Eu caminhava nervosa pelas ruas de Lincoln, Nebraska. Nosso dinheiro já era pouquíssimo, apenas 127 dólares. Só tínhamos o suficiente para mais umas compras (comida e bebida, claro) e para uns ticos de gasolina, mas não o suficiente para andar mais de uns 500 quilômetros; nós precisávamos de emprego, e que fosse rápido e lucrativo. Tudo o que eu e Emy tínhamos conseguido no nosso último emprego já tinha ido embora, enchendo os tanques para sair de Omaha e pagando nossa última hospedagem.

Não estava sendo tão ruim, sempre que ficávamos um pouco apertadas nós dávamos um jeito de sair. Mas ali, em Lincoln, as coisas pareciam ter ido... De bom a ruim. Isso porque, dos empregos que eu encontrara, o único que eu poda entrar (pelo fato do dono ser um Wieder Schakal que não demonstrou medo ou nojo de mim) era em uma boate noturna.

E o emprego que eu tinha conseguido era de dançarina substituta (sim, eu ia dançar, e ainda ia ser strip tease).

O problema é que era o lugar que tinha o salário mais alto, o único que eu poderia entrar sem ter minha idade tããããão questionada (também; e por ter feito amizade com Hayden rapidinho), o único que, enfim, dava pra quebrar o galho mais rapidamente, mas o lugar era... Baixo. Admito. Algo bem bacanal, bem... (Desculpem a palavra) Puteiro. (Sorte minha que eu seria apenas uma substituta.)

E-c-a.

Esse era o motivo do meu nervosismo. Claro, eu poderia ter pegado outro emprego e que se dane, mas a Verrat já sabia que estávamos em Nebraska, e o pior, em Lincoln. Cada vez mais Ceifadores e assassinos apareciam pra: 1) nos levar de volta; 2) nos matar ou 3) tentar os dois.

E não podíamos pegar um avião, sendo que eu só tinha identidade falsa e não possuía passaporte, muito menos Emily (quem tinha era a Bárbara, já que ela tinha o sonho de viajar para outros lugares). Demoraria muito para arrumarmos, considerando que poderíamos dar no pé dali mais rápido com um emprego de salário alto.

Enfim. Agora eu teria que dançar pra milhares (só que não) de homens e mulheres. E roupinha. E fazer caras e bocas pra impressionar.

Ai, eu mereço isso? Que foi que eu fiz, Senhor?

Mas enfim.

Eu ganhei aulas rápidas no mesmo dia, e ainda iria treinar mais no dia seguinte. A mulher era simpática e gostou pra caramba de mim, mas era bem rígida. O bacana é que eu aprendia rápido e ela me fazia aprender com facilidade; Haydée Clair (gêmea de Hayden, pois é) explicava bem e demonstrava tudo com habilidade.

Eu tomaria algumas doses de tequila (lê-se muitas doses, já que Mehisntinktes são resistentes a bebida) antes de dançar, só pra desestressar, como Haydée explicara, mas mesmo assim eu estava uma pilha de nervos. Não seria algo de que eu me orgulharia mais tarde.

Cheguei no hotel rapidamente, entrei e cumprimentei o porteiro, subi e logo já estava no quarto alugado. Nem Emy nem Barbie estavam lá. Tudo estava quieto, quieto... Demais.

− Ei... Tem alguém aí? – Chamei. Nada, nenhuma resposta. As duas tinham saído.

Sem nada pra fazer, me joguei na cama e comecei a mexer no celular. Não era nada em especial, apenas deletava alguns arquivos, escutava músicas aleatoriamente, olhava fotos, assistia a vídeos. O que mostrava que minha cabeça estava divagando demais pro meu próprio gosto. Eu pensava na minha mãe, em como ela poderia estar, por que eu não ia atrás dela, pensava em Nick, em como ele reagiria ao me conhecer, ao saber da verdade... Eram tantas coisas que quase deu um bug nos meus neurônios.

