras já havia ido embora, ela nunca conseguia ficar muito tempo.- Você não vai acreditar no que eu acabei de presenciar!- exclamou maravilhada. Ficou em silêncio como se aguardasse uma resposta.- O bebê da Augustinne e do Combeferre nasceu. E é uma linda menina. Eu estava na sala de parto junto com ela. O pobre do Combeferre não aguentou a emoção e desmaiou- Éponine riu, ainda com um sorriso no rosto por ter tido sorte de ver uma vida nascendo. Imaginou que Enjolras também riria e tentaria fazer um comentário sarcástico sobre Combeferre mas não teria sucesso.- Augustinne deu o nome de Annabelle. Você se lembra dela?

Éponine puxou a poltrona para perto da cama e se sentou,contando todos os detalhes que se lembrava, como se quisesse que Enjolras estivesse visto também. Então,sem pedir permissão e pegando a si mesmo de surpresa,imaginou como seria se Enjolras estivesse com ela,segurando sua mão e sorrindo ansioso para ela no parto do filho deles.

Tão rápido quanto chegou Éponine fez questão de mandar essa imagem para longe. Mas já era tarde. Já conseguia ver a criança em seus braços. Enjolras ao seu lado e sentiu seu coração apertar e os olhos encherem de lágrimas.

–O que você fez comigo, Enjolras? Me responda. O que?- todo seu bom humor havia desaparecido,dando lugar a tristeza que a acompanhava nos últimos tempos.- Você não pode me transformar em alguém assim, que imagina o futuro e me deixar. Não pode.- murmurou,cansada, encostando a cabeça não mão de Enjolras.

E como todas as outras vezes, não obteve uma resposta além dos sons dos aparelhos que mostravam que ele ainda estava vivo.

[...]

O natal se foi tão rápido quanto chegou. Porém naquele ano,ninguém sentia vontade de comemorar. Não achavam que tinham o que agradecer. Pelo menos não nos últimos tempos.

Foram todos passar o natal na casa de Augustinne e Combeferre que fizeram questão que a filha tivesse um primeiro natal o mais decente possível.

Não houve trocas de presentes e nem risos fáceis.

Não eram mais os mesmos Amis. Algo havia se quebrado. Uma peça estava perdida e procuravam incessantemente por ela,com a pressa de voltarem a ser o quebra cabeça não perfeito mas que tinha a imagem mais bonita.

Fantine e Valjean vieram passar o natal com eles. Foram assistir uma missa,onde todos só tinham um pedido: que não levassem seu amigo mal-humorado.

Todos queriam apenas que Enjolras sobrevivessem. Não importava se sem uma perna,um braço,ou em cadeira de rodas. Não importava se com algum problema, só não estavam preparados para deixá-lo ir. Enjolras os havia unidos, tinham medo que sem ele, fossem se separar.

No ano novo, o hospital abriu exceção para os Amis, assim todos passaram ao lado de Enjolras. Á meia noite, se abraçaram e fizeram uma pequena prece para que tudo se resolvesse.

Não havia tido melhoras nos últimos dias, Enjolras continuava imóvel e sem sinais de querer abrir os olhos.

–E se você desse um beijo nele?- perguntou Grantaire um pouco antes da meia noite.-Sabe,aquela história do beijo do amor verdadeiro.

–Ele ta meio branco, poderia ser o Branco de neve.- Courfeyrac observou o amigo,deitado imóvel.

Éponine deu um sorriso triste,agradecida pelos amigos tentarem melhorar seu humor.

–Se eu já não tivesse tentando.- respondeu em um murmúrio cansado.

–Isso porque eu sou o verdadeiro amor dele.- Grantaire falou aumentando a voz e fingindo jogar o cabelo para trás.- Olhe só o meu porte de princesa.

Éponine riu.

–Nem pense nisso.

Ficaram mais um tempo sentado no pequeno quarto, até que uma enfermeira os avisou que já teriam que ir embora.

