Wesen Para Matar

De família, parte 1


Suspirei. Será que eu estava bonita? E se eles não gostassem? E se estivessem ruins? E se...

− Alicia, você parou de respirar. – Emily deu um tapinha leve na minha cara e eu suspirei, voltando a trocar ar nos pulmões.

− E se não for um momento bom pra isso? – Arrumei as tranças, metade de um lado e metade do outro. – Eu posso chegar e, sei lá... O Nick ou o Monroe estando com alguma garota... Não juntos, claro, mas...

− Ally, só vai. Por favor! – Barbie me entregou a cesta de biscoitos de chocolate e cervejas, e puxou meu ombro. – Eles vão gostar, vai por mim. Meu irmão mais velho comia isso quando assistíamos filmes juntos. Homem ama biscoito e ama cerveja.

− Ah, e pro Nick... – Emily voltou com um pacote rosa, médio. – Uma caixa de donuts. Policiais, tsc tsc.

− Obrigada. Então, estou indo. Beijinhos. – Coloquei a cesta no braço e coloquei o capacete, me preparando pra acelerar a moto até não querer mais.

Tradução simples de tudo isso: eu iria fazer uma visita surpresa pro Nick e seu coleguinha, levando comidas e bebidas para todos conversarmos e virarmos amiguinhos. Eu esperava, né.

De qualquer maneira, eu esperava poder socializar com eles, ficar íntima, como, realmente, irmã do Nick.

Enfim, o trajeto estava meio apagado da minha mente, mas eu ainda sabia qual era, então, depois de três paradas, cheguei ao meu destino. Aplausos!

Havia um carro extra ali, uma caminhonete. Devia ser um amigo dos dois, hum, ok, não ligo. Mais gente pra conhecer e propagar minha imagem de boa moça – serviria como um álibi, até, caso eu fosse flagrada matando a sangue-frio.

(É brincadeira, gente, mas que serviria, serviria.)

Enfim, desci da moto e, com a cesta, fui aos pulinhos pra porta da frente. Uma blusa azul safira, calça jeans chique, jaqueta preta de couro, toda chique. Bati na porta e esperei, a cesta bem pesada pendurada no antebraço.

Monroe atendeu.

− Oi, hã... Alicia! – Ele disse, depois de parar para lembrar meu nome. – Tudo bem? Vem, entra.

− Obrigada, Monroe, tô bem sim. Tó. – Dei a cesta a ele. – Pra você e pro Nick, espero que esteja bom. – Nervoso nervoso nervoso.

− Alicia? Oi... – Nick parecia meio pra baixo com a cerveja na mão, mas me abraçou. Ele estava vestido casualmente, mas eu apostava que era só colocar a jaqueta de couro por cima pra virar policial de novo. – Ai meu Deus, era disso que eu precisava. – Os dois pegaram um biscoito e provaram.

AGONIA.

− Nossa, tá bom! – Monroe disse, parecendo surpreso. – Você que fez?

− É, eu ajudei. – Cruzei um pé na frente do outro. – Gostaram?

− Não vai durar uma noite – Os dois foram se afastando para a sala, e eu os segui. Havia um carinha simpático, com camisa dos Timbers, gordo mas super super fofo, loiro com... Gente! Que vontade de abraçar! – Bud, essa aqui é Alicia. – Nick ficou ao meu lado, como se me desse suporte. – Minha irmã.

Juro que minha respiração deu uma travadinha. Assim, do nada, de boas? Sorri e acenei.

− Oi.

− Ah, olá, hm, Alicia! – Ele se levantou, meio atrapalhado, e apertou minha mão. Eu ri do jeito dele. – É, irmã do Nick, é não dá pra negar, mas eu achei que você não tinha irmã!

− É... – Ele me olhou, e eu dei de ombros. – Melhor não entrar em detalhes com tudo isso. Mas é como se ela estivesse perdida pra mim. Agora eu a achei. – Nos abraçamos de lado, e eu juro, fiquei emocionada.

− Olha que irmão mais fofo. – Os dois se sentaram, e Nick ficou em pé, comigo. – Que foi? Não vão sentar?

Nos entreolhamos.

Franzi os lábios.

− Hm, ok, obrigada. – Sentei-me ao lado de Monroe. Atmosfera estranha... – Tudo bem? Tem algo estranho com vocês.

− É que... – Monroe suspirou, e imediatamente, o Nick murchou na cadeira. – Juliette sofreu um acidente.

Não sei dizer que sentimento foi o mais forte: felicidade, dor ou surpresa.

− Como?

− Ela bateu o carro – Nick explicou, parecendo entediado... Ou... Chateado? – Quando eu fui no hospital pra vê-la, ela me expulsou.

Meu sangue começou a ferver com ódio.

Vagabunda.

− Te expulsou por quê?

− Eu não sei! Ela disse que eu estava em todo lugar e que ela não podia mais me ver. – Meu irmão tomou mais um gole da cerveja. – É o que eu vou fazer.

Fiquei absorvendo a informação. Sim, eu já sabia que Juliette estava alucinando com vários Nicks. Mas, ao ponto de não aguentar o verdadeiro? Ao ponto de expulsá-lo, dizer que não podia mais vê-lo? Podia era uma palavra mais significativa que queria, de certo modo.

Juliette deveria estar pirando, de vez. Olhei pro Nick. O menino estava com jeito de quem está acabado, machucado, sovado e pronto pra morrer.

E me caiu na cara a pior das fichas: Nick não poderia ficar bem sem a Juliette. E a Juliette não estava no melhor estado mental; ela poderia estar afetada de um jeito que derrubaria qualquer um. Minha pequena wogezinha na frente dela também não ajudaria sua sanidade.

Nick ficaria mal sem ela.

