"What if it's lost behind words we could never find?"

E se tivéssemos perdido palavras que nunca conseguiríamos achar?Longo dia

21 de Agosto

Passaram-se dois dias deste o encontro com Wickman e apesar de passarmos todo o dia e parte da noite procurando Miss Lydia, não a encontramos. Creio que nenhum de nós dormiu bem à noite e ainda não tinha amanhecido quando todos já estavam devidamente vestidos e prontos para o terceiro dia de busca. Nenhum dos ali presentes quisera comer e desta forma, quando os primeiros raios de sol adentraram pela janela da sala, saímos de casa. Desta vez as senhoras nos acompanharam.

A procura começou, desta vez ao Norte de Londres, indo de casa em casa, bares, pousadas, restaurantes e becos. Ao passarmos por uma igreja, Mrs. Gardiner decidiu permanecer e orar por sua sobrinha. Elizabeth, sempre determinada, recusou-se a parar de procurar pela irmã e continuou com o grupo. Já era quase a metade da tarde quando Mr. Bennet avançou aos gritos para um beco. Corri para o local e avistei-o discutindo com dois homens, aparentemente bêbados. Foi quando os outros me alcançaram e Elizabeth exclamou assustada que eu percebi uma jovem, suja e mal vestida, sentada no meio do lixo e totalmente apavorada.

Um dos homens empurrou Mr. Bennet para trás e avançou para cima do homem. Eu e Charles nos intrometemos e seguramos o homem, enquanto Mr. Gardiner começou a gritar pela policia, provavelmente para assustar os homens e seu plano deu certo, pois os dois, assustados, saíram correndo. Elizebeth correu e se jogando ao chão ao lado da irmã, a abraçou e começou a chorar. Finalmente, após dias que pareciam tão longos, achamos a menina. Ela estava completamente aterrorizada e enquanto eu a olhava percebi o quão cruel era a sociedade em julgar como desonrada e não merecedora uma menina que ainda era, praticamente, uma criança perdida e sem maturidade para perceber o perigo de seus atos. Senti-me envergonhado, novamente, pelo meu modo de enxergar a vida que tinha há poucos meses atrás e me afastei dos familiares que, agora, abraçavam e erguiam a menina. Avistei uma carruagem e fiz sinal para que parasse, combinando o preço para que levasse todos para casa.

Pov Lizzie

A personalidade forte e hiperativa de Lydia estava totalmente escondida debaixo de vergonha e terror. Durante toda a viagem para a casa de meus tios ela pedia desculpas ao nosso pai e chorava. Quando chegamos, eu e minha tia a levamos para o quarto que eu estava hospedada e eu a levei para o banho. Após a empregada encher a banheira com agua quente, a dispensei e ajudei a limpar, eu mesma, a minha irmãzinha. Lágrimas de raiva escorriam de minha face enquanto ensaboava as costas de Lydia. Esta apenas permaneceu parada enquanto eu a banhava. Tentei encontrar palavras para confortá-la, mas nunca tive tanta intimidade com ela.

Após o banho, minha tia me ajudou a vesti-la com uma de minhas roupas, que apesar de estarem ligeiramente largas, serviram bem. A ajeitamos em minha cama e logo nosso pai trouxe em uma bandeja uma tigela de sopa. Vi aquele homem forte e sarcástico tão diferente do normal. Minha tia retirou-se e eu e meu pai permanecemos ao lado de Lydia enquanto ela, silenciosamente, tomada sua sopa.

“Você estava certa.” Ela sussurrou e eu franzi o cenho. “Eu não deveria ter viajado sem alguém para tomar conta de mim”.

“Esqueça isso, minha filha” meu pai disse. “O que importa para nós agora é que você está novamente no seio de sua família”. Ela apenas acenou com a cabeça e após tomar toda a sopa, eu permaneci ao seu lado até que ela dormisse algo que não demorou a acontecer.

POV DARCY

Enquanto os Bennet e a Mrs. Gardiner levavam Lydia para o quarto, Charles e eu voltamos para minha residência para trocarmos de roupa. Assim que nos encontramos na sala de estar e sentamos para conversar, fomos comunicados que havíamos recebidos cartas enquanto estávamos fora.

“É de minha irmã Caroline” Charles exclamou.

“Da minha também” eu respondi. Nos sentamos cada um em uma poltrona para ler. O mordomo nos serviu um pouco de vinho e, desta forma, pus-me a ler a carta que descrevo a seguir.