Grantaire se aproximou e sussurrou algo no ouvido de Enjolras e então segurando as lagrimas saiu do quarto junto com Éponine, deixando o amigo sozinho na noite do ano novo.

[...]

Janeiro ainda estava frio, mas a neve já dava indícios de querer derreter.

E ainda nada havia mudado.

Éponine não queria perder as esperanças,contudo tinha que admitir que ela já estava se esvaindo do seu ser.

Enjolras recebia visitas sempre, amigos de faculdade, antigos amigos de trabalho ou pessoas que ele havia ajudado. E sempre traziam alguma coisa. Éponine detestava quando traziam flores, para ela era como se estivessem já velando o garoto.

Os médicos estavam se sentindo animados, ele não piorara,continuava na pontuação 7na escala, coma intermediário, mas não sabiam dizer por que não acordava.

–“Meus olhos estão se enchendo depressa...- Éponine estava meio sentada,meio deitada na cama junto com Enjolras. O livro aberto estava colorido,cheio de Post it marcando as passagens favoritas da garota. Ultimamente ela lia muito e sempre marcava suas frases preferidas para lê-las para Enjolras.- com lágrimas e eu pisco e pisco,mas o mundo está uma bagunça e eu quero rir porque tudo em que consigo pensar é em como é horrível e lindo, que nossos olhos embaçam a verdade quando não aguentamos ver.”

A voz rouca de Éponine sumiu assim que terminou e ela ficou encarando o livro em suas mãos e pensando em como era verdade. Nos primeiros dias que Enjolras estava ali,naquela cama ela só sabia chorar,se negando a acreditar que aquilo acontecera com ele. Poderia ser com qualquer pessoa menos ele.

O principal erro das pessoas é achar que coisas ruins nunca acontecerão com quem elas amam.

–Tem essa também que eu adoro “As más notícias não aceitam devolução depois de serem entregues”.- leu com certo pesar na voz.- E não é que é verdade?- fechou o livro e o jogou na poltrona que estava ao lado da cama.

Éponine se aninhou ao lado de Enjolras, colocando sua cabeça no peito do garoto que possuía uma respiração supérflua. Fechou os olhos com força tentando se lembrar do cheiro e de como seu corpo quente se encaixava perfeitamente com seu corpo e sentiu falta, muita falta.

Se pudesse voltar no tempo não teria deixado Enjolras sair daquela cama,o convenceria a ficar ali com ela. Ou então o prenderia à a cama. Qualquer coisa. Só queria que aquela sensação de o estar perdendo a cada dia saísse de seu coração. Porque ela sabia,que aquela dor não passaria e nem se tornaria mais fácil com o tempo.

E nunca ninguém iria entender.

Escondeu o rosto no peito de Enjolras e sentiu os pelos lhe fazerem cócegas no rosto e então desandou a chorar, um choro convulsivo novamente. Seu corpo todo tremia,enquanto ela o abraçava com força,do jeito que podia.

–Eu amo você- admitiu, como se tivesse tirado um nó da garganta que a estava sufocando há muito tempo- Eu amo você e não é pouco. Eu amo você muito. Eu sei que nunca disse isso o suficiente...- ela deu uma risada sem humor nenhum.- Na verdade nunca disse, mas eu amo você e preciso que você saiba. E eu preciso que você acorde. Só desta vez, acorde quando eu peço,porque eu não sei...- Éponine se engasgou e levantou a cabeça.- Eu não sei, Enjolras, se eu vou conseguir passar um dia sem você.- se arrastou até que conseguisse alcançar os lábios de Enjolras.- Então por favor, eu te imploro,por favor acorde. Acorde porque eu te amo.

Então como se tivesse se livrado de um peso que a estava esmagando, Éponine se deixou cair ao lado do Enjolras, esperando, torcendo para que ele estivesse escutado e a abraçasse como se nunca mais fosse a soltar.