Juliette estava pirando.

Suspirei. Eu não podia estar fazendo aquilo.

− Bom, Alicia. Já jantou? – Monroe me perguntou, e eu fiz que não. – Quer comer algo? Tenho um macarrão aí, caso queira...

− Ah, não, obrigada. Mas, me conte, como é morar com o Nick? – Os três me olharam. – É sério. Ele ronca?

− Alicia, eu vou te bater – Nick tomou mais um gole da cerveja, como se quisesse se afogar. Mas eu via um sorriso nos olhos dele, acredite se quiser. – Não fale nada, Monroe. Eu não ronco.

− Não? E essas olheiras aqui em baixo? – Monroe puxou a pele de baixo de cada um dos olhos, como se realmente tivesse olheiras. – Parece uma motosserra no outro quarto.

− Monroooooe!

Eu ri.

− Tadinho, Monroe. – Peguei um cookie da cesta. – Ainda bem que não vamos morar juntos.

− Não fala muito não, Alicia, que você pode ser assim também! – Nick me apontou a garrafa de cerveja. – Essa noite vai ser longa.

*

Depois de muita zoeira com Monroe e Bud, eu e Nick saímos pra dar uma volta rápida.

− Seus amigos são muito legais. Queria jantar com vocês um dia.

− É, são mesmo. – Nick suspirou. – Ally, queria te perguntar uma coisa.

− Oie.

− O que você fez com a Juliette? – Travei internamente. – O que eu sei é que você a ameaçou, e mostrou sua woge pra ela. Alicia...

− Nick. – Parei na frente dele e cruzei os braços. – Olha, sim, eu invadi a casa dela, eu a ameacei, eu wogei pra ela. Por você. Seria meio como matar em legítima defesa, eu fiz pelo bem.

− Não, Alicia. Você poderia tê-la deixado louca.

− Nick, já percebeu que, independente da minha interferência ou não, ela já está louca? Sua Kersheite é forte, mas não é uma de nós. Ela poderia ficar louca rapidinho, já está. Nick, isso é difícil, eu sei, mas mesmo que você a ame, precisa começar a procurar outra.

Nick ficou calado.

− Qual o hospital?

*

Andei pelos corredores do hospital sem muita dificuldade, me guiando principalmente pelo cheiro. E pela indicação da enfermeira.

Juliette estava deitada na cama, olhando pra cima, aquela máquina de monitorar os batimentos cardíacos fazendo aquele bip que tanto me irritava. Quando bati no vidro, ela olhou.

− Você. Está me seguindo?

− Por mais entediante que minha vida fique, não acho que faria isso pra me divertir. – Andei em pulinhos para perto dela. – Uns passarinhos me contaram que você expulsou o Nick daqui, dizendo que não podia mais vê-lo.

− E o quê? Vai me matar por isso?

Mantive meu olhar duro e penetrante, mas impassível, enquanto a examinava.

− Eu vim entender. – Juliette parecia ter sido pega de surpresa. – Juliette, você me parece o tipo de pessoa inteligente, que sabe se expressar, e mesmo assim, disse que não podia mais vê-lo. Podia. É uma palavra mais crítica e impessoal do que queria. Significa que mesmo que quisesse, não suportaria vê-lo.

Deixei a pergunta no ar, vendo lágrimas surgirem brevemente nos olhos de Juliette.

− Eu estou enlouquecendo. – Sua voz saiu em um sussurro límpido. – Eu o vejo em todo lugar, fazendo coisas que não entendo, falando coisas confusas. Eu tento fugir, mas ele sempre me encontra. É por isso que não posso mais vê-lo.

Engoli em seco. Até eu ficaria louca se tentasse fugir de algo e esse algo sempre me achasse.

− Olha, ruiva... – Comecei a andar pelo quarto, mexendo nas cortinas, ouvindo o estalinho dos meus saltos no chão. – Eu te odeio, tá, isso é certo. Mas porque você magoou o Nick. Mas agora, eu vejo que você não fez porque quis, e sim porque era o único jeito que você conseguiria proceder.

Ela afirmou freneticamente, como se estivesse feliz por eu finalmente entender.

− Eu vou te ajudar. – Olhei para ela, e ela olhou pra mim. – Tanto por amor ao Nick quanto porque isso tudo é tão melhor que novela. – Suspirei. – Ai, ai, no que eu me meto por aquele cara. Enfim, no que eu puder ajudar, eu vou. Ok? – Me aproximei dela.

− Se você não for me matar. – Ela cruzou os braços. – Como eu saberia que não é isso?

− Porque rasgar sua garganta me garantiria uma vida de prisão e o ódio eterno do Nick. Por isso sou sua nova amiguinha. Lembrando que amiguinha não é um termo necessariamente amigável, mas no caminho vamos “amigavelzando”. Enfim, quando sai desse manicômio? – Mexi os cabinhos da máquina irritante.

− Com licença – Um médico apareceu. – Preciso checar a senhorita Silverton para liberá-la.

− Ok. – Saí do quarto mais que rapidinho.

Então, revisão. Eu era amiguinha de Juliette, iria ajudá-la a recuperar as próprias memórias, de algum jeito. Essa ia ser ótima de ver.

Depois de procedimento pra cá, pra lá, algumas coisas pelas quais eu não me interessava, saímos. Eu e Juliette andávamos lado a lado, enquanto procurávamos um táxi.

− Meu carro ficou detonado na lateral. Acho que vou ter que esperar um pelo seguro. – Ela apertou mais a jaqueta em si. – Precisamos ir na casa de alguém.

− Quem?

− Uma mulher. Acho que ela pode me ajudar com essas coisas... – Juliette assoviou pra um táxi, que encostou pra nós na hora. – Eu espero.

