Wesen Para Matar

Interesses desamorosos


No dia seguinte, acabou que não fomos nadar, só rodamos Portland atrás de shoppings e promoções. O clima tinha ficado estranhamente frio para nadar, então decidimos esperar um pouquinho.

Uns quatro ou cinco dias depois, acordei com uma tontura estranha e minha barriga doendo, vazia. Quantas horas eu tinha dormido? E se nem a fome tinha me acordado, a parada estava ruim mesmo.

Tirei o celular de debaixo do travesseiro e fechei os olhos, porque senão eles cairiam das órbitas, tamanho meu susto.

Meio dia.

E quarenta e nove minutos.

Diabos, pelo menos eu tinha dado sorte. Era um minuto antes das dez pra uma, mas mesmo assim! JESUS, EU DORMI METADE DO DIA!

Pulei da cama, mas caí de joelhos no mesmo instante. Eu não tinha forças sequer pra ficar de pé, quem me dera poder ir tomar banho, escovar os dentes e ir tomar café.

Mas nunca a fome tinha me derrubado daquele jeito. Tinha vezes que eu ficava faminta, mas nunca ao ponto de nem me levantar. Fiz um pouco de esforço e consegui ficar de pé.

Ouvi vozes falando baixinho, o suficiente para serem indistinguíveis. Alguns segundos depois, um “toc toc” soou na madeira branca.

− Entre... – Falei, assustada com minha rouquidão. Quando Emily abriu a porta, quase entrou em pânico, assim como Barbie.

− Alicia! O que foi? – Emily correu até mim com Bárbara atrás, segurando uma tigela. A primeira passou os braços por baixo dos meus, vendo que eu não passaria mais muito tempo em pé. – Você está tão branca que, se ainda dormisse, eu ia achar que está morta!

− Eu só estou com fome... – Respondi, depois de limpar fracamente a garganta, o que já a havia feito arder. – Eu ia... Conseguir. – Falei, tentando me livrar dos braços dela, mas cambaleei para trás e ela conseguiu me pegar de novo. – Ou não.

− Deita de volta nessa cama! – Emily me pousou delicadamente sobre o leito e pegou a tigela que Barbie estendia pra ela. – Você estava há muito tempo deitada, então achamos que o capitão podia ter te envenenado com o champanhe, e trouxemos seu café se você só estivesse dormindo. Parece que você dormiu tanto que não conseguiu levantar.

− Eu servi o champanhe pra mim. – Expliquei, enquanto pegava o bolinho de chuva que me estendiam (com açúcar e canela! Eu amo) e comia-o todo de uma vez. Sentir o gosto daquela coisinha gostosa fazia minha barriga ansiar por mais e já sentir um leve alívio por um pouco de comida. Estendi a mão e, com força, sentei-me para alcançar mais um, que me foi entregue de boa vontade. Comi mais alguns três antes da sede ficar muito chata.

− Tem algo pra beber? – Pedi.

− Já volto – Barbie disse, pulando da cama e saindo do quarto em uma corridinha. Então eu e Emily ficamos sozinhas em um silêncio chato, ela me encarando como se eu fosse uma filha malcriada, eu quietinha.

− Por quê?

− O quê?

− Que você dormiu tanto?

− Eu lá que sei? Não é meu tipo dormir tanto assim, juro. E depois do tempo que passamos juntas, você também sabe disso.

Emily deu de ombros.

− Pelo menos você não está mal. – Bárbara entrou e me deu uma garrafa de água, que eu tomei com prazer. – Valeu por ir lá pegar.

− Valeu digo eu! – Agradeci. Enxuguei os lábios e, já mais nutrida, consegui ficar com a coluna reta sem sentir uma fraqueza infernal. – Vamos pro lago, como você disse?

− Sim, vamos às uma e meia, que é mais quentinho. – Emily falou. – Mas eu acho que você tem que ficar.

− Eu não. Vão se vestir, eu vou. – Peguei a tigela e a garrafa de água das duas com calma, sem aquela coisa de “é meu”, mas sim como um pedido. – Xô daqui, vocês. – Brinquei.

− Desculpa, né. – Mas elas não estavam magoadas. Pelo contrário, saíram todas sorrisos.

O Nick veio aqui enquanto eu estava dormindo? Quando foi que rolou ménage aqui?