Caro irmão,

Espero que esteja bem e com saúde. Os acontecimentos que sucederam sua partida precisam ser contados com urgência e peço que leia com atenção. No mesmo dia em que partiram chegou uma correspondência para Miss Bennet. Infelizmente, descobri o fato quando adentrei no aposento onde nossos convidados estavam e encontrei Caroline e Louisa em um tê-a-tê terrível onde Miss Bennet e sua família eram, envergonho-me a dizer, ridicularizados. Espantada, indaguei o motivo de tamanho desprezo e Caroline estendeu uma carta em minhas mãos.

Caro irmão, a cada linha daquela carta senti-me completamente envergonhada. Não pelas palavras que ali estavam descritas, mas pelo comportamento daqueles que intitulava como amigos e, mais ainda, pelas lembranças que indiscutivelmente me ocorreram por meu próprio passado. O fato que uma das irmãs de Miss Bennet ter fugido com Wickman despertou em mim uma aflição pela jovem que desconheço, tanto que tive que ser amparada por Mrs. Anneley. Compreendi a aflição de Miss Bennet e a sua indignação e percebi que, de acordo com o seu digno caráter, meu caro irmão, certamente está dando todo o suporte necessário para Elizabeth.

Contudo, as acusações de Caroline e sua irmã continuaram junto com uma zombaria. Pela primeira vez senti-me profundamente desgostosa pelas palavras tão cruéis proferidas pelas duas e imediatamente defendi os Bennet e desprezei o comportamento das duas. Envergonho-me de meu comportamento que nada remete a uma dama de classe, mas não me arrependo. Ao final da discussão, as duas se dirigiram para seus quartos e na mesma noite partiram.

Espero que entenda minhas ações meu irmão, e espero noticias suas. Perdoe-me pelo comportamento que talvez possa ter sido indecoroso, mas não pude aceitar tamanha difamação sob o teto de nossa casa.

Com amor,

Georgiana Darcy.

Precisei reler a carta para compreender os acontecimentos. Olhei para Charles e este me olhava com uma expressão de preocupação.

“Minhas irmãs descobriram” ele disse. “Só não imagino de que maneira”.

“Elas leram uma carta de Miss Jane para sua irmã.” Eu respondi, sentindo meu estomago revirar. “Aparentemente, minha irmã e suas irmãs discutiram e elas foram embora de minha casa”.

“Sim. Minhas irmãs alegam que estão estarrecidas e pedem para que eu corte imediatamente quaisquer tipos de contatos com Lizzie.”

“E o que vai fazer?” indaguei.

“Irei escrever-lhes imediatamente as proibindo de contar o fato para qualquer pessoa.” Ele respondeu enquanto levantava e avançava para a mesa. O acompanhei e solicitei ao mordomo papéis e penas para escrita. “Ela pode querer cortar conexões com quem bem entender, mas não pode decidir por mim.”

“Também escreverei à minha irmã tranquilizando-a”.

***

Após despacharmos nossa correspondência, voltamos para a casa de Mr. Gardiner para jantarmos com a família, à convite de Mrs. Gardiner. Apesar do vitorioso resgate, o clima não estava feliz. Era perceptível a vontade de Elizabeth e sua tia em descontrair o ambiente com conversas banais, mas distrativas. Lydia estava calada e eu percebi que, apesar de ser considerada como certa falta de educação a tagarelice, a animação da irmã mais nova sempre era contagiante e o seu ar reservado e tristonho causava o mesmo efeito em seus amigos e familiares. Lydia era uma menina tola, mas feliz. Enquanto jantava pude refletir que a nossa sociedade acaba jogando todo o peso em cima de uma jovem donzela sem mesmo entender os detalhes dos acontecimentos. O fato de Lydia Bennet ter fugido com um rapaz tira toda a virtude da donzela perante a sociedade e, contudo, ao olhar para a jovem, eu vejo apenas uma criança perdida que necessita de proteção e cuidado.
Ao final do jantar, os cavalheiros permaneceram pouco tempo na antessala antes de se juntar às senhoras. Mrs. Gardiner e suas sobrinhas jogavam uma partida de cartas e logo chamaram os cavaleiros para participar. Charles e Mr. Gardiner se adiantaram, mas, ao ver Elizabeth dando lugar ao meu amigo, decidi sentar ao sofá e fingi pegar um livro para ler. Logo, ela sentou-se ao meu lado. Pus o livro de lado assim que ouvi sua voz e me inclinei em sua direção.