− Espera por quê? O que ela tem? – Arrumei o cabelo sobre a jaqueta.

− Ela sabia que eu estava tendo problemas... Antes mesmo de eu tê-los de verdade. Eu não sei como, mas parece que ela consegue sentir.

Ficamos caladas pelo resto do caminho. Quando paramos, foi em frente a uma casa de porte médio, simples e iluminada. Só de chegar naquele lugar eu sentia uma calma... Uma paz. Como se o lugar fosse um santuário.

Juliette parecia ansiosa quando tocou a campainha, e o cheiro dela ficou um pouco mais acentuado. Aquele ácido... O que tinha naquilo?

Uma mulher atendeu a porta. Ela tinha um cabelo castanho escuro, incrível, todo trançado e enrolado sobre a cabeça, usava um xale de crochê, eu acho, um colar de miçangas e roupas longas. Algo naquela mulher, realmente... Ela era muito bacana. Gostei dela de cara.

− ¿Qué pasa?

− Tudo. ¿Puedo entrar? – A Mulher Da Trança confirmou, falando uma frase mais complicada pro meu espanhol fraco. Eu falava alemão, um francês embolado, até meio latim, mas espanhol? Sei que, como americana, eu deveria, mas... Bem...

Ela deu um passo para o lado, e eu a cumprimentei rapidamente, recebendo um aceno de cabeça como resposta.

A casa da mulher era simples, mas decorada; os móveis, como poltronas, sofá e as cortinas, eram de um pano grosso, mas cheio de arabescos, intrincado e bonito; tinha abajures aqui e ali, alguns vasos com plantas... Bonito. De fato.

− Esperem. – Ela falou num inglês pesado de sotaque, enquanto sumia em algum cômodo. Olhei para Juliette, ainda parecendo aflita, triste e ansiosa.

− Acha que ela pode te ajudar? – Sussurrei.

− Acho! – Ela me respondeu. – Vamos esperar e veremos.

Demorou um pouco, mas logo a mulher voltou com um bule e uma caneca simples. Ela se sentou no sofá, e nós tomamos nossos lugares nas poltronas. Ela gesticulou para Juliette.

Ele está en todos... No soporto más. – Ela cruzava as mãos, agoniada, enquanto a Mulher servia a caneca com o chá, que tinha cheiro típico de chá.

− Bebe. – Olhei para a caneca na mesa, e a ruiva obedeceu, fazendo uma cara estranha.

− Lo siento, pero esto no sabe bien.

E a mulher a cortou brilhantemente:

No és para tu língua, és para tu mente. Te ayudará em focar-te. En este momento, tudo que hás olvidado está luchando por tu atención. Tienen tantos recuerdos de una vez es demasiado para cualquiera. – Dessa frase, só consegui pegar uns pedaços, mas eu sabia que era algo sobre as memórias de Juliette.

− Yo lo se.

− Usted debe hacer camino entre la telaraña de memorias y elegir una.

− ¿Pero cómo?

− Enfoque en un momento, una memoria y tratar de ser en ese momento. Debes entrar en su pasado para reconectar con él. – Eu via minha nova amiguinha ficando cabisbaixa e mais triste a cada palavra. − No es suficiente como recordálo, debes fazer-te parte de ese pasado. – Ela fez uma pausa. − Ahora bien, vuelve a la casa y hacerlo.

− No puedo.

− No tienes otra opción. Debes entrar em tu passado para reparar tu presente. Se no lo hacés, no tenrás futuro.

Juliette assentiu, pensativa.

Meu Deus. Realmente, aquela mulher parecia ter um sexto sentido bem profundo, sabendo o que Juliette sentia, talvez melhor do que ela mesma, e sabendo como ajudá-la.

Olhei para ela. E fiquei com um pouco de medo que ela me olhasse e subitamente soubesse tudo que tinha na minha alma. Todos os meus sentimentos...

− Gracias. – Juliette sorriu e se levantou, mas a Mulher da Trança ergueu a mão.

− Não terminei. – Ela olhou pra mim. – Você, garota. – Ela se aproximou de mim. Ai. Eu teria que controlar meus pensamentos. – Tem algo inquieto em você.

− ... Tem. Uma dúvida.

− Eu sei que tem. – Ela olhou pra Juliette. – Poderia me deixar falar com ela a sós?

Juliette sorriu e saiu.

− Como você... Sabe? – Ela era incrível. – Nem eu...

− Consigo sentir. – Ela colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. – O homem que é seu está perto, mas você o deixa longe. Você troca os sentimentos porque ainda há barreiras, suas e dele, que te impedem. Mas se você não as derrubar, não poderá encontrar uma verdadeira felicidade.

O ar tinha acabado todo.

− Mas eu não quero.

− Não por enquanto. Mas pense. Deixe a mente um pouco mais aberta. Não use seu instinto apenas para batalhar, mas também para viver. – Aquela mulher, tão maternal, tão carinhosa e sábia, foi a que me abraçou no momento em que me joguei nela, buscando conforto. – Qual o seu nome?

− A-alicia.

− Eu sou Pilar, querida. – Ela alisou meus cachos, deslizando a mão suave sobre eles. – Pare de se reprimir. Precisa buscar o que você quer se quiser ser feliz.

Ela me deixou ficar ali por um tempo, antes de nos levantarmos e ela me dispensar. Suspirei, esticando-me, e saí, depois de dar um tchauzinho pra Pilar.

Juliette estava parada na calçada, cutucando as unhas.

− O que ela te disse?

− Nada muito relevante. – Ajeitei minha blusa. – Ela te deu aquele chazinho. E agora?

− Agora eu preciso ir pra casa, simplesmente. Vou dormir. – Ela esfregou as têmporas. – Nos vemos amanhã?

− Pode ser.