Em algum momento, qual, não sei, por causa do meu brainstorm* (eu sei o que significa, mas também uso nesse sentido), Bárbara e Emily chegaram. As duas sorriam como se tivessem ganhado na loteria, pularam do meu lado e me abraçaram.

− Alicia! – Elas riram e me apertaram mais em seu abraço de jiboia. – Conseguimos um emprego!

− Somos garçonetes em uma lanchonete mixuruca, mas que paga razoavelmente bem. – Emily se pôs a explicar, enquanto Bárbara ia pra trás dela e trançava seus cabelos alisados há alguns dias, que já estavam voltando a encaracolar. – O dono é bacana, mas é exigente e quer o melhor de nós pra lanchonete crescer.

− O bom é que vamos ganhar gorjeta se trabalharmos bem. – Bárbara falou, acariciando os rococós negros de Emily. – Acho que dá pra sair daqui rápido.

Sinceramente, eu não imaginava que Barbie se poria a trabalhar tão rapidamente, não que eu a achasse fraca. Geralmente quem arrumava e realizava os trampos era Emy e eu, por isso ela sempre ficava de canto. Por quê? Não sei, acho que era um instinto nosso; eu considerava aquilo como uma força do universo ou um fato que nunca seria mudado.

Mas como eu contaria a elas do meu emprego? “Ah, garotas, eu vou trabalhar de stripper em um bar barra-pesada em que pagam rápido, mas pra isso vou ter que dançar quase seminua”. Acho que isso não soaria muito bem...

− Ah... – Suspirei, tentando me controlar. Inferno, o que eu diria? – Eh... Manas... – Estalei a língua, entregando o jogo.

− Não precisa ficar nervosa, Ally, a gente tá aqui pra te escutar. – Bárbara se sentou ao meu lado e piscou várias vezes, um ato que ela realizava pra demonstrar que estava tudo bem.

− Eu... Arrumei um emprego também, mas... É meio... Pesado... – Estalei a língua de novo e as duas se encararam confusas. – Eu-serei-stripper. – Disparei, sem parar para respirar.

Aí sim as duas franziram as sobrancelhas e se olharam confusas.

− Alicia... Repete, por favor, que eu não entendi? – Emily pediu, rindo baixinho.

Franzi os lábios e deitei na cama, apoiando a cabeça no encosto e suspirando.

− Arrumei um emprego. Stripper. Bartender. Pagam bem. Curtiram? – Repeti, enfatizando as partes.

As duas arregalaram os olhos, se entreolharam mais uma vez e gritaram, imediatamente agarrando meus braços e me puxando, fazendo com que eu sentasse.

− Alicia Burkhardt! – Emily gritou, desesperada, me olhando como se eu fosse louca.

− Por que fez isso? – Bárbara continuou, completando Emy.

− Porque eles pagam bem, e precisamos sair daqui rápido. O dono é Wesen, aí foi mais fácil. – Expliquei, mas aquilo não convenceu as duas.

− Alicia! Vai ficar se expondo pra homens? – Bárbara perguntou, fazendo uma cara de desagrado e um pouco de nojo.

− E mulheres? – Emily completou, demonstrando nervosismo e estranheza.

− Relaxem! Eu vou acertar o pagamento depois da primeira apresentação de amanhã. Se eu conseguir uma nota alta, somando as bebidas e a gorjeta, nós saímos daqui rápido. – Comentei, esperando que as duas relaxassem, mas não adiantou muita coisa.

− Mas, Ally... – Bárbara pediu. – Não faz isso...

− Por favor! – Emily fez uma carinha de cachorro que caiu da mudança que seria completamente irresistível, mas não. Eu não podia me entregar.

− Não posso. É sério, vai ser por pouco tempo, eu prometo.

As duas se olharam mais uma vez e me encararam com reprovação, mas não podiam mais fazer com que eu mudasse de ideia. Então, finalmente jogaram a toalha.

− Você sabe o que faz. – Disse Emily, enfim, desistindo. – Eu confio em você, Ally, mas dessa vez, não tenho certeza do que vai acontecer.