Não sabia dizer quanto tempo ficou naquela posição,apenas esperando, e murmurando uma canção para Enjolras. Poderia ter sido horas ou apenas minutos, mas sabia que não queria sair dali, não agora que havia admitido o que sentia de verdade por ele.

Escutou um pigarro tímido vindo da porta. Levantou a cabeça e encontrou com a mãe de Enjolras parada.

–Olá.- ela cumprimentou com a voz doce de sempre,parecia mais abatida que a última vez que a vira.- Como está?

Éponine relutantemente se levantou e tentou limpar o rosto manchado com as lagrimas.

–Nada bem. Eu... eu não quero perdê-lo.- desabafou.

Natalie deu um sorriso doce para a garota e pousou a mão no rosto de Éponine.

–Nem eu, menina. Nem eu.

–Bom, vou deixá-la a sós com ele.- Éponine se forçou a sorrir e foi em direção a porta.

–Ele vai ficar bem. Enjolras é um rapaz forte, nunca vai se deixar levar desse jeito.

Éponine assentiu com a cabeça.

–Eu espero que a senhora esteja certa.

E dizendo isso deixou o quarto.

[...]

A capela que existia no hospital estava vazia. Não era comum ter muitas pessoas ali, geralmente elas gostavam de ficar nos quartos com seus entes queridas,porém Éponine se sentia bem indo ali sempre que Enjolras estava com visitas.

Se sentou no banco e ficou olhando para as imagens de santos espalhadas por ali. Não era uma católica praticante como seus pais, mas sentia que quando procurava, era amparada. Se ajoelhou e segurou as mãos.

–Acho que o Senhor já esta cansado de me ouvir, mas vou continuar pedindo até ver aqueles olhos azuis novamente.- começou.- Por favor, eu sei que mais peço do que agradeço,mas salve-o. Eu prometo, e eu nunca quebro minhas promessas, que nunca vou sair do lado dele,ao menos que ele não me queira mais. Estou disposta a abrir mão de tudo para ficar e cuidar dele. Então lhe peço,porque não aguento mais... – sua voz se quebrou e Éponine percebeu que não teria que continuar Ele entenderia.- Obrigada por estar comigo. Amém.

Éponine fez o sinal da cruz e olhou para a imagem de Jesus a sua frente.

–Meio perigosa essa sua promessa.- a voz de Combeferre preencheu o lugar. Éponine se sentou e virou a cabeça na direção do amigo.- Ele nunca vai pedir para que você saia do lado dele.

–Eu não sei. Eu posso ser um pé no saco quando quero.- Éponine respondeu.

–Todas as mulheres são.- Combeferre deu de ombros se sentando ao lado de Éponine.

Eles ficaram em silêncio por alguns minutos.

–O que está fazendo aqui?- finalmente Éponine perguntou.

Um meio sorriso se abriu no rosto de Combeferre.

–Annabelle não para de chorar e Augustinne está me deixando louco.

–Então você veio ate aqui para fugir delas?- indagou com um sorriso querendo surgir.

–Mais ou menos isso.- falou e ficou em silêncio.- Estou aqui pelo mesmo motivo que você.- continuou depois de um tempo.- Preciso de alguém para me escutar e me amparar.

–Mas eu achei...- Éponine começou confusa.

–Sim, mas certas situações colocam á prova nossas convicções. E eu percebi que... realmente existe algo maior do que nós e que quando eu me dizia ser “ateu”, estava tentando entender o que levava as pessoas a acreditar em algo que não parecia ser tão grandioso e bondoso assim. Olhe esse hospital, cheio de pessoas sofrendo mas eles continuam firmes.- fez um gesto com as mãos.

–O que o fez mudar de ideia?

–Perceber que eu estava tentando colocar Deus no meu nível de pensamento. Que eu queria pensar como ele. E isso é errado. Sabe por que em quase todos os hospitais existe uma capela dessa?- perguntou e Éponine balançou a cabeça em negativa.- Porque são nos momentos de desespero que nossa fé é provada e que as pessoas procuram por algo a se segurar.- a testa de Combeferre se enrugou.- Fez algum sentido o que eu falei?