*

Eu estava vigiando, eu mesma, a casa de Juliette. Ela tinha tomado um banho e realmente ia dormir. Parecia mais calma, mais estável.

Eu fiquei refletindo sobre Pilar e o que ela me disse. Mas que mulher louca... Ela tinha batido o olho em mim e em Juliette e já sabia a cura pros nossos problemas. (Por que ela não me deu chazinho?) Eu só queria ver se funcionaria.

Fiquei observando-a por um tempo, até resolver que estava tudo bem, pular da janela e ir embora.

*Renard*

Dois dias que Alicia não aparecia por ali.

Não é como se eu sentisse falta dela. É que eu já estava acostumado com aparições diárias, então a calma dela não aparecer ali era meio estranha.

Mas era só pensar que eu ouvia umas batidas na porta.

− Você está ficando muito estranha pra bater na minha porta, Alic... – Mas não era ela. Era um homem. Cabelo escuro, olhos claros, vestido com uma jaqueta de couro preta, uma blusa cinza escuro e uma calça jeans.

− Vossa Alteza. – Ele se curvou pra mim. – É um prazer conhecê-lo.

− Quem é você? – Não mexi um músculo pra sair da frente daquela porta.

− Peço perdão, Alteza, pela falta de modos. – Ele me mostrou a mão direita, com o padrão típico da Verrat. – Michael Van Healm, a seu dispor. Ou não, já que não sou da Verrat, não totalmente...

− Sem toda essa formalidade. – Suspirei, já meio incomodado. – O que você quer?

− Eu posso entrar? Ficar debatendo assuntos aqui no corredor é meio exposto, não acha? – Refleti um pouco e dei a ele espaço para passar. – Lugar arrumadinho.

− O que você quer?

− Bom, Alteza, você está tendo muito tempo de contato com minha futura namorada. Quero que pare.

Virei-me o mais lentamente possível para encará-lo olho no olho, considerando o que ele tinha dito. Futura...

− Namorada?

− Morena, gostosa, uma boquinha lindinha e beijável, olhos cinza. Alicia Burkhardt?

Quase mordi o lábio para conter a raiva emergente. O Wesen, o instinto. A raiva, a possessão. Reprimi aquilo, que eu não sabia de onde tinha vindo. Eu não era daquele jeito.

Ele continuou, ignorando minha mudez:

– Desculpe, mas ela já é minha, capitão. E eu sei que você... Bem, como eu posso dizer? Rule this town – Ele começou a cantar uma musiquinha, mas logo parou de divagar: − Ok, então, olha só. Eu observei vocês dois por menos de uma hora e a tensão sexual estava quase me deixando sexualmente frustrado. Eu percebi que você a quer, mas eu não gosto de competição.

− Não há... Competição. – Enfatizei, com uma pausa forte. − Ela é toda sua se quiser.

− Não te ensinaram a mentir melhor? Em que família você cresceu? – Ele fez uma expressão surpresa. A atuação vinha de grupo. – Não tenho muita estabilidade em um páreo com um homem mais experiente, mais alto, com ombros mais largos e com mais dinheiro na conta. Então, dê o fora, por favor. Você pode ser superior a mim, mas eu a quero mais. E não vou jogar limpo se quiser te colocar fora do meu caminho.

Caminhei pra perto dele, do meu melhor jeito ameaçador.

− Se você me matar, não vai poder permanecer um segundo em Portland. – Ajeitei a gola da camisa que usava. – Tem pessoas aqui que fariam de tudo pra achar quem seria meu assassino, e elas são muito boas nisso.

Ele confirmou.

− É, matar um nobre não é uma das minhas melhores ideias. De qualquer maneira, tenho sua ratificação pra prosseguir, senhor?

− Cuide bem dela. – Ele sorriu enquanto se afastava, e fechou a porta bem mais delicadamente ao sair.

Eu deveria contar à Alicia?

...

Não. Eles que se virem.

Há, competição. Agora eu vi. Servi-me de um copo de uísque. Como se eu quisesse dormir com uma garota com menos da metade da minha idade. Por mais morena, gostosa, de boquinha lindinha e beijável que seja, eu não a quero.

Bebi um gole do uísque. Que diabos. Aquilo era algum tipo de perseguição? Eu ajudo a menina com o ataque de pânico e instantaneamente quero entrar nas calcinhas dela? Nos vemos mais tarde, se o caso for esse. Não era.

Não... Era?

*Alicia*

Juliette tinha saído cedo pra fazer Deus sabe o quê, mas já estava voltando. Eu me perguntava se ela já iria começar a reconstruir as memórias, e se ela fosse, aaaah eu ia querer ver.

Saí de perto da árvore e fui correndo até ela em velocidade normal, alcançando-a antes de fechar a porta.

− Olá, amiguinha. – Pulei pra dentro da casa. – Vai fazer sua terapia?

− Eu preciso me concentrar e atuar como se estivesse acontecendo agora, então seria ótimo se eu não fosse observada. – Ela tirou o casaco. – Ok, vamos lá.

De repente, ela pareceu perceber algo, e foi ficando assustada, até que deu a volta e abriu a porta, irrompendo para fora.

Suspirei e a segui.

− Assombrações? – Perguntei.

− De novo... – Ela começou a repassar pra si mesma as dicas que Pilar tinha lhe dado noite passada; e abriu os olhos.

− E aqui começa a parte em que as coisas ficam esquisitas pra mim. – Dei uns pulinhos até estar fora da casa, e corri para o gramado, para assistir parte da coisa.

Ela abriu a porta, falando com o nada, e eu já comecei a achar aquilo estranho. Se Juliette já parecia pirada vendo Nicks no ar, imagine falando com o nada.