“Mr. Darcy...” Ela começou e eu não pude deixar de admirá-la. Seus cabelos estavam em um coque desalinhado, e alguns fios caiam pelo seu rosto. Talvez uma mulher com altos padrões não ousasse aparecer diante de ninguém desta forma, mas ela estava ali com certa intimidade com suas visitas que a permitiam estar à vontade. Por um breve momento permiti-me imaginar que seria assim que eu a veria se tivesse conseguido conquistar seu coração: e ela estava especialmente linda. “Eu não sei como poderia expressar minha gratidão ao senhor e Mr. Bingley” ela completou.

“Miss Bennet...Elizabeth, eu não sou tão hábil com as palavras como meu amigo Charles, mas eu faço as palavras dele as minhas. Algumas vezes precisamos deixar que nossos amigos cuidem de nós” Eu respondi.

“Mas Darcy!” ela exclamou enquanto colocava suas mãos em cima da minha. Senti-me um pouco quente e tentado a retribuir o gesto. Será que se segurassem suas mãos na minha, ela se assustaria? “A fuga de Lydia...” ela olhou brevemente para a irmã. “Essa situação provavelmente complicar a vida social da nossa família e daqueles que estiverem a nossa volta. Se souberem que você e Charles mantêm contato com nossa família...”.

“Elizabeth!” eu exclamei ao mesmo tempo em que segurei suas mãos nas minhas. “Há algum tempo eu ofendi uma moça por causa de minha forma arrogante e egoísta de pensar. Eu falei mal de sua família e, apenas por causa de um modo diferente de viver, os julguei inadequados sem antes olhar para a minha própria. Eu não quero mais ser esse homem. Essa senhora me ajudou a abrir os olhos para a injustiça e arrogância da sociedade que eu me orgulhava tanto de possuir. Elizabeth, eu devo muito a você.”

Ela esboçou um sorriso e corou levemente. “Eu não mereço a sua gratidão. O que fez por minha irmã foi tão bondoso e amável! Totalmente diferentes de minhas palavras na ocasião, frias e cruéis”.

“Eu entendo que a senhora tinha razão por ter estado brava comigo. Mas espero que possa entender que o que fiz talvez possa ser considerado bondoso e amável perante os seus olhos, contudo eu penso que minhas ações ainda possam ser consideradas egoístas.”

“Não entendo o que quer dizer”.

“A principio eu me enfureci ao saber que Wickman enganou mais uma vitima e senti-me responsável pelo ocorrido. Contudo, depois eu entendi que a minha rápida decisão de partir estava relacionado à apenas uma pessoa, que não era Wickman e nem mesmo sua irmã”.

Minha voz falhou e senti-me extremamente inseguro. Será que era a melhor hora para proferir os meus sentimentos? Mantive-me calado e ela também assim permaneceu. Vi os seus lábios abrirem para falar e contudo, não pude saber o que ela pensava pois naquele instante uma empregada entrou no aposento, esbaforida.

“Mr. Gardiner! Oh, mrs. Gardiner! Vocês precisam correr!”

“Mas o que está acontecendo?” exclamou Mr. Gardiner, levantando-se da cadeira. Charles o acompanhou e imediatamente Elizabeth desvencilhou de minhas mãos para levantar-se também. A acompanhei e juntos nos aproximamos enquanto a senhora falava.

“Mr. Bennet acaba de sair pela cozinha. Ele estava furioso e dizia que iria acertar as contas com o cafajeste. Mr. Gardiner, ele estava com uma de suas espadas na mão e não disse para onde iria.”

Eu e Elizabeth nos entreolhamos, sabendo o que estava por vir. As senhoras entraram em alvoroço e após uma breve discussão, decidimos que os cavaleiros iriam atrás de Bennet e que as senhoras deveriam permanecer em casa. Lydia caiu em prantos e sua tia correu para abraçá-la. Antes de partirmos, Elizabeth acercou-me.

“Darcy, eu sei que meu pai foi atrás de Wickman. Por favor, não o deixe morrer.”

Eu segurei uma de suas mãos e aproximei dos meus lábios, depositando ali um beijo.

“Eu não deixarei”.