*

Haydée massageava meus ombros e escovava meus cabelos molhados (eu tinha acabado de tomar um banho), para depois fazer uma chapinha e prendê-los com duas mechas que ela puxaria da minha nuca, que dariam a volta no resto do cabelo e se encontrariam, para ela trançá-los. É meio complicado explicar...

Enfim, enquanto ela trabalhava com meu cabelo, eu tomava umas doses de tequila só pra tentar me soltar um pouco. O quê, não é fácil dançar pra um monte de homens e mulheres, mas são sacrifícios a se fazer. O Nick vai ter que me recompensar.

Minha roupa era branca e vermelha. Em cima, um top sem alça, que acabava abaixo dos seios, bem apertado, com um lacinho vermelho. A saia era branca, com a barra e o elástico da cintura vermelhos. Para completar, uma meia parte pano, parte renda, que cobria toda a minha perna, e uma cinta-liga que sumia debaixo da saia. E para esconder a parte de cima do rosto, uma máscara vermelha.

Em resumo: roupitcha de enfermeira safadinha.

Mordi o lábio. A tequila não estava fazendo efeito muito rápido, embora já estivesse carregando parte de minhas inibições consigo.

− Vai ficar tudo bem. Ninguém vai notar erro algum, você aprendeu rápido, e se você só tirasse a roupa se mexendo um pouco já seria aplaudida. – Comentou Haydée, tentando me acalmar, mas eu não me sentia muito à vontade.

− Obrigada, Hay.

Respirei fundo e tentei beber mais um pouco, sentindo-me um pouco mais relaxada. Um pouco, mas graças aos Grimm, eu já estava melhor, mais solta, e pronta pra dançar.

Ai, meu Deus. Meu estômago revirava que nem louco, e meus instintos estavam a toda. Eu precisava me acalmar.

Pulei da cadeira e fui para onde deveria ir, e esperar a minha hora de entrar. Ouvindo minha deixa, deslizei para dentro do palco, com as luzes ainda desligadas.

Basicamente, eu só fui tirando a roupa enquanto me pendurava no poste, pronto. Mas enfim, eu sou perfeccionista e detalhista, então lá vai.

De início, eu só girei e rebolei ao redor do poste, até que desatei o laço do top atrás das minhas costas, deixando-o cair e chutando-o para a plateia, que gritava. Após isso, subi até a ponta do poste e me pendurei com as duas pernas, uma apoiando o peso do meu corpo e a outra me prendendo. Inclinei o corpo, girando lentamente, e passei os dedos por meus cabelos enquanto soprava beijinhos para os homens e lésbicas do lugar.

Sem preconceito. Eu mesma achava que estava virando uma lá pelos quinze, dezesseis anos.

Coloquei-me de pé novamente e dancei mais um pouco para então deslizar a sainha pelas pernas, também jogando-a para alguém na turma enlouquecida. Observei a saia ser catada por alguém da multidão e subi novamente na haste de metal, enrolando minha perna nela e me segurando com uma mão, para depois me soltar. Mordi um dedo de um jeito sensual (ECA, preciso de uma pausa que eu fazendo isso deve ter sido horrível) e voltei a segurar no poste, subindo até a ponta e depois descendo rapidamente o suficiente para que parecesse que eu bateria no chão, parando a centímetros dele e então voltei à posição normal.

Volta e meia jogavam dinheiro pra mim, e eu não podia evitar o sorriso. Nem precisaria do pagamento daquele jeito.

Em algum momento, eu já estava próxima do movimento final e decidi adiantá-lo. Mais uma vez, me pendurei pelas pernas, mas dessa vez, apenas uma me mantia firme ao poste. A outra ficava esticada por baixo da esquerda, que me segurava. Puxei a cinta-liga e soltei, enquanto soltava o sutiã com a outra mão. Me soltei e caí no chão, apoiando-me com uma mão e a mesma perna que me firmava antes, segurando o sutiã junto aos seios.

Eu sei, foi estranho, mas fazer o quê?

As luzes desligaram e eu catei todas as notas de dólar que jogaram durante a apresentação, voltando ao camarote rapidamente. As luzes voltaram bem na hora em que fechei a porta.