Hum, ok. Comecei a analisar minhas possibilidades. Eu poderia ir para o trailer – não era má ideia; eu poderia ir ver o Nick – talvez estivesse trabalhando; eu NÃO poderia ir ver o capitão, isso nunca seria uma opção, apesar do que Pilar tinha dito; eu poderia...

Dei uma olhada. Juliette já tinha entrado, então me aproximei da janela para ver melhor. Ela estava definitivamente “interagindo” com o ar.

Affe, as coisas vão por aí? Vibrador pra quê, quando se tem fantasmas do ex-namorado gostoso dando rolês pela casa? Melhor sair daqui antes que eu fique traumatizada.

Dando a volta pela rua para pegar minha moto, decidi que poderia andar pela cidade, porque todos os meus encontros com Michael tinham sido dando voltas pela cidade. Ou então eu arriscava ir pro trailer e memorizar aqueles livros, não era a pior das ideias.

Enfim, por um primeiro momento, decidi pegar a moto e dar a partida.

*Nick*

Eu tinha acabado de receber uma ligação. Um corpo em um museu, o de um guarda. Tomei minha caneca de café cheia, como sempre, e assim que cheguei ao endereço que nos foi dado, Wu bombardeou a mim e a Hank com informações – como sempre.

− Olá, meninos. Prontos para mais um dia estranho?

− Em Portland tudo é estranho. – Hank justificou, e eu sorri.

− Como sempre. A vítima é Donald Murray, segurança noturno, sem antecedentes. O amigo veio tomar o turno dele, e encontrou-o caído no chão. A partir daí, as coisas ficam estranhas. Há um objeto roubado: uma joia, antiga, do século XVIII.

Entramos no museu, guiados por Wu. O corpo estava caído, coberto por espinhos longos, do comprimento de um palmo, eu estimava. Alguns espinhos tinham perfurado olhos, eu via um que tinha penetrado a carótida. Um deles estava bem em cima do que teria sido o pomo de Adão do cara um dia. Que agonia.

− Ele morreu por espinhos? – Apontei.

− Pode ser, mas só vamos saber mais depois do legista afirmar algo. – Perto do corpo, tinha um mostruário; o vidro tinha sido estilhaçado, e a almofada onde provavelmente estivera a joia estava vazia.

− Algum sinal de entrada forçada? – Hank perguntou.

− Nenhum até agora. Nem o alarme disparou quando o vidro foi quebrado.

− O assassino deve ter desativado de algum jeito. – Me abaixei perto do corpo. – Só vejo perfurações. Alguma foto da joia? Descrição?

Hank me passou uma fotografia. Era azul, em uma estrutura de prata, uma grande pedra no meio, pendurada em uma corrente com outras pedrinhas menores de decoração.

− Não tem como ver muito mais que isso com todos esses espinhos. – Wu comentou. – Falei com o responsável por essa área, ele me disse que essa joia pertencia à uma família rica daqui de Portland... Bertinolli. Como reconheci o sobrenome, fui pesquisar e... – Olhamos pra ele. – Jonathan Bertinolli foi preso há oito meses por estelionato, participação em tráfico humano e lavagem de dinheiro. A maioria de seus bens, como essa joiazinha, foram confiscados pelo governo. Mas ele conseguiu uma intervenção para que esses itens com passado histórico ficassem em exposição. Só isso, também.

− Conseguiu tudo isso antes da gente chegar? – Estranhei.

− Ué, vocês demoraram.

− Se essa joia valia tanto e não estava confiscada, de maneira propriamente dita, era um alvo fácil. Alguém mais esperto poderia chegar e pegar – Hank contestou. – Bertinolli tem algum parente?

− Divorciado, com dois filhos... Elena e Harry, os dois, maiores de idade. Ambos estão na mansão do pai, ambos vivendo pelo dinheiro do pai, por enquanto.

Raciocinei um pouco.

− Vamos arrumar nossos ternos, senhores, temos uma visita a fazer.

*

Os Bertinolli ficavam em um bairro de alta classe em Portland, e no momento que entrei lá, fiquei me sentindo um mendigo. As casas enormes, bem cuidadas, bonitas, e eu morando na casa de um amigo que pareceria uma cabaninha. Não estou reclamando, mas, caramba, a comparação é inevitável.

Assim que chegamos, percebi quão alto nível Bertinolli realmente era. A casa poderia estar no páreo com uma versão menor da Casa Branca, mas sem a estrutura com ar grego, substituída por colunas normais, maciças, e teto totalmente plano. E era pintada num tom de amarelo fraquinho.

Fomos parados no portão da casa dele.

− Quem deseja? – O guarda perguntou. Hank fez aquele gesto que já tinha nos aberto milhões de portas: mostrou o distintivo.

− Detetives Griffin e Burkhardt. – Rapidinho o guarda nos deu passagem, e entramos, estacionando o carro num cantinho apropriado, caminhando até a porta.

A casa realmente era enorme, com mesas laterais cheias de vasos e estátuas, as escadas de mármore impecáveis ladeando as paredes.

− Um segundo, senhores. – Um empregado subiu as escadas, desaparecendo depois de alguns segundos. Demorou uns 30 segundos, mas logo apareceu o cara seguido de Harry Bertinolli.

Ele tinha o cabelo loiro mel cortado rente ao rosto, os olhos azuis claros, uma barba cheinha, e vestido com um terno cinza de risca de giz. O jeito que o botão do meio estava abotoado me lembrou o capitão.

− Senhores. – Ele nos estendeu a mão. – Harry Bertinolli a seu dispor.

Apresentações rápidas, ele nos conduziu a uma sala que parecia mais um escritório gigante.

− Então, o que posso fazer por vocês? – Ele se sentou em uma cadeira à cabeceira de uma mesa comprida.