–Acho que sim.

–Vim aqui depois que Enjolras foi para a cirurgia,e ao entrar toda a minha angustia e medo sumiram. Então comecei aos pouco. Conversando,assim como se estivesse conversando com você, até eu perceber que aconteceu alguma coisa.

–O que?

–Para começar,Enjolras não morreu naquela cirurgia.- respondeu olhando para Éponine.-Eu tenho que voltar para casa,caso contrário Augustinne me mata.

–Boa sorte.

–Merci.- Combeferre se levantou e foi para saída. Éponine o acompanhou com o olhar. Ele se virou sem jeito para a garota.- A propósito, me desculpe.- pediu e saiu apressado com o semblante culpado.

Éponine ficou confusa. Deveria desculpá-lo pelo que exatamente?

Olhou o relógio e constatou que já estava ali tempo demais e que provavelmente Natalie já teria ido embora e só de imaginar Enjolras sozinho já lhe parecia uma péssima ideia. Fez o sinal da cruz antes de sair e passou na lanchonete para pegar um café. Passou no banheiro e lavou o rosto e então voltou para o quarto.

Quando chegou a porta encontrou uma garota loira,sentada ao pé da cama de Enjolras,segurando sua mão. Éponine sentiu o estômago queimar e fechou os olhos. Não poderia perder a paciência. Agora o pedido de desculpas de Combeferre fazia todo sentindo.

“Não, eu não irei te perdoar”, Éponine pensou adentrando o quarto silenciosamente.

–O que pensa que está fazendo aqui?- questionou com a voz cortante e um olhar de desprezo em direção a garota. Thaís se virou sobressaltada e limpou o rosto, ficando em pé mas sem soltar a mão de Enjolras.

–Combeferre me contou o que aconteceu e precisei vir vê-lo.- respondeu com um fio de voz.

–Bem está um pouco atrasada.- Éponine falou a voz dura.

Thaís abaixou a cabeça,olhando com carinho para Enjolras.

–Eu sei. Mas não estava falando com Combeferre, então quando voltei a conversar com ele...- ela segurou as lagrimas que queriam sair.- fiquei sabendo e peguei o primeiro avião para cá. Sei que não gosta de mim e acredite, é recíproco. Porém, Enjolras é meu amigo.

–Saia daqui.- pediu Éponine em um tom baixo.

–Sei também que o ama,mas acredite eu o amo tanto quanto você...

Éponine soltou uma risada carregada de sarcasmo e desprezo

–Não diga tamanha besteira,sua pequena vaca. Enjolras é minha vida e eu não admito que você venha aqui achando que você tem algum direito só porque você se acha melhor que eu. Agora saia daqui antes que eu chame os seguranças.- ameaçou tentando controlar o tom de voz.

Thaís respirou fundo, o rosto se tornando escarlate de raiva.

–Tudo bem, eu saio porque não quero estressar o Enjolras- respondeu empinando o queixo.- Vou ver se consigo voltar em breve,querido.- falou se inclinando para depositar um beijo na testa dele. Éponine revirou os olhos.

Thaís arregalou os olhos, olhando para Enjolras.

–O que foi?- Éponine perguntou preocupada e então se aproximou.

E o que viu poderia ter sido o suficiente para estilhaçar seu coração em mil pedaços.

Tentou não se sentir humilhada, mas pode sentir as lagrimas chegando.

–Acho que isso deve ser um bom sinal?- perguntou Thaís presunçosa, um sorriso se abrindo ao ver a expressão de ódio e humilhação no rosto de Éponine.

Éponine assentiu.

–Vou chamar os médicos.- avisou e saiu à passos rápidos do quarto, a vista ficando turva.

Enjolras apertara a mão de Thaís. Éponine havia passado o tempo todo ao lado dele.

Mas foi a mão dela que ele apertara.