Ri com meu pensamento. Mas eu tinha um trabalho a fazer... Depois que terminasse aqueles bolinhos de chuva, deliciosamente cobertos com canela em pó e açúcar refinado de confeiteiro. Nham!

Quando terminei, limpei os dedos onde pude e puxei o computador pro meu colo, ligando-o. O notebook enrolou seu tempo usual, para então a telinha mostrar a entrada, eu digitar a senha e começar a abrir tudo o que eu precisava.

Reli as informações, certificando-me de que tinha guardado tudo na cabeça. Depois que eu estava mais segura, desliguei meu computador e fui colocar meu biquíni.

*

− Joga aqui!

Eu não tinha entrado na água ainda, mas elas já estavam mergulhando há um tempinho, e quando começaram a jogar vôlei (vá entender), eu tinha ficado de gândula. Minha vontade de entrar na água não era tão grande.

Então, quando eu pegava a bola, era uma disputa das duas pra me convencer a dar a bola pra elas.

− Aqui, por favor, Alicia? – Bárbara pediu.

− Por favooooor! Please! Eu te dou todas as minhas joias que você quiser!

Não adiantava. Eu estava alternando entre as duas; era a vez da Barbie.

Joguei a bola pra ela, e as duas continuaram a disputa. Eu peguei meu livro de volta e voltei a ler. Carla estava silenciosa do meu lado, talvez até demais.

− Carla?

Ela se virou lentamente para mim, com jeito de quem estava com sono.

− Oi.

− Desculpe se te acordei...

− Não, tudo bem. – Ela disse. – Eu nem tinha dormido direito ainda.

− Vamos conversar? Estou me sentindo meio solitária.

− Tudo bem. – Ela se espreguiçou e sentou-se reta. – Sobre o que quer conversar?

− Boa pergunta. – Ficamos nós duas quietas por alguns segundos. – Nossa, estamos progredindo.

Ela riu.

− Você é feliz demais pra passar a impressão de alguém que foi transformada em um monstro e perdeu tudo o que tinha. – A empregada disse, desenhando formas abstratas na areia.

− Obrigada... Eu acho.

− E obrigada por ter cuidado dela esse tempo todo. Emily é meio mimada, por mais responsável que seja, e quando algumas coisas fogem ao controle dela... Ela não consegue ficar calma nem tem prática em situações difíceis.

− Não foi nada. Ela é minha amiga.

Carla suspirou, uma mão deslizando pelo cabelo cor de chocolate.

− Acho que esse tempo longe de casa fez bem a ela.

− Deve ser... – De repente comecei a viajar e veio uma pergunta à minha cabeça. – Ei, se Emily decidir não assumir o emprego da mãe, quem fica com o encargo?

Ela me olhou por alguns segundos antes de responder.

− A meia irmã francesa dela, Jaline Calleat.

WADDA?

− Meia irmã francesa?

− Sim. Ela é uns dois anos mais velha que Emily... Jaline ficou a cuidados da tia, não sei direito o porquê, parece que Mrs. Cooper preferia que sua filha fosse criada na França. Ela vinha de dois em dois anos ver a mãe. Quando a senhora Cooper morreu, ela quis assumir o cargo no dia seguinte, mas segundo o testamento deixado, Emily é quem deve assumir aos vinte e um anos, como sua parte da herança, e metade dos lucros vai para ela. Jaline ficaria responsável apenas pelas filiais que se localizam na França e oriente, e Emily fica com o resto, mas oficialmente, a empresa está no nome dela. Por isso a “Line” e Emily não se dão muito bem.

Ui, briguinha de irmã. Essa Jaline tem o temperamento que a mãe teria, aposto.

− Desde que a mãe dela... – Apontei para Emily – Morreu, Jaline nunca mais veio pra cá?

− Veio algumas vezes, para tentar ganhar a empresa. Desistiu depois da quarta viagem, então. Emily não sabe que Jaline quer o negócio da mãe... – Nesse momento, a bola saiu voando, e eu tive que levantar para ir pegá-la.

− Já volto. – Fui correndo atrás da esfera colorida, e quando a peguei, joguei com toda a força, o que me fez bater o pé em algo. – Ai.