− Precisamos fazer algumas perguntas. Houve um homicídio envolvendo uma joia de valor histórico, que pertencia ao seu pai. – Harry ergueu as sobrancelhas.

− Qual delas era? Meu pai tinha muitas. – Ele deslizou os dedos pela barba.

− Essa. – Entreguei-lhe a foto, e Harry ficou surpreso ao vê-la.

− Ah. Essa joia. – Ele a analisou. – Foi um presente pra minha mãe, mas ela a devolveu. É uma joia da década Ominosa, época favorita dela. O que a joia tem a ver com um cara morto?

− Ela foi roubada. – Ele pareceu um pouco mais surpreso, e de repente, uma voz feminina veio de lá de fora:

− HARRY! Harry, você não vai acreditar, eu estava voltando do escritório, aí aquela... – A voz se aproximou, e Elena abriu a porta, ou pelo menos eu supunha ser Elena, porque era quase idêntica a Harry. O cabelo descia liso e castanho, como se fosse uma cachoeira de mel, os olhos claros, era como se o filho do Bertinolli tivesse uma clone mulher. – Ai meu Deus.

− Elena, esses são os Detetives Burkhardt e Griffin... Eles vieram avisar sobre a joia da mamãe, que foi roubada – Suspirei. Não era para aquilo, mas um levava a outro.

− Ai meu Deus – Ela disse um pouco mais alto, e abraçou o irmão. – Roubaram a joia dela? E...

− Senhorita Elena, viemos aqui porque queremos saber se tem alguém que estava interessado nessa joia antes de ela ir pro museu. O ladrão pode ter sido o responsável pela morte do segurança.

Ela parou. Piscou duas vezes, olhou pra baixo e pro lado. E, de repente, explodiu.

− Ah, agora pronto! – Ela jogou a bolsa contra a mesa. – Com licença, detetives, agora! – Ela ordenou, e sua voz foi o suficiente pra nos fazer dar meia volta e sair em dois tempos.

Ouvimos gritos, reclamações, mas não conseguíamos dizer sobre o quê se tratava. Depois de algum tempo de espera, eles abriram a porta, e nos chamaram de volta.

− Perguntem o que quiserem, detetives. Eu e minha irmã responderemos – Harry e Elena se sentaram um ao lado do outro.

− Onde estavam ontem à noite?

Elena se pronunciou primeiro:

− Eu estava na firma. Estou trabalhando como estagiária em uma firma de advocacia.

− E eu estava no trabalho – Harry completou. – Pode perguntar pros meus colegas.

− Vocês sabem alguém que estaria interessado nessa joia? – Hank perguntou. Não deixei de notar que os Bertinolli estavam levemente desarrumados.

− Não alguém que roubaria – Elena comentou, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha. – O mais perto disso seria minha mãe, mas ela definitivamente não iria querer essa joia de volta.

− Sabem de alguém que quer mal ao seu pai, especificamente? – Tentei.

− Detetive, pelo o que meu pai estava envolvido... Deve ter meia Portland querendo ele em execução. Mas não tenho ideia de alguém. – Harry esfregou as mãos juntas.

Eles estavam escondendo algo. Eu podia sentir aquilo.

*

− O que acha que eles não estavam contando? – Perguntei a Hank.

− Não tenho a menor ideia. Vamos dar uma olhada nos arquivos dele, ver se encontramos algum inimigo, e precisamos verificar os álibis. E precisamos ver se temos algum Wesen que consegue disparar espinhos.

− Aposto que tem. – Entramos no carro. – Vamos logo no trailer, aí você tem uma ideia de como é quando formos interrogar o cara.

Encarei meu parceiro.

− Essa é a desculpa mais esfarrapada que eu já ouvi.

*

Eu já esperava que ela estivesse lá, debruçada em um monte de livros. E estava, mas estava só com um, e parecia mais pensativa que qualquer coisa.

− Oi, Alicia. – Ela deu um mini-pulinho.

− Ah, oi irmão. Oi carinha que eu não lembro o nome. – Ela se sentou, economizando espaço. – Qual o Wesen de hoje?

− Porco-espinho. – Apontei a mesa. – Hank, vai sentar lá. Preciso falar com ela.

− Sério? Olha que estranho, você abrindo mão do seu trono... – Revirei os olhos e sentei na caminha.

− Então, ainda quer fazer aquilo? – Alicia virou uma página do livro, meio distraída.

− Quero. – Ela suspirou. – Finalmente, eu vou deixar de ser um nada. É o que eu quero, acabou.

− Hum, ok. Sábado, então.

− Amanhã – Ela corrigiu, sorrindo. – Vamos, alguém tem que procurar esse carinha.

Começamos a folhear os livros, em silêncio, até Alicia perguntar:

− Mas, que caso é esse?

− Huuuum... Joia roubada, cara morto por espinhos, pai corrupto preso, filhos que estão escondendo algo... Precisamos verificar os álibis dos dois antes de acusá-los.

− Poxa. Eu faria de outro jeito.

− Como?

Ela sorriu.

− Colocaria o medo de Deus neles e então perguntaria. – Olhamos pra Alicia. – Foi assim que me ensinaram. E funciona bem.

− E se usassem com você? – Perguntei.

− Nick, eu fui ensinada a bloquear e suportar a dor, e a não revelar nada sob tortura. Não se preocupem comigo, eu tenho jeito. – Ela sorriu, bem normal, como se não tivesse dito que era imune a dor por meses de tortura.

− Hã... Ok, eu acho... Não, não tá ok, mas não vamos refletir sobre isso. – Continuamos a folhear os livros, mais ou menos calados.