Suspirei. Fora uma das experiências mais traumáticas da minha vida.

− Você foi ótima! – Haydée me abraçou com força, me assustando, já que eu não a tinha visto. – Tão linda, tão sexy! Melhor até do que a dançarina regular!

Eu ri, meio sem fôlego.

− Obrigada, Hay, mas pode me soltar? – Dei uns tapinhas no ombro dela e ela me libertou de seu abraço de urso. – Valeu.

− Alicia, tão perfeita! Hayden vai se morder de ódio quando se tocar que não pode te contratar permanentemente! – Ela riu enquanto me empurrava para a cadeira e começava a limpar minha maquiagem. – Eu queria que você ficasse, mas devido às circunstâncias...

− Desculpa, Haydée... – Eu ri. – Mas não dá mesmo.

Ela sorriu e tirou o resto de minha maquiagem, devolvendo minhas roupas e dispensando-me, dando a mim um maço de notas de vinte dólares, o pagamento. Devia ter uns cento e cinquenta ali, e acertei.

O que jogaram pra mim no palco fora bastante, acredite. Cento e setenta.

− Haydée... Não vai precisar. Eu...

− Não aceitamos devolução, querida. – Ela sorriu. – Obrigada por tudo.

− Eu é que agradeço. Boa noite... Eu devo vir aqui amanhã. – Falei, e me despedi dela com um abraço, saindo para a noite fria.

Eu estava começando a me desacostumar com a Harley, de tanto que eu andava e andava por Lincoln. Acredite, eu gostei muito da cidade, mas pra mim bastava. Eu já vira o suficiente dela e estava pronta para deixar a cidade.

Enquanto saia pela porta dos fundos e andava para longe, senti alguém me acompanhando. Sabe aquele momento em que você sente que está sendo observado, olha pros lados e não vê ninguém?

Mas, sendo Mehinstinkte, você não olha só pros lados, mas também olha pra trás, pra cima e fareja. E mesmo fazendo tudo isso, não encontrei quem me seguia, mas o cheiro já deixava claro.

Ogro... Hasslich.

Porém, não havia ninguém perto de mim. Eu não achara ninguém.

Continuei andando, mas tirei a faca de seu esconderijo em meu sobretudo. O que quer que acontecesse, eu estava pronta.

Algo fez um baque atrás de mim, e quando me virei para ver, não enxerguei nada, o que me deixou com os sentidos a toda. Se estavam me persegundo, eu encontraria.

Havia uma caçamba de lixo a alguns metros de mim. Voltei devagar para ver o que era, prendendo a respiração, mas quando cheguei perto dela, não vi mais nada. Minha vista se tornou um borrão, e quando notei, fui prensada com violência na parede, minha boca sendo tomada pela de outra pessoa.

− Olá, querida – Disse algum homem que demorei a reconhecer; Michael. Verrat e Ceifador. – Estávamos te procurando por toda parte. Obrigado por tornar tudo tão mais fácil.

O hálito dele era puro álcool, e me deixou tonta no mesmo instante, meu cérebro funcionando devagar, travando por causa do medo. Ele segurou minha mão que empunhava a faca e pressionou os ossos do pulso, o que causou uma dor forte que fez com que eu soltasse a lâmina na hora. A força dele era estranha. Ele não era híbrido, mas era tão forte e rápido que deixaria alguns Mehinstinktes no chinelo. Ele foi um dos primeiros experimentos da Verrat...

Eu estava desesperada, mas meu cérebro estava funcionando com toda a força, e então finalmente entendi como eles me acharam.

O bar.

Os Verrater* estavam infiltrados no bar. Eles notaram que todos que tentavam confronto direto conosco sem conhecer o terreno antes eram mortos, então decidiram buscar por nós em pontos Wesen, e me encontraram.

Meu nervosismo louco antes da dança fez sentido; eram meus próprios instintos me dizendo para sair dali.

E... Argh, eu tenho tanto nojo de lembrar que ele me beijou. (Dá uns minutos que eu já continuo.)