Virei-me para trás para ver o que era, e jurei ter visto uma pessoa vestida de preto no meio das árvores. Quando pisquei, ela sumiu.

− Eu só posso estar ficando louca.

*

De volta à casa de Emy, a história de Jaline estava rondando minha cabeça como louca. Eu tinha dado umas mergulhadas no lago, pra ver se relaxava um pouco, mas por algum motivo aquilo me deixava inquieta. E a visagem da pessoa de preto só ajudava meu nervosismo.

Vesti uma blusa branca justa ao meu corpo, uma calça preta e uma jaqueta com capuz. Para o que eu ia fazer, essa roupa era a melhor. Meus interesses desamorosos tinham que ser resolvidos.

Amarrei o cabelo em um rabo de cavalo, coloquei o capuz na cabeça e vesti sapatilhas, que eram confortáveis e a sola quase não fazia barulho ao pisar no chão. Escondi a faca no coldre, dentro da calça, peguei dos grampos de cabelo simples e saí.

O sol estava se pondo, eu poderia dizer que iria correr, se me perguntassem. Então, deixei uma notinha na escrivaninha do meu quarto com essa desculpa. E que se dane as sapatilhas.

Saí do quarto normalmente, sem ninguém pelo caminho. Pelo o que eu ouvia, todas estavam ocupadas com algo, então relaxei um pouco.

Foi estranho sair da casa normalmente, porque eu estava sempre preocupada em me pegarem, mas não aconteceu. Eu pude andar normalmente, sem pressa, o que ajudou no meu disfarce.

Eu não queria a moto, podia ir a pé, afinal, quanto mais tarde melhor. Sem pressa, fui mapeando o caminho até o meu ponto de chegada, que eu já tinha memorizado. Pelo caminho, fui pensando no que eu faria quando chegasse lá. Não precisava ser nada que chamasse a atenção, principalmente, porque isso poderia me colocar em risco. Se alguém me visse, teriam testemunhas visuais.

Não sei se foi a distração, mas logo eu estava lá. A casa era de dois andares e muito charmosa. O tom era meio que um cinza/marrom leve/verde água, que pode parecer feio, mas ficou uma gracinha. Aparentemente era um bom lugar pra se morar.

As luzes estavam todas desligadas, então entrar pela porta da frente não seria um problema. Fui incorporando minha persona calma, como eu precisava parecer, ameaçadora. Não era fingir, era relevar uma parte de mim. Simples assim.

Fiz a mesma coisa da última vez, com os grampos para abrir a porta do capitão, mas dessa vez eu iria abrir a porta de Juliette Silverton. Nós tínhamos um assunto pendente.

A sala não tinha praticamente nenhuma iluminação a não ser a leve luz da lua que passava pelas janelas. Pelo o que eu podia ver, a escada ficava bem à minha esquerda, mas como eu era uma fuxiqueira curiosa, decidi fuçar a sala dela antes. Era uma boa maneira de deixá-la assustada de antemão, até.

O ambiente era bem decorado, com um sofá e duas poltronas. Logo depois, ficava o que eu supunha ser a sala de jantar, sem praticamente nada separando os ambientes, a não ser uma bancada. Tinha um outro cômodo depois, uma cozinha pequena, com portas que davam acesso tanto à “sala de jantar” quanto a entrada da casa, mas minha linha de visão não me deixava ver o que parecia ser um espacinho extra entre a escada e a cozinha. Fui primeiro até aquele localzinho.

Tinha uma mesa com um computador, nada de mais, algumas folhas, caneta e um bom espaço livre pra quem quisesse anotar alguma pesquisa à mão. A casa não tinha segredos, era tudo muito simples.

Do lado da porta tinha outra bancada, essa com gavetas e pequenos armários. Abri alguns; nada que me chamasse a atenção. Tudo era muito simples.

Isso não vai ter graça...

Decidi subir as escadas, mas se eu desse alguma bandeira, andando normalmente, estragaria toda a surpresa. Então, quando cheguei ao fim, concentrei-me em fazer a woge em braços e pernas, assim eu teria firmeza para me segurar no teto, além de ser um pouco Skalengeck e Spinnetod, o que ajudava um tanto. Dei um pulo e me segurei nas paredes, as costas coladas no forro, depois de uma rápida escalada. Estava tudo escuro, então eu provavelmente ficava camuflada ali, a não ser que alguém ligasse a luz.