Uns minutos depois, Alicia chamou:

− Ei, carinhas, acho que eu achei o carinha que vocês querem! – Ela virou o livro no seu colo. – Espinhoso, é? Stängebar. Hm... – Ela virou o livro pra si e leu um pouco silenciosamente. – Hum, ok. Looongo relato sobre o corte da cabeça... Ah, aqui! “Stängebars são dóceis e inofensivos, mas quando irritados, expõem e conseguem expelir vários espinhos como mecanismo de defesa. Os espinhos são bem rígidos, e aparentemente, sua pele tem a mesma rigidez em woge, já que tive dificuldades para cortar fora a sua cabeça.” Medonho... – Ally virou a página. – E é isso. Poxa, tadinho.

− Nenhum deles deu sequer sinal de ser Wesen. – Suspirei. – Não temos muito. Precisamos saber se Elena e Harry tem álibis consistentes, ou então, ver o que existe sobre o pai deles.

− Elena está trabalhando em uma firma de advocacia, talvez esteja se preparando pra tirar o pai da cadeia. – Hank opinou. – Mas aqueles dois estão aprontando algo.

− Acho que devemos olhar pelo lado da ex-mulher. A joia foi um presente pra ela, quem sabe ela está armando algo pra sujar o nome do ex-marido.

− E pode ser isso que os filhos estão tentando encobrir, a própria mãe. Faz sentido. Vamos lá. – Nos levantamos e beijei a testa de Ally. – Obrigada, pequena.

− Ei! Eu sou quase da sua altura! – Ela gritou, enquanto eu ria baixinho e saía do trailer.

*

Karina Estiel era uma mulher linda e de porte admirável, mas relativamente simples aos meus olhos. Depois de ver Harry e Elena, que pareciam de uma realeza urbana, ela morava em uma casa comum de dois andares, bonitinha e organizada.

Ela nos recebeu muito educadamente, nos ofereceu biscoitos (aquela engolida SECA pra dizer que não), um amor de pessoa.

− E então, o que posso fazer por vocês? – Nos sentamos.

− Senhora Estiel, houve um assassinato em um museu recentemente, e envolvia o roubo de uma joia que havia pertencido à senhora. – Hank era bom em ser direto, e entregou a ela a foto que tínhamos da joia. – Soubemos que a joia roubada lhe pertencia.

− Ah, sim... – Ela analisou a foto com olhos tão frios e escuros quanto a safira. – Jonathan me deu de presente de noivado. Ela foi roubada?

− Sim, e... – Ela cortou Hank o mais rápido possível.

− E eu sou suspeita. – Ela reclinou-se. – Pois bem, eu lhes dou logo meu álibi. Eu estava na casa de uma amiga, Julia Garcia. Agora, podem fazer as outras perguntas.

− Essa sua amiga pode nos confirmar? – Karina pegou o celular e ligou para um número estranho. Uns segundos depois, ela atendeu.

− Oi, Julia! – Elas conversaram algumas coisas aleatórias por uns minutos, e eu comecei a considerar os biscoitos, até que ela interrompeu a amiga: − Querida, eu adoraria conversar, mas... Preciso que você diga – E ela colocou no viva-voz. – Onde eu estava ontem à noite?

Ué... Aqui em casa, oras! Já esqueceu? Falamos até do Giovanni e como ele fica gos...

− Chega, amiga, tá ótimo. Obrigada. – Ela desligou o celular. – Agora sim, senhores.

Nos entreolhamos e erguemos as sobrancelhas. Aquela mulher sabia como lidar com interrogatórios de uma maneira peculiarmente boa.

− Então... Sabe de alguém mais que queira essa joia?

− Há! – Ela riu. – Apenas um bando de colecionadores. Qualquer idiota com meio cérebro saberia que pode ficar rico com uma joia dessas. – Obviamente ela havia ficado irritada com nossa suspeita sobre ela. – Mas, interessados, realmente? Não. Não sei de ninguém.

Aquilo ia ser difícil.

*

− Repassando – Eu e Hank estávamos na nossa mesa, no distrito. – Karina aparentemente tem um álibi, Harry e Elena também tem, o Wu precisa checar se os álibis deles são reais mesmo e...

− Tudo eu, tudo eu. Aqui umas coisas interessantes sobre Jonathan. Estou confuso até agora. – Wu nos entregou um envelope.

Ué, tá bom. Hank o abriu, dando uma breve analisada.

− Hum... Ei, dá uma olhada nisso. – Ele me passou a ficha. – O cara tá metido em três processos, e a mulher que deu início com o processo de divórcio, oito meses antes de Bertinolli ser pego com seus esquemas.

− A mulher tem algo a ver. Karina nos escondeu algo. – Comecei a pensar. O que poderia ter aí? – Algo mais?

− Aparentemente, Jonathan fez algumas transações de grandes quantias pra uma conta em um banco na Suíça. O que torna impossível descobrir pra quem, desde que bancos suíços tem uma política de privacidade muito grande. – Hank largou a ficha na mesa. – Não vamos a lugar nenhum assim.

− Pode ser parte do esquema de lavagem... Com o dinheiro nos paraísos fiscais, seria fácil se livrar... E mesmo assim ele foi pego.

− Bertinolli deveria ser fofoqueiro. – Hank opinou. – Mas, por enquanto, só temos ideias.

− Se a mulher deu o divórcio antes, ela teve outro motivo. Quem sabe ela que descobriu a lavagem de dinheiro primeiro? – Opinei. – E talvez quisesse evitar o escândalo.

− Só a separação deles já seria um escândalo. – Hank suspirou, a ficha na mão. – Temos que esperar. Se eles tiverem álibis verdadeiros, voltamos à estaca zero.

*Alicia*

Adivinha quem ficou sem fazer nada? Eu. Menina Alicia.