Ele me pressionava ao máximo, e eu estava tão enojada que ficava sem reação. Meu sobretudo foi aberto com violência; minhas mãos eram pressionadas contra a parede e eu estava com medo do que ia acontecer ali.

Bem, basicamente, eu seria ou estuprada ou morta. Nenhuma das perspectivas me deixava radiante.

Senti a lâmina de outra faca deslizando pelo meu pescoço de leve, sem cortar. Minha blusa quase seria rasgada se ele não parasse aquele segundo por intervenção divina (ou necessidade de oxigênio) e eu lhe desse um tapa ardido no rosto, tão forte que minha mão ardeu, esquentou e meus dedos logo apareceram, marcados no rosto do moreno de olhos claros.

− Sua vaca! – Ele apertou a mão em meu pescoço, me sufocando. – Eu pretendia pegar leve com você, mas agora que você me tirou a paciência...!

Minha vista já estava ficando embaçada, meus pulmões imploravam por ar e eu achava que ia morrer. Como aquele cara era tão forte? Eu não acreditava que mesmo com modificação genética ele pudesse ser tão poderoso. Eu era uma boneca de pano nas mãos dele.

− Uma última coisa, sua vadia. – Ele afrouxou levemente a mão que envolvia minha garganta, e o ar me veio rapidamente. Eu precisava oxigenar o cérebro. – Onde estão suas amiguinhas? Fale e sua morte será mais rápida. Ou o gato aqui comeu sua língua?

Tomara que engasgue, pensei, mas não disse nada. Eu nunca diria onde estavam Emily e Bárbara. Nem viva, nem morta. Ele poderia me matar ali e eu não falaria.

A lâmina parou bem em cima da minha jugular.

− ONDE ELAS ESTÃO? – O rosto dele se deformou, deixando seu ar mais taciturno.

Então tomei um susto. Dois vultos pularam atrás deles, e eu fiquei arrepiada, achando que eram mais Verrater, mas na verdade, eram...

A gente tá aqui, babaca! – Emily puxou ele pra trás com violência, jogando-o contra a parede. Sua voz, rouca e grossa, deixou óbvio que ela estava em woge antes mesmo de eu olhar para ela.

Bárbara pulou na frente dele e o puxou pela gola.

Quem você pensa que é? – Ela gritou, enfiando o facão (visões estranhas: Bárbara com um facão na mão) no tronco dele, em cima do coração, e puxando para baixo com violência.

Três outros Verrater caíram de cima da construção, e Bárbara pegou o mais próximo pela gola e jogou-o com força contra a parede, batendo a cabeça dele, fazendo um som de osso rachando ser ouvido. Emily usou as garras de Fuchstenfelwild no ombro do segundo, atingindo a aorta e matando-o quase instantaneamente.

Eu peguei o terceiro pelos ombros e dei impulso para me erguer acima da cabeça dele. Lembrando um golpe de Mortal Kombat (uma das pouquíssimas coisas que eu gostava no asilo) que Mileena fazia, deixei meu corpo descer em um arco, fazendo meus pés atingirem o estômago dele. Empurrei-me para cima novamente, dessa vez descrevendo outro arco, atingindo-o nas laterais da base da coluna. Soltei-me, o homem caindo no chão em agonia. Peguei o facão de Barbie emprestado e desci-o em sua garganta.

Suspirei e olhei para as duas, mas foi tão doloroso que desviei o olhar.

Em seus rostos, expressões de mágoa e chateação.

− Nós pedimos tanto, Alicia. – Emily parecia estar a ponto de chorar. – Nós te imploramos pra que não viesse aqui, justamente por causa disso e porque nós não te queríamos exposta dessa maneira. – Bárbara levou a mão ao rosto, e foi quando vi um pequeno arranhão e as lágrimas que ameaçavam descer. – E aqui está você.

Só notei que estava chorando quando a primeira lágrima caiu no meu peito.

− Eu...

− Poxa, Alicia. Você não tinha pensado nisso, por que não escutou a gente? – Bárbara parecia despedaçada. – Nós ganhamos quarenta dólares por hora, poxa, a lanchonete é boa, é movimentada. Foi 120 pra nós duas só hoje.