Fui me arrastando, olhando as portas que davam entrada para os quartos. Ouvi uma movimentação em um deles, como se alguém estivesse saindo da cama, e travei. Olhei para a frente, a minha frente, que, no caso, seria o chão.

A porta se abriu, e uma mulher saiu dela devagar, como se esperasse que alguém a atacasse. Cogitei a possibilidade, mas não. Ia ser sem graça.

Os cabelos ruivos longos estavam bagunçados, ela devia ser alguns centímetros mais baixa que Nick, bem magra. Pelo o pouco que pude ver do rosto, ela tinha uma face bem feminina, nariz fino (um pouquinho longo, vai), e só. Eu estava no teto, não era o melhor ângulo para ver algo.

Juliette desceu as escadas, e eu aproveitei para entrar no quarto dela. O problema é que eu não estava exatamente hábil a isso.

Escorreguei um pouco para baixo, até a minha mão alcançar o batente. Girei-a até poder agarrá-lo, e me soltei. O peso repentino fez meu braço doer mais do que já estava, mas reprimi a todo custo o gemido chato que quase me escapa a garganta. Peguei a borda novamente com a outra mão, me balancei um pouco e me lancei para dentro do quarto.

Era também de bom gosto. Na parede oposta à cama, tinha um banheiro e um móvel, cheio de gavetas. Dos dois lados da cama, havia dois criados mudos, com abajures.

Como o rack era a coisa mais interessante, fui fuçar nas gavetas, na primeira que abri, já tive uma surpresa suficiente para partir meu coração.

Estava cheio de retratos dos dois.

Tipo, cheio mesmo. Devia ter umas doze ou treze fotos deles, sorrindo, e isso me deixava deprimida. O Nick parecia simplesmente... Feliz. Genuinamente feliz. Talvez o sorriso dele com ela fosse maior do que o sorriso dele comigo.

Isso me dava tristeza e um pontinho de inveja.

Ouvi os passos dela voltando, e tirei uma das fotos da gaveta, analisando-a. Eles estavam abraçados (acho eu), e no vidro havia um trinco, como se alguém tivesse entortado a moldura até que o vidro quebrasse.

− Quem é você?

Hum... Olhos em woge ou normais? Normais, vai.

Virei-me e, se não tivesse me controlado, eu teria deixado transparecer que tinha tomado um susto.

Ela tinha uma arma.

Namorada de policial (ou ex) é isso aí.

− Eu? – Enrolei uma mechinha de cabelo no dedo. – Você não tem necessidade de saber quem eu sou. – Afastei os braços o máximo que pude, admirando a foto de longe. – Isso não é lindo? – Virei o retrato para ela ver. – Ele não é lindo? Aposto que, como namorado, ele é uma gracinha. Por que tá quebrado?

− Se você não sair daqui, chamo a polícia.

− E vai fazer o quê? Dizer a eles que uma garota entrou no seu quarto? Muita ajuda. Como eu entrei, sabe dizer? Qual é minha aparência, sabe, mais definida?

Ela deu uma porrada do lado da porta, ligando a luz. Arregalei os olhos; isso eu não tinha previsto. Puxei o capuz mais pra frente e fechei os olhos, concentrando a woge neles, assim ela não saberia dizer qual era a verdadeira cor deles. Apenas pra dar um charminho, deixei que meus dentes virassem presas.

Quando tornei a olhá-la, ela ficou, obviamente, assustada, tanto que deu um passo pra trás.

− Sai daqui! – Ela gritou. – Ou eu atiro!

− Atire. – Provoquei, dando meu melhor sorriso Coringa, fazendo as pernas dela tremerem levemente em terror. Porém, dava pra ver em seus olhos; ela estava determinada. – Atire e veremos se a bala penetra minha pele. – Deslizei o dedo pelo retrato mais uma vez. – Que trinco triste. Parece coisa que alguém que não queria que esse relacionamento continuasse faria... Ai, isso é tão triste... Vou cortar meus pulsos ao som de Gloomy Sunday*...

Algo pareceu apitar dentro de mim, e em uma fração de segundo, eu voei para perto dela e segurei seu pulso, botando minha mão em volta do cano da arma, tapando o buraco do cano. Coloquei dos dedos na articulação de seu pulso e pressionei, como se eu quisesse separar seus ossos.

