Harry

Depois de tudo, a viagem seguiu silenciosa.

Eu ora dormia, ora trocava a estação do rádio.

Ao passar pelo LAX , a ansiedade tomou conta de mim. Sim, eu estava ansioso.

Eu estava prestes a reencontrar Thomas, meu ex-amigo-atual-namorado-da-minha-meia-irmã-que-é-também-a-garota-que-eu-gosto.

Era como um lapso no tempo. Eu conhecia aquela cidade. Passar por aquelas estradas era como se eu nunca tivesse saído de lá. Exceto o fato da relação entre Thomas e Aster.

"Nossa, nem parece que tenho anos sem aparecer por aqui."murmurei baixinho.

"Ansioso?" Aster perguntou curiosa sobre o que eu sentia, como sempre.

"Não tanto quanto você. Não tenho muita coisa pra ver lá." disse dando de ombros tentando parecer indiferente.

"Quantos anos você viveu em Lakeport?" ela perguntou, finalmente, já nunca tínhamos nos aprofundado muito naquele assunto.

"Uns dez, onze anos talvez, mas também não foi direto. Eu viajava muito com o meu pai principalmente depois da separação dele e da minha mãe."

"Inacreditável. Lakeport nem é tão grande assim, não consigo acreditar que nunca nos encontramos." uma placa à frente nos informava que estávamos a poucos quilômetros da cidade.

"É mesmo inacreditável." foi o que eu disse apenas.

*

Quando paramos em frente à casa de Tom, fiquei tenso.

"Você tem certeza que não quer que eu te deixe em algum lugar antes?" perguntou Aster mais uma vez. "Eu não vou demorar muito, mas se você quiser.."

"Tudo bem, Aster." interrompi. "Eu não vou atrapalhar vocês. Se eu ficar entediado vou dar uma volta. Qualquer coisa você me liga."

O olhar magoado no rosto de Aster me fez querer não ter soado tão rude, mas eu tinha que me manter firme.

"Tá bem." ela disse fraco e se inclinou para beijar minha bochecha.

Quase a segurei para que ficasse comigo, para que esquecesse Thomas, mas não seria correto.

Observei-a andando até a porta. Seus cabelos esvoaçantes nos ventos de fim de verão da Califórnia, seu vestido contornando o seu corpo. Tudo sobre ela era poético, tudo sobre ela era em movimento. Ela era em movimento.

Aster esperava ansiosamente a porta de Thomas se abrir. Alternava o peso de seu corpo entre as pernas, ajeitava o cabelo nervosamente e tirava poeira inexistente da roupa.

Quando a porta finalmente se abriu e Thomas apareceu com a cara de babaca que estava escondendo alguma coisa, eu já poderia imaginar o sorriso sincero e inocente de Aster para ele.

Lógico que ele sorriu surpreso também. Sorriu como se ela fosse algo precioso voltando para suas mãos. Aster era algo precioso.

Eles se aproximaram e eu já sabia o que estava por vim, fechei os olhos me poupando da cena e joguei uma camiseta qualquer no meu rosto.

Soltei um grito frustrado e abafado. Querendo ou não, eu era o intruso ali. A história de amor perfeita sendo atrapalhada por um fodido como eu.

Quando tirei a peça de roupa do meu rosto, eles não estavam mais na porta e então cada segundo se arrastou como um inferno.

Minha mente resolveu se tornar o mais imaginativa possível. Imaginei diferentes coisas do que eles poderiam estar fazendo lá dentro, mesmo sabendo que mais da metade delas era só paranoia e pesadelos.

Olhei no relógio e haviam se passado apenas dez minutos, que mais pareceram uma hora.

Escalei para o banco de trás para esticar as pernas em algum banco e, por que não dormir?

Quando ajeitei tudo direito, algumas folhas voaram e eu me apressei em pegá-las.

Era a história que Aster escrevia.

O plano era arrumá-las e colocar de volta no lugar, mas minha curiosidade falou mais alto.

Juntei todas as páginas já escritas da história e comecei.

*
O que eu li, doeu.

Mas doeu de uma maneira que eu não imaginava que poderia acontecer.

Eu estava sem palavras.