Segurei um ofego. 240 no primeiro dia? Aquilo não era uma lanchonete, era um restaurante quatro estrelas, só pode.

Era o suficiente. Ao todo, naquele dia tínhamos ganhado 560 dólares. Mais os 127 de restinho, dava e sobrava pra continuar.

Mordi o lábio. Eu ia seguir meu caminho, ia botar o pé na estrada de novo. Mas valia a pena, com elas de mal comigo?

− Alicia? – Emily balançou as mãos na frente do meu rosto. O que eu tinha perdido? – Tu estás viva?

− Tô bem... Olha, manas, desculpa. Eu queria sair rápido daqui, mesmo, não queria mais esses ataques. Nós três estamos pagando por isso.

− Tudo bem. Ok. – Bárbara respondeu. – Vamos nos livrar desses corpos e ir embora.

− Mas onde a gente bota? – Perguntou Emily.

Ai, é nesses momentos que eu queria ter um sistema pra desovar corpos igual o de Dishonored*.

Mas a caçamba de lixo pareceu uma boa ideia. Peguei um deles pela cabeça, abri a caçamba e joguei lá dentro. Mesmo processo repetido com dois outros, mas aí o compartimento já estava cheio.

− O teto. Vai facilitar a decomposição. – Emily apontou.

Nós duas pegamos o corpo restante e o jogamos lá em cima, encolhido. E era justamente o de Michael.

− Tchau, cara. Boa noite aí.

Descemos a construção às pressas. Já era uma da manhã, e ninguém (praticamente) transitava por ali. Eu estava surpresa com nossa sorte; ninguém havia visto aquilo.

Ninguém, exceto Haydée.

− Eu desconfiava desde o início desses caras. Eles tinham um cheiro estranho.

Dei um pulo, assustada. Desde quando ela...

− Há quanto tempo está aí? – Perguntei, mas logo lembrei das outras duas em minha companhia. – Bárbara e Emily, essa é Haydée, a trainer do bar. E vice-versa.

As duas acenaram alegremente, dizendo “Oi”. Haydée as cumprimentou do seu jeito calmo.

− Queria poder ter ajudado, mas quando cheguei aqui tudo já estava ajeitado. – A loira disse. – Olha, Alicia, se você não estivesse tão nervosa, eu teria contado, e não os vi sair, por isso achei que não tinha problema. Mas quando notei, eles já tinham ido embora, e eu tive que dar um jeito de sumir antes de que eles te alcançassem. Deu pra ver que não deu certo.

− Ah, tudo bem. Acho que eu já vou embora...

− Foi rápido.

Emily e Bárbara já estavam agonizando de esperar ali, mas antes que eu pudesse me despedir...

− Emily e Bárbara? – Haydée chamou. As duas olharam para a mulher dos olhos azuis interessadas. – Tomem. Como reserva e desculpa.

Hay estendeu um maço de notas de cinquenta, e eu quase babei. Daquele jeito nós íamos ficar ricas!

− Não aceito recusa. – Haydée falou.

− O... Obrigada. – Emily pegou nervosamente o dinheiro das mãos da outra e entregou a parte que pertencia a Bárbara para a mesma.

− Por nada. Agora vão, meninas, que ainda há muita estrada para as duas.

Acenei, despedindo-me, e dei as costas para ela, juntando-me com Emy e Barbie, pronta para ir pra casa, jogar tudo na mochila e #partir #para #Portland, quando a Clair chamou.

− Alicia? − Virei-me para olhar para ela.

− Sim, Hay?

− A gente se vê. - Uma piscadela camarada e ela fechou a porta.

Aquele ato podia transmitir confiança. Mas, por muitas noites, eu ficava pensando o que ela queria dizer ou profetizar com aquilo.

*

O vento soprava de um jeito nostálgico em meus ouvidos. Mas ao invés de estar recostada no gradil de apoio de um barco esperando chegar em Nova York, eu estava pilotando uma Harley direto para Portland.