Quando me lembrei de que ela tinha magoado o Nick, tive essa vontade mesmo.

Juliette gritou e soltou a arma, na qual pisei em cima no momento em que ouvi o tuc do metal caindo.

− Escuta. Você não tem chance contra mim. Eu poderia te partir ao meio, poderia esmagar sua cabeça, qualquer coisa. Mas eu não vou fazer isso, porque não é meu objetivo agora. – Sorri maquiavelicamente, dando destaque às presas de Lebensauger. Não era algo bonito.

Ela olhou pra mim, tentando puxar o braço de volta. Agora sim, estava apavorada.

− Me solta...

− Você não vai fazer nada. O que você tentar, eu vou impedir. – Soltei o pulso dela, que ficou abaixada no chão, agoniada. Peguei a arma antes que ela pudesse pensar nisso.

− Quem é você? – Juliette perguntou, ficando de pé.

− Isso realmente interessa? Mas me considere como seu potencial pesadelo. – Dei de ombros. – Minha vez de perguntar: tem alguma ideia pela qual estou aqui?

− Nenhuma. – Ela respondeu, encostando-se na parede. Já parecia mais calma, mas meio insana. – Que diabos... É você?

Puxei uma mecha do meu cabelo.

− Isso não te lembra nada? – Balancei as pontas do cabelo na frente dela. – Não te faz reconhecer ninguém, mesmo que vagamente...?

− Nick – Juliette sussurrou.

− Ele mesmo, pobrezinho. – Fui até a gaveta novamente, e voltei a olhar os retratos. Tirei um em que eles estavam lado a lado. – O Nick tem estado tão triste...

− De onde você o conhece?

Suspirei. Aquilo estava me dando um tanto de trabalho.

− Se eu dissesse, você não ia acreditar... – Enrolei a mechinha de cabelo no dedo. – Vamos dizer que somos parentes muito próximos.

− O Nick é o motivo pelo qual você invadiu minha casa?

Nesse momento uma fúria horrível me veio à flor da pele. Fiquei com um ódio gigante, não pelo o que ela disse, mas do jeito como falava o nome do Nick; como se ele só fosse mais uma pessoa.

Avancei nela e enterrei o punho cerrado com tudo em seu estômago, fazendo ela gritar e se encolher de dor. Meu ódio e sadismo me dominaram de tal jeito que sem querer a woge completa me veio. O cheiro dela, parecido com chocolate e rosas, meio ácido me deixou com mais raiva ainda,

Não ele em si, mas o que você fez com ele, sua vadia! – Nesse momento voltei ao normal, mas não deixei que os olhos ficassem cinza. – Você o tratou como lixo!

− Não foi... – Ela não conseguiu terminar; o ar não foi suficiente. Saí de cima dela e ela puxou o ar. – O que eu quis...

− Não foi o que você quis? E o que você queria? Que ele ficasse bem depois de ter descoberto que era traído? Que a mulher que ele ama não ligava pra ele? Eu devia arrancar sua cabeça por isso! – Falei, sentindo a woge me voltar, e tive que usar os farrapos de meu auto controle para não deixar a fera assumir. – Escuta aqui, ele tá sofrendo. Ele tá mal. Tá sozinho. Tudo por sua culpa! – Gritei na cara dela.

− Eu não quis... O outro, eu não... – Ela tossiu, e por um milésimo de segundo fiquei preocupada que meu soco pudesse ter danificado ela internamente. Kehrseites são muito frágeis... Tire esses pensamentos da cabeça. Se ela morrer, é justiça. – Eu não queria o... Outro...

− O outro? Se refere ao capitão? – Minha voz ganhou uma entonação doce ao falar dele. – Aquele vagabundo? Então você traiu o meu Nick com aquele cachorro?

− Eu nunca quis isso! – Ela disse, tentando se levantar, mas estava tonta. – Todos os dias eu tentava lembrar dele! Você não tem ideia como é esquecer uma das pessoas mais importantes da sua vida e ainda ficar pensando em outro! – Ela gritou.

− Bem, eu não tenho ideia mesmo, mas tenho consciência de uma coisa: o Nick está mal. Muito mal...