A escrita era magnífica, mas o enredo da Idade Média tentava camuflar em vão o que estava naquelas páginas.

Era a história de amor dela. A história que ela viveu e vive com o Thomas.

Bateram na lateral da Scarlett me assustando e eu guardei as folhas depressa. Já tinha visto que tinha que ver.

"Aster! Aster! Você está aí?" uma voz feminina disse alto.

Abri a lateral da van e a garota levou um susto.

Ela era loira, com os olhos azuis profundos realçados com a faixa azul presa em sua cabeça.

Suas feições era chegavam a ser infantis, mas seu corpo era bem diferente disso.

Alice.

"Meu Deus do céu, Harry! Imagina o susto que eu tomei quando vi um garoto abrir a porta." ela disse pondo a mão no peito dramatizando, como sempre.

Antes de ir embora, Alice e eu vivíamos nos encontrando. Ela era neta da vizinha da minha mãe. Nós não conversávamos muito, a não ser quando éramos obrigados a isso.

"Agora imagina o susto que eu tomei quando alguém tentou arrancar a lataria da kombi com as unhas." eu disse sentando nos degraus da porta do veículo

"Uau, mas você realmente cresceu e apareceu, hein?" Alice me olhou de cima a baixo e fingiu estar encabulada. "Não estou brincando."

Nós rimos e ela sentou ao meu lado.

"Aster não me avisou que vocês chegariam hoje, nem você." ela fez uma cara de desconfiada.

"Eu achei que ela queria fazer uma surpresa, não quis atrapalhar." dei de ombros e Alice apertou s minha bochecha.

"Ah você não era fofo assim quando éramos mais novos. Como sua mãe tá? Ainda faz aqueles brownies maravilhosos?"

"Eu tô até me sentindo meio mal, eu cheguei da Inglaterra e nem dei a atenção que ela merecia, agora ela está em lua-de-mel e eu não quero atrapalhar, sabe? Ela merece isso, levou tanto tempo para eu ver um sorriso sincero no rosto dela." apoiei a cabeça nas mãos. "E sim, os brownies dela estão a cada dia melhores."

"Preciso prová-los novamente. E quanto a não ter dado atenção para ela, se a tia Anne tem pelo menos um olho enxergando direitinho, ela sabe porque você não deu a atenção necessária." Alice piscou para mim.

"Não adiantou muita coisa já que é lá dentro que ela está." dei de ombros e esfreguei as mãos no rosto.

"Porque você é um idiota, Styles. Eu falei que essa história de dizer que era melhor se afastar não ia dar certo. Porra, Harry, eu sou a melhor amiga da Aster, sei que ela poucas vezes se arrisca em algo. Ela não gosta de sair da zona de conforto."

"Eu não posso colocar essa pressão nela. E o que eu falei tem um fundo de verdade, ela provavelmente estava carente e a atração física falou mais alto." Alice arregalou os olhos.

"Mentira que você falou isso? Não é surpresa que ela está com ele lá dentro." ela bateu na minha cabeça. "Aster é a pessoa mais intensa que eu conheço quando o assunto é sentimentos. Se ela gosta de você não é por uma coisa simples como atração física."

"De qualquer forma, eu não vou me meter entre eles." eu disse por fim e ficamos em silêncio por alguns minutos.

"Eu não acredito que ela veio vê-lo primeiro. Estou me sentindo traída."

"Você tinha que ter visto a cara dele ao vê-la. Eu não consegui decifrar o que era, mas com certeza ele não esperava por isso."

"Eu ainda acho que tem algo muito errado com esse Thomas, acho que ele esconde algo." Alice declarou.

Respirei fundo e tentei manter minha boca calada.

"Enquanto ela está aí, não quer fazer uma visita para minha vó? Ela anda meio triste atualmente, acho que vai se alegrar um pouquinho ao te ver." Concordei com a cabeça e peguei um papel para deixar um bilhete para Aster."Só não escreva nada relacionado a mim, quero ver quanto tempo ela fica sem se lembrar da sua melhor amiga."

"Você continua dramática como sempre" revirei os olhos e fechei a porta da kombi após deixar o bilhete.