Minha mochila estava pendurada na minha frente, para não atrapalhar Bárbara, que ia na minha garupa. Emily ia em sua própria moto, radiante.

Claro que ela estava radiante. Como é que dizem... “A boa filha à casa torna?” É, isso aí. Ela estava retornando para o seu local, sua casa. Emily, a boa filha.

Isso me fazia pensar se eu mesma estava sendo uma boa filha. Tipo... Ok, minha mãe queria que eu encontrasse meu irmão, afinal, além de ele ser a única família que eu tenho, eu também tinha que guardar a chave. Mas eu não deveria, também, procurar por minha mãe? Procurar saber dela? Eu estava realmente sendo uma boa filha?

Entramos na SE Morrison Brigde, o que me deixava mais relaxada.

Tão perto tão perto tão perto.

E naquele momento, começou um indício de brainstorm.

E se tudo aquilo fosse pra nada? Tantos quilômetros... Um oceano inteiro... Pra nada?

Metade da SE Morrison Bridge.

E se ele me odiasse? Pior, se tentasse me matar? Eu havia trabalhado em lanchonete, em loja de roupas, atacado, bar/puteiro...

Pra nada?

A fúria soou em meus ouvidos, mas tratei de afastá-la o melhor que pude. Não era hora de se pensar naquilo, eu estava dirigindo. E com Bárbara atrás.

Continuamos para SW Washington St.

Meu coração acelerava de ansiedade e excitação. Tantos “e se” brotavam na minha cabeça que fiquei impressionada pelas duas não terem notado.

Emily ria de felicidade, luminosa. Bárbara ia quietinha atrás de mim, segurando os metais que faziam dois ganchos no banco da moto. Eu estava dirigindo com um misto de sensações confusas demais.

Já estávamos chegando perto. Estava na hora de Emily tomar a dianteira.

Desacelerei um pouco a moto e ela entendeu, acelerando mais a sua e nos passando.

Portland.

Uma das primeiras coisas que senti, acredite se quiser, foi o cheiro inebriante de rosas.

Sério.

Não era a toa que chamavam Portland de Cidade Das Rosas. Pô, antes de você chegar, você já sente o cheiro de rosas. É inebriante e doce.

Entramos na cidade e meu coração atrasou duas batidas.

Portland.

Conseguimos. Chegamos.

Dê as boas-vindas às suas novas moradoras, Cidade Das Rosas.

Meus olhos arderam de emoção, mas eu segurei. Não na moto.

Emily pilotava rapidamente, virando esquinas e pegando várias ruas, levando-nos a um bairro aparentemente nobre de Portland. E eu ia reparando que ali, várias moitas eram decoradas com rosas.

Eita ferro.

Paramos em frente a um casarão lindo de morrer, e meu queixo caiu. Era de um tom de amarelo clarinho, com duas chaminés, com arvorezinhas na frente e um estilo meio vitoriano... Bom, eu acho que é vitoriano.

Estacionamos as motos e colocamos a trava de segurança. Deixei Bárbara descer, saí de cima da moto, tirei o capacete e olhei Emily, pulando de alegria e quase chorando de felicidade de ver sua casa.

− Você falou que não era lá essas coisas... O que é um casarão pra você, Emily Cooper? – Perguntei, em uma mistura de maravilhada, impressionada, feliz e irônica.

− Ai, quieta o facho! CARLA! VOLTEI! – Ela gritou, correndo para a porta, e tudo o que nos restou foi segui-la.

− Nossa, essa mansão é impressionante! – Bárbara sussurrou pra mim.

− É nesses momentos que me pergunto até onde chega a modéstia da Emily.

Bárbara riu e deu um tapinha no meu ombro.

Na porta, Emily já estava abraçada com uma mulher negra linda. Seus cabelos cor de chocolate eram compridíssimos, cacheados e sua pele cor de ébano era encantadora. Alta e magra, suas maçãs do rosto eram altas, seus lábios tinham aquele formato eterno de biquinho e seu queixo e nariz eram bem afilados.