− Você quer que eu faça o quê? – Juliette vociferou. – Na noite em que ele foi embora, eu fiquei me sentindo um lixo! Eu me sinto tão mal quanto ele!* – A ruiva estava a beira do choro; as lágrimas começavam a dominar seus olhos. Talvez não fosse só meu irmão quem tinha ficado arrasado.

− Bom saber que você também ficou mal. Tendo sido uma vadia com ele, acho que merecia sofrer um pouquinho. – Dei de ombros e ouvi um arfar indignado. − E eu quero que ou você suma da vida dele, ou então tente pelo menos consertar as coisas. Porque eu juro, se você voltar a partir o coração do meu maninho, nunca mais você vai ver nem ele, nem ninguém. Eu te mato, ok? – Ela estava com as costas grudadas na parede a essa altura do campeonato, e eu estava a poucos centímetros dela. – Isso é uma promessa.

− Ai meu Deus... – Ela olhava pra um ponto fixo atrás de mim. – Não, isso não...

Dei um passo pra trás, estranhando. Olhei para onde ela olhava, mas não tinha nada ali.

− Que foi? – Perguntei.

− O Nick... Ele... Está aqui...

Uma coisa sobre a Juliette: Ou ela é, ou ela tá ficando esquizofrênica.

*

Quando Juliette começou a alucinar, não consegui pensar em nada pra fazer além de ir embora. Até eu estava ficando meio assustada com o nervosismo dela em ver o Nick. Talvez a memória dela estivesse voltando de um jeito meio anormal, o que, pra nós desse mundo, é normal, mas, né.

Pelo menos eu sabia que ela também tinha ficado mal. E o recado estava dado.

Sem mais nada a fazer, voltei para casa, pensando um pouco naquilo. Eu não podia contar aquilo pro Nick. Se eu contasse, ele poderia ir atrás dela, e eu, pra ser sincera, não queria aquilo. Não enquanto ela estava esquizofrênica, e não enquanto ele estivesse fragilizado emocionalmente. E provavelmente ele ficaria bravo comigo.

Eu queria mesmo era estrangular o capitão por ter ajudado Juliette a partir o coração do Nick. Eu queria bater nele até ele implorar por piedade, nem que tivesse que se ajoelhar aos meus pés...

Que imagem prazerosa.

Mas não, voltei para casa, com a sensação de dever cumprido. Sem ter que me preocupar, entrei na casa, sem surpresa. Senti o cheiro de comida vindo da cozinha, pelo o que eu sentia, sopa.

− Oi. Tava correndo? – Emily disse, saindo da cozinha.

− Acabou que ficou mais pra uma caminhada. E então, hoje temos sopinha?

*

− Terminei seu quadro.

− Ficou lindo – Bárbara elogiou.

− Ah, obrigada. – Sorri. – Tenho que pegar no seu quarto? – Perguntei.

− Não, já está no seu. – Emy apontou. – Boa noite, querida.

− Boa noite, Ally. – Barbie me abraçou, e a Emily também. – Durmam bem.

− Você também. – Ela entrou no quarto, e eu abracei Emily. – Boa noite.

− Boa noite. – Logo ela tinha sumido, e eu entrei no meu quarto. Na parede da minha cama, o quadro que pedi estava pendurado.

Ruby, com sua carinha de anjo e um sorrisinho da mais pura felicidade nos lábios rosados de criança, estava ajoelhada no meio de um campo verde, salpicado de rosas de todas as cores. Ela usava um vestido branco, muito parecido com os vestidos que as deusas gregas eram retratadas, mas esse tinha uma saia com várias camadas, que se derramavam ao redor da menina como espuma, como neve, como a luz refletida em borrifos de água, como névoa. Como tudo o que deixava o vestido dela parecendo realmente divino.

Seu cabelo estava em cachos perfeitos, e tinha sido pintado com tantos detalhes que realmente pareciam fios de cabelo agrupados, formando, um a um, cachos perfeitos, até um punho antes dos cotovelos, um diadema decorando sua cabeça. Suas mãozinhas estavam enterradas no pano surreal do vestido, algumas rosas estavam na saia, sendo mantidas juntas pelos dedinhos infantis dela. Atrás dela, o sol estava brilhando no céu, mas sem conseguir espantar todos os traços da noite, pintando as nuvens de laranja, vermelho, rosa, violeta, um festival de cores. As árvores (macieiras) estavam repletas de frutas vermelhinhas, implorando para serem colhidas.