Dar voltas pela cidade não era muito instrutivo. Michael não tinha pipocado, nem brotado, nem saído das sombras, nem caído do céu, nem me seguido. Decepcionante demais. Eu não sabia quais os riscos de voltar e encontrar Juliette “tendo relações” com o fantasma do meu irmão...

Bom, não tinha mais nada a fazer, que tal sair com as amigas? Pois é, mandei mensagem pras meninas e fui pra um café ali perto, cujo cheirinho dos grãos tostados, vindos lá de dentro, estava me encantando.

− Oi, Alicia! – Quase que um coraçãozinho flutuou da boca de Emily quando ela falou. – Fazia um booom tempo que a gente não saia assim, né?

− Oi... Cadê a Barbie? – Perguntei, ao notar a ausência de nossa terceira amiga.

− Ah... Ela disse que ia demorar pra vir. Não sei porque. – Emily sentou-se, e mais uma vez eu me senti uma pobre ao lado dela, sentada daquele jeito bem portado, linda. – Enfim, não vai pedir nada?

− Ahn, não. Eu não estou com fome. Só queria conversar com vocês. Passar um tempo juntas... – Eu suspirei. – Ultimamente está tão estranho. Quer dizer...

− Dois homens te beijam, você está apaixonada, você encontrou seu irmão... – Fomos interrompidas pelo sino e pela Barbie entrando na cafeteria e sentando ao nosso lado.

− Oie! Desculpe a demora... – Ela sentou. – Quais os babados de hoje?

− Nenhum, só quis sair com minhas amigas.

− Ah, eu tenho um. – Emily se ajeitou mais (isso é sequer possível) e sorriu: − Meu namorado está vindo pra cá.

Eu e Barbie e Emily cruzamos olhares.

− O QUÊ?

− SIM! – Ela quicou na cadeira. – Quer dizer, a gente vem se falando desde... Um tempo aí, enfim, ele disse que vem me ver. Vocês vão finalmente conhecê-lo! – E ela desatou a falar do namorado, como ele era legal e lindo e maravilhoso e parecia que ele tinha caído do céu. Ai, Jesus.

Esperamos ela terminar seu falatório, trocando olhares aqui e ali, rindo entre nós e internamente do quanto ela estava animada, e também admiradas com o brilho que ela parecia emanar (e com tanto fôlego).

− Okay... – Eu disse, baixinho quando ela parou um pouco. – Bem animada, né?

− Mais que animada... Tenho certeza que vocês vão amá-lo. Só não tanto quanto eu. – Ela sorriu. – Mas enfim, ele chega nesse sábado. Eu estou elétrica.

− É... Vou compartilhar uma notícia também. – Barbie bateu as mãos nas coxas. – Eu reencontrei minha família.

Dessa vez, nossos olharem foram dois de choque versus um calmo. Bárbara estava preparada, eu sentia aquilo, a calma, cada inspiração e expiração indo e vindo.

− Mas, Barbie...

− Espera. – Ela levantou a mão. – Eu consegui achá-los na internet, claro. E... Eles estão felizes. Mas, quando eu fui baixando a linha do tempo... Eu achei uma coisa do meu irmão. Era um texto dele, mais ou menos por volta das primeiras semanas que eu desapareci. E... – Ela respirou fundo, e Emily segurou a mão dela. Eu, do meu modo, coloquei a minha sobre as delas. – Ele fala de um jeito que parte o coração. Que não era a minha família que tinha perdido uma parte de si. Era um corpo que tinha perdido uma perna. Quer dizer... – Ela engoliu seco. – Eu não posso ficar aqui, não sabendo que mesmo depois de terem se recuperado, eu faço pra eles a falta que eles fazem pra mim.

− E a gente? – Perguntei. – Bárbara, esse tempo todo estivemos juntas... Acha que você não vai nos fazer falta? Nós somos...

− Sua matilha! – Emily disse. – Eu era uma Spinnetod, nunca tive essa ideia de irmandade. Mas nunca precisei ser uma loba pra entender o que é amar nossos amigos. E depois de me tornar híbrida, eu sei como isso é! E você é a minha matilha, Bárbara Christine! A minha! – Os olhos de Emily brilharam, vermelhos. Ela respirou fundo e controlou o tom. – Por favor, Barbie. Não vai, pelo menos não agora. Vamos... – Ela apertou a mãozinha de Barbie entre as suas. – Vamos nos estabelecer aqui em Portland. E podemos, você pode, ir vê-los. Mas você tem que voltar. Eles são a sua família, mas nós somos... Pack.

Encarei as duas.

− Ela tem razão. – Reforcei. – Mas, Emily, Barbie tem uma família além de nós. Ela precisa vê-los também.

− Mas... – Ela virou pra mim, e eu ergui uma mão.

− Sinto, Emy. Mas eu estou com a Barbie nessa.

− Eu prometo que não vou agora, e quando for, vou falar com vocês todos os dias. – Ela ergueu uma mão, e eu a peguei. – Eu prometo. Vocês são tão minha matilha quanto eles foram.

Sorrimos com o amorzinho dela, e relaxamos, de volta a nossos lugares e conversando como se nada tivesse ocorrido. Emily parecia luminosa, Barbie, pensativa. Eu estava mais é com a cabeça em mil problemas e me sufocando pra saber como sairia da metade deles.

*Nick*

Nada, absolutamente nada, acontecia. Estava um tédio só por ali, e eu não conseguia pensar em outra coisa além do caso. Tinha algo faltando, com certeza, e minha intuição só conseguia pensar no banco suíço. Eu sentia que a chave pra quase tudo (42?*) estava no destinatário daquelas transações. Tinha que ter algo. Tinha que ter como.

− Nick, conseguimos. – Hank chamou. – Conseguimos descobrir pra quem recebeu o dinheiro. E eu estou meio surpreso, pra ser sincero.