− Emily! Ai, minha querida, pensamos que nunca voltaria para casa! – Ela também chorava. – Sua mãe ficou muito depressiva depois que foi raptada. Não tem ideia da falta que você fazia em casa...

− Ai, Carla, não sabe a saudade que senti! – Ela abraçou a tal da Carla mais forte. Então enxugou as lágrimas e se afastou.

− Aconteceu, não foi? – Carla farejou Emily de um jeito estranho, e seus olhos ficaram vermelhos. – Você virou um deles.

Tem alguém que não seja Blutbad por aqui?

− Sim. E duas amigas minhas também. – Ela se virou de lado para poder nos ver. – Essas são Alicia Burkhardt e Bárbara Christine.

Fiz uma pequena mesura e Bárbara acenou.

− Sou Carla. – Ela deu um passo a frente e entrou em woge. Fizemos o mesmo.

Emily acenou para entrarmos e foi explicando o porquê de estarmos ali (com minha aprovação, claro) e tal. Ao fim da explicação, nos levou para o andar de cima e, após um lindo reencontro com seu quarto, mostrou onde ficaríamos.

Agradeci e coloquei minha mochila ao lado da porta. Estava ansiosa para tomar um banho...

Separei umas roupas, peguei a toalha e entrei no banheiro.

Sabe o que é chique? Era aquele banheiro.

Enchi a banheira com água morna (mais pra fria, porque eu amo), joguei uma porção de sais lá dentro e entrei.

Ah! Que banho merecido! Senti cada pedacinho de tensão, nervosismo e toda sorte de sentimentos ruins se esvair do meu corpo. Enrolei ali, aproveitando por um tempo e então comecei a me limpar de verdade.

Quando terminei o banho, enxuguei-me, sentindo-me melhor do que jamais senti. Vesti-me e saí feliz do banheiro.

Já eram 8:27 da noite quando saí do banho. Emily estava sentada na minha cama e me pegou pela mão, puxando-me pelo braço, dizendo que o jantar já estava pronto.

− Valeu, Emy, mas não vou comer agora. – Falei, puxando meu pulso e me livrando de seu aperto.

− Mas vai esfriar... Tudo bem que nós temos micro-ondas, mas mesmo assim! – Ela bateu o pé.

− Emy, eu preciso ver uma coisa. Se o Nick trabalha de detetive, eu tenho que ver isso. Preciso... Reconhecer o território. Ver se tem alguma ameaça a mim lá. E aproveitar pra ver onde ele mora.

− Ok, ok, você vai. Mas pelo menos janta primeiro.

Ela piscou várias vezes, bem rápido, com um sorriso fofo no rosto, o que me convenceu. Descemos e fomos comer o banquete que Carla fizera para comemorar a volta de Emily para casa.

Conversamos, comemos, rimos. Emily estava alegre de um jeito que eu raramente, ou nunca, vira. Quando terminamos, agradeci, subi as escadas e fui até meu quarto.

A faca estava em seu lugar, no estojinho encaixado na calça que eu estava usando. Encaixei-o na calça que eu estava usando agora e pulei a janela.

Louco, eu sei. Mas eu não sou normal mesmo.

Pego a moto que é minha, ligo e vou para a delegacia, mesmo sem saber onde fica. Mas onde o Nick está, eu estarei.

*

Ai, que linda situação que eu estou agora.

Empoleirada em uma árvore, perto da delegacia, esperando que meu irmãozinho saia para que eu possa segui-lo. Ou esperando que alguém saia para que possa tentar detectar perigo no recinto.

A porta se abre, e sai um moreno alto, caucasiano, usando um sobretudo cor de papel pardo e por baixo um terno. Ele anda inspirando poder. Literalmente.

Porque quando ele saiu, eu senti o cheiro.

Híbrido.

Todos da Verrat sabem quem ele é. Tipo... Acho que todos que tem ligação com As Famílias Reais sabem quem ele é. Eles devem ter cuidado com ele.

Acho que, antes de chegar ao Grimm, eu devo bater um papinho com Vossa Alteza.