No cantinho do quadro, Emily tinha feito sua assinatura, e tinha escrito: um anjinho.

E ela realmente parecia um anjinho. Eu tinha que agradecer a Emily por aquilo.

Toquei o quadro. Minha filha parecia tão melhor quanto no primeiro sonho que eu estava quase chorando. Eu quis sonhar de novo. Com ela.

COM ELA, caramba, sem interferências de homens quarentões de terno, por mais musculosos que sejam. (Mas se o Hugh Jackman quiser entrar no meio, sem objeções, ok? Aquele lindo!)

Olhei a imagem mais uma vez. Emily realmente merecia crédito pelo o que fazia, cara, tinha ficado muito bom. Parecia até real, como se eu pudesse realmente tocá-la, como se ela realmente fosse minha filha.

Eu tinha vontade de perguntar à mamãe se eu era daquele jeito quando criança.

E assim, fui tomar banho pra dormir, achando que, pelo menos uma vez na minha vida, as coisas estavam se encaixando.

Quem nos dera.

*Mihaela*

− Onde estão aquelas cachorras? Elas sabem que a gente tem hora?

A jovem e seu parceiro/companheiro de viagem estavam no aeroporto, esperando as outras duas mulheres e o outro rapaz chegarem para que eles pegassem os aviões (ela tinha ordenado que o grupo se separassem). A chefe da missão já estava impaciente, dando voltas, olhando no relógio, resmungando a cada segundo.

− Hime*, querida, tem certeza de que temos que ir pra França? E você nos disse que teríamos que vir em carros separados.

− É claro, seu idiota. Assim seria menos desconfiança. É melhor parecermos que estamos separados, assim ninguém vai reparar. Já estou preocupada com Blade, Scheila e Naomi... Três pessoas não são muito discretas, sabe...

− Milady, pare de ficar nisso. Se viajássemos em grupo, poderiam achar que é uma excursão.

− Não interessa! É melhor assim. E quanto a irmos para a França, Scheila arranjou uma informante lá. Ela sabe nos dizer onde aquela maldita pode estar. – Ela soltou o cabelo moreno, deixando que caísse nos ombros. – Tudo o que ela quer em troca é que façamos nosso trabalho.

− E o que essa informante tem com elas?

− Uma rixa. – A líder disse, e ao ouvir passos de salto alto no chão, virou-se. – Onde estavam, criaturas? Estão para chamar o voo!

− Desculpe, Fraulein Archimer*. Pegamos um engarrafamento a dez quilômetros da base. Até que não demorou tanto. – A castanha respondeu. Estava óbvio nos seus olhos que já não tinha ficado feliz com o tratamento da morena. – Confirme pra ela, Naomi.

− É verdade. – A loira confirmou. – Fique feliz que, pelo menos, nós chegamos.

−E não deveríamos ir para a América? – Um negro, de quase dois metros de altura, e com um corpo de lutador, perguntou.

− Não, Blade, não. Primeiro vamos para a França. E lá, encontraremos nossa informante. Sem ela, será difícil chegar até eles. Agora vamos! Temos muito a fazer! – Ela foi andando na frente, rebolando. Os outros quatro ficaram para trás.

Fraulein? – O jovem perguntou. Seu cabelo espetado foi bagunçado por Scheila, que, com a outra mão, alisava o peitoral firme dele.

− Ai, Miqui, sua criança de verão. O poder subiu à cabeça dela. Ela disse que quer ser chamada ou de fraulein, ou de milady. Você não é problema, só chama ela de hime, hime, lady, lady. Agora vai, antes que ela venha te puxar. – Scheila empurrou o companheiro na direção pela qual a outra tinha ido. – Isso vai ser uma bagunça. – Ela disse, tirando um pirulito da bolsa e enrolando no dedo uma das mechas loiras artificiais.

− Não me chame de Miqui. Isso é meu apelido de criança, droga. E não sei como você descobriu.

− Você contou. Anda, você tem que ir na frente, arrasa-corações.

Ele sorriu. E era